Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 26
XXV - Festival


Notas iniciais do capítulo

Antepenúltimo capítulo...

Muito tenso mesmo! Preparem-se pq o desertor finalmente apareceu!

Boa leitura!



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Capítulo XXV – Festival

“Existe um lugar no fundo,

Um lugar onde você esconde seus pecados mais obscuros

Há um estranho tipo de atmosfera,

Está cercando você

Como cantora você me atrai,

Rumo a verdade”.

(Within Temptation – Deep Within)

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Quatro meses haviam se passado desde a noite do baile de primavera, quatro meses que o meu relacionamento com Aidan havia ganhado um novo rumo.

É claro que eu aproveitava ao máximo cada momento que passava em sua companhia. Cada segundo ao seu lado era valiosíssimo para mim. Nesse meio tempo, minha mãe e John assumiram o seu relacionamento, e namoravam como dois pombinhos. E era praticamente impossível descrever a aura que a rodeava naquele momento.

Os acontecimentos medonhos e horripilantes que a pouco ainda assolavam South Hooksett cessaram, dando lugar à paz e a tranqüilidade novamente. Quem não gostava muito dessa idéia era Aidan, que permanecia inquieto e desconfiado.

Certa vez eu perguntara o porquê de sua inquietude e sua resposta fora óbvia, o desertor ainda estava à solta na cidade, e o pior, ele estava silencioso demais, o que levara Aidan a pensar que ele estava tramando algo terrível.

Já eram meados de julho quando as provas finais iniciaram, e eu surpreendentemente consegui terminá-las sem dificuldade alguma, talvez porque tivesse a ajuda de Aidan.

E amanhã seria o último dia de aula do ano letivo. Como conseqüência também haveria um Festival na cidade, cuja abertura seria amanhã à noite, promovido pela prefeitura para comemorar a fundação da cidade. O Festival acontecia uma vez por ano e era uma tradição nesse fim de mundo chamado South Hooksett. Max e eu fomos algumas vezes, mas somente para rir da cara de alguns alunos.

O delegado Percy faria a segurança do Festival, então tudo devia correr bem. Tamara já havia deixado bem claro que me pegaria amanhã às sete horas para que fôssemos juntas para o Festival. Ela estava entusiasmada, afinal aquilo era uma novidade para ela. Eu nem tanto, a não ser é claro que tivesse a companhia de Aidan.

Era uma quinta-feira à noite, minha mãe cuidava do jantar que seria servido em breve. O motivo era que John viria jantar conosco e isso exigiria um pouco mais do talento imenso de minha mãe na cozinha.

Eu estava no sofá, e Aidan estava ao meu lado. Minha cabeça jazia repousada em seu ombro enquanto meus olhos tentavam acompanhar o filme antigo que estava sendo exibido. Eu sabia que Aidan não estava prestando mais atenção do que eu, seus olhos estavam distantes, vagos, então havia algo o incomodando.

Não me atrevi a perguntá-lo, não quando minha mãe poderia ouvir a conversa, e eu não desejava de forma alguma que ela tivesse mais motivos para desconfiar dele, ou então desgostar menos de sua presença ali, embora nesses últimos meses eu tenha visto um esforço enorme de sua parte para aceitá-lo em casa.

Ainda que os motivos daquela sua desconfiança e de seus temores fossem um mistério para mim e permanecessem ocultados, deixando-me completamente alheia a tudo o que estava havendo ali.

Tornei minha atenção novamente para o filme “Gone with the Wind”, que ironicamente retratava a vida, os costumes, todas as tradições preservadas do Século XIX, uma época atribulada, marcada por tantos preconceitos, e marcada principalmente pela guerra civil. Imagino se Aidan estava achando aquilo tudo muito nostálgico.

Claro que ele não admitia, mas as lembranças que a guerra deixaram estão cravadas em sua memória. Um garotinho, que com seus olhos inocentes, presenciou os horrores de uma guerra. Isso o marcou, e ele ainda carrega consigo as cicatrizes deixadas pela perda de seu verdadeiro pai para ela.

Recostei-me mais ao seu ombro, sorvendo seu cheiro maravilhoso.

- Podemos fazer outra coisa se quiser. – sussurrei em seu ouvido.

Ele virou-se para mim no mesmo instante, seus olhos ganhando foco novamente, concentrando-se nos meus.

- E por quê? Não está gostando do filme? – perguntou-me ele, passando um de seus braços por meu ombro e puxando-me mais para si.

- O filme? – repeti – O filme está ótimo para mim, na verdade qualquer atividade para mim está ótima, contanto que você esteja comigo.

Ele riu um pouco e depois passou seu outro braço ao meu redor, abraçando-me completamente.

- O mesmo vale para mim.

