A Rainha Do Norte escrita por Bella P


Capítulo 1
Capítulo 1




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Leander não pisava no território do Extremo Norte há mais de uma década. E, se fosse a sua escolha, ficaria mais décadas sem cruzar a fronteira do país, ou atravessar os gigantescos portões de madeira maciça e ferro que lacravam a cidadela do restante do mundo, mas a mensagem de Valeriana havia sido sucinta e autoritária: o rei Edric havia morrido e a mulher exigiu, para não dizer que ameaçou com as suas curtas palavras, o retorno de Leander ao Norte.

O pedido ‘tão’ delicado, obviamente, o fez arrumar de pronto as suas coisas e partir, somente para satisfazer a sua curiosidade mórbida, descobrir a verdadeira razão por detrás da convocação, e que com certeza ia muito além do falecimento do monarca. Leander tinha poucas qualidades e muitos defeitos, e a curiosidade era um deles. 

E por isto, e somente por isto, que Leander permitiu-se adentrar a muralha que cercava a capital Ebba, ser prontamente recebido pelo vento gelado que percorria o vale com um assovio, lançar olhares de desdém para a população que despertava com os primeiros e fracos raios do sol e a névoa densa que ainda cobria as ruas, e perceber que nada havia mudado em uma década. 

Ebba ainda era composta de casas de madeira, com telhados de barros, pintadas com cal da soleira ao topo das telhas, uma antiga estratégia de camuflagem que ajudou muito no passado durante cercos e disputas por territórios, pois com esta pintura, a cidade sumia sob as tempestades de neve, tornando impossível para os inimigos localizá-la. Ebba era o coração do Norte, se ela caísse, o reino inteiro estaria condenado e, portanto, tinha que ser protegida a todo custo. E assim como o cal branco, a palidez da pele também era uma característica dos moradores de Ebba. Isto e o frio úmido que penetrava sob as camadas de tecido e grudava na pele como uma fina manta de água. Leander detestava o frio, pois este nunca favoreceu os seus pulmões frágeis na infância, e agora detestava mais ainda, pois estava desacostumado a senti-lo. Anos longe daquele ambiente inóspito e navegando em águas mornas, sob sol quente e lua fresca, o fez não apenas aprender a respirar sem acessos asmáticos, como também a ganhar um bronzeado, o que destacava ainda mais as sardas de seu rosto, e com isto desprezar a atmosfera gélida do Norte. 

Ebba foi talhada dentro de um vale, ao pé da montanha. As suas casas eram de arquitetura padronizada, erguidas a dois pés acima do nível da rua, para evitar as enchentes de Verão e as camadas densas de neve no Inverno. A avenida principal era tortuosa como uma serpente rastejando pelas dunas de Dunas-Sul, era pavimentada com grandes lajes de pedra e subia desta forma sinuosa morro acima, guiando os viajantes em um caminho de curvas fechadas e perigosas, até o pé do castelo de Hammond, onde Valeriana já o esperava junto ao beiral do pátio dianteiro e principal, altiva e vivaz como sempre foi. 

Os anos foram generosos com ela. O cabelo acobreado agora continha mechas brancas que davam ainda mais charme a trança que ela ostentava, os olhos ainda eram verdes como a relva que compunha o litoral esplendoroso de Praiado, e a palidez do povo do Norte estava lá, mas o olhar frio e a expressão fechada, estas eram uma caraterística peculiar que somente Valeriana conseguia expressar.

— Você deveria ter chegado há dois dias — foram as primeiras palavras a saírem da boca da mulher quando Leander aproximou-se o suficiente e desmontou de seu cavalo. Um cavalariço prontamente surgiu ao seu lado e recolheu o animal, o levando em direção aos estábulos. Por um momento ele pensou em discutir com a mulher, talvez se justificar, uma reação reflexa dos anos em que viveu sob o olhar duro e as críticas dela, mas então lembrou que era um homem feito e que não devia satisfações a ninguém, e o cansaço também o impediu de abrir a boca e soltar o seu veneno.

