Olhos Felinos escrita por Jodivise


Capítulo 47
Capítulo 46 O Reencontro


Notas iniciais do capítulo

Lara e a restante tripulação começam o caminho para Mênfis e no meio das confusões de sempre, um reencontro há muito esperado acontece.



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Capítulo 46: O Reencontro

Limpando a lâmina da própria espada, Lara via Teague e Darius conversarem com alguns comerciantes já em terra, negociando o transporte que os levaria a Mênfis. O grupo seria restrito. Apenas ela, Teague, Norrington, Darius, Pintel e Raguetti, Will e Elizabeth iriam até ao maldito templo, resgatar os outros três e desvendar aquele mistério de uma vez por todas.

– Ai, Larinha! – Grace fungou, vendo-a preparar-se para sair do navio. – Eu queria tanto ir.

– Não, Grace. – a pirata lhe sorrira sem vontade. – É demasiado perigoso. Ficará aqui, com Alicia.

– Vai ser difícil convencer essa jovem a ficar, Lara. – Grace rolou os olhos, limpando o próprio nariz às costas da mão. – Ela é louca pelo William. E nem o estado dela a faz ser um pouco menos irresponsável!

– Somos todos irresponsáveis, Grace. – Lara colocou a mão no ombro da mulher gorducha, abraçando-a forte. – Eu vou voltar. E vou trazer a Mary comigo.

– Que Deus o permita. – Grace disse, numa voz mais que embargada. – Que permita que tragar a nossa menina! Que permita que traga seu marido. E que…

– Eu trago o Barbossa também. – Lara sorriu, beijando a testa à sua "mãe" de criação. Mas, findo o gesto, os olhos castanhos da morena se fixaram na figura de Olga à porta da cabine dos capitães. – Eu preciso falar algo antes de ir.

Seguindo a ruiva que se colocara lá dentro, Lara deu com Olga de costas, olhando através das janelas da popa. – Quando pretendem regressar?

– Nós não vamos com tempo certo, Lady McLean. – Lara levou as mãos à cintura.

– Quando regressarem, eu já não estarei aqui.

– Não cometa nenhuma loucura, Olga. – a capitã lhe chamou. – Darius já sabe que Ian é seu filho. Quer queira ou não… você possui uma parte dele.

– Possuo? – a ruiva se virara, com os olhos negros inflamados. – Eu não possuo nada! Graças ao Darius, eu fiquei sem nada. Meu filho nasceu porque a caridade de um amigo me salvou! Eu não sou ninguém… e eu não tenho para onde ir… - desabando, Olga apoiara as costas ao parapeito, levando as mãos ao rosto.

– Pode ficar aqui. Se tudo se resolver, voltaremos e a deixaremos onde quiser. – Lara disse, levando as mãos aos cabelos. – Mas há algo que precisa de saber.

– O quê?

– Tudo que o Darius disse é verdade. – a pirata apoiara um dos quadris à mesa. – Ele era um soldado atlante…

– Se me disser que ele é a reencarnação do demónio eu sou capaz de acreditar mais depressa. – Olga rolou os olhos.

– Se lhe espetar uma faca no coração, ele não morre. – Lara disse, deixando a outra estática. – Mas como qualquer ser humano… ele também sente. E não são preciso facas nem espadas para se ferir alguém no seu âmago. – a morena continuara, analisando o rosto fechado da outra. – Se quiser acreditar tudo bem… se não quiser… não é obrigada. Mas tenho de lhe dizer que… Darius pode não sair desta campanha vivo.

– Acabou de dizer que ele é imortal!

– Ele pretende matar a deusa que lhe destruiu a vida. E só ela o pode matar. – Lara endireitou-se, caminhando até à saída. – Se quiser trocar algumas palavras com ele… é a altura.

A lady escocesa ficara vendo a capitã sair, deixando-a sozinha naquele ambiente escuro. Engolindo em seco, Olga sentira os olhos humedecerem-se, percebendo-se mais uma vez completamente sozinha no mundo. Desejara reencontrar Darius por todo aquele tempo e agora que finalmente o alcançara, não sabia mais o que fazer. Queria correr atrás de si, mas não poderia deixá-lo para trás.

– Eles alugaram uma feluca… - Alicia lhe surgira sorrateira. – Vão subir o rio com ela.

– O que tenho eu a ver com isso? – o perfeito sotaque escocês da outra ecoara, saindo para o exterior.

