O Filho Pródigo escrita por Cat Cullenn


Capítulo 1
ONE-SHOT




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Filho pródigo: aquele que, à imitação da parábola do Evangelho, volta a casa dos pais depois de longa ausência.

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Sempre gostei de velocidade. Mas, diferentemente do usual, dessa vez eu não corria.

Não que não tivesse pressa. Ao contrário. Mas meu nervosismo me impedia de avançar mais rápido.

Meus dias longe de minha família foram mais difíceis e insuportáveis do que poderia imaginar. A decisão de partir foi uma das mais difíceis que já tomei; sabia que minha ausência magoaria extremamente Esme, e isso era algo que, definitivamente, eu nunca desejei fazer.

Mas o pior de tudo era decepcionar Carlisle.

Apesar de não ter escolhido essa vida, eu era - e sempre seria - eternamente grato à Carlsile. Desde o momento em que me transformou, impedindo, dessa forma, que eu morresse de gripe espanhola, Carlisle cuidou de mim e me tomou como seu verdadeiro filho, ensinando-me sua doutrina moral, que era complatamente diferente de todos os outros da nossa espécie.
 
Carlsile não caçava humanos. Intitulava-se vegetariano: não via os humanos como presas, como simples fonte de alimento. Alimentava-se apenas de sangue de animais, e devo admitir que tal ato deve ser sumariamente parabenizado.

É necessário um auto controle indescritível para isso: renegar a sede e os instintos inerentes à nossa espécie não é, nem de longe, uma tarefa simples.

Eu, por exemplo, falhei.

Não posso dizer que falta de perserverança seja uma de minhas características mais fortes. Afirmar, contudo, que eu não sentia uma extrema frustração por jamais ter experimentado o sabor pelo qual meu organismo clamava, seria mentir.

Tal frustração crescia pouco a pouco, a cada longo e interminável dia. Tentei de várias formas canalizar meus pensamentos em outras coisas, mas tal exercício tornou-se falho: a eternidade tem o condão de proporcionar minutos extensos, e não consegui encontrar distrações suficientes para dispersar a idéia que tomava forma.

Então ela se solidificou.
 
Apesar de decidido, deixei para trás Carlsile, Esme e Rosalie com um aperto dentro de meu peito. Prendi-me à idéia de que, apesar de não continuar seguindo o estlio vegetariano em que fora doutrinado, não deixaria de seguir totalmente os ensinamentos morais que meu pai havia me ensinado.

Utilizando-me de meu dom de ler mentes, decidi alimentar-me meramente dos que não mereciam viver.

Foram anos caçando a escória. Pessoas dos piores tipos: marginais, traficantes, assassinos, estupradores; cafetões e cafetinas que utilizavam-se do corpo de terceiros com intuito de lucrar; pedófilos; mães e pais que abusavam de seus próprios filhos – para mim, um dos piores tipos.

Meu corpo fartou-se do objeto de desejo tanto ansiado, apesar de saber que o sangue daqueles miseráveis não eram, nem de longe, o mais saboroso existente. A maioria daquelas pessoas perdidas utilizavam drogas, dos mais diversos tipos, o que interferia no sabor.

Minha mente ainda vagava quando meu corpo estancou. Estava em frente à porta que havia cerrado, há tempos atrás. Engoli em seco, meu nervosismo impedindo que eu respirasse.
 
Eu não podia voltar. Não tinha esse direito. Havia renegado minha família, meu pai, tudo o que ele acreditava e havia me ensinado. Virei de costas, deixando a covardia falar mais alto, mas convicto de que, daquele momento em diante, ainda que não o tivesse em meu convívio, pregaria tudo o que ele me ensinou e seria uma pessoa melhor.

Antes que conseguisse me afastar dois passos, tornei a parar. Esme estava chegando, e também havia estancado, assim que me avistou. Tinha os olhos claros e amarelados, tão diferentes dos meus próprios olhos, então em um tom vermelho escuro. Havia acabado de caçar, com toda certeza.

Edward...

Seu pensamento incrédulo me atingiu com uma violência tamanha, que minhas mãos se fecharam, caídas ao lado de meu corpo. Uma profusão de pensamentos felizes me invadiu, numa onda de amor e acolhida inesperada, que fez meus olhos arderem, como nunca havia sentido.

- Esme...
 
Ela atravessou o curto espaço que nos separava em tempo récorde. Vi, em sua mente, que ela ansiava por me abraçar, mas não o fez, receosa de como eu reagiria, e por isso parou a um metro de mim.

Meu Deus, como é bom ver você! Edward, se você soubesse... Se pudesse imaginar quanta falta você nos fez...

Fechei os olhos, enquanto assentia silenciosamente com a cabeça. Sim, a recíproca era verdadeira. Ali, tão próximo de meu passado acolhedor, eu percebi o quanto eu senti falta de minha família, mais do que poderia supor.

- Eu também senti muito a sua falta, Esme... de você... de Rosalie... de Carlisle.

Esme sorriu, um sorriso repleto de amor e condescendência.

Carlisle deve ter ficado contente com a sua visita... Ele não é mais o mesmo, desde que você decidiu partir. Uma parte dele – uma grande parte – foi junto com você. Nenhum dia se passa sem que seu nome seja pronunciado em nossa casa.”
 
