- Calma garoto, tudo vai ficar bem. – Dei uns tapinhas em seu ombro.

Jamie se agarrou a Lily, da mesma maneira que fazia com Peg, e ali chorou muito, desesperadamente. Lily tentava falar coisas boas para que ele esquecesse, mas mesmo assim ele continuava a derramar lágrimas.

Olhei para Jeb, queria ver se ele tinha alguma sugestão para aliviar a dor do garoto e acabar com tudo isso. De longe, ele fez um sinal com a mão para que eu fosse mais perto e falasse com ele.

- Oi Jeb, será que não tem nada para fazer pelo garoto?

- No momento não, isso agora não é tão importante assim... – A voz de Jeb sumiu nesse última frase, eu estranhei.

- O que pode ser mais importante que isso? – Perguntei intrigado.

- Ian, Doc pode estar precisando de ajuda... Sabe como é né?

- Droga, eu não acredito que trouxeram mais? – Falei indignado.

- Temos que tentar, você sabe.

- Sim, mas não está dando certo, nunca deu certo...

- Agora não tem volta, eles já estão aqui, não tem como libertá-los... vai lá.

- Tudo bem. – Murmurei um pouco bravo. – Mas você sabe muito bem que isso é errado! Isso é muito errado, conosco e com a Peg! – Falei a última parte muito baixo, não sei se Jeb ouviu, ele não respondeu.

Virei as costas para sair e ir no túnel sul, pelo que percebi, hoje eu teria que limpar a tortura e mutilação do hospital. Sempre quando traziam almas, e as picotavam, a sujeira que saia delas era estrondosa.

- Hey Ian! – Wes me chamou antes que eu saísse.

- Diga Wes. – Falei ainda virado para o túnel.

- Eu, Trudy e Lily vamos procurar Peg. – Quando ouvi o nome dela me virei.

- Eu iria mas...

- Percebemos que você foi cotado ali em cima. Faça o seu trabalho, logo, logo a encontramos, pode ter certeza disso.

- Tudo bem, é melhor. Só não deixem ninguém ver isso, ok? Você sabe que pode dar rolo...

- Ok. – Wes respondeu acenando. – Eu sei, vamos procurá-la meio ausentes, para que ninguém note.

Abaixei os ombros suspirando por ter que ver aquelas cenas novamente. O caminho para o túnel sul era curto, e logo eu estava vendo a claridade maior, a luz que Doc usava para fazer operações.

A sala já estava cheia, muitas pessoas aguardavam ansiosas para abrir os corpos. Eles estavam nas macas, deitados debruço. Eu cumprimentei quem estava ali com um aceno, e fui conversar com Doc.

- Oi Doc.

- Oi Ian, tudo bem lá fora?

- Não, Kyle e Jared estão atrás de Peg.

- Isso é um pouco ruim, mas fique tranqüilo, eles logo estarão aqui para assistir... hã, você sabe.

- Sei. Eles estão muito bravos, querem matá-la.

- Não podemos deixar isso.

- É, eu sei. Você bem que podia falar com eles não é? Todo mundo te escuta, você sabe disso.

- Tudo bem, eu falo depois que acabar aqui.

Notei que Jeb chegava com os outros, Jared e Kyle vinham atrás com expressões de ódio. Jeb veio ficar perto de mim e de Doc, enquanto os outros aguardavam de longe.

- Doc, quando vamos começar? – Jeb perguntou.

- Logo, eu estava esperando os outros chegarem.

- Tenho uma impressão que estamos cada vez mais perto.

- Eu não acho. – Discordei.

- Pois bem, tenho uma impressão que Peg esconde uns segredos.

- Não me venha com história de Buscadora novamente. – Resmunguei.

- Não, não é isso... Bem... acho que Mel ainda está lá.

- Como assim? – Doc perguntou.

- Mel está presa com ela, está com a sua mente funcionando... Um dia eu perguntei se era possível, ela nem respondeu.

- Seria possível? Eu duvido. – Falei desconfiado.

- Pois bem, eu bem que acredito... Ela não veio aqui a toa. – Doc falou pensativo.

- Eu não sei, juro que não sei. – Murmurei. – Eu também acho estranho ele vir aqui... Mas será que poderia... – Minhas palavras sumiram.

Outrora eu perguntaria a Peg sobre isso, como ela não sabia mentir, certamente falaria a verdade.

- Bom, temos que começar. – Jeb murmurou alto para que todos ouvisse.

Eu me virei e fui para um canto, bem longe daquilo. Já era ruim precisar ver, ainda mais ter que ajudar com alguma coisa.

Doc pegou um de seus bisturis e descobriu o bebê que estava deitado. A cena era horrível, bem ou mal aquilo era apenas um bebê, um inocente que poderia ser filho de qualquer um ali. Doc lavou seu pescoço e começou a furar  a pele.

