Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 24
XXIII - Confissões


Notas iniciais do capítulo

Como alguns sabem encontrei algumas dificuldades para postar esse cap. e como consequência quase deletei a fic de raiva...

Mas aqui estou eu...

Boa leitura!



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Capítulo XXIII – Confissões

 

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Eu não sabia ao certo o que estava havendo. Em um momento, eu não sentia absolutamente nada, meu corpo, meu coração palpitando em meu peito, a dor que a pouco consumia todas as minhas forças.

 

Mas então aconteceu algo, eu podia sentir meu corpo, eu podia ouvir meus batimentos em meu peito e o leve arfar de meus pulmões. Então veio a constatação, eu estava viva.

 

Porém, junto do alívio veio a lembrança daquela criatura, o Devorador de Almas, ele ainda podia estar tentando contar-me a verdade ou retirar minha alma de meu corpo?

 

E o desespero tomou conta de mim, reanimando-me, dando-me forças, e eu só tinha uma coisa em mente: continuar viva.

 

Eu tinha a certeza absoluta de que ainda me encontrava em perigo, e no ímpeto de libertar-me daquela situação, lancei meus braços para cima, tentando sair daquele buraco negro no qual encontrava-me.

 

Eu queria que aquela criatura afastasse-se de mim, que ela detivesse-se, que ela não roubasse minha vida de mim.

 

Forcei minha voz através de minha garganta e percebi que podia falar, ou melhor, podia gritar.

 

— Não, pare! – eu ordenava a criatura, ainda com meus olhos cerrados. Enquanto minhas mãos agitavam-se para cima, tentando afastar aquela coisa de mim.

 

Porém, a criatura mostrou-se resistente, suas mãos agarraram as minhas, impedindo-me de afastá-la de meu corpo, suas mãos eram grandes e quentes e fecharam-se ao redor de meus pulsos como grilhões, e não eram gélidas e com garras nas pontas como eu imaginara.

 

O desespero encheu minhas veias novamente, e eu tentei lutar contra a força daquela criatura novamente, mas era inútil, ela era dezenas de vezes mais forte do que eu.

 

Então decidi apelar para minha voz novamente, tentando dissuadi-la de matar-me.

 

— Não, por favor, deixe-me em paz!

 

E novamente a criatura mexeu-se, puxou-me pelos meus pulsos que estavam em seu poder para perto de seu corpo, que também acabou surpreendendo-me, afinal ele era quente e forte, e em nada lembrava a criatura medonha e esquálida que flutuava acima de minha cabeça, como uma sombra fantasmagórica. E depois a criatura aproximou seus lábios de meu ouvido, e então eu parei de lutar imediatamente. Eu simplesmente cessei minha luta. Porque a criatura sussurrava em meu ouvido, e é claro que aquela voz suave como veludo, abafada, séria acalmou-me no mesmo instante.

 

— Shhhhhh... Acalme-se, você está segura agora.

 

Claro que eu reconhecia o dono daquela voz, como eu não podia reconhecê-la? E pouco a pouco eu tentei voltar a mim mesma, certificar-me de que não estava alucinando. Havia algo plano e frio embaixo de mim, devia ser o piso da sala de aula.

 

O ar ao meu redor ainda era denso e gélido, mas perfeitamente normal para uma noite como aquela. Mas, a primeira coisa que notei foram dois braços ao meu redor, acalentando-me, então eu soube que estava tudo bem e que podia abrir meus olhos.

 

E assim eu o fiz.

 

E a primeira coisa que eu vi foi a única que prendeu a minha atenção, nada mais podia cativar-me, não quando o rosto dele estava tão perto do meu, seus olhos calorosos, abrasadores encaravam-me, vincados pela preocupação.

 

— Aidan? – chamei-o e ele assentiu, semicerrando seus olhos. Prestei atenção em coisinhas mínimas e tão cruciais ao mesmo tempo, como o fato de estar em seus braços, completamente segura.

 

— O que houve? – perguntei-lhe, minha voz estava meio rouca, abafada, ela mal passava de um fraco sussurro.

 

— Não se lembra? – perguntou-me ele, um pouco tenso.

 

Suspirei e depois desviei meus olhos dos seus, tentei desvencilhar-me de seus braços também, mas ele não permitiu, pelo contrário, escondeu-me ainda mais no meio de seu peitoral largo e seus braços fortes.