– Que barcos são ótimos para nos escondermos… - Alicia lhe sorriu. – Vá lá! Tanto eu como você estamos desejosas de ir com eles. Mas devido aos condicionantes… fomos proibidas.

– Eu não quero ir a lado nenhum! Imagine-se, eu, uma dama… perdida nesse deserto! – Olga brandara.

– Tudo bem… seu filho ficaria bem com Grace. – Alicia encolheu os ombros. – Se prefere que Darius morra… ou reencontre Mayara… você que sabe.

As sobrancelhas finas e ruivas da escocesa se ergueram, alcançando a outra. – Como poderíamos fazer isso sem que eles nos descobrissem?

– Confie em mim! – Alicia exclamou. – E use uma pistola.

– Eu nunca peguei numa arma! Tenho horror e…

A pirata lhe colocara uma pistola na mão. – Nem eu. Mas aprende-se a usá-las!

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James aproximara-se de Elizabeth, que maravilhada, olhava o ambiente tão diferente daquele a que se habituara. – Nunca esteve num lugar assim?

– Não. – Elizabeth sorriu, olhando os monumentos em Alexandria, enquanto esperavam entrar na feluca. – Era tão rica… e apenas conhecia a corte e Port Royal. E no entanto, agora… todo o mundo se abriu para mim.

– O mundo sempre esteve aos seus pés, Elizabeth. – James lhe sorriu e pela primeira vez a loira se perdeu nos raios verdes e castanhos de suas íris. – Acho que… que o que me faz ser pirata é o facto de a ter aqui.

– Não diga isso, James. Nasceu para ser um homem da marinha, não um reles…

– Pirata? – o ex-oficial a acompanhou, entrando dentro daquela barca. – Não é muito diferente, sabe? Talvez seja um pouco mais…

– Sujo?

– Excitante. – num sorriso mútuo, a conversa dos dois fora findada pela aproximação de Lara e Teague.

– Nos transportarão para o outro lado, onde camelos e cavalos nos esperam. – o velho capitão informou.

– Eu não sei andar de camelo! – Elizabeth exclamou.

– Sabe andar de cavalo? – Darius se chegou. O semblante do grego demonstrava cansaço. Não um cansaço provocado por fadiga física, mas pelo esforço de pensar demais.

– Sei sim… quando andava na corte, meu pai me deu um cavalo e… - Elizabeth explicou.

– Esqueça. Não vai montar que nem dama em nenhum deles. – Lara disse. – Vai ter de abrir as pernas tanto em cavalos como em camelos.

– Que falta de… - Norrington engoliu em seco.

– Esqueça a educação. – Lizzie se virara a ele. – Lá no século delas é tudo liberal. Não há regras, não há tanta preocupação com a educação. Não há uma diferença tão acentuada entre ricos e pobres… enfim… é o mundo da liberdade.

– Será? – o Ex Comodoro encolheu os ombros, olhando as águas do rio. – Liberdade é tudo que o homem anseia… mas a verdade, é que se não a levarmos com o mínimo de regras… de que vale o caos absoluto?

Darius via aqueles dois conversando, sentindo a cabeça latejar com tudo o que acontecera. A vinda de Olga, a descoberta que tinha um filho, o pisar naquela terra que há milhares de anos atrás lhe ditaram a "morte". Tudo deixava o agora pirata com um enorme peso sob os ombros, como se o mundo decidisse agir para o esmagar.

– Não fique assim. – Lara lhe disse, vendo a margem contrária se aproximar depois de mais de uma hora de viagem. – Havia de estar feliz. Descobriu que tem um filho!

– Feliz? – os olhos azuis que adquiriam um tom dourado com a mistura da cor do rio com a da areia das dunas, lhe fitaram, quase não compreendendo o que a mulher de Jack Sparrow lhe dissera. – Como posso estar feliz? Eu… eu arruinei a vida daquela mulher. Eu… céus! Eu fiz aquela criança sem saber e…

– Sem saber? – Lara arqueou o sobrolho.

– Exagerei! – Darius levou a mão à cara. – Mas eu nunca pensei que a deixasse grávida. E eu não tenho nada para oferecer. Nunca tive quando era um simples caseiro, quanto mais agora.

– É um homem honrado, Darius. – Lara lhe disse.

Tirando um fio preto que sempre trazia ao pescoço, Darius lhe passara o artefacto. Lara rolou o pingente pelos dedos, não compreendendo. – Se eu não conseguir me safar…

– Não diga isso!