Aconcheguei-me mais a ele, porém antes mesmo que eu pudesse desfrutar mais daquele nosso momento alguém bateu na porta da frente. Devia ser John. Apenas mencionei levantar-me, mas Aidan foi mais rápido, libertou-me de seu abraço, enquanto minha mãe surgia da cozinha, limpando as mãos em um pano de prato bordado.

- Querida, pode atender para mim? – pediu-me ela.

- Claro. – murmurei, automaticamente.

Levantei-me do sofá e arrastei-me até a porta. Abri-a e tratei de colocar um sorriso nos lábios, John era um cara legal. O tipo certo de padrasto que qualquer enteada sonharia.

E lá estava ele, impecável como sempre, como um galã de cinema, e nas mãos um imenso buquê de rosas vermelhas, minha mãe ia adorar seu presente.

- Boa noite, John. – cumprimentei-o da forma mais simpática possível.

- Boa noite, Agatha. Sua mãe está...

- Na cozinha. – respondi-lhe, prontamente e John sorriu, expondo a fileira de dentes tão brancos e brilhantes quanto pérolas.

Postei-me ao lado da porta para que ele passasse, ele assentiu sorrindo e depois adentrou a sala, seus olhos recaindo sobre Aidan, sentado de forma convencional no sofá.

- Ora, boa noite, Aidan, é uma surpresa encontrá-lo aqui.

Aidan assentiu com um gesto, silencioso como sempre, e John sorriu para ele. Claro que John sabia de mim e de Aidan, eu só não sabia ao certo se fora minha mãe a comunicar-lhe esse fato.

John moveu-se, rumando para a cozinha, claramente querendo surpreender minha mãe. Eu não o segui, eles tinham que ter um momento a sós. E depois de vários minutos o jantar foi servido. Aidan sentou-se à mesa, ao meu lado, mas não comeu absolutamente nada, o que já era de se esperar.

Durante todo o jantar John conversava com minha mãe, às vezes eu tinha que participar da conversa, às vezes Aidan também. John perguntou-lhe muitas coisas e ele respondeu da forma mais natural e simpática possível.

- E então Aidan já decidiu o que fará assim que se formar? – perguntou-lhe John, os olhos curiosos.

Depois de longos segundos em total silêncio, Aidan respondeu-lhe, mas eu sentia que havia algo que ainda o incomodava, algo que estava tirando toda a sua atenção daquela mesa de jantar.

E eu temia que as minhas suspeitas fossem confirmadas.

- Não, eu não decidi ainda.

John cruzou as mãos sobre a mesa, estreitando seus olhos castanhos.

- Mas é claro que com o fim do ano letivo, você terá de retornar para a Itália, não estou certo?

Ouvir sobre isso novamente remoeu algo dentro de mim, uma angústia devastadora, desoladora. Tive que lembrar a mim mesma de que minha mãe, John e principalmente, Aidan estavam ao meu lado. Mesmo assim foi impossível que meu coração não acelerasse, o oxigênio fugisse de meus pulmões e a cor sumisse de meu rosto.

- Sim, eu retornarei com o fim do ano letivo. – murmurou ele a meia-voz, os olhos coléricos.

Minha mãe parecia uma estátua naquele momento, completamente paralisada, eu mal notava o arfar de seu peito enquanto ela respirava. Meus punhos cerraram-se debaixo da mesa e eu tive mais uma vez de conter aquela dor, eu não poderia desmoronar, não agora.

Depois disso o assunto da volta de Aidan encerrou-se, mas mesmo assim eu não consegui apaziguar aquela minha dor, não consegui refreá-la. Era exatamente como em todas as vezes que aquele assunto era iniciado, eu tinha de lutar contra esse meu desejo insano de ceder às lágrimas.

E quando o jantar finalmente encerrou-se, John ofereceu-se para ajudar minha mãe com a louça suja, que gentil. Aidan levantou-se da mesa e eu o acompanhei. Quando já estávamos na sala, ele virou-se para mim, os olhos cautelosos novamente. Vê-los fez renascer dentro de mim aquela centelha de desconfiança.

- Melhor eu ir embora agora. – murmurou ele e eu assenti sem nada dizer.

Aidan caminhou até a porta da frente, abrindo-a e saindo para a noite fresca que estava lá fora. O verão já havia chegado e as noites agora já eram um pouco mais abafadas e quentes.

Ele estacou e depois se virou novamente para mim, sem qualquer cerimônia, lancei-me em sua direção, abraçando-o.

Seus braços receberam-me de forma afetuosa, retribuindo meu gesto. Senti seus lábios em meus cabelos e ele acalentava-me enquanto sussurrava.

- Voltarei mais tarde para vigiá-la. – prometeu-me ele.

Recostei minha face em seu peitoral largo, cerrando seus olhos, desfrutando o máximo daquele momento.