Valeriana era teimosa, cabeça dura e irredutível, uma gama de defeitos que Leander herdou dela e, portanto, se começasse a discutir com ela, ambos ficariam batendo boca a manhã inteira naquela pátio. 

— Bom vê-la também, mamãe — Leander disse com um sorriso forçado que era o reflexo da falsidade de suas palavras. 

Da última vez que verdadeiramente viu a mãe, ambos separaram-se após palavras duras, ofensas proferidas, acusações berradas aos ventos e uma despedida sob o juramento de que eles jamais entrariam em contato novamente um com o outro. E foi a quebra deste juramento, partindo da mãe, que o fez retornar ao Norte. Era esta a curiosidade que ele precisava sanar, senão o comichão da dúvida iria perturbá-lo por eras. 

Valeriana era a mulher mais orgulhosa que conheceu em sua vida, em suas andanças e em suas viagens, e ela levaria a sua promessa de corte de laços familiares e o seu rancor para o túmulo. Portanto, o fato dela ter entrado em contato com ele, ter sido a primeira a quebrar a promessa de manterem-se incomunicáveis pelo resto de suas existências, e exigido o seu retorno para casa, foi o suficiente para atiçar o imaginário de Leander e fazê-lo montar em um cavalo e rumar de volta para aquele lugar que um dia ele chamou de lar. 

Claro, há um detalhe que é preciso saber desta narrativa, que é o porquê a morte do rei ser importante a ponto de Valeriana chamá-lo de volta ao Norte: é porque o rei foi o irmão de Leander. Contudo, a morte de Edric não impactava em nada a vida dele. Sim, o homem foi o seu irmão, não, eles não tiveram um bom relacionamento, especialmente quando chegaram na adolescência e, diferente do que se possa imaginar, e dos outros reinos que compunham o Grande Continente, a morte de Edric não tornava Leander o herdeiro do trono, porque o trono do Norte não era herdado, era conquistado. 

— Tivemos que adiar o funeral por sua causa — Valeriana continuou ao dar as costas para Leander e tomar o rumo da entrada principal do castelo. O tom dela era de completo desagrado, regado a intensa reprimenda, um padrão que ela usava somente na presença de Leander e somente com ele — O corpo do seu irmão está preso em um caixão de gelo para mantê-lo conservado, porque a dama da corte de Primaveril — e a ‘ofensa’ subentendida foi direcionada a Leander. 

As mulheres do reino de Primaveril tinham a fama de serem as mais frescas do Continente, regadas de bons costumes e pudores. Leander não concordava com a opinião popular, pois as mulheres de Primaveril que ele conheceu eram tudo, menos recatadas, porém há de se convir que essas mesmas mulheres eram funcionárias dos famosos bordéis do Distrito Limítrofe, então não deveriam ser usadas como réguas de mensuração. 

— Não quis tomar a rota mais curta — Valeriana completou e Leander rolou os olhos, às costas dela. 

A rota mais curta envolvia subir pelo rio Aflores, que cruzava a floresta de mesmo nome, e cuja infestação de piratas de água doce era um problema contínuo que Primaveril e Dunas-Sul não conseguiam sanar. Cada vez que eliminavam um bando, surgiam dois outros para ocupar o lugar. O rio era uma densa rota de comércio, ele cruzava praticamente dois grandes reinos do Continente, era largo o suficiente e profundo o suficiente para comportar embarcações de grande porte, desaguava em uma baía em Dunas-Sul, que conectava-se ao mar, que era outra rota intensa de tráfego marítimo, entre viagens de turismo e comércio, para as Ilhas Moroeste, e por isso era visado pelos criminosos. Fora que tinha afluentes e ilhotas o suficiente para permitir que esses mesmos piratas montassem base e se escondessem das autoridades.

Comerciantes viajavam com escoltas pelo rio, Leander mesmo já forneceu serviços de proteção a vários, conhecia aquelas águas o suficiente para não temê-las, mas escolheu viajar por terra propositalmente. Esperou que se atrasasse o suficiente, não precisaria enfrentar o desprazer que seria o funeral de Edric, onde todas as Casas Nobres do Norte estariam presentes para admirá-lo como um animal de circo, e julgá-lo como os sem noção e hipócritas que eram. 