 

Olhei em derredor, completamente confusa. Eu ainda estava na sala de aula, dava para perceber. As carteiras ainda estavam todas desalinhadas, formando uma barreira ao meu redor, tudo graças ao poder de um Devorador de Almas.

 

Porém, não havia mais nada; absolutamente nada. Éramos apenas nós ali.

 

— Aidan, você... você deteve os... – apenas comecei minha pergunta e sua voz cortou-me, respondendo-me prontamente.

 

— Sim, eles se foram. Não se preocupe, eles não vão mais tentar machucá-la.

 

Engoli em seco, como assim eles já tinha ido embora? Aidan lutou com eles? Eu estava preste a perguntar-lhe como ele os havia afugentado, mas algo me deteve. Um homem irrompeu pela sala, alto, elegante, com um porte quase tão forte quanto o de Aidan. Observei-o minuciosamente, notando como seu cabelo liso loiro-claro, quase prateado, brilhava sob a pequena incidência de luz naquela sala, oriunda da lua.

 

Seus olhos eram azuis como safira, os lábios eram finos, o queixo tinha um formato um tanto quadrangular, os olhos estreitavam-se nas pontas e as maçãs de seu rosto eram altas.

 

Ele trajava roupas completamente comuns, jeans surrados, botas pretas, suéter cor de marfim e por cima uma jaqueta de couro negra e aparentava ter em média uns trinta e poucos anos, mas eu sabia que era apenas minha impressão, ele devia ter séculos de idade, devia ser mais velho até do que Aidan.

 

Ele observou Aidan, depois me observou em seus braços por longos segundos antes que sua voz rouca ecoasse novamente naquela sala.

 

— Está tudo bem, Aidan, eles não voltarão mais.

 

Aidan assentiu com um gesto e depois complementou.

 

— Obrigada pela ajuda, Michael, eu sabia que poderia contar com você.

 

Os olhos azuis do homem empolgaram-se, enquanto um sorriso emoldurava seus lábios.

 

— Tudo em nome dos velhos tempos.

 

Do que eles estavam falando? Eu estava completamente perdida naquela conversa.

 

Encarei Aidan, mas ele estava perdido em seus próprios pensamentos. Então eu soube que aquela não era a hora certa para lhe fazer perguntas.

 

Mordi minha língua e refreei minha curiosidade, permanecendo em silêncio, enquanto o estranho chamado “Michael”, aproximava-se cauteloso de nós dois ali no chão frio, cercados por todas aquelas carteiras.

 

Ele arqueou uma de sobrancelhas, enquanto seus olhos demoravam-se em meu rosto. Senti o sangue arder em minhas bochechas. Por que ele estava olhando tanto para mim?

 

Aidan notou de imediato o meu constrangimento, pigarreou e o tal de Michael encarou-o sobressaltado como se tivesse sido chutado ou coisa parecida. Seus olhos encontraram o rosto de Aidan mais uma vez.

 

— Er, não se preocupe com os dois jovens, eu cuido deles.

 

Os olhos castanhos de Aidan não transpareciam nada enquanto ele respondia aquele estranho.

 

— Obrigada novamente, Michael.

 

O louro assentiu, depois se virou na direção da saída e partiu, deixando-nos a sós naquela sala completamente desarrumada. Eu não compreendia o que estava se passando ali, e muito menos tinha certeza de que desejava saber. Talvez fosse melhor esperar até que estivéssemos os dois em casa, e eu é claro, teria que enfrentar a sua fúria por romper minha promessa de não me expor ao perigo.

 

Aidan tornou toda a sua atenção para mim novamente, aninhada de forma tão protetora em seus braços e um sorriso emoldurou seus lábios.

 

— Pronta para ir para casa? – perguntou-me ele em um tom divertido.

 

Assenti sem nada dizer e mencionei levantar-me, tentando libertar-me de seus braços a todo custo, mas ele discordava comigo, e com um único movimento sutil, que acabou por sobressaltar-me, Aidan ergueu em seus braços, sustentando todo o peso de meu corpo.

 

Agarrei seu pescoço automaticamente, e o encarei, assustada.

 

— O que vai fazer?