- Tudo bem.

Ele afastou-se de mim, sorrindo e depois deu meia-volta e partiu rumo a escuridão, caminhando lentamente pela calçada.

Devo tê-lo observado até que sua silhueta desaparecesse em meio às trevas noturnas. E como havia acontecido nesses últimos quatro meses, procurei gravar cada momento que havíamos passado juntos durante todo esse dia.

Eu precisaria reconfortar-me nessas lembranças em breve, quando ele...

Eu ainda tinha dificuldades para assumir o fato de que em breve eu estaria sem ele. Depois de longos segundos fitando o nada e com a mente a quilômetros de distância, eu virei-me e entrei novamente.

Despedi-me de John algum tempo depois, dei um “boa noite” a minha mãe e depois subi as escadas, pronta para uma noite de sono tranqüila e sem interrupções.

Deitei-me na cama e aguardei pelo retorno de Aidan, ciente de que enfrentaria um dia atribulado amanhã e realmente ele seria um dia repleto de surpresas, a maioria pelo menos, desagradáveis. Sacudi minha cabeça, de onde eu tirara isso? Estaria eu enlouquecendo?

Não sabia ao certo, somente tinha consciência de que algo mudaria no dia de amanhã, e essa certeza deixava-me alarmada.

Na hora do almoço Peter e Tamara vieram sentar-se conosco à mesa. Havia um clima de alívio em toda a escola devido ao fim do ano letivo. Aidan estava sentado ao meu lado, sua mão repousava em meu ombro, um ato que ele adquirira sempre que Peter vinha postar-se ao meu lado juntamente com Tamara na mesa.

Eu suspirei, ele ainda achava que Peter estava muito abusado, mas na verdade hoje ele estava muito silencioso, seus olhos estavam um pouco eufóricos e em seus lábios havia um estranho sorriso presunçoso.

Contive minha curiosidade, eu não queria saber o que o estava deixando tão alegre. Talvez já soubesse e não quisesse era realmente admitir.

Tamara mordiscou seu almoço, e seus olhos recaíram sobre os meus, havia algo de estranho neles, isso eu pude constatar na hora. E além do mais, ela ainda não havia tocado no assunto do festival novamente, o que era realmente muito estranho.

Meu olhar prendeu-se em seu rosto, eu podia quase sentir que havia algo que a incomodava e eu não descansaria até descobrir o que era.

- Tamara, você está bem? – perguntei-lhe, meu rosto vincado pela preocupação.

Ela desviou o olhar, concentrando-se em seu almoço novamente, engoliu em seco e depois me lançou um olhar de desculpas.

- Estou ótima, por que?

Encarei-a com incredulidade e ergui minhas sobrancelhas.

- Tem certeza?

Ela baixou os olhos esmeraldinos, fitando a bandeja cheia de comida por longos segundos. Contei mentalmente até dez e depois ela rendeu-se com um longo suspiro, cerrando seus orbes, então eu soube que enfim havia decidido pôr tudo o que estivesse afligindo-a naquele momento.

- Tudo bem. – ela pausou, buscando fôlego – Minha mãe estava conversando com o delegado na noite passada. E então ele disse algo que me deixou completamente apavorada.

- E o que foi que ele disse?

Ela hesitou novamente, buscando pelas melhores palavras que pudessem expressar tudo o que ela estava sentindo naquele momento.

- Bem, lembra-se de Laura Corner, não é?

A imagem imaculada da aluna perfeita veio a minha mente no mesmo instante. Loura, alta, esbelta, olhos cor de mel, pele alva, rosto com traços delicados, o sonho de consumo da maioria dos meninos. Laura estava no 3º ano, e só quando Tamara tocou em seu nome, foi que eu me lembrei de que não a via há várias semanas. Mesmo durante as provas finais, que estranho.

- Claro que eu me lembro dela. – murmurei, recordando-me de sua figura silenciosa e solitária vagando pelos corredores do colégio, sempre com o olhar distante.

Tamara assentiu e depois deu continuidade à conversa.

- Bem, o delegado Percy disse que a garota sumiu há várias semanas. O diretor logo notou que havia algo de errado, pois as faltas que ela tivera nesse último mês não eram normais e então ele comunicou a polícia. O delegado resolveu ir até a casa dos Cornner e procurar pelos pais da menina, que, aliás, também andavam sumidos ultimamente. Eles aguardaram por vários minutos que alguém atendesse a campainha, mas não houve qualquer resposta, qualquer sinal de vida dentro da casa.

- E então o que houve? – eu a instiguei a prosseguir.

- Quando a polícia notou que havia algo de muito estranho, eles invadiram a casa e então... – ela encerrou seu discurso, privando-me de seus olhos, enquanto esses baixavam até a mesa novamente.