Seus pensamentos me mostraram que Esme achava que eu estava de saída, quando ela chegou. Ela acreditava que eu já havia falado com Carlisle – com meu pai – e que minha breve visita já tinha acabado.

- Não falei com Carlisle, Esme. Eu... não tive coragem.

Era difícil admitir minha fraqueza. Percebi que não tinha motivos para isso: Esme tornou a sorrir, aquecendo meu coração imóvel.

“Você não precisa de coragem, Edward. Essa é e sempre será sua casa, sua família. Você pode vir nos visitar todas as vezes em que sentir vontade, e pode ter certeza de que sempre será bem recebido.”

- Eu não vim fazer uma visita, Esme.

A respiração dela acelerou-se. No momento seguinte, toda a precaução anterior evaporou-se e seus braços envolveram meu corpo, num abraço aconhegante.

“Obrigada, meu filho. Obrigada por trazer a felicidade de volta.”

Aquele pensamento teve um impacto imenso sobre mim. Esme me agradecia por voltar... Quando o que eu buscava era seu perdão, e a chance de poder retornar para o seio caloroso de minha família.
 
Ela entrou e me puxou pela mão. O lugar continuava exatamente como me lembrava: algumas modificações foram feitas, mas a personalidade de cada um continuava implícita em cada objeto. Meus olhos recaíram sobre o piano, estático no meio da sala, e imaginei quanto tempo não sentia o prazer das teclas sob meus dedos, a melodia ecoando pelo ambiente, produzida por meu estado de espírito.

Vou chamá-lo. Não saia daqui.

Esme despejou um beijo rápido em meu rosto e me deixou sozinho. Inspirei profundamente, e foi com certo alívio que constatei que Rosalie não estava em casa. Um passo de cada vez.

Andei até o piano. Permiti-me sentar no banco à sua frente e levantar a tampa de madeira que escondia as teclas. Meus dedos correram suavemente por elas, sem emitir som. O cheiro do marfim penetrou em meus pulmões, fazendo com que uma dor saudosista crescesse em meu peito.

Meu filho.”

Meus músculos tensionaram-se no momento em que o pensamento de Carlisle ecoou em minha cabeça. Minhas costas ficaram eretas no banco, os dedos imóveis sobre as teclas, a respiração suspensa.
 
Diferentemente de Esme, ele andou lentamente em minha direção. Podia ouvir seus passos cadenciados ecoando pelo lugar. Fechei os olhos e aguardei.

A mão de Carlisle pousou delicadamente sobre meu ombro, seus dedos apertando ligeiramente minha carne. Engoli em seco, sem coragem de começar a falar. Sem coragem de encará-lo e enxergar meus olhos vermelhos refletidos em seus olhos cor de mel.

Vire para mim, Edward. Deixe-me olhar para você.

Respirei fundo, tomando coragem. Girei lentamente meu corpo sobre o banco e me levantei, ficando de frente para Carlisle. Ele segurou meu rosto entre suas mãos, e não consegui evitar que meu olhar se desviasse, pairando em meus pés.

- Queria pedir desculpas, Carlisle. - Comecei a falar, sabendo que não podia esperar mais. - Desculpe-me por não ter alcançado suas expectativas. Por não ter sido forte o bastante, ou bom o bastante, para me controlar. E, acima de tudo... Por ter partido, sem sequer enviar notícias. Sei que não mereço seu perdão... Que pensar diferente seria abusar de sua bondade e generosidade. Mas o motivo de minha visita... É saber se você poderia aceitar-me de volta em sua casa, como parte de sua família. Estou disposto a viver dentro de sua doutrina, e prometo não decepcioná-lo novamente.
 
O olhar de Carlisle sorriu. Varias imagens preenchiam seus pensamentos, a maioria lembranças de nossas vidas, desde o momento em que ele me transformara. Então as imagens tornaram-se inéditas para mim: ele vislumbrava, com felicidade, tudo o que viveríamos após meu retorno, a alegria instalada novamente em nosso lar.

“Você não precisa se desculpar, Edward. Quem ama, não precisa pedir perdão, jamais. Porque o perdão é uma característica intrínseca do amor. Quem ama, perdoa. Por isso, desde o momento em que você ultrapassou aquela porta, anos atrás, o único sentimento que deixou para trás foi a saudade, e a ânsia enorme de seu retorno. Não restaram mágoas. Não restaram ressentimentos. Só a esperança de que, um dia, nossa família estaria unida novamente. E é com uma alegria quase transbordante que percebo que esse dia chegou.”

Nós permanecemos nos olhando por segundos intermináveis, como se quiséssemos crer que era real, que estávamos frente a frente, novamente, depois de uma distância dolorosa.

Meu. Filho.

-Pai.

Carlisle me abraçou e eu retribuí. Eu havia percorrido diversos lugares do mundo no tempo em que ficara longe, e podia afirmar que não existia, em todo o universo, um lugar mais acolhedor e caloroso do que eu estava naquele momento: nos braços de Carlisle. Nos braços do homem que me dera uma nova vida. Nos braços de meu pai.

Eu amo você. Seja bem vindo à sua casa.

Eu sorri em seus ombros, o primeiro sorriso que daria depois de muitos anos, antes de reencontrar a paz.


FIM.

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