Jamie começou a se levantar, eu me movi pra perto dele e o impedi, para que ele não saísse. Por mais que sua aparência estava diferente, sentíamos uma insegurança em relação aos remédios de alma.

- Calma aí garoto. Como está se sentindo? – Pressionei seu ombro no colchão.

- Eu me sinto... muito bem. Por que todo mundo está aqui? Eu não lembro...

- Você  esteve doente. Fica quieto para podermos te curar. – Mandei, Jamie não parava quieto nenhum segundo.

- Posso beber um pouco de água? – Perguntou.

- Claro garoto. Aqui. – Dei para ele a vasilha de água.

Doc não conseguia acreditar no que via.

- É o Sem Dor. – Peg murmurou. - A sensação é maravilhosa.

- Por que Jared está dando uma chave de braço em Sharon? – Jamie me perguntou.

- Ela está de mau humor. – Respondi piscando com um olho.

- Fique bem quieto Jamie. – Doc avisou meio suspeito. - Nós vamos… limpar seu ferimento, Ok?

- Okay. – Jamie concordou sem problemas.

- Diz se você sente isso. - Doc disse.

- Se doer. – Peg acrescentou.

Com habilidade de um verdadeiro médico, Doc passou o escalpo pela pele machucada, todos olhamos para Jamie, esperando um grito de dor, mas ele estava mais do que bem.

- Isso é estranho. - Jamie disse como se não tivesse acontecendo nada de mau. - Mas não dói.

Doc assentiu e começou a aprofundar o corte, sangue e pus escorriam da fenda. Depois Peg espirou o spray no machucado, pudemos ver todo o pus sumindo aos poucos.

- Olha isso. – Doc murmurou maravilhado.

- Okay. Curar. – Peg murmurou, colocando outro remédio no machucado exposto. - Okay, une as beiradas do ferimento, Doc.

Doc continuava maravilhado com tudo aquilo, eu também estava. Eram coisas que jamais tínhamos visto. Ele fechou o machucado com as duas mãos. Jamie riu.

- Isso faz cócegas.

Doc arregalou mais os olhos. Peg colocou mais alguma coisa na pele dele.

- Posso ver? - Jamie perguntou.

- Deixa ele levantar Ian. Quase já acabamos. – Peg murmurou.

Eu soltei seus ombros, ele estava curioso, olhava tudo com atenção.

- Veja, eu coloco isso. – Peg passou um pó brilhante pelo corte. - E a cicatriz fica bem leve, assim. – Mostrou uma cicatriz no braço.

- Mas cicatrizes não impressionam as garotas? – Jamie riu. - Onde você arrumou essas coisas Peg? É tipo mágica.

- Jared me levou em uma incursão.

- Sério? Isso é um máximo!

- Você devia ter a visto. - Jared disse. - Ela foi incrível.

Olhei para ver se Sharon estava solta, um pouco com medo do demônio que estava em seu corpo. Ela saia do quarto junto com Maggie, ainda com ódio.

- Ela entrou direto no hospital, direto para a alienígena lá e pediu para eles tratarem os ferimentos dela, toda corajosa. Então quando eles não estavam olhando, ele roubou ele bem embaixo do nariz deles! – Jared contava a história como se fosse um filme. - Saiu de lá com remédio suficiente para durar um bom tempo. Ela até acenou para o inseto atrás do balcão enquanto dirigia indo embora.

Jared riu.

- Não foi assim tão excitante. – Peg disse e Jamie pegou sua mão, uma linda cena de amor. - Foi muito fácil. Eu sou um inseto também afinal de contas.

- Eu não quis dizer... – Jared começou a se desculpar.

Peg fez um sinal de que não ligava, sorrindo.

- Como você explicou o machucado no seu rosto? - Doc perguntou. - Eles não perguntaram por que você não...

- Eu tinha que ter ferimentos frescos, claro. Eu tive o cuidado de não deixar nada suspeito. Eu os disse que caí com uma faca na mão. Podia acontecer com qualquer um.

O que ela estava dizendo?

- Ferimentos frescos? – Perguntei com raiva.

Ela me encarou como se fosse normal.

- Foi necessário. Eu tinha que esconder minha cicatriz. E aprender como curar Jamie.