Decidi aguardar pacientemente e Tamara engoliu em seco mais uma vez, e seus olhos estavam em pânico, completamente aterrorizados. E quando ela enfim respondeu, sua voz mal passava de um fraco sussurro.

- Eles encontraram dentro da casa os corpos do Senhor e da Senhora Cornner.

Senti minhas mãos gelarem no mesmo instante, elas também suavam. Tudo ao meu redor de repente estava girando e eu senti o chão abaixo de eu ficar meio inconsistente, quase esponjoso. Depois os braços de Aidan estreitavam-se ao meu redor, acalentando-me.

Lembrei a mim mesma de que aquele não era o melhor local para ter um ataque. Inspirei, fazendo o oxigênio chegar até meus pulmões e depois de longos segundos e míseras tentativas, eu obtive algum resultado, pelo menos o chão voltara a ser consistente sob os meus pés.

Tornei minha atenção para uma Tamara mais apreensiva a minha frente, então ela sabia que esse fato também havia me perturbado.

- Continue... – sussurrei, e minha voz não me delatou, eu ficaria bem.

Ela torceu os lábios, claramente hesitando, mas eu estava segura e ela percebeu isso, pois no instante seguinte continuou com aquela história.

- Eu não sei bem o que houve, somente que os corpos pareciam estar dentro de uma espécie de... casulo, envoltos em várias raízes, eu não sei bem dizer o que era. Somente que isso me deixou apavorada.

Peter que até agora se mostrara completamente alheio a nossa conversa, manifestou-se, rindo do medo exagerado da irmã.

- Ora, maninha, você anda vendo televisão demais.

Ela lançou-lhe um olhar de incredulidade, não acreditando que ele fizesse pouco caso daquilo.

- Isso é sério, Peter! Eu ouvi a mamãe comentando com o papai! Olhe, eu não sei o que raios está havendo nessa cidade estranha, mas não sei se eu quero permanecer tempo suficiente aqui para descobrir.

Ele riu mais uma vez dela, Peter não levava a sério aquela conversa sobrenatural, pelo contrário fazia piadas dela. Eu continuava inspirando fundo, temendo ter um ataque novamente e Aidan estava silencioso demais, até mesmo para ele.

Só então me lembrei de que nossa conversa ainda não havia se encerrado.

- Tamara? – chamei-a, tirando-a de sua discussão com Peter e ela encarou-me com os olhos assustados e hesitantes novamente.

- Sim?

- O que houve com Laura, a filha deles? Você não me contou.

Ela mordeu o lábio inferior e semicerrou seus olhos esmeraldinos.

- Esse é maior problema, ela não estava em lugar algum na casa, não havia absolutamente nada dela lá, nem mesmo uma pista de seu paradeiro.

Aquilo despertou em mim uma centelha de desconfiança ao mesmo tempo em que uma apunhalada de medo golpeou-me. O gelo agora fluía por minhas veias livremente.

- O que será que houve com ela? – perguntei a Tamara, mas ela ergueu as palmas de suas mãos, como se não tivesse a menor ideia.

Fitei Aidan pelo canto dos olhos, evitando olhá-lo diretamente, e sua expressão não me enganava, havia algo sendo remoído em sua cabeça, ele estava tentando entender o que aquilo podia significar.

O sinal tocou, todos devíamos retornar para a sala de aula agora, porém eu ainda estava inquieta demais. Todos estavam animados, exalavam uma certa afobação, afinal eram as últimas aulas do ano. Mas eu não conseguia desfrutar disso, pelo contrário, estava abalada demais. Minha mente somente conseguia pensar na garota loura, Laura, que provavelmente havia sido arrastada pelo desertor, pega como refém, para então ser submetida a algum ritual maligno que arrancaria a sua alma e a condenaria a passar o resto de seus dias como uma criatura sedenta por sangue e carnificina.

Aidan despediu-se de mim, e eu arrastei-me até a sala de aula, com a cabeça longe dali. Sim, eu estava muito perturbada. Era impossível não sentir compaixão pela garota, afinal ela ia formar-se esse ano, provavelmente tinha sido admitida em várias universidades, era uma boa aluna, nunca havia se envolvido em confusões como eu, e tinha um histórico imaculado. Devia ter tantos planos para o futuro, e esses apenas foram arruinados pela sede por poder de um certo desertor rebelde e imoral.

O resto do período pareceu-me uma eternidade, talvez porque eu ainda estivesse abalada demais, entorpecida demais por meu próprio pânico e minha compaixão. Quando o sinal tocou novamente, pondo fim a minha agonia dentro daquela sala fechada e claustrofóbica, todos gritavam em uníssono, lançando seus cadernos e livros para o alto. Eles tinham o que comemorar, afinal era o inicio das férias de verão, o fim do ano letivo.