 

Ele sorriu novamente antes que seus joelhos flexionassem, e com a agilidade e a leveza de um felino ele saltou por sobre as carteiras empilhadas, comigo em seus braços e pousou suavemente no chão.

 

— Levá-la para casa. – respondeu-me ele em um tom divertido.

 

Eu ri de leve e arquei uma de minhas sobrancelhas.

 

— Caso não tenha percebido, eu possuo duas pernas, posso andar. – retruquei, um pouco emburrada.

 

Ele apenas me ignorou e começou a andar pela sala, carregando-me consigo. Fiz uma carranca no mesmo instante, eu me sentia como aquelas princesinhas de contos de fadas que são carregadas pelos seus príncipes encantados.

 

Aidan cruzou o longo corredor e logo estávamos do lado de fora da escola. Era estranho que eu saísse de lá com vida. Eu estava preparando-me para nunca mais retornar de lá, sacrificar minha vida por um amigo, mas tudo não passou de uma brincadeira de terrível mau gosto.

 

Sacudi minha cabeça e decidi ignorar aqueles pensamentos e enquanto Aidan carregava-me por aquelas ruas desertas e silenciosas sob os raios prateados daquela lua cheia belíssima, ocorreu-me que eu ainda não havia entendido absolutamente nada do que acontecera entre o tempo em que eu afundei nas águas negras da inconsciência, e o meu despertar nos braços dele.

 

— Aidan? – eu o chamei e seus olhos antes fixos no nada voltaram para a minha face, cautelosos novamente.

 

— Hmm... – ele assentiu, monologo.

 

— O que exatamente você... foi fazer fora da cidade? – perguntei-lhe, meio temerosa de que ele enfurecesse comigo e decidisse me ignorar, mas ele deu de ombros e eu suspirei aliviada.

 

— Fui procurar a ajuda de alguém que conhecia o suficiente dessas criaturas.

 

— Aquele rapaz? – conjeturei, lembrando-me do homem louro de olhos azuis celestes.

 

— Sim, aquele é Michael Sundovall. Ele já serviu Sillentya por muitos anos, tem experiência em afugentar criaturas como os Devoradores de Almas. Ele mora em Pittsburg, mais ao norte do estado, na fronteira com o Canadá.

 

— Espere. – eu o interrompi – Quer dizer que existe um ex-caçador de Sillentya morando nas redondezas? Em New Hampshire?

 

— Não um ex-caçador, mas um ex-sacerdote e sim, ele mora em New Hampshire.

 

— Como? – eu perguntei, sem fôlego.

 

— Ele não serve mais as Sete Tristezas, pelo menos Sillentya não precisa mais das habilidades dele, e ele possui a autorização de todos eles para viver fora da Itália, mas existe um monitoramento que é feito periodicamente para assegurar que ele está obedecendo as regras.

 

— Que regras?

 

— Não expor a nossa raça, não utilizar os poderes para qualquer banalidade, manter a fachada humana é a principal.

 

Ponderei por alguns segundos.

 

— Então você poderia... viver aqui se possuísse uma... autorização?

 

Eu não queria demonstrar que aquela informação dada por ele havia acendido uma faísca de esperança em mim. De que talvez nós dois não tivéssemos de nos separar, pelo menos, não permanentemente.

 

Os olhos castanhos dele pousaram sobre os meus, confusos, semicerrados. E então ele compreendeu aonde exatamente eu queria chegar.

 

— Para mim, creio que não seria possível. – sussurrou ele, a voz embargada pela tristeza.

 

— Por que você precisa assumir o lugar de seu mentor, não é? – conjeturei, mas ele não respondeu, então era um sim.

 

Meus olhos baixaram, escondendo-se dos seus, eu não queria que ele visse a tristeza que eles transpareciam naquele momento. Além do mais, minha decisão já estava tomada.

 

Tratei de mudar de assunto, desviando daquele rumo obscuro que nossa conversa havia tomado.

 

— Mas, como exatamente vocês conseguiram... afugentá-los?

 

Aidan permaneceu durante longos segundos em silêncio, até que sua voz ecoou em meus ouvidos novamente.

 

— É um ritual, muito trabalhoso, mas que no fim mostra-se muito eficiente. Os Devoradores de Almas não poderão colocar os pés nessa cidade por longos cem anos.

