Minha querida Anne,

            Estou bem. Muito bem. Não entendo muito bem porque estou escrevendo esta carta a você, mas, senti necessidade de escrevê-la. Lembro-me muito bem dos dias que passamos juntas. Brincávamos todos os dias de chá, festinhas, éramos princesas. Você fazia-me companhia nas horas em que meus pais saiam, e quando eu ficava com medo você sempre cuidava de mim, dizendo que estava tudo bem e que nunca e nem ninguém me faria mal algum. Dizia todos os dias que me lembro de minha infância que éramos como unha e carne, uma precisaria da outra, sempre. Não era bem o que você queria, não era nada pra você, não precisava de mim. Tudo era apenas um sonho afinal.

            Também me lembro de tudo de ruim que fizeste para mim. Lembro dos gritos, das noites de tortura, do sangue, da minha voz ecoando por todo aquele lugar. Lembro das vezes que me pedia para brincarmos e você me prendia e me tortura, o meu sangue escorria por toda a minha pele, a minha garganta sangrava de tanto pedir ajuda de alguém, alguém que nunca veio.

            Queria poder dizer a todos que você, para mim, foi a melhor coisa do mundo, mas, assim estaria mentindo para os outros, para mim, para as minhas lembranças.

            Lembra-se do dia em que corremos para o jardim e rodamos até ficarmos zonzas e cairmos no chão? Da quantidade de biscoitos com chá que comemos? Das lindas flores que estavam a desabrochar? Sim, lembro-me de tudo aquilo e do que fez a mim na mesma noite.

            Das correntes amarrando os meus pulsos, dos cortes feitos pelo meu corpo, pelo meu olho que, dizia você, que ficaria mais bonito vazado. Lembro-me de todas aquelas dores e que, dessa vez, eu não gritei e nem chorei, pois seria a última vez que faria isso comigo.

            Quando me deixaste, fugi com pressa e medo de me descobrir. Com a ajuda de alguns que trabalhavam na casa, pois, eles ouviam meu sofrimento e viam minhas lágrimas e cuidavam dos meus machucados. Passei dias, semanas, meses e anos com medo de vir atrás de mim, de querer me levar de volta. Mas você não veio.

            O Pior de tudo não era que as feridas, as cicatrizes, e sim o que deixou em meu coração, em minha mente. A loucura tomou conta de mim, da mesma maneira que tomava ou toma conta de você. Morei na rua, dormia nas esquinas, não tinha medo de nada, não poderia pensar em coisa pior do que voltar para aquele lugar que era meu inferno, e sobrevivi a tudo aquilo. 

            Sim, se escrevo-lhe hoje é porque alguém me salvou. Salvou-me de toda aquela loucura que me controlava, que me dominava por completo, sem pedir licença. Essa pessoa fui eu. Eu quis mudar, seguir minha vida, mudá-la de tal maneira que mudaria a vida de todos a minha volta com o carinho que me restava para distribuir a todas as pessoas. Hoje, por causa de suas brincadeiras, não viverei por muito tempo. Acho que foi por isso que escrevo-lhe hoje, dessa tal necessidade. Queria que pode-se sentir algum remorso por tudo que fizeste a mim, mais vejo que não será assim, pois, és apenas uma bela e traiçoeira boneca e, como todos dizem, bonecas não tem coração, pois são feitas de pano ou outro material qualquer, mas, ao dar-lhes carinho, talvez elas possam mudar para algo bom. Eu acreditei nisso com todas as minhas forças a cada dia que passamos juntas, a cada momento que dividimos de nossas vidas, a cada segundo que vivíamos. Mas, vi que tudo aquilo foi inútil, que foi apenas um sonho de uma pessoa que queria ser feliz com sua pequenina, porém maléfica Anne. Espero que se lembre de mim e de tudo que fizeste por mim.

            E, quem estiver lendo esta carta for mais uma das vitimas dessa pequenina psicopata, por favor, resista, pois existem coisas mais bonitas no mundo do que este jardim e essas rosas. Existe vida, amor carinho e esperança em cada pessoa deste mundo, sem exceções de raça, cor ou credo. Viva a cada minuto e, tente, por tudo que é mais sagrado, resistir, pois ela é só uma boneca oca, sem sentimentos e sem um pingo de amor pelas pessoas.

Da pessoa que tanto torturou e sua antiga dona,

Alice.