Arrastei-me pelos corredores, trombei com uma Tamara um pouco mais empolgada e um Peter sendo rebocado por ela, um pouco impaciente demais.

- Não se esqueça! Eu te pegarei às sete horas, esteja pronta! – advertiu-me ela.

Suspirei profundamente, baixando meus ombros.

- Sei que provavelmente não terá sentido algum discutir com você, portanto, tudo bem, eu estarei pronta.

Tamara bateu as palmas de suas mãos, eufórica.

- Perfeito! – exclamou ela e depois puxou Peter consigo novamente, ainda tive tempo de acenar para ele e depois corri para fora, procurando pela figura de Aidan.

Não foi preciso muito, ele aguardava por mim, sério, tenso, os olhos estavam distantes, cautelosos, e ele os semicerrava, enquanto seus lábios apertavam-se naquela familiar linha rígida.

Estaquei ao seu lado e então ele colocou sua mão em meu ombro, e assim nós partimos.

A maior parte do trajeto foi em completo e mortal silêncio, até que eu decidi criar coragem suficiente e perguntar-lhe sobre os Cornner.

- Aidan? – eu o chamei.

Seus olhos continuaram fixos no nada, enquanto ele caminhava, mas eu sabia que ele estava prestando atenção em mim.

- O que houve... com os Cornner?

Sua voz era fria e em seus lábios um sorriso duro brotou, sobrepondo-se a linha rígida.

- E não é óbvio? – ele devolveu minha pergunta com outra. Baixei minha face, encarando meus próprios pés enquanto caminhávamos pela calçada.

- Mas então, Laura, ela, quer dizer, ela foi... levada, não foi?

- Sim, provavelmente deve estar nas mãos do desertor nesse momento.

Um calafrio percorreu minha espinha no mesmo momento, e eu arrepiei-me por inteira. Tudo o que eu queria ter feito naquele momento, era ajudar a pobre garota, salvá-la das garras daquela criatura maléfica, era impossível não sentir aquele aperto no coração, ela tinha quase a minha idade.

- Você acha que ele está agindo novamente então?

- É muito mais do que isso. – sibilou ele através dos dentes trincados – Não teria sentido ele aguardar tanto tempo assim, para depois simplesmente voltar a agir novamente. Eu posso sentir, seja o que for que ele esteja planejando para essa cidade, está perto de concretizar-se.

Meu coração acelerou no mesmo instante, mordi meus lábios e refreei aquelas sensações mais uma vez. E eu não voltei a tocar naquele assunto mais uma vez, mas em minha mente eu já podia ver, uma sombra maligna, uma mão tenebrosa repousando sobre South Hooksett e ela ameaçaria a vida de todos nós.

Depois, nós já estávamos em frente a minha casa. Aidan virou-se para mim, os olhos cautelosos ainda. Ele pegou em minhas mãos e aproximou-se mais.

- Agatha, eu sei que você irá a esse Festival essa noite, mas, por favor, tome cuidado. Eu estarei ocupado, preciso descobrir a identidade desse desertor o mais rápido possível e detê-lo antes que seja tarde demais.

Eu assenti, um nó formava-se em minha garganta somente de imaginar Aidan correndo atrás de uma criatura como aquela. Ele notou meu pânico e então tratou de tranqüilizar-me.

- Não se preocupe, tudo dará certo. Mas, apenas por precaução... – ele interrompeu-se, sua mão soltou a minha e enfiou-se no bolso de seu jeans, retirando de lá o Terceiro Olho, a jóia mística que identificava a essência de Mediadores que pudessem estar ao seu redor, um adereço indispensável para qualquer caçador, como ele mesmo dissera – fique com isso.

E ele entregou-me o colar com a gema brilhante e imensa como pingente.

Assim que o colar repousou na palma de minha mão, a gema começou a brilhar, lançando feixes de luz vermelhos em todas as direções. Escondi-a em minha mão, privando meus olhos do brilho escarlate, fechando minhas mãos como uma conchinha. E então assenti.

Seus olhos limitaram-se apenas a estreitarem-se levemente e seu cenho franziu um pouco.

- Fique perto de multidões e se o Terceiro Olho denunciar algum Mediador que possa estar por perto, não se distancie do resto das pessoas. Por hora, é melhor que você fique à vista, e no meio de um público.

- Tudo bem. – concordei e depois Aidan curvou-se para depositar um beijo casto em minha testa.

- Voltarei logo. – prometeu-me ele e então deu meia-volta, partindo, enquanto eu permanecia completamente apavorada e receosa de que algo ruim pudesse acontecer.

Na verdade, eu já sabia, algo ia acontecer ainda naquela noite, todo o meu ser dizia-me isso. Algo mudaria, e ter essa certeza deixou-me completamente desolada.