 

— Uau. – exclamei, completamente surpresa e admirada.

 

E seus olhos de repente tornaram-se severos, e eu já sabia que levaria uma bronca dele.

 

— Mas isso nos remete a pergunta, por que você saiu de casa quando eu a fiz prometer que se manteria completamente segura?

 

Desviei meus olhos novamente, completamente encabulada.

 

— Se eu pedir desculpas, você esquecerá? – perguntei-lhe, temerosa de que seu mau humor o dominasse.

 

Mas ele manteve o tom divertido, e um sorriso no canto dos lábios.

 

— Provavelmente não. – confessou-me ele.

 

Suspirei, derrotada.

 

— Mesmo assim acho que vou tentar, desculpe-me, eu fui uma cabeça dura, teimosa e irresponsável.

 

— Concordo. – retrucou ele e depois complementou – E você quebrou uma promessa, então são menos pontos ao seu favor.

 

— Tudo bem. – concordei com ele – Desculpe-me por romper a promessa. Estou perdoada?

 

Ele riu de mim.

 

— Isso depende.

 

— Depende do quê? – perguntei-lhe, curiosa.

 

Seus olhos castanhos buscaram os meus, e retiraram todo o meu fôlego. Como eu ainda não havia me acostumado a estar debaixo daquele olhar tão... penetrante.

 

— Da próxima vez que eu tiver que me afastar de você, ou assim que eu lhe der as costas, você não correrá direto para os braços da morte, correrá?

 

Eu devia estar enrubescendo naquele exato momento, isso não era nada bom.

 

Eu não queria dar mais um motivo para que ele continuasse a se divertir as minhas custas.

 

— Não. – sussurrei e ele riu. Depois eu atirei minhas mãos para o alto, estava entregando o jogo, definitivamente – Eu fui uma completa boba, era apenas uma brincadeira de mau gosto e eu caí como um patinho. – confessei-lhe, percebendo que ao final de meu discurso ele continuava rindo de mim.

 

Então eu também sorri. Era maravilhoso vê-lo tão despreocupado, tão alegre, eu não gostava de vê-lo sombrio, remoendo seu passado e muito menos se culpando por tudo o que já aconteceu. Porque naquele momento era outro Aidan que me carregava em seus braços, uma pessoa completamente diferente da que eu conheci um dia, e eu tinha que admitir, que aquela era a sua parte que eu mais amava. A parte curada de todo o seu passado, a parte curada e regenerada pelo amor.

 

Só então eu lembrei-me dos outros dois jovens que estavam comigo na escola na hora do ataque, Becki e Kurt. Estariam eles...

 

— Aidan? – eu o chamei, e ele cessou o riso, notando a seriedade e a preocupação em minha voz.

 

— O que foi? – ele respondeu-me com outra pergunta, já tendo consciência de que algo me perturbava.

 

— Os outros dois jovens que estavam lá... eles...

 

— Não. – sua voz interrompeu-me, séria novamente – Eles não estão mortos.

 

— Então como eles estão?

 

Ele ponderou por alguns segundos, mas depois me respondeu, a voz completamente abafada, séria.

 

— O garoto bateu bem forte a cabeça, com sorte não se lembrará de nada. Mas a garota... – ele hesitou, parecendo buscar as palavras corretas – ela viu demais, quando a encontramos, logo depois de retirar aquela... coisa de cima de você, – as últimas palavras saíram cuspidas através de seus dentes trincados, e seus músculos haviam enrijecido, então ele estava com muita raiva – Becki estava mais ou menos catatônica. Ela repetia sem parar que não deixassem que eles a pegassem. Michael cuidará de tudo para mim, e se algum dia ela recuperar realmente a consciência, quem sabe possa voltar para a sua vida normal.

 

Mordi meus lábios, embora Becki tenha feito tudo aquilo para mim, armado aquela brincadeira de mau gosto para me assustar e o principal, tenha tentando afastar-me de Aidan, eu não desejava aquilo para ela.

 

— Estamos chegando. – murmurou ele, interrompendo meus devaneios. – Pronta para uma noite de sono sem mais interrupções? – perguntou-me ele, em um tom brincalhão.

 

Eu sorri em resposta.

 

— Estarei pronta, contanto que você não me deixe mais desse jeito.

