Minha Casa, Minhas Regras escrita por AelitaLear


Capítulo 1
Rancho Stryder




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Rancho Stryder, 1967, a sombra de Picacho Peak.

 Era a décima vez que eu lia esse livro, mas eu sabia que ainda não era o suficiente para que compreendesse tudo. O triângulo das Bermudas era seu nome, já estava desgastado de tanto folheá-lo. Era ficção cientifica, e eu era apaixonado por isso.

Por mais que a classificação fosse essa, eu achava que ficção não era tão ficção assim. Meu irmão me chamava de louco, mas eu sabia que não estávamos sozinhos. O universo não era só nosso.

Algo em mim, podia ser chamado de intuição, dizia-me que em breve o mundo seria ocupado. Lendo esse livro, mais ainda eu acreditava em vida em outros planetas, por mais que isso fosse classificado como lenda, mito, mentira.

Suspirei, fazia um bom tempo que eu não esticava as pernas. Coloquei meu livro em uma mesa que estava ao meu lado, estiquei todas as minhas juntas, provocando estalos.

— Nada como um passeio no rancho! – Murmurei sozinho, não tinha mais ninguém ali, só eu.

O rancho era enorme, muitos hectares desconhecidos e encobertos pela vegetação. Tinha uma pequena casa, uma edícula que ficávamos quando vínhamos passar um tempo. Era rodeado por picos, e o principal era Picacho.

Levantei da cadeira, ela rilhou quando o fiz. Pela varanda onde estava, podia notar que o sol estava há minutos para chegar a pino. No meio do deserto seria calor, por isso eu precisava pegar uma trilha diferente.

Desci as escadas olhando a vegetação, outrora eu iria para o sul, mas hoje algo me dizia que o caminho certo seria ir em frente, rumo ao oeste. Fora que o sol ficaria mais calmo para esse lado.

Caminhei alguns metros e entrei numa vegetação de chollas, um tipo de cacto formado no deserto. Sempre ficava atento para cada passo, não queria me perder, e precisava memorizar cada ponto a minha volta.

Mais a frente, encontrei um lugar novo, que eu nunca tinha visto. Tinha algumas rochas vulcânicas espalhadas pelo chão, pareciam ter nascido ali. Entre elas, homogeneamente, tinha alguns tipos de vegetação rasteira, como se alguém as tivesse colocado naquele lugar.

Essa pequena, e nova, descoberta me encantou. A curiosidade aflorou, junto com o fascínio para conhecer ares novos. Por isso eu gostava tanto desse lugar, cada dia era uma nova surpresa.

Não hesitei caminhar em frente, meus pés até formigavam de vontade de conhecer, algo que sempre prezei foi o conhecimento, a pesquisa, a busca. Cada passo que eu dava me deixava extasiado.

Andei até uma formação rochosa encoberta por folhas, senti que debaixo de meus pés algo se desestabilizava.  Tudo se movia debaixo, a areia ia sumindo aos poucos, não deu nem tempo de pensar. Eu tentei pular, mas foi tarde demais.

Tudo desmoronou sob meus pés.

Eu caí num amplo e profundo buraco, a última coisa que senti foi o vento batendo no meu rosto e a pancada de minhas costas contra o chão.

A dor foi imensa e eu quase não consegui respirar, meus olhos foram se fechando automaticamente, e eu não consegui segura-los. Cai na inconsciência...

 

Abri meus olhos depois de um longo tempo, eu não sabia quantas horas, mas meu estômago denunciava que não era pouco. Olhei em volta para descobrir onde estava, voltei na memória para lembrar os últimos fatos.

Eu tinha caído nesse lugar, e não sabia exatamente onde estava. Olhei para os lados e só via negror, algumas poucas luzes misturadas e distorcidas com a escuridão. Reparei melhor nessas luzes, eram estrelas. Só que entre eu e elas havia um teto, o que impedia a saída.

Olhei em volta e continuei sem ver nada, apenas o negrume. Respirei fundo, não sabia o que fazer em relação a isso, como eu ia sair desse lugar?

Antes de qualquer questionamento, eu precisava saber qual era a minha situação. O tombo foi grande, e isso teria conseqüências.

Eu estava vivo, isso era um milagre. Sentia uma dor de cabeça, mas isso provavelmente era  fome. Meus braços doíam principalmente os ombros, mas a dor era amena, não corria o risco de estar quebrados.

Também sentia alguns lugares com pequenas pontadas, provavelmente teriam a cor roxa em breve, se eu saísse vivo.  Uma de minhas pernas estava amortecida, impossibilitando-me de caminhar.