Com o coração nas mãos, eu fitei a jóia em rubi, vendo o pequenino sol dentro da gema morrer lentamente, enquanto Aidan afastava-se de mim e rumava em direção ao perigo, em direção à própria morte, em direção ao desertor.

A noite logo chegou e Tamara apareceu às sete horas para me pegar, como havia sido combinado.

O trajeto foi um tanto constrangedor, Peter estava ao volante, dirigindo, Tamara estava no banco da frente, tagarelando em um ritmo que eu mal conseguia acompanhar, enquanto eu encolhia-me no banco traseiro toda vez que sentia os olhos de Peter no retrovisor sobre mim. Aidan fazia-me muito falta naquele momento.

O Festival seria em um local mais afastado do centro da cidade, em um imenso campo ladeado pela rodovia que cortava South Hooksett.

Era uma noite mais ou menos abafada, muito clara, iluminada pelas estrelas e pela lua.

Quando chegamos, Peter estacionou o automóvel e deixou que eu e Tamara fôssemos um pouco mais à frente enquanto ele buscava por uma vaga disponível, prometendo encontrar-nos em breve.

Tamara logo me puxou para o campo, tantas luzes e adereços iluminavam-no. Enfileiradas lado a lado, estavam dezenas de barraquinhas com as mais diversas atividades e diversões, e algumas que também vendiam comidas típicas.

Havia uma imensa faixa pendurada de ponta a ponta em dois postes de madeira imensos, dizendo “Bem-vindos”.

As pessoas já se aglomeravam em frente às barraquinhas de madeira, alguns brinquedos típicos de parques de diversões também haviam sido montados, como uma decadente roda-gigante.

Crianças divertiam-se nos carrosséis enquanto seus pais fotografavam as cenas. Funcionários faziam a supervisão dos brinquedos, parece que esse ano a prefeitura não havia poupado recursos e caprichou no Festival que comemorava o aniversário da cidade.

Tamara rebocou-me com ela para várias barracas, forçou-me a tentar a sorte com as argolas, as bolas e até mesmo a espingarda de mentira, mas minha mira não era tão boa.

Peter juntou-se a nós duas e então conseguiu com seu tiro certeiro derrubar os alvos, ganhando como prêmio um ursinho de pelúcia cor-de-rosa, que ele ofereceu generosamente para mim.

Tentei recusar seu presente, mas quando em seus olhos brotou o menor sinal de que eu o havia magoado, eu decidi aceitá-lo, só me pergunto o que Aidan faria quando visse “o presente”. E um sorriso brotou em meus lábios enquanto eu imaginava a cena.

Peter e Tamara alegaram fome e foram procurar algo comestível que pudessem ingerir sem ter uma dor de estômago danada no dia seguinte. Eu não estava com tanta fome assim, então decidi ignorar os lanches e os refrigerantes.

À meia-noite haveria uma queima de fogos de artifício, marcando o término do festival e Tamara mostrava-se muitíssimo empolgada para assisti-la. E os ponteiros do relógio apenas andavam, demorando a arrastar-se.

E a ausência de Aidan ali criava um buraco em minha carne que me ameaçava tragar-me pouco a pouco. Eu perguntava-me onde exatamente ele poderia estar, o que estaria fazendo, se estava em perigo iminente.

Sacudi minha cabeça, eu não podia deixar que esses pensamentos e essa angústia me corroessem e retirassem toda a minha razão. Aidan ficaria bem, ele era um caçador experiente, forte, ele saberia se virar.

Então quando finalmente faltavam dez minutos para a meia-noite, e conseqüentemente para a queima de fogos, Peter encontrou alguns garotos do time e estes o convidaram para que ele fosse até uma festa que supostamente estaria acontecendo na casa de um deles.

Tamara e eu garantimos que podíamos ir embora sozinhas, afinal qualquer uma de nós duas podia dirigir. E nós nos juntamos à multidão que já aguardava impaciente pela queima de fogos que iluminaria o céu e colocaria uma nova cor nele.

Ela encarou-me com seus olhos verdes, um sorriso moldando seus lábios rosados.

- Mal posso esperar!

Cruzei meus braços e a encarei com esgar.

- Acredite em mim, não há nada de especial nisso, eu já vi espetáculos melhores.

Seu rosto desmoronou no mesmo instante, uma carranca dando lugar à empolgação.

- Ah, Agatha! Mas eu nunca vi algo assim! Estou curiosa! – reclamou ela.

- Tudo bem. – suspirei – Mas depois não diga que eu não avisei.

Ela tornou seus olhos esperançosos para o céu negro, aguardando pelo inicio do espetáculo e alguns segundos depois o primeiro deles explodiu, lançando cores em todas as direções e iluminando a todo aquele campo.