– Lara… - levando uma mão ao rosto desta, Darius a fitou por alguns momentos. – Calypso me avisou. – Darius mostrara algo que tinha enfiado na bainha das calças. – Este punhal… - Lara desceu os olhos pela arma brilhante, captando os detalhes. O gume afiado estava perfeitamente polido, deixando antever seu reflexo, apenas distorcido pelos caracteres que percorriam a extensão deste. – É a única arma que pode derrotar um deus. Foi forjado pelo próprio Hefesto.

– Você vai matar Circe com isso? – Lara engolira em seco. – Mas ela é imortal!

– Sim. Mas a maneira de fazer um deus "morrer" é mandá-lo para o próprio inferno deles. Se eu atingir Circe com isto, eu a farei perder sua existência aqui, na Terra. – Darius explicou, guardando o punhal. – Esse pingente… eu o guardo desde que saí da Escócia.

– É uma figura feminina. – Lara o viu atentamente.

– Eu esculpi num pedaço de madeira. É a deusa Afrodite. – Darius explicou. – Deusa do amor, a preferida de Mayara… Eu rezei a ela para que me ajudasse no meu objetivo mas também para que…

– Protegesse a Olga. – Lara concluiu, vendo o semblante de Darius se baixar. Atraindo o rosto dele para si, Lara lhe sorriu. – Você não vai morrer…

– Por favor, lhe entregue isso quando tudo acabar. – Darius pediu, beijando a mão daquela que se apresentava como a réplica perfeita de uma das mulheres da sua vida.

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Os olhos dos piratas se esbugalhavam ao passarem por monumentos que muitos nem sequer sonhavam existir. Lara já tinha visto as pirâmides do vale de Gizé, mas a verdade é que vê-las ali, os três edifícios triangulares que imponentemente apontavam ao céu, guardados pela majestosa esfinge, lhe dava um frio na barriga. Como, ela pensava, em apenas duzentos anos, aqueles monumentos podiam se ter deteriorado tanto?

A caravana passava em silêncio, com Elizabeth a preferir apoiar-se no cavalo montado por Norrington, com esta a ser liderada por Lara e Teague que seguiam em seus respetivos cavalos.

– O que deu neles? – Will chamou a atenção de Darius, apontando em direção aos dois atrasados que em cima de um camelo os seguiam. Pintel e Raguetti pareciam deveras desajeitados, com os rostos cobertos por um lenço azul.

– Lara! Teague! – Darius exclamou, após desviar o olhar para aqueles dois.

– Que foi? – Lara fez o cavalo estancar, vendo Darius apontar a Pintel e Raguetti. – Vocês dois, será que se podiam despachar?

– Hum… hum! – o mais baixo, exclamou algo impercetível, fazendo um gesto de "nós já vamos".

– Arre… nunca mais lá chegaremos. – Lara resmungou, vendo Teague descer do cavalo e abrir o mapa. – O que está fazendo?

– Percebendo a distância. – os olhos experientes perscrutaram o horizonte deserto. – Ainda nos faltam algumas milhas até lá.

– Pois se nos despacharmos, talvez cheguemos antes do anoitecer! – aborrecida, a morena bufou.

– Acalme-se. – Teague lhe apontou um dedo. – Se esperou até aqui, esperará mais um pouco.

– Ora… - mas a argumentação de Lara fora para o espaço quando ouvira um grito. Sobressaltando-se, a capitã vira Will e Darius ao pé dos camelos dos dois piratas atrasados, puxando-os e pegando nestes ao colo. – Que raio…

– FRANCAMENTE ALICIA! – Will berrara quando, ao pousar a figura no chão, percebera ser a mulher disfarçada, tirando-lhe o véu. – Você é doida?

– Não grita comigo! – a pirata de nariz arrebitado lhe apontara o dedo. – Eu não ia ficar naquele navio, esperando sabe-se lá quanto tempo para que voltassem.

– Estás grávida, Alicia. – Lara descera do cavalo. – Será que não vês o perigo ao qual te expões só de nos acompanhar?

– Eu sou uma pirata! Eu vivo com vocês, combato malfeitores. Já matei alguns deles! E meu filho está na minha barriga há quase quatro meses e não o perdi até agora. – cruzando os braços, o rosto corado de Alicia adquirira uma expressão de determinação, exposto pelos cabelos presos num coque improvisado.