Foi retirando cada pedaço de pele do pescoço, tentando não derramar muito sangue a acabar com a vida do humano. Doc dessa vez foi mais cuidadoso ao retirar, ele puxou com mais cuidado.

Quando ele a tirou, percebemos que tínhamos falido. A alma estava totalmente despedaçada, sangue prateado escorria de seus membros, espirrava por todos os lados da sala.

- Não foi dessa vez... eu estava com esperanças, achei que tinha conseguido... Achei que... – Doc se entristeceu.

- Tente outro. – Jared encorajou.

Doc assentiu meio frustrado, pegou e começou a cortar o outro corpo adulto. Esse também não teve sucesso, o sangue continuava a espalhar pela sala inteira.

Duas vidas tinham sido perdidas novamente, todos estavam chateados e frustrados. Não tinha como fazer isso, se fôssemos pegos, não teria como sobreviver, isso nos deixava mal.

Além da nossa tristeza pelo fracasso, eu guardava o remorso. Tanto pelos corpos aqui mortos, como as almas... Minha mente não parava de jogar informações que aqueles dois corpos poderiam ser pai e filho...

E de pensar que uma das duas almas poderia ser Peg? Não, isso era muito cruel, desumano.

Doc chorou incontrolavelmente, com toda a razão. Ele era o que mais sofria, afinal, era ele o grande assassino. Os olhares frustrados das pessoas o deixavam ainda mais culpado.

Jamie chegou logo depois do fim de tudo, ele está um pouco melhor agora. Olhou para os corpos e faz uma cara de nojo, vindo ao meu encontro para conversar.

- Ian, tenho boas notícias.

- Ah Jamie, depois do que aconteceu agora, é bom ter algo pra sorrir mesmo.

- Eles não conseguiram?

- Não, você sabe que nunca conseguem. – Suspirei. – Conte sua novidade.

- Jared me prometeu que não vai matar Peg.

- Tem certeza? – Perguntei desconfiado.

- Tenho.

- Mas Kyle não prometeu nada...

- Eu tinha me esquecido dele. – Jamie abriu os olhos assustados.

- Fique tranqüilo, depois que eu acabar de arrumar isso aqui, vou procurar Peg. – Confortei o garoto.

Respirei fundo, não era fácil ter que fazer isso. Peguei uma das escovas que estavam em um canto e comecei a limpar a sujeira da  parede. Isso tudo era muito gosmento, eu não gostava de mexer, mas todos tinham que ajudar.

E pensar que uma dessas almas poderia ser Peg... Isso me entristecia e magoava. Acho que se eu tivesse ao menos idéia de como era aquelas almas, seria capaz de impedir essa atrocidade.

Não sei se era a mesma coisa, por que certamente Peg era diferente... Além dela ser minha amiga, Peg era especial... Não existia palavras para descrevê-la...

Outro motivo para me deixar revoltado. Ela não merecia viver no meio de um bando de assassinos sem escrúpulos como nós... Um bando de loucos que matavam seus semelhantes...

- Ian. – Jared me chamou, rompendo meus devaneios. – Preciso da sua ajuda para enterrar os corpos.

Assenti sem olhar para ele. Joguei com desdém a escova que estava nas minhas mãos. Ela deve ter caído em algum lugar macio, nem fez barulho.

Peguei o corpo do maior e fui levando pela fenda de saída de Doc. Jared levava o bebê, e Aaron com Kyle levavam pás para cavar. Bem que Kyle podia ter ficado lá em baixo, eu não queria nem olhar para a cara dele.

Lá fora estava muito quente, por mais que estávamos na calada da noite. O vento do deserto trazia uma terra para nós, grudava com o suor que escorria da nossa pele.

Colocamos os corpos no chão, pegamos as pás e começamos a cavar a tumba. Tínhamos que enterrá-los bem no fundo para que não houvesse perigo da chuva desenterrar um dia.

Mal comecei a trabalhar e o calor ficou abusivo. Minha camisa estava grudada ao corpo de tanto suor, e fui obrigado a tirá-la. Senti um alívio.

Enquanto eu dobrava minha camisa, Kyle resmungava com Aaron. Pensando que eu não escutava.

- Quando eu sair daqui, vou buscar outro corpo para por.

Eu enrijeci, ele estava falando de Peg, ele pretendia matá-la. Isso não era nada bom, se ela ainda estivesse sozinha, eu teria que impedir de qualquer atentado.

- Que corpo? – Aaron perguntou com ignorância.

- A verme de estimação do Jeb.

- Ah... – Aaron disse sem prestar muito atenção.

- Parece que tem gente que vai sentir falta... – Ele disse me encarando.

Realmente ele estava se referindo a Peg, terminei meu serviço e corri na frente de todos para achá-la antes. Acabei deixando as ferramentas com eles, e fui pela estreita passagem para dentro.

Eu me desesperei, ele não podia fazer nada com ela, não com Peg. Pela forma que ele falou, estava disposto a tudo.