Desviei meus olhos para o chão, não estava a fim de ficar encarando o céu por longos minutos, aquilo ia me dar uma boa dor no pescoço, isso sim.

Vi que a multidão maravilha-se com a explosão de cores, sorrindo, murmurando, as crianças empolgavam-se mais do que os adultos.

Uma voz masculina sobressaltou-nos, tirou Tamara do transe e deixou-me um pouco alarmada, mas era apenas Bryan Scott, reconheci-o pelos olhos castanho-claros e o cabelo do mesmo tom.

- Olá, Tamara. – murmurou ele simpaticamente e depois seus olhos recaíram sobre mim – Olá para você também, Agatha.

Tamara abriu um largo sorriso no mesmo instante, e eu limitei-me a assentir. Depois da noite do baile, não era surpresa nenhuma que Bryan andasse suspirando por Tamara, e ela por ele.

Os dois estavam quase se acertando, isso era certo, e eu ficava muito feliz por Tamara.

- É lindo, não é? – perguntou ele para ela, seus olhos maravilhando-se com a queima de fogos.

Dei um meio-sorriso e depois me virei novamente, deixando que os pombinhos se entendessem, a pior parte era que eu detestava ser a vela.

Os fogos coloridos que ainda explodiam no céu de forma estrondosa e gloriosa não era o suficiente para prender minha atenção por completo. Minha mente ainda vagava até Aidan. Tudo o que eu queria era tê-lo ali ao meu lado.

Não sei ao certo o que deu em mim, se era algo completamente instintivo, ou talvez eu já soubesse que havia algo de errado ali. Só dei por mim, quando na palma de minha mão o colar residia, a gema imensa e oval, cintilando na luz negra noturna.

E então meus lábios entreabriram-se pelo choque. Meu coração acelerou no mesmo instante, porque a jóia estava brilhando, o Terceiro Olho havia detectado a essência de um Mediador, ali, naquele campo, próximo de todos. Não podia ser Aidan, ele não disse que vinha para o Festival caso não encontrasse nada. E se fosse realmente ele, ele já teria se juntado a mim.

Como o sol dentro da gema brilhava de forma ainda meio discreta, conjeturei que devia ser pelo fato do Mediador não estar exatamente ali, no meio daquela multidão, mas sim nas redondezas. Olhei Tamara pelo canto dos olhos, ela estava tão vidrada e enfeitiçada com a queima de fogos e tão entretida com Bryan que nem daria pela minha falta.

Com cuidado, costurei a multidão, esbarrando em muitos enquanto buscava por uma saída. Eu tinha total consciência do aviso de Aidan: fique perto de multidões. Mas também tinha consciência de minha compaixão por Laura. E se ela ainda estivesse viva? E se ainda houvesse alguma chance para ela? Eu podia salvá-la.

Aidan ia querer me matar quando soubesse que eu rompi minha promessa; eu estava correndo para os braços da morte novamente.

Mas era por uma causa justa, alguém precisava ser salvo, alguém precisava de ajuda.

Eu guiava-me pelas centelhas brilhantes da gema, e quando elas aumentavam de intensidade, eu tomava aquela direção, afastando-me cada vez mais daquela multidão imersa no espetáculo da queima de fogos, e rumando em outra quando elas diminuíam.

Distanciei-me completamente da multidão, daquela distância eu mal podia ouvir a queima de fogos, em uma das laterais daquele imenso campo. Embora as luzes ofuscantes ainda conseguissem iluminar um pouco daquele trecho.

E só então me dei conta de onde exatamente a gema havia me levado; um depósito, utilizado para guardar todas as bugigangas usadas naquele Festival.

Fitei o galpão de madeira, construído recentemente. O que faria?

Enrosquei a corrente fina e dourada em uma de minhas mãos, não demovendo meus olhos da gema cintilante. Havia algumas ferramentas recostadas ao galpão de madeira, dentre elas um machado.

Caminhei até ele, meus dedos fecharam-se ao redor do cabo vermelho, e eu o empunhei como minha única chance de defesa. A estreita porta de madeira, o único acesso ao galpão, estava trancado por uma grossa corrente de ferro enferrujada e um imenso cadeado.

Aproximei-me dela, remexi na corrente grossa e depois me afastei novamente. Ergui a pesada ferramenta, usando quase toda a minha força e então com um golpe único e certeiro atingi-a, rompendo-a. A corrente caiu no gramado, juntamente do cadeado. Chutei a porta, deparando-me com a escuridão que predominava no interior daquele galpão.

Fitei a jóia enroscada em minha mão direita, a gema não mais brilhava, então o perigo não estava mais a minha espreita. Forcei meus olhos a ver através da espessa capa preta que prevalecia no interior daquela construção.