Funguei, não teria jeito de eu sair daqui tão cedo, não com essas pernas temporariamente inúteis. Minha cabeça latejou novamente, e junto com ela veio o cansaço, fechei meus olhos e acabei dormindo.

Bem que tudo isso poderia ser um sonho, bem que eu poderia acordar na minha cama do rancho, totalmente descansado e sem dores. Mas isso era uma profunda ilusão, eu estava dentro desse buraco, com dor e fome.

Abri meus olhos e o ambiente estava um pouco distinto do que vi na noite passada. Já era dia, eu tinha certeza. Das fendas que vi ontem, saiam raios de sol, pequenos raios, mas que melhoravam meu alcance de visão.

Agora eu podia sentir minhas pernas, meu corpo parecia estar recuperado um pouco do tombo. Pelo menos eu sou um homem forte e consegui resistir à queda sem quebrar nenhum osso.

Levantei metade de meu tronco, pude olhar melhor o perímetro. Pelo que meu alcance de visão atingia, mais a frente tinha lugares para explorar. Mais adiante eu via outras fendas com raios de sol atravessando.

Bem acima de minha cabeça eu via o buraco que causou minha queda, por mais que quisesse escalar e subir, era impossível. A altura era grande, eu nem acredito como pude resistir à queda.

Eu estava com sede e fome, minha garganta estava grudada e eu sentia meu corpo em pouco mole. Por mais que eu tenha resistido, ainda não tinha certeza se ia conseguir sobreviver.

O desespero percorreu meu corpo, eu queria viver, eu precisava viver. Levantei do chão num súbito, senti tontura, meus olhos escureceram pelo movimento acelerado e repentino. Já devia fazer um bom tempo que eu não comia.

Olhei mais uma vez para os lados, tinha uma fenda que levava à algum lugar. Eu tinha certeza que encontraria outra saída, era impossível existir apenas essa sobre minha cabeça.

Comecei a caminhar, lentamente, devido à desnutrição. Eu ainda estava um pouco tonto por causa de tudo, procurei tomar cuidado. Entrei pela fenda e tudo escureceu, não via mais nada, nem mesmo as minhas próprias mãos.

Automaticamente, quando me senti em perigo por causa do escuro, deslizei meu corpo para um dos lados onde tinha parede, para me apoiar. Senti as rochas irregulares, aquilo me deu uma segurança maior. Abaixei meu corpo para que ficasse de joelhos, diminuindo a área do meu corpo.

Fiquei feliz, pela primeira vez nessa tragédia, por ter colocado uma calça logo de manhã. Não seria nada fácil me arrastar por esse chão desconhecido com os joelhos à mostra.

Não sei dizer quanto tempo caminhei, por que meu engatinhar era irregular. Quando sentia que o perigo estava próximo, eu diminuía, mas logo a confiança voltava e eu acelerava. Depois de segundos incontáveis, enfim vi luz.

Sorri ao ver a luz no fim do túnel, enfim eu tinha achado a saída. Meu estômago se retorcia de fome, e minha boca grudava de secura. Ainda bem que eu encontrei, agora eu poderia sair e...

Olhei novamente para a luz, e toda a minha esperança se desfez. Eu deveria ter notado que a iluminação não era suficiente para isso. Era mais um lugar alto com fendas no teto, iluminando a caverna.

— Droga! Eu ainda acho a saída. – Resmunguei, depois me arrependi, falar agora não era um bom negócio.

Minha garganta secou ainda mais quando falei, a necessidade de água priorizava agora. A comida não era tão importante, mas a água sim. Eu tinha que dar um jeito e sair desse lugar.

Agora que eu podia enxergar, temporariamente, resolvi andar sobre dois pés. Levantei e senti algumas dores, deviam ser de ficar muito tempo abaixado, pelo menos às dores da recente concussão não estavam mais lá.

Olhei meu estado, meu corpo estava um pouco arranhado em alguns pontos, nada que preocupasse no momento. Havia algumas manchas roxas espalhadas, umas de batida, e outras da terra púrpura que cobria esse lugar.

Reparei na minha volta para analisar o lugar, para onde eu ia afinal? Tinha quatro tubos que poderiam levar à algum lugar, um deles eu não poderia utilizar, por que era de onde tinha vindo.

Marquei bem aquela localização, o tubo que vim, eu ia localizá-lo como sul. Pelo meu senso geográfico, eu deveria estar certo. O paralelo seria o norte, e os que formavam ângulos de noventa graus, nomearia como leste e oeste.

Bom, pelo meu raciocínio obvio, a saída seria paralela a entrada, portanto eu teria que entrar pelo túnel norte. Respirei fundo e caminhei pelo túnel frontal.