— Por que eu fui chamado aqui, mamãe? — Leander estava cansado e, sinceramente, sem disposição alguma para ouvir as reprimendas de Valeriana ou postergar aquela conversa, saber a verdadeira razão de estar ali. Ele deixou o Extremo Norte praticamente deserdado pela sua família, portanto não havia razão para ser chamado de volta. Ninguém iria esperar vê-lo ao lado da mãe, como forma de apoio, e aceitando as condolências da corte pela perda de seu querido irmão.

Edric e eles sempre possuíram uma certa rivalidade fraterna, um fato normal entre irmãos, que começou de forma saudável na infância e foi aprofundando-se na adolescência a ponto de tornar-se intensa o suficiente para eles não conseguirem ficar dois minutos em um mesmo ambiente, sustentando uma conversa que invariavelmente terminaria em discussão. 

Os irmãos eram gêmeos, embora não fossem idênticos, e Edric nasceu com uns 35 minutos de diferença para Leander. 

Edric nasceu robusto e saudável, Leander foi o completo oposto e essa questão arrastou-se por toda a sua infância. Leander sempre foi propenso a contrair todos os tipos de viroses, a estar sempre acamado e febril, nunca podia brincar com as crianças pela manhã nas poças de lama geradas por uma noite de orvalho intenso, nunca podia ficar muito tempo ao ar livre, era magricela e de complexo frágil, e quando chegou em idade o suficiente para começar o treinamento para ser um propenso candidato ao Embate Soberano, esta regalia lhe foi negada.

Ele era pequeno demais, magro demais, doente demais, incompetente demais, era o que ninguém teve a coragem de dizer na sua cara. Edric, no entanto, foi o completo oposto. Talentoso, inteligente, atlético, um prodígio, e completamente indiferente aos anseios e frustrações do irmão caçula diante de tamanha discriminação, e isto enfurecia Leander, especialmente porque Edric não tinha desejo algum em ser rei. Ele nunca teve desejo algum em participar do Embate Soberano algum dia, um fato que não era segredo para ninguém.

Edric foi um romântico, um estudioso, ele queria seguir uma carreira no magistério, não queria ser um político ou monarca, mas quando Valeriana anunciou que iria abdicar do trono e um Embate foi convocado, qual não foi a surpresa de Leander e mágoa quando o irmão foi um dos primeiros a candidatar-se?!

Leander, ainda sim, com o pouco treinamento que conseguiu obter de forma independente, tentou entrar no desafio. Não queria exatamente ser rei, o que queria mais, na verdade, era fazer todos morderem a língua quando o menino magricela e doente conseguisse conquistar aquilo que ninguém esperava que ele conquistasse, mas a sua candidatura foi negada pelos organizadores que só não riram na sua cara diante da ousadia, por respeito a rainha Valeriana. E, naquela mesma noite, ele decidiu que já estava farto de ser tratado como um estorvo, como aquele que nunca agregaria nada ao glorioso reino do Extremo Norte, e com isto resolveu romper todos os laços que poderia ter com a sua família.

O Extremo Norte, por maior e mais grandioso que fosse, com a sua beleza gélida e o seu povo resiliente, moldado pelas dificuldades de viver e sobreviver em terras áridas, sufocava Leander, que percebeu naquela última gota que entornou o copo de água, que jamais conseguiria ir a lugar algum se continuasse ali, com as paredes do castelo Hammond o aprisionando e o esmagando. Vivendo sob a incompreensão do irmão para as suas dores, porque ele jamais experimentaria o que Leander experimentou, vivendo sob o julgamento de Valeriana, por não ter obtido o filho perfeito que almejou, e, especialmente, vivendo sob os olhares piedosos do povo ao qual ele foi ensinado a amar como uma extensão de seu próprio ser. Este mesmo povo que não conseguia ver quem Leander verdadeiramente era, ver o seu imenso potencial, se ao menos uma chance lhe fosse dada para provar-se.

