Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 119
sete vidas epílogo vida 4 capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Antes de ler, veja (copie e cole): http://youtu.be/gjX8PcWTqvM



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REALIDADE #4


Dean nunca gostara de reality shows e achava constrangedor acompanhar o dia a dia da vida dos outros. Sentia-se como aquelas vizinhas velhas que passam o dia inteiro na janela para saber quem está dormindo com quem.

Por isso, preferia dirigir sua atenção para o céu. Ao contrário do que imaginara a princípio, sempre havia novidades. O sistema solar era cheio de maravilhas. Levaria centenas de anos para ver tudo e aí tudo estaria diferente. Pronto para ser explorado pela segunda vez. Passava dias absorto nestas explorações pelo espaço, embora, para todos os efeitos, fosse apenas um cara que gostava de meditação e que passava longas horas de olhos fechados numa casa de subúrbio em Vancouver.

Seus sentidos aguçados permitiam que acompanhasse e previsse as trajetórias dos corpos celestes. Era divertido observar as grandes rochas do cinturão de asteróides que ficava numa órbita intermediária entre Marte e Júpiter. Lá eram freqüentes os choques entre asteróides e Dean estava viciado em observá-los em detalhe. Era como silenciosas e espetaculares explosões em câmara lenta. Adorava a forma como os fragmentos se espalhavam e levavam a novos choques numa reação em cadeia. Um grande jogo de bilhar. Gostaria de poder materializar um taco de bilhar gigante e transformar aquilo em sua mesa de sinuca particular. Mas seu poder não chegava a tanto. Era um mero observador.

Mas outros assuntos mereciam sua atenção. Sua família, naturalmente. Seus pais começavam a aceitar a morte dos dois filhos. Dean não sabia ao certo se isso o deixava alegre ou triste. Sua filha era adolescente e, embora chorasse às vezes, espantava a tristeza e seguia em frente. Como devia ser. O único que parecia não ter superado ainda sua morte era seu misterioso recém-descoberto filho.

Tinha total convicção que era impossível que ele fosse realmente seu filho. Era um garoto do Alabama, que saíra de lá para estudar no Oregon. Suas histórias não tinham absolutamente nada em comum. A mãe do garoto era atraente, mas tinha certeza que nunca havia transado com ela. Porque, então, o rapaz acreditava ser filho de Dean Winchester? Acessar diretamente as memórias do garoto era uma alternativa que esperava não precisar usar. Queria esgotar todas as outras possibilidades antes.

Os meses passaram e estava a ponto de dar aquele assunto por encerrado, quando vê Mark Lawson, seu auto-declarado filho, ligar do celular para sua princesinha Sarah. Como ambos estavam ao ar livre, Dean podia ver e escutar como se estivesse simultaneamente ao lado de ambos. Percebeu que havia intimidade entre os dois. Estranhou que Sarah o chamasse de Ben. Ben? Não era Mark? Quanto mais escutava, mais intrigado e preocupado Dean ficava.

Dean não demorou para descobrir que Ben era de Benjamin Campbell, o misterioso dono da Global Rescue. Mark Lawson estava enganando Sarah ao se passar por Benjamin Campbell ou os dois eram cúmplices numa armação para controlar a Global? Entendera certo? Sarah, a sua menininha, estava mesmo usando um sofisticado programa de simulação de voz para se fazer passar Benjamin Campbell, cumprindo determinações deste tal Mark Lawson? Há quanto tempo? Por quê?

Mark passara instruções para que ela fizesse um redirecionamento de parte dos lucros da Global para investimento em uma empresa de biotecnologia que produzia derivados de sangue. A transação, aparentemente, seria boa para a empresa. Até onde entendera, nem Mark nem Sarah teriam vantagens pessoais indevidas, mas tudo era muito suspeito. O que acontecera com o verdadeiro Benjamin Campbell? Ao se despedirem, Mark perguntou a Sarah se ela tinha alguma notícia ‘do nosso pai’.

Dean era um deus da verdade. Podia perceber os sentimentos e as intenções das pessoas. Os sentimentos de Mark eram verdadeiros. Havia esperança na voz de Mark ao fazer a pergunta. Havia resignação e tristeza ao escutar a negativa. Havia amor antes, durante e depois da resposta.

Baldr viera de outra realidade e se fundira a Dean quase que imediatamente após chegar nesta. As memórias de Baldr anteriores à fusão eram as de sua própria realidade e Benjamin Campbell não existia na realidade de origem de Baldr. Não havia, portanto, como saberem de fatos que aconteceram antes de estarem fundidos. Além disso, Dean não gostava de acessar as memórias recentes de Baldr relativas àquela outra realidade. Sentia-se incomodado desde que descobrira que a sua versão daquela realidade era gay.