Novamente a escuridão dominou, voltei à posição abaixada para a minha própria defesa. Eu tive mais sorte nesse caminho, não demorou muito e eu achei o final.

Só que dessa vez eu não encontrei nada parecido com a saída, apenas escuridão e uma parede na minha frente. Tive sorte de estar com uma mão na frente e poder senti-la antes de dar de cara com ela.

Dei meia volta e continuei meu percurso, logo vi a luz da cavidade principal. Novamente entrei em um conflito de ideias, aonde eu iria dessa vez?

A resposta veio instantaneamente, iria para o leste. Como eu estava errado em relação à saída, eu precisava procurá-la em lugares não óbvios. Escolhi esse túnel por ele ter uma abertura um pouco maior que os outros.

Não preciso mencionar que esse túnel também era escuro, só que tinha algo incomum que os outros. Notei que o túnel sul e norte eram mais retos, com poucas curvas.

Já o túnel leste possuía uma curva, não apenas uma leve curva, mas uma brusca em formato de V. Senti cada região direita desse V e do resto do túnel, o achei peculiar, mas mesmo assim não vi nenhum sinal de saída.

Voltei para a sala mais iluminada, frustrado. A saída tinha que ser no oeste, se não fosse, não haveria outra, e eu provavelmente morreria. Eu já tinha perdido esperanças de encontrar, mas mesmo assim resolvi explorar.

A esperança voltou quando notei que o oeste tinha mais luz que os outros. Também era mais longo, por isso provavelmente no final eu encontraria a saída. Dessa vez não precisei caminhar agachado.

A luz aumentava conforme eu andava, e mais uma vez enxerguei uma luz no fim do túnel. A iluminação ficou instável e eu tinha quase certeza que a saída era ali.

Mais uma vez fui enganado, essa abertura levava a outra, como a sala principal de antes. Nessa nova sala, a iluminação era maior, as frestas de luz eram mais amplas e dava para analisar melhor.

Tinha cerca de três túneis, incluindo com o que eu acabei de vir. Pelo menos seria mais fácil encontrar a saída, se ela existisse.

Esse túnel tinha algo esdrúxulo, um som que não existia nos outros lugares. Por falta de comparação melhor, eu poderia dizer que aquilo era um burburinho de pessoas conversando. Claro que não era, pois ninguém poderia sobreviver nesse lugar.

Notei que esse som vinha de um túnel à direita, então resolvi tomar esse rumo para averiguar o som. Quem sabe não fosse a melodia da saída?

O caminho era muito úmido, sentia que o calor e secura do deserto melhorava. O barulho aumentava à medida que eu me aproximava, a luz também ficava maior, será que realmente eu tinha achado?

Enfim vi a abertura, saí as pressas, o lugar era muito iluminado, e demorou um tempo para os meus olhos se ajustarem. O barulho continuava, e quando me dei conta do que era, fiquei surpreso.

Era barulho de água corrente, de muita água corrente. Demorou para eu acreditar quando vi, duas fontes imensas de água limpa. Eu não pensei duas vezes quando corri para beber quanta água coubesse no meu estômago.

 Agachei na beirada do rio e comecei a ingerir o líquido, quase nem respirava, só engolia. Nem mesmo me importei se era boa, se não estava envenenada.

Minha garganta, que já fazia tempo que estava seca e grudada, agora estava totalmente aliviada, não sei dizer quanto bebi, mas pelo volume do meu estômago, foi bastante.

Por mais que eu sentisse fome, só de me hidratar com água já era um alívio. Agora eu até conseguia pensar melhor sobre as coisas, raciocinar. Foi realmente uma sorte, um milagre que encontrei essa fonte.

Agora pude sentir que meu corpo estava cansado, eu não tinha idéia de quanto tempo eu estava aqui. Eu sentia sono, e cansaço por causa de não comer. Resolvi me render ao sono.

 

Acordei com a boca seca, eu dormi muito, estava totalmente descansado. Fui para perto da fonte e bebi toda a água que podia agüentar.

Fiquei curioso para saber se a outra fonte de água era boa, se fosse, seria um desperdício ter tanta água aqui, num lugar desconhecido.

Atravessei o primeiro rio, depois caminhei até a outra fonte. Hesitei antes de colocar a mão, por que senti que calor emanava dela.

Resolvi não forças a sorte, eu já tinha uma fonte, não precisava arriscar e queimar minha mão e testar essa outra. O calor que vinha dela era muito forte, poderia ser água fervente.

Voltei para o outro lado do rio e me sentei. Pelo menos agora eu poderia relaxar um pouco e pensar, antes de voltar e procurara uma saída.