 

— Eu não a deixarei. – e o som da promessa estava presente em sua voz. Repousei minha cabeça em seu ombro, enquanto ele adentrava comigo em seus braços em minha casa completamente silenciosa e às escuras.

 

E ele subia as escadas, onde eu já me preparava para o que tinha que enfrentar no dia seguinte: uma tarde de compras na companhia de Tamara.

 

Somente de lembrar-me desse fato causava-me arrepios. Como eu havia mesmo ido parar em uma situação como essas? Ah, claro! Eu me apaixonei, ainda que pelo garoto mais intrigante, misterioso e soturno, mas eu de fato havia e isso era inegável.

 

Logo eu já estava em seus braços, completamente segura e eu devo admitir, muito sonolenta.

 

— Aidan? – chamei-o uma última vez, sentindo que o cansaço estava consumindo-me cada vez mais.

 

— Hmm... – ele respondeu-me monólogo, como sempre, seus olhos estavam cerrados.

 

— Haverá um... baile de primavera no colégio em mais ou menos uma semana. – eu realmente não acreditava que estava conversando sobre isso com ele, mas se eu quisesse manter-me firme em minha decisão, eu precisava.

 

Ele riu de leve, abrindo seus olhos calorosos para me fitar.

 

— É, eu sei, Tamara tem te pressionado muito ultimamente.

 

Foi a minha vez de rir.

 

— Não encontro uma maneira de discutir com ela, então sei que provavelmente no fim, acabarei amordaçada, amarrada e arrastada até ele de qualquer forma, então eu estava pensando, já que não há escapatória, você... poderia estar lá comigo.

 

Ele aconchegou-se mais, puxando-me pela cintura, enquanto nossos rostos ficavam a poucos centímetros. E seus lábios repuxaram-se em um belo sorriso, enquanto seus olhos ardiam de forma intensa nos meus.

 

— Você está me convidando para ir a um baile? – perguntou-me ele, incrédulo.

 

— Eu sei que é pedir demais, - revirei meus olhos e dei de ombros – mas eu não queria ficar sozinha lá, - sorri comigo mesma e decidi provocá-lo – e é claro que Peter estará lá com Tamara e outros meninos...

 

De repente perdi o fio do pensamento, na verdade eu não conseguia pensar em nada, não com os lábios dele nos meus, arrancando todo o meu fôlego, enquanto ele pressionava-me cada vez mais contra o seu corpo. Depois, eu estava arfando, e ele ria de mim.

 

— E acha mesmo que eu a deixaria tão linda e desprotegida no meio de todos aqueles garotos? Eu podia dar uma boa surra em qualquer um que bancasse o engraçadinho com você.

 

— Isso significa um sim? – perguntei-lhe, e seus olhos não mentiam, ele estaria comigo, sempre que eu quisesse, sempre que eu lhe pedisse.

 

Ele assentiu com um gesto e depois exigiu minha atenção novamente, tomando meus lábios de forma súbita e calorosa, e que me deixou completamente sem ar, de novo...

 

 

 

 

 

 

 

Eu acompanhava Tamara pelos corredores da loja, tantos cabides com tantos vestidos diferentes. Embora eu devesse confessar que todos pareciam iguais aos meus olhos. Talvez porque a última vez em que tivesse realmente usado um fosse o meu longínquo e quase nebuloso aniversário de cinco anos, onde minha mãe meteu-me em um rosa cheio de babados e laços. Depois eu finquei o pé e recusei-me com veemência a usar um outra vez.

 

Tamara empilhava em meu braço um monte deles, fazendo comentários em uma língua que para mim era desconhecida, como chiffons, strass, tafetá.

 

E aquelas pilhas de vestidos já começavam a pesar em meu braço e quando eu reclamava com ela, dizia-lhe que já era o bastante, ela não me ouvia e continuava a vagar por aqueles corredores estreitos da loja de departamentos, rebocando-me com ela.

 

E eles eram rosa, lilás, azul, verde e de muitas outras cores que eu sequer tinha consciência de existir.