Não podia protelar mais. Dean decide acessar as memórias de Mark. Mas o faria quando ele estivesse dormindo. Não pretendia se revelar. Pelo menos, não ainda.

E assim o fez. Naquela mesma noite, Dean se transportou para La Grande e tocou a testa do rapaz adormecido.


Dean estava aturdido. O garoto era realmente filho de Dean Winchester. Um inacreditável e infeliz Dean Winchester de uma linha temporal que não mais existia. Filho de Dean Winchester e de Lisa Braeden. Mas não nascera essa mesma pessoa que é agora. Seu antigo eu sofrera na adolescência por não corresponder às expectativas do pai. Coitado do garoto, sempre ansioso por um elogio que nunca vinha. Esse outro Dean, era um babaca cretino. Não foi à toa que um dia o garoto desistiu dele e buscou no padrasto o pai que não tinha.

Nova surpresa: o garoto tivera contato com Baldr em sua realidade de origem, uma realidade posta em perigo pela chegada do próprio Baldr; e, naturalmente, de Hod. O garoto ficou soterrado após um terremoto e teria morrido de frio se Baldr não o tivesse salvo. O garoto viveu um momento de intensa felicidade, ao escutar do pai que era amado por ele. Para, em seguida, sentir a dor de perdê-lo no exato momento em que acreditava terem finalmente se reencontrado.

Então, uma misteriosa entidade desencarnada interveio e enviou o garoto para o passado, com a missão de salvar a vida de Sam. O Sam daquela realidade e Mary, sua mãe, haviam morrido no dia do aniversário de 14 anos de Sam. E o garoto fora enviado exatamente para aquele dia. Era estranho se rever tão jovem nas memórias do garoto. O garoto teve que lutar contra o próprio medo, o que tornou seu sucesso ainda mais significativo. Mas, ao salvar Sam e Mary, ele apagou a linha temporal de onde veio e deixou de existir. Ou deveria ter deixado de existir. Mas não foi o que aconteceu. A partir daí, as memórias do garoto coincidem com os fatos que ele próprio conhecia. Que vivenciara. Toda a realidade que lembrava ter vivido e que ainda estava vivendo havia sido criada por aquele garoto.

De alguma forma, a consciência de Benjamin Winchester assumira uma forma física idêntica a que tinha antes e ele viveu 20 anos como Benjamin Campbell. Como Benjamin Campbell, cuidou dele, Dean, como um pai. Fora graças a esse garoto, filho de uma versão alternativa sua, que ele, Dean, e também Sam, tiveram vidas tão extraordinárias, tão felizes. Graças a ele, Sam estava vivo quando Baldr e Hod chegaram a essa realidade e lhe propuseram o acordo que fez dele e de Sam deuses.

E, durante todo esse tempo, o garoto viveu assombrado pelo medo de deixar de existir. Por não saber se existia um lugar para ele no mundo.

Um novo terremoto, um novo encontro com a entidade e o garoto acordara no corpo de Mark Lawson, um rapaz que acabara de morrer vítima da queda de um ramo de árvore.

Que história mais fantástica! O garoto estava vivendo uma segunda vida. Era um homem feito e voltara a ser um pós-adolescente, ocupando outro corpo. Esse filho que não tivera e não conhecera dedicara toda a sua vida para fazê-lo feliz, depois de receber de seu outro eu apenas rejeição. O próprio Baldr não lembra de alguma vez ter encontrado o garoto. Também ele fora afetado pela mudança temporal.

Mas, havia nas memórias de Benjamin um elemento que o garoto nunca dera a devida importância. A entidade que manipulara para que ele e Sam se tornassem receptáculos dos deuses da luz e da escuridão, e que se apresentara ao garoto como sendo Gabriel, usara um objeto para sair da realidade que estavam. Um objeto que parecia, mas não era, um despertador digital comum. Baldr lembra ter visto esse mesmo objeto em sua própria realidade. Era esse o objeto que alterava de forma sutil o ambiente do quarto de motel onde o Dean e o Sam daquela realidade se hospedaram.

Aquele objeto era uma chave para outras realidades.