Jared pegou o pulso dela para mostrar a linha rosa na sua pele.

- Foi horrível. – Jared disse. - Ela quase arranca a mão. Eu pensei que ele nunca a usaria novamente.

- Você se cortou? – Jamie arregalou os olhos.

- Não fique ansioso, não foi assim tão ruim. Eu sabia que logo seria consertado. – Peg o assegurou.

- Vocês deviam tê-la visto. - Jared repetiu baixo.

Coloquei meus dedos em sua bochecha, acariciando cada pedaço de sua pele. Ela gostou, se inclinou mais para frente para que eu continuasse meu carinho, isso me deixou muito feliz.

Acariciar sua pele era a coisa mais mágica do mundo, até mais mágico que seus remédios milagrosos. Minha vontade era de beijá-la, mas eu sabia que Jared e Melanie, assim como Jamie, não deixariam.

- Nada de Incursões mais para você? – Murmurei.

- Claro que ela vai sair de novo. – Jared disse. - Ian, ela foi absolutamente fenomenal. Você teria que ter visto para entender. Eu só estou começando a enxergar as possibilidades...

Eu não estava acreditando, ele não podia estar falando isso! Desgraçado, só pensava nele, nem se importava com as conseqüências, se ela estava bem ou não... Egoísta!

- Possibilidades? – Puxei ela pra mais perto de mim, para ficar longe de Jared. - E qual o custo para ela? Você deixou ela quase arrancar sua própria mão? – Eu apertava seu braço como se fosse proteção.

- Não Ian, não foi bem assim. – Peg dizia. - Foi minha idéia. Eu tinha que fazer.

- É claro que foi idéia sua. – Grunhi. - Você faria qualquer coisa... Você não tem limites quando se trata desses dois. Mas Jared não devia ter deixado você...

- De que outra forma havia Ian? - Jared discutiu. - Você tinha um plano melhor? Você acha que ela ficaria mais feliz sem se machucar mas com Jamie morto?

- Não. Mas eu não entendo como você ficou ali sentado vendo ela fazer isso com ela mesma. – Sacudi a cabeça para não pensar no que tinha acontecido. - Que tipo de homem...

- O tipo prático. - Jeb me interrompeu.

Todos nós olhamos para cima. Jeb estava acima de nós, uma grande caixa em seus braços. Eu não tinha percebido que ele estava entre nós.

- É por isso que Jared é o melhor para nos conseguir o que precisamos. Por que ele consegue fazer o que tem que ser feito. Ou assistir o que tem que ser feito. Mesmo quando assistir é mais difícil do que fazer. – Ele mudou de assunto rapidamente. - Agora, eu sei que está mais perto do café da manhã do que da janta, mas eu imagino que alguns de vocês não comem há um bom tempo. Com fome garoto?

- Uh... eu não tenho certeza. - Jamie admitiu. - Eu me sinto vazio, mas não é uma sensação... ruim.

- É o Sem Dor. – Peg explicou. - Você devia comer.

- E beber. - Doc disse. - Você precisa de líquido.

Jeb colocou a caixa que estava em suas mãos no colchão.

- Achei que ia ser bom termos uma celebração. Sirvam-se.

- Uau, hmm. - Jamie disse pegando as coisas da caixa. - Espaguete, excelente.

- Salgadinhos de Frango ao alho. - Jeb disse. - Eu sinto um bocado de falta de alho, mas ninguém sente falta do meu hálito com certeza. - Ele riu.

Jeb também tinha trazido água e fornos portáteis. Todos nós se esprememos em um espaço pequeno, ainda bem que Peg estava do meu lado, espremida, eu sentia o calor do seu corpo. Só que Jared estava do outro lado, é claro, e Jamie no seu colo.

Kyle chegou depois de um tempo para a roda, eu nem tinha percebido quando ele se sentou do meu lado se espremendo. Eu preferia muito mais ter Peg do meu lado do que o otário do meu irmão. Eu continuava com o braço no ombro dela.

Eu ia conquistar o amor de Peg com o tempo, seria bem difícil, mas eu conseguiria, tinha certeza disso. Por ela eu não me importava de esperar, mesmo que isso me custasse muito tempo... Ela ia me amar da mesma maneira que eu.