– Deixem-na ir. – Teague disse. – Piratas passam por tudo. Já vi mulheres num estado mais delicado e que chegaram a combater e a vencer.

– A própria Grace O'Malley deu à luz num navio! – Elizabeth exclamou.

– Quem? – James a olhou por cima do ombro.

– A pirata irlandesa que fez frente à Rainha Isabel. – Elizabeth explicou com ar triunfante.

– Eu também dei à luz num navio. – Lara protestou. – Mas não me aventurei em tal cenário como essa desmiolada.

– Vai voltar para Alexandria, Alicia. – William lhe disse.

– Obriga-me. – Alicia o olhou duro. – Ninguém nos vai obrigar a voltar.

– Nos? – Lara ergueu o sobrolho, lembrando-se do sujeito que Darius retirara do cavalo.

– Me… larga. - a figura ainda coberta tentava estapear o peito daquele que lhe segurava, mas Darius era muito mais forte que…

– Lady McLean? – Lara abriu a boca. – Sério?

– Eu sabia que era persistente, mas não tão… - Darius a largou finalmente, vendo-a desenvencilhar-se do lenço, a mostrar-se num figurino masculino. Poderia se sentir ridícula dentro daquele traje, mas a verdade é que aos olhos do atlante, nunca sua escocesa lhe parecera tão cativante.

– Burra? – no melhor sotaque da Escócia, a ruiva lhe semicerrou os olhos. – Talvez eu deva ser mesmo.

– Porque veio atrás, Olga? – Darius a encostava ao animal, tentando que aquela conversa se mantivesse num tom íntimo.

Lara percebera-o, exclamando. – Tudo bem… pausa de dez minutos para descansar.

– Porque sou burra. Você próprio o disse. – cruzando os braços, Olga se deteve a mirar os outros descerem das montadas.

– Deixou Ian sozinho? – Darius levou as mãos aos cabelos, repuxando-os atrás.

– Meu filho está com a senhora Grace. – Olga dissera. – Está bem.

– Não, não está! Nosso filho precisa da mãe. – Darius deixou claro.

Um nó se formara instantaneamente na garganta da escocesa, ao ouvi-lo falar assim. – No…nosso?

– Não adianta mentir, porque eu já sei Olga. Eu acho que sei desde que coloquei os olhos nele. – Darius disse, descendo os olhos claros pelo rosto da jovem. – Algo no meu peito apertou e…

– Apertou? Como quando me deixou? – os olhos negros da ruiva se marejaram de pronto.

– Eu não tinha outra alternativa. Eu não tenho alternativa. – segurando-a pelos ombros, Darius tentava obrigar a escocesa a olhá-lo nos olhos, mas esta não conseguia. Não tinha forças para mirar o atlante sem que cometesse uma loucura.

– Sempre há alternativa, Darius.

– Não para mim. – desistindo, Darius moveu-se. – É ridículo eu sei. Mas toda a minha vida eu amei uma mulher. E se aguentei… foi por amor a ela. – Darius explicou. – E depois quando a vi… saindo daquele coche…

– Me achou arrogante e eu o achei um tremendo rude. – a dama aproveitara este se encontrar de costas para o mirar atentamente.

– Mas eu me apaixonei e você também. E o que vivemos… - Darius levara a mão ao próprio pescoço. – Foi fantástico, mas foi proibido.

– Eu tinha fugido com você! – era Olga que agora se colocava de frente para si, levando as mãos ao seu rosto. O atritar dos pelos rasos do rosto dele lhe picaram a pele, mas a ruiva não se importara, detendo-se a apenas sentir a textura. – Naquela noite… na noite que você fugiu… eu adormeci nos seus braços já com a ideia de fugir consigo.

– Eu não lhe podia dar nada.

– Você podia me dar tudo! O seu amor era tudo para mim. – Olga salientou. – Eu recomeçaria do zero em qualquer canto deste mundo, desde que o tivesse ao meu lado.

– Me… desculpe. – Darius se desenvencilhou, sentindo o coração doer. – Mas… eu não me arrependo. – sabendo que a ferira, este não se dignara a olhá-la. – Não me arrependo de ter partido.

– Me deixou grávida… se por acaso eu estivesse antes…

– Faria o mesmo. – Darius ouviu-a suster a respiração, cerrando ele próprio os olhos, irritados com a claridade do sol impiedoso. – Seu filho não merece um pai tão desgraçado.