 

Claro que o episódio da noite anterior, ou pelo menos a bagunça causada pelos Devoradores de Alma, foi atribuída a vândalos. Aidan tivera razão sobre Kurt, no dia seguinte ele apareceu na escola, não se lembrando de nada do que acontecera e tendo me ignorado como em qualquer outro dia. Mas Becki não compareceu às aulas, e o motivo era óbvio: ela devia estar nesse exato momento tratando-se em uma clínica psiquiátrica. Os pais dela assustaram-se bastante pelo estado da filha, como se estivesse em transe. Ela mal tinha consciência das coisas ao seu redor, não depois de ter visto o que ela viu. E é claro que Peter fez um comentário maldoso, como “e lá se vai a rainha do baile de primavera”. Tamara é claro desferiu-lhe uma forte cotovelada no estômago e Peter, mesmo retorcendo-se de dor, continuou rindo.

 

Sacudi minha cabeça e espantei aqueles pensamentos de minha mente, focando-me em Tamara continuar empilhando aqueles vestidos no meu braço.

 

— Tamara, eu acho que já está bom. – reclamei mais uma vez, tentando detê-la, eu já havia perdido a conta de quantos vestidos havia ali em meu braço.

 

Ela virou-se para mim, os olhos distraídos encontrando a pilha de tecidos multicoloridos em meu braço, e então ela colocou o indicador no queixo, refletindo.

 

E então, abruptamente, seus olhos vibraram de empolgação, e sem mais nem menos, sua mão agarrou meu pulso livre, puxando-me junto com ela pelos corredores até os provadores da loja.

 

Eu quase fui ao chão com vestidos e tudo.

 

Ela estacou diante de mim, um misto de felicidade e excitação nos olhos esmeraldinos. Até que bateu as palmas de suas mãos, claramente encorajando-me.

 

— Pronto, pode experimentar!

 

Eu arfei.

 

— O quê? Todos eles?

 

Ela franziu o cenho e colocou as duas mãos na cintura.

 

— Claro, bobinha, são todos para você. – retorquiu ela, mal humorada.

 

— Mas e você? – perguntei-lhe, imaginando porque ela escolheria tantos vestidos apenas para mim.

 

Mas ela deu de ombros, fazendo pouco caso.

 

— Ora, depois nós vemos isso, mas agora é a sua vez! Vamos, vamos! – encorajou-me ela.

 

E então me empurrou para dentro de um os provadores. Irritada, puxei a cortina e comecei a provar um por um dos vestidos. Embora alguns tenham realmente me deixado confusa, e eu tenha que ter pedido a ajuda de Tamara para encontrar os fechos.

 

E a cada vez que eu terminava de vestir um eu tinha que sair para que ela pudesse ver como havia ficado. Escutei muitos elogios em alguns como “ficou lindo”, “esse está incrível”, “adorei esse!”.

 

Mas em outros ela fez uma careta de desaprovação, observou alguns por longos segundos antes de concluir que ele não contrastava com o meu tom de pele, ficara grande demais, ou precisaria de muitos ajustes.

 

Eu ficava cada vez mais impaciente e emburrada, até que experimentei um que agradou até mesmo a mim. Não era nada chamativo, o que era ótimo para mim, cor de marfim, com uma faixa negra logo abaixo do busto destacando no tecido leve e claro, abrindo em uma saia rodada até os joelhos. Dei uma pirueta e Tamara pareceu satisfeita.

 

— E então? – perguntei-lhe.

 

Ela sorriu, radiante e depois caminhou até mim.

 

— Está perfeito! É lindo, Agatha!

 

— Obrigada. – agradeci-lhe.

 

Dirigi-me até o pequeno puff que havia naquela seção. Suspirei e Tamara veio até mim, sentando-se ao meu lado. Ela soube no mesmo momento que havia algo me afligindo. Tamara era muito boa para ver quando eu não estava muito bem.

 

Ela inspirou fundo e depois repousou uma de suas mãos em meu ombro.

 

— Vamos, pode dizer, o que houve?

 

Eu hesitei, havia tantas coisas que Tamara não podia saber, para a sua própria segurança, mas ainda assim, havia partes que podiam ser reveladas. E eu precisava disso; eu precisava desabafar com alguém, pedir alguns conselhos e ninguém melhor que Tamara para me ajudar em uma hora dessas.