Esse lugar era incrível, apesar de tudo. Daria um ótimo esconderijo se eu precisasse no futuro, uma ótima carta na manga. Sempre gostei de me preparar bem para as coisas. Os Stryders são assim.

Quem sabe se o fim do mundo chegasse, esse lugar não prestaria para alguma coisa? Eu já podia imaginar coisas que eu poderia fazer aqui...

Com certeza se eu saísse vivo dessa, eu iria construir um ótimo esconderijo. Se eu manipulasse bem alguns espelhos, poderia aumentar essa iluminação, sem que mostrasse meu esconderijo.

Esse lugar era grande, poderia ser bem explorado. Claro que antes eu iria dar preferência para encontrar a saída, mas se  tudo desse certo, eu iria construir uma casa para mim.

Minha casa...

Continuei com meus pensamentos, imaginando uma verdadeira colonia dentro desse lugar. A noite novamente chegou, junto com o cansaço. Não hesitei em dormir.

 

Os dias foram se passando em uma velocidade incrível. Eu não sabia mais se tinha estômago, de tanta fome que sentia.

Procurei em todos os lugares, várias vezes, para encontra a saída, agora eu conhecia praticamente cada canto dessa caverna, minha sorte era que eu tinha água, se não estaria morto.

Pensei em mergulhar na fonte de água, para ver se ela saia em algum lugar. Mas eu não achava viável, não suportaria tanto tempo sem respirar, e a fome só me atrasaria.

Provavelmente esse rio levaria a terra, deveria ser um reservatório de lençóis freáticos. Eu conhecia pouco meu rancho, mas sabia que não existia nenhuma nascente aqui perto.

Tentei escalar o lugar de onde cai, mas não tive forças nem para chegar à metade. Acabei caindo novamente e entrando na inconsciência. Todos os machucados que curei pelo tempo, voltaram a se abrir.

Mais dias foram se passando, agora eu me arrastava em busca da saída. A fome era tanta que eu não parava em pé, simplesmente desmaiava. Estava disposto a comer pedra de tanta fome.

Não existia saída, isso era claro. Eu não acreditava como podia ter sido tão burro e caído aqui, agora eu ia morrer, e não havia meio de tentar pedir socorro e sobreviver.

Eu me arrastava agora para o túnel leste. Onde tinha o V. Pela décima vez eu estava procurando alguma fenda para que eu entrasse e escapasse.

Esse seria um bom lugar para morrer, um lugar tão escuro como de uma sepultura. Bom, só me restava me encolher num canto e esperar pelo momento final, pelo meu epitáfio, minha morte!

Parei bem na frente da curva do V, comecei a engatinhar pára a frente, queria bater em uma parede e ficar ali, dar meu ultimo suspiro. Notei que eu nunca tinha explorado o lado esquerdo da curva.

Eu sou tão novo, mal tive tempo de conhecer o mundo. Era forte, sempre fui capaz e inteligente. Por que eu teria que morrer justo agora? Continuei caminhando sem fim para lugar nenhum.

Era muito estranho, eu deveria estar delirando, mas tive a impressão de estar subindo. Será que era assim que eu iria morrer e ir para o céu? Eu não encontrava a parede, então deveria ser loucura.

Continuei subindo para o lugar irreal, cada momento eu sentia mais o terreno ficando íngreme. Sentia um calor vindo, eu sabia que meu fim estava próximo.

Por que Deus não me levava embora logo? A morte era assim mesmo? Agente tinha que subir todo esse caminho, andando?

Realmente esse era o meu fim, vi a luz, a luz que todos deveriam ver nos momentos finais. Ela foi crescendo até eu senti-la sobre meu corpo.

Fechei os olhos antes de olhar para tudo aquilo, antes de morrer, eu ainda queria ter aquele flash back da nossa história de vida. Lembrei-me de quando era criança, e brincava de me esconder, sempre fui um dos melhores garotos da sala de aula, eu era esperto e astuto.

Lembrei-me que eu nunca tinha encontrado ninguém para amar, afinal, eu era bem novo, nem deu tempo. Outra reminiscência que percorreu minha mente foi da minha família, dos meus pais amorosos e da minha irmã e meus dois irmãos.

Nunca mais ia vê-los, esperava que eles não sofressem como eu. Esperava que pelo menos eles achassem meu corpo, quem sabe, eu poderia ter um enterro digno. Não havia mais jeito, eu precisava abrir os olhos e encarar a realidade...

Olhei em volta para ver o paraíso, tive uma surpresa, a maior surpresa de todas! Não era o paraíso que eu via, e sim o seco deserto que rodeava o Rancho Stryder! Eu tinha encontrado, enfim encontrei...

Eu estou livre!

 


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