Havia uma pequena escada de madeira, e meus pés hesitaram no primeiro degrau. Mas se eu quisesse realmente salvar Laura não havia escolha. Com cautela, e tentando ser ao máximo silenciosa, eu desci, degrau por degrau.

E então estaquei quando meus pés alcançaram o chão de terra e cascalho. Olhei em derredor, estava tão escuro ali, mas eu podia enxergar as embalagens em vermelho vivo de fogos de artifício. Muitas mercadorias, ainda embaladas. Tábuas de madeiras que não foram utilizadas.

E então o sopro do vento irrompeu por todo o galpão, adentrando pela porta bem atrás de mim e sobressaltando-me. Avancei, passo por passo, sempre me certificando de que a jóia em minhas mãos não tornara a brilhar.

Avancei até os fundos do comprido galpão e então em assustei com o que vi, meus pés moveram-se por conta própria e eu me lancei na direção do jovem rapaz, preso à parede por várias raízes. Elas prendiam seus membros, seu tronco e amordaçavam seus lábios, impedindo-o de gritar. Notei o boné branco com a propaganda do Festival, o macacão que ele trajava, então devia ser um dos funcionários do Festival. Mas onde estava Laura Cornner?

Seus olhos esbugalharam assim que ele me viu, mas eu o acalmei.

- Acalme-se! Eu vim ajudá-lo. – sussurrei e ele assentiu, meneando a cabeça para cima e para baixo.

Soltei o machado em minhas mãos, tentando romper as raízes com as minhas próprias mãos. Mas elas eram tão grossas e esfolavam as palmas de minhas mãos, enquanto eu tentava de alguma maneira libertar o homem.

- Espere, fique bem quieto. – pedi ao rapaz e ele assentiu mais uma vez.

Apanhei o machado novamente e com força, desferi um golpe naquelas raízes, elas romperam-se.

Porém, não era o suficiente. Golpeei-a várias vezes até que o jovem rapaz estivesse quase totalmente livre. Estava preste a romper a última raiz, que prendia seu tronco, quando algo me deteve.

Encarei chocada enquanto a jóia enroscada em minha mão cintilava novamente, o sol pequenino dentro da gema tornando a nascer e brilhando com toda a sua intensidade.

Meus dedos hesitaram no cabo do machado, os olhos do rapaz esbugalharam-se novamente e ele gemia, lutando contra a raiz que amordaçava seus lábios.

Havia alguém bem atrás de mim. Alguém não, havia algo, e eu já sabia exatamente o que era.

Eu só tinha uma chance para me defender e seria agora. Minha respiração fluiu de forma lenta através de meus lábios entreabertos, meus olhos estreitaram-se, e eu lentamente, girei sobre os meus próprios calcanhares, virado-me para o meu inimigo, para o perigo, para a própria morte, para o desertor.

Minhas mãos agiram com precisão, e eu tentei desesperadamente desferir um golpe em meu inimigo. Mas falhei...

Pois no instante seguinte, uma raiz enroscava em meu pulso, apertando-o com uma força demasiada e então me puxava para trás violentamente. O machado caiu de minhas mãos, quicando no chão, e eu fui arremessada contra a parede do galpão, batendo minha cabeça com muita força.

Meu corpo tombou no chão de terra e cascalho, minha face foi pressionada contra ele. E meus olhos tentavam focalizar algo que fizesse algum sentido.

Eu estava tão confusa naquele momento, nada fazia muito sentido. Tudo girava.

Tentei me levantar, mas foi em vão, meu corpo estava tomado pelo torpor, eu mal o sentia. E enquanto eu beirava a inconsciência, vi quando aquela estranha figura distorcida aproximou-se de mim, completamente atordoada naquele chão imundo.

E então, com meus olhos quase completamente fechados, eu finalmente focalizei seu rosto, reconhecendo aqueles traços. O desertor finalmente havia se revelado das sombras, e a sua identidade eu jamais ia esquecer, porque de todos que podiam conter dentro de si um monstro aprisionado, sedento por morte e poder, eu jamais imaginei que aquela pessoa podia sê-lo.

O choque atravessou todo o meu rosto, e meus lábios só tiveram tempo suficiente de sussurrar uma palavra.

- Você...

E depois eu não tive mais consciência de absolutamente nada.


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Notas finais do capítulo

AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH! finalmente, finalmente, finalmente! FINALMENTE, O DESERTOR SE REVELOU! AHHHHHHHHHHHHHHHHH!

e então o que acharam?

Gostaram da supresa? hahahahahahahaha... e essa Agatha não aprende, na 1ª oportunidade ela corre direto para a morte! kkkkkkkkkkkk'

Próximo capítulo, q aliás será o penúltimo, teremos a Agatha face a face com o desertor, e a luta final que promete fortes emoções!

Até a próxima!

Beijos!