Dean estava confuso com tudo o que descobrira sobre Mark Lawson e seu envolvimento anterior com Baldr e com o Dean que ele fora em outra linha temporal. Achou que se acalmaria observando as estrelas. Mas o que viu foi um imenso asteróide se aproximando da Terra. Sua maior dimensão tinha 480 km, em breve ultrapassaria a órbita de Marte e estava em uma trajetória que o levaria a um choque frontal com a Terra em pouco mais de onze meses. Se o choque viesse a acontecer, ninguém no planeta sobreviveria. Ficou apavorado com a perspectiva de observar impotente à morte de seus pais, de Sarah, de Lisa, de seus antigos colegas da Global e dos bilhões que, querendo ou não, podia ver batalhando diariamente pela própria sobrevivência e pelos próprios sonhos.

Sentiu medo de vagar eternamente num planeta morto.


Precisava de alguma maneira alterar a trajetória do asteróide, mas não sabia como. Em sua realidade de origem, Baldr era um avatar do Sol. Era parte indissociável deste. Embora se manifestasse e vivesse na forma humana de Mark Levine, a maior parte de sua essência habitava o Sol. Mas, ser o Sol não significava poder fazer tudo. A influência do Sol sobre outros corpos celestes dependia da distância entre eles e o asteróide estava muito distante. Se fosse um super-herói de histórias em quadrinhos poderia talvez concentrar luz num feixe que funcionasse como um laser. Mas era um deus da natureza e não tinha esse poder.

Na realidade de onde viera, podia recorrer apenas à força gravitacional do Sol e ao vento solar. A força gravitacional afeta mais quem tem maior massa ou está mais perto, mas não pode ser direcionada para um objeto em particular. Desestabilizaria as órbitas dos planetas sem afetar significativamente a trajetória do asteróide. Já a pressão exercida pelas partículas que compõem o vento solar enfraquece com a distância, já que a massa de partículas do feixe é dispersa numa área cada vez maior e também porque muitas partículas são absorvidas ou desviadas no caminho. O vento solar não tinha massa suficiente para alterar a trajetória de um asteróide tão grande rumo a um alvo ainda maior. Mesmo lá, não teria como destruir o asteróide.

Na realidade em que se encontrava, toda a sua energia estava condensada numa forma física que simulava um corpo humano. Não controlava o Sol. Mantivera a capacidade de enxergar qualquer lugar banhado pela luz do Sol e de se transportar à velocidade da luz, mesmo entre lugares onde a luz do Sol não alcançava. Suas outras habilidades tinham a ver com seus atributos de deus da verdade e de deus da felicidade.

Tinha tanto poder e, ao mesmo tempo, não podia nada contra uma simples pedra que atiraram em sua direção.


Embora a ameaça tenha sido detectada com mais de nove meses de antecedência, e logo fosse do conhecimento dos altos escalões políticos e militares das principais potências mundiais, bem como dos principais nomes da comunidade científica das áreas da astrofísica e da exploração espacial, a informação somente vazou para a imprensa e para o público em geral quando faltavam 105 dias para o choque previsto.

As primeiras manifestações de pânico e de histeria coletiva aconteceram quando a contagem regressiva estava em 92 dias. De repente, a ameaça de destruição parecia ter se tornado o único assunto de todos os meios de comunicação. Um tablóide sensacionalista londrino batizou o asteróide com o nome pelo qual se popularizaria: Anúbis, numa referência ao deus-chacal egípcio do pós-morte.

Dean já fizera tudo o que era possível. Só lhe restava agora torcer para que desse certo. Mas estava angustiado. Temia pelo destino de Sam. Temia que muitos não suportassem a tensão da espera e buscassem o caminho mais curto para abreviar o medo. A consciência da proximidade da morte podia despertar o melhor e o pior das pessoas.

Foi um período de muita atividade para Dean. Ele se transportava para todas as partes do mundo. Tirando o desespero de pessoas dispostas a se suicidar. Dando esperança àqueles que se isolavam e que, deprimidos, se deixavam definhar. Trazendo paz de espírito aos que investiam contra tudo e contra todos indignados contra o que acreditavam ser uma traição de seus deuses. Se o medo não fizera o mundo entrar em colapso, era graças à ação incessante do deus da luz. Dean tentava corresponder às expectativas que as pessoas depositavam em seus deuses. Deuses que, sabia, não existiam. Não naquela realidade. Ele era o único deus em atividade. Nem mesmo Sam estava ali para ajudá-lo.

Mas seus próprios poderes se voltaram contra ele. Seus poderes empáticos faziam com que compartilhasse das emoções daqueles que confortava. À medida que o dia fatídico se aproximava, mais e mais se sentia invadir pelo medo coletivo. Como todos no mundo, também o deus da luz sentia medo. Mesmo sabendo que o pior cenário fora afastado.