Olhando-os de lado, Lara sentia o peito arder. Não que tivesse ciúmes, pelo contrário. Queria o bem de Darius. Mas nesses momentos sentia-se invadida, violada pelo espírito de Mayara que sujeitava a morena a sentimentos contraditórios. Sentimentos que esta sabia não lhe pertencerem.

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O sol a pique fazia a pele estalar dolorosamente. A língua lhe parecia um pedaço de cortiça em meio à boca seca, pedinte pela mínima gota de água. Os seus olhos entreabriam-se à luz terrível, que lhe fazia o corpo não reagir àquela onda de calor. Jack sentia-se em pleno inferno. Pior que o cofre de Davy Jones. Pior que aquela ilha deserta em meio ao mar das Caraíbas. Perdido no deserto, o pirata nem sequer sabia como chegara ali.

Ranya fugira com o Olho-de-Tigre. Barbossa ficara feito num bolo ao ser esmagado pelas pedras do templo. E Jack ficara ali, sozinho, sem saber o que fazer. Sabia que Alexandria estava a norte e que se guiasse pela sua amada bússola, talvez conseguisse chegar ali, pedir ajuda para resgatar sua filha.

Ah… Mary Rose, sua querida e amada primogénita. Seu coração apertava ao pensar que Circe a poderia matar quando bem entendesse. Um berro lhe saíra pelos pulmões fracos, não querendo imaginar esse cenário. Estava perdido. Sem rumo. Não valiam bússolas ou estrelas. Jack Sparrow se via no fim da linha, mergulhado na dor de perder quem mais amava.

– Mald…maldita… - pelos lábios secos, Jack tentava sibilar algo. – Deu…sa…

Ao fechar os olhos, seus pensamentos voaram para outro sítio. O peso nos seus ombros se eclipsara. Ao longe, Jack conseguia ouvir o barulho de água correndo, talvez pelas pedras de um rio. O cheiro da erva fresca lhe invadia as narinas e o riso de alguém os seus ouvidos. Mãe era a palavra que este se via a pronunciar, correndo atrás da moça morena que brincava consigo. Kuanna era tão linda. Não era por ser sua mãe, mas a verdade é que a bela indígena se apresentava como uma verdadeira deusa, de sorriso perfeito e amistoso, com os olhos da cor do cacau, tão iguais aos de Jack a contrastar com o cabelo negro e liso.

– Mãe! – o pequeno Jack já se via no caminho do choro ao perceber-se sozinho, até que alguém o afagara por trás, beijando-lhe o topo da cabeça.

– Estou aqui, meu pequeno índio! – sua mãe lhe abraçara, acolhendo-o no seu regaço a limpar os olhos húmidos do seu menino. – Estarei sempre contigo.

Como um clique, aquele cenário se desfez, mas as palavras de Kuanna ecoaram infinitamente pela sua cabeça. – Estarei sempre contigo… - Jack abriu os olhos subitamente.

Como se tivesse levado uma injeção de adrenalina, o capitão do Black Pearl se levantara, olhando o deserto à sua volta. Era hora de agir. Jack não podia desistir. Lara não desistiria e ele também não. Consultando a bússola, o moreno seguiu por aquele caminho, tirando a camisa suja a amarrá-la à cabeça, numa tentativa de minimizar os efeitos do sol.

Por aquilo que lhe pareceram horas, Jack andou, sentindo os pés arderem dentro das botas. Queria poder tirá-las, mas sabia que por baixo só encontraria a areia escaldante do deserto. Por onde ele já andara… enfrentara tempestades colossais, tripulações assombradas e até um inferno privado. E nada lhe parecia tão difícil como aquela, literalmente falando, travessia no deserto.

A sede, mais que a fome, aumentava em seu ser, fazendo-o arrastar-se, sentindo os membros inferiores cederem e o chão ficar muito próximo. Sparrow caíra de joelhos sobre a areia, percebendo o coração bater descontroladamente, denunciando que o fim estava próximo. Esse seria então, o fim da linha para o lendário Capitão Jack Sparrow? Morrer no meio do nada, deixar seu corpo abandonado, comido pelos insetos e enterrado pelas areias do tempo, para nunca mais ser achado?

– NOME? – de cócoras, vergado sobre si mesmo, Jack gritou, sentindo a voz rouca lhe falhar. – QUE ME… ME INTERESSA… MEU NOME?