Quando acabamos de comer, meio que nos ajeitamos para dormir, cada um no lugar que estava. Foi uma bagunça, era estranho de ver, parecia vários corpos jogados no chão, amoitados. Não era para estar confortável, mas estava.

Eu estava deitado no colo de Peg, e puxava sua mão para o meu rosto, sentindo seu cheiro. Aquilo me faria dormir mais do que tranquilamente, era reconfortante, apenas o toque simples de sua mão macia.

- A noite foi melhor do que eu esperava. Eu gosto quando o pessimismo não dá em nada. - Jeb disse depois de arrotar. – Obrigada Peg.

- Mmm. – Peg assentiu quase dormindo.

- Da próxima vez que ela for a uma incursão... – Kyle disse junto com um bocejo. - Da próxima vez que ela for a uma incursão, eu vou junto.

- Ela não vai de novo. – Respondi ficando tenso com a idéia.

Ela acariciou meu rosto lentamente, para que eu me acalmasse, aquilo já foi uma coisa maravilhosa...

- Claro que não. – Murmurou. - Eu não tenho que ir a lugar nenhum a  que não seja necessário. Eu não ligo de ficar aqui.

- Eu não estou falando de te manter prisioneira Peg. – Expliquei. - Você pode ir aonde quiser se depender de mim. Fazer cooper na Estrada se quiser. Mas não Incursões. Eu estou falando de te manter salva.

- Nós precisamos dela. - Jared disse.

- Nós passamos bem por dificuldades sem ela antes. – Retruquei.

- Bem? Jamie teria morrido sem ela. Ela pode nos conseguir coisas que ninguém mais conseguiria.

- Ela é uma pessoa Jared, não uma ferramenta.

- Eu sei disso. Eu não disse que...

- A decisão é da Peg, não acham? – Jeb interrompeu.

Eu tentava me levantar para falar, Peg tentava me proibir.

- Você não pode deixar a decisão com ela Jeb. – Protestei.

- Por que não? Ela ter mente própria. É o seu trabalho tomar decisões por ela?

- Eu vou te dizer por que não. – Resmunguei. – Peg?

- Sim, Ian? – Respondeu.

- Você quer sair em Incursões?

- Se eu puder ajudar, claro que eu devo.

- Não foi isso que eu perguntei.

Me virei para falar com Jeb novamente.

- Vê Jeb? Ela nunca leva em conta suas próprias vontades, sua própria felicidade, nem mesmo a sua própria saúde. Ela faria qualquer coisa que pedíssemos, mesmo se a matar. Não é justo pedir coisas a ela da forma que pediríamos uns aos outros. Nós paramos para pensar em nós mesmos. Ela não.

Ninguém me respondeu por que eu estava certo, as almas eram altruístas, e nós nascemos egoístas. Como Jared, ele só pensava nele e nas coisas dele. Por isso que ele adorava usá-la para o que bem entendesse.

- Isso não é verdade. - Peg disse. - Eu penso em mim mesma o tempo todo. E eu... Eu quero ajudar. Isso não conta? Eu fiquei tão feliz em ajudar Jamie essa noite. Eu não posso achar felicidade do jeito que eu quiser?

- Viu o que eu disse? – Suspirei.

- Bem, eu não posso dizer a ela que ela não pode ir se ela quiser. -  Jeb disse. - Ela não é mais uma prisioneira.

- Mas não precisamos pedir. – Falei.

- Você não precisa pedir. – Peg disse. - Eu me voluntario. Não foi muito…assustador. Não mesmo. As outras almas são muito gentis. Eu não tenho medo deles. Foi quase fácil demais.

- Fácil? Cortar seu... – Comecei mas ela me interrompeu.

- Isso foi uma emergência. Eu não vou ter que fazer isso novamente. Certo?

- Se ela for, eu vou também. – Falei. - alguém tem que a proteger de si mesma.

- E eu estarei lá para proteger o resto de nós dela. – Kyle disse zombando.

Eu dei um coice com a perna em algum lugar de seu corpo.

- Ai! – Ele gemeu mas não fez nada para descontar.

- E eu estarei lá para trazer vocês de volta vivo. - Jared murmurou.