O tempo não pára. Ao contrário, parecia que os dias se sucediam numa velocidade assustadora. Os meios de comunicação agora buscavam dissipar o medo que eles próprios instigaram na população. Mas estavam tendo bem menos sucesso. O medo é contagioso e muitos achavam simplesmente que a midia e as autoridades estavam mentindo para evitar o pânico.

Os astrônomos eram as grandes estrelas da mídia e discutiam as causas de uma sutil mudança de direção que, eles acreditavam, salvaria o planeta da colisão direta. Mas nenhum deles garantia que o risco estava 100% afastado. O asteróide passaria tão perto que, no momento de aproximação máxima, pareceria ter o tamanho da Lua.

Religiosos exortavam os fiéis à oração e atribuíam qualquer esperança de salvação à intervenção divina. O que era a mais pura verdade. Mas nenhum dava o crédito ao deus que efetivamente os salvaria. Sam Winchester, o deus da escuridão.

O asteróide estava a poucas horas de tangenciar o planeta. Os cálculos dos astrônomos humanos coincidiam com o que, literalmente, Dean podia ver. Não havia mais o risco do asteróide colidir com a Terra. Ele seria acelerado pela gravidade do planeta, invadiria as camadas superiores da atmosfera e seguiria em frente. Era esperado - e temido - que ocorresse alguma fragmentação e que meteoros menores atingissem a superfície do planeta. Mas não existia mais o risco de extinção da humanidade.


O destino catastrófico daquela realidade havia sido mudado 25 anos antes, no momento que Benjamin salvara Sam da explosão. A linha temporal gerada naquele instante passava pela transformação de Sam Winchester no deus da escuridão e na sua ação decisiva para salvar a Terra do asteróide Anúbis.


Um fragmento se desprende do asteróide e se incendeia ao entrar na atmosfera. Quarenta minutos depois se choca com estrondo num planalto deserto do estado americano de Nevada, abrindo uma cratera de mais de duzentos metros de diâmetro. Uma unidade do exército americano e centenas de curiosos convergem para o local, mas, ao chegarem, encontram apenas a cratera. Nenhum sinal do que quer que tivesse caído do céu.

Afastado dali, Dean observa a cena sorrindo. Aos seus pés, o corpo incandescente de Sam. Estava ferido e desacordado, mas cuidaria dele e ele ficaria bem. O objetivo maior, salvar o mundo, fora atingido.

Os pensamentos de Dean recuam nove meses no passado. Dean havia se transportado e a Sam para a superfície do asteróide. Sam ficara fascinado com a vista. Era realmente de tirar o fôlego. Caso precisassem respirar, naturalmente. Lá, ambos expandiram suas formas físicas até ganharem 10 km de altura. Ainda assim eram minúsculos frente aos 200 km que o asteróide apresentava em sua menor dimensão. Dean e Sam se afastaram da superfície do asteróde e Dean girou e lançou Sam com toda a sua força contra um ponto determinado do asteróide. O impacto alterou em meio décimo de grau a trajetória do asteróide, o que era suficiente para evitar um impacto direto com a Terra, embora não afastasse o risco de severos danos à atmosfera do planeta.

O corpo de Sam ficou encravado na superfície do asteróide e ele liberou sua consciência na rocha. Precisava mudar o centro de massa do asteróide de uma forma que alterasse sua trajetória em mais um vigésimo de grau e, assim, garantir que o planeta não sofreria qualquer dano. A mudança do centro de massa faria com que o asteróide ganhasse movimento de rotação em torno do próprio eixo. E talvez precisasse fazer novos ajustes ao longo do trajeto. Não tinha escolha, precisava acompanhar o asteróide até a Terra. Dean voltou sozinho para o nosso planeta.



– Dean?

– Tudo bem, Sam? Foi uma queda e tanto.

– Não quero nunca mais passar por uma experiência igual a essa.

– Você ficou desacordado por cinco anos. Mas sabia que ia se recuperar por completo.

– Tudo isso? O mundo ..

– Está salvo, convivendo com os mesmos velhos problemas. Você nem vai notar diferença.

– E você? O que fez enquanto estive .. adormecido?

– Busquei por pistas que me levassem a meu filho. Mark Lawson desapareceu há cinco anos. Como se tivesse deixado de existir. Não consigo localizá-lo em lugar nenhum do planeta.


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Notas finais do capítulo

24.09.2011