Que interessava se seria recordado ou não? Jack dava-se conta que mais do que inscrever seu nome na História, ele queria que aqueles que ele mais amava se lembrassem dele. Queria que sua filha se lembrasse do pai, que aprendesse com ele e sobretudo, que perpetuasse o nome… em segurança. Jack não queria mais nada a não ser reaver as suas preciosidades. Sua filha, sua mulher, seu navio… sua casa.

Os olhos chocolate se abriram para o que ao fundo se lhe apresentava. Por entre a onda de calor que desfigurava tais figuras, Jack distinguia sombras. Sombras que caminhavam para si. Não tinha mais força para gritar, não tinha sequer força para rastejar. Seu corpo pedia para que ali se deitasse e ficasse. As figuras continuavam seu caminho, aproximando-se, distinguindo-se conforme cada passo era dado. Aos poucos, o pirata percebeu sete cavaleiros virem até si.

Cavaleiros? Não há cavaleiros no deserto… provavelmente seriam "cameleiros"! Nem morrendo Jack perdia a piada. São os cavaleiros do apocalipse… são sete… não quatro… alguém se enganou a escrever aquele livro…

– Ei… - se pondo de joelhos, Jack acenou sem forças, tentando balbuciar algo. – Ajudem!

As sombras continuavam o seu passo lento, fazendo Jack perceber que era provavelmente parte de uma caravana de povos do deserto. Distinguia os cavalos, os camelos… mas não as pessoas. Num derradeiro esforço, Jack se levantou, correndo desajeitadamente, tentando mover os braços. – AJUDEM!

A alguns metros, o trote dos animais parara e Jack ficou com a certeza que o tinham visto. Um dos cavaleiros que seguia na frente descera do cavalo, olhando-o. – Ajude…em…-me…

Os olhos de Jack não se seguravam abertos, fazendo o pirata semicerrá-los ao tentar vislumbrar os detalhes da pessoa que agora corria na sua direção. Ao longe ouvia-a chamar por si, mesmo não distinguindo o que esta dizia. A poucos metros, quando já ameaçava cair de cara no chão, a voz feminina a gritar-lhe o nome o despertara.

– JACK!

Não podia ser. Outra miragem? Que Deus sádico era aquele que o enganava de forma tão vil? Tão grosseira? Jack via-a. Via Lara, a sua Lara correr para si, com os cabelos soltos ao vento, gritando-lhe desesperadamente o nome.

– Lara…? – erguendo o sobrolho, o capitão moribundo percebeu não tratar-se de uma miragem quando visualizou o rosto que vinha contra si. – LARA?

– JACK! – a morena percebeu o marido ali, como se a esperasse eternamente. Seus corpos chocaram num abraço, fazendo-a sentir o corpo febril dele, acolhendo-o fortemente. – Oh… Jack!

– Eu… estou… sonhando, pois? – os olhos do pirata encontraram os castanhos dela, levando uma mão calejada ao rosto da amada.

– Não! Não estás sonhando. – Lara já chorava, beijando-lhe os lábios secos, fazendo-o perceber que havia algo mais refrescante que a própria água. – Eu estou aqui! Eu estou aqui, meu amor.

– A… Mary… - Jack deixou-se cair de joelhos, não largando Lara, fazendo esta ir ao chão consigo.

– Onde ela está? – Lara ficou com o sorriso paralisado, ainda com as mãos ao rosto de Jack. – Onde está a nossa filha, Jack?

– Ela… - Jack não completara a frase. O céu fora visto a rodopiar e a face de sua mulher desvanecera, dando lugar a uma escuridão desejada, perdendo os sentidos ao desabar nos braços desta.

Continua…



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Notas finais do capítulo

Oi meus leitores e leitoras! Primeiro de tudo, quero me desculpar pelo longo hiatus ao qual sujeitei não só esta fic, como todas as que tenho. No entanto, por me encontrar num mestrado, eu não tive nem tempo, nem inspiração para escrever decentemente a continuação desta fic.
Agora terminei o primeiro ano e nestas férias planeio terminar de vez a Olhos Felinos, encerrando um ciclo, dando um fim merecido à minha saga de Potc. Me desculpem do fundo do coração ter-vos feito esperar. Espero que me possam perdoar e voltar a ler e comentar como dantes.
Espero que gostem e por favor, deixem vossos comentários, pois eles são o que mais fazem um ficwriter feliz!
Saudações Piratas! :D
JODIVISE