 

— Tamara... – eu comecei, depois me interrompi, procurando pelas palavras adequadas, que pudessem exprimir tudo o que eu sentia naquele momento. – Tamara, é... normal que às vezes os garotos guardem segredos de você? Ela arqueou uma de suas sobrancelhas, depois seus olhos esbugalharam-se e ela entendeu perfeitamente a minha pergunta.

 

— Agatha, aconteceu alguma coisa com você e com o... Aidan?

 

A resposta escapou de meus lábios no mesmo instante.

 

— Não! – mas depois tive que me corrigir – Quer dizer, não ainda.

 

Meus olhos baixaram até o carpete que recobria todo o assoalho daquela seção da loja e minhas mãos instintivamente começaram a suar.

 

— Por que não me conta o que houve? – instigou-me ela, seus lábios projetando-se em um meio-sorriso.

 

Suspirei mais uma vez, buscando forças. E então aquele sentimento que eu estivera reprimindo nos últimos dois dias fluiu através do meu corpo.

 

— Às vezes, eu acredito que ele esconde algo de mim. Algo que ele não pode revelar, e então ele se isola, constrói tantas muralhas ao redor de si, muralhas que eu sinto que jamais poderei transpassar. Tamara ponderou por longos segundos, seu semblante ficou pensativo e seus olhos, antes empolgados e alegres, agora estavam coléricos, tristonhos, como se ela entendesse a minha dor.

 

— Agatha, isso é... compreensível. – ela sussurrou, tentando confortar-me. Depois ela mostrou mais convicção enquanto continuava seu discurso – Ora, ele é um garoto! Todos os garotos possuem segredos, e eles precisam ter esse espaço apenas para eles e para mais ninguém. É o que nos distingue, eles são complicados, nós não. – ela riu consigo mesma nessa última frase.

 

Arquei uma sobrancelha, mas ela parecia estar falando sério. Depois ela espalmou as mãos, como se estivesse tendo um chilique.

 

— É sério, os garotos deviam vir com um manual de instruções, isso sim. Eu ri, Tamara como sempre, havia conseguido dissipar todos os meus temores e levar embora todas as minhas incertezas, de um modo um tanto peculiar, eu tinha que admitir.

 

— Tudo bem, garotos precisam de espaço. – concordei com ela, e Tamara sorriu no mesmo instante, depois sem o menor aviso, pegou em minhas mãos, levantou-se com um pulo e puxou-me com ela. Seu rosto estava iluminado novamente, e aquela sua empolgação toda me deixou desconfiada.

 

— O que foi? – perguntei a ela.

 

— Como assim o que foi? – ela parecia ofendida – Vamos, vamos, você tem mais vestidos para experimentar! – berrou ela, empurrando-me de volta para o provador. Tentei discutir com ela, mas foi em vão.

 

— Espere! – exigi – Pensei que esse tivesse ficado ótimo. – disse-lhe, analisando o vestido belíssimo que eu trajava.

 

Ela deu de ombros, fazendo pouco caso de minha tentativa inútil de me livrar de mais horas no provador.

 

— E realmente é verdade, esse ficou ótimo, mas pode haver outros que ficarão perfeitos ou divinos. Agora não discuta e experimente o próximo! – ordenou ela.

 

Suspirei, derrotada, e fechei a cortina do provador, já pressentindo que seriam longas horas naquela loja até que Tamara ficasse completamente satisfeita.

 

Pelo menos Aidan estaria comigo. Isso me causava um certo alívio, ainda que meu estômago ficasse meio embrulhado e minhas pernas ficassem bambas, somente de imaginar-me em um... um baile.

 

Realmente, estar apaixonada pode trazer grandes desvantagens.

 

Eu que o diga.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Agora eu queria esclarecer algumas coisas:

* Bem q eu queria fazer uma participação maior e melhor com os Devoradores de Alma, mas o tempo é meu inimigo.

* O baile de primavera, no próximo cap., marcará o salto no tempo q a fic dará, para então entrar na sua reta final.

* Dentro de 3 ou 4 caps. a 1ª fase termina.

* A continuação: Já posso adiantar q a continução se chamará "Lágrimas da Alma" e terá novos personagens, novos perigos e contará a verdadeira origem da Agatha.

Então é isso, até o próximo cap.

E torçam comigo para q esse erro não volte mais a acontecer, pq isso me desanima muito!

Obrigada mesmo a todos pela força e pelo incentivo!

Beijos!