Leander deixou o Extremo Norte sob as acusações de sua mãe de ser um covarde e fraco por desistir tão fácil por causa de pequenas adversidades, mas ele viveu dezoito anos lidando com pequenas adversidades que foram acumulando-se até tornarem-se algo insustentável. Deixou o Norte sob o olhar magoado do irmão, como se Leander estivesse o traindo de forma profunda, quando na verdade sempre foi o contrário, Edric que sempre o traiu quando não dignou-se a apoiá-lo em nada dentro daquele castelo. Ele deixou o Norte jurando para si mesmo que nunca mais poria os pés naquele lugar. 

Agora, se estava ali, não era por respeito a sua linhagem ou ao seu sangue, por algum desejo de reconectar-se com aquilo que deixou para trás, mas era somente para colocar os pingos definitivos nos is e partir de novo. Valeriana queria algo e quando ela queria algo e exigia a sua presença, era bom obedecê-la. A mulher poderia não ser mais a rainha do Norte, mas ainda tinha poder e influência o suficiente para tornar a vida de Leander difícil onde quer que ele estivesse, e ele preferia evitar essa fadiga. 

— O país está em uma posição delicada no momento. As tropas de Jeremiah estão avançando de forma constante e densa pela Planície do Desolamento. Será uma questão de tempo até chegarem as muralhas de Ebba — Valeriana explicou. 

Jeremiah era um senhor da guerra, disso todos no Continente sabiam, que não possuía um território para chamar de seu, mas adorava conquistar territórios alheios em nome daqueles que pagassem bem, e o patrocinador da vez era o rei de Além-Mar, uma ilha que ficava ao norte do Extremo Norte, separada do Continente a maior parte do ano por um mar congelado. 

A ilha de Além-Mar inicialmente foi a sede de uma prisão, muito usada por Dunas-Sul, que depois de algumas centenas de anos foi desativada, mas o fato de existir proporcionou um significativo crescimento populacional nos arredores da fortaleza que serviu como presídio. Começou com uma vila, que com o tempo transformou-se em uma cidade, e agora era um reino completo, ao qual Dunas-Sul concedeu a independência sem pestanejar (menos bocas para alimentar, Leander teorizou). A antiga fortaleza virou a sede do governo e morada da família real, mas por ser pequena em território e sem nenhum controle de natalidade, o rei Henrique agora tentava obter território no Continente através do bom e velho método de invadir e conquistar e, como não tinha exército grande o suficiente para isto, contratava mercenários para fazer o serviço sujo.

A fronteira do Extremo Norte era a mais próxima de Além-Mar e, portanto, a mais visada. Ebba era a capital do Norte e a primeira cidade para aqueles que entravam no país via Planície do Desolamento. Se Jeremiah conseguisse conquistar Ebba, ele então conquistou a principal defesa do Norte, e a primeira defesa de todo o Continente. Com o estouro da guerra entre o Norte e Além-Mar, outra  dúvida que foi levantada por todos era: de onde Henrique obtinha verba para manter a sua mísera tropa e contratar mercenários? As teorias eram muitas, especialmente porque Henrique usava uma força de combate proibida há eras: homunculus. E se ele tinha homunculus, isto significava que ele também tinha alquimistas inescrupulosos o suficiente para violarem leis internacionais e transformar pedras e carvão em metais preciosos. 

— E? — Leander questionou. Ainda sim, com ou sem a propensa ameaça de invasão, ele não conseguia ver a razão de ter sido chamado de volta. Não havia nada que ele pudesse acrescentar ou auxiliar na situação. 

Valeriana rolou os olhos. 

— Foi convocado um Embate Soberano extraordinário, que começará em uma semana. A morte de Edric nos deixa em uma posição frágil, portanto precisamos de um novo monarca oficializado naquele trono o quanto antes — Valeriana conseguiu disfarçar bem, mas a justificativa dela fez Leander perceber o quão verdadeiramente desesperada ela estava com aquela situação, o quanto todos estavam desesperados.

Um trono vazio era um trono propenso a ser usurpado, especialmente quando o país já estava sob a ameaça de um conquistador, e a prova da urgência era justamente o prazo com que o Embate seria realizado. 

Um Embate Soberano não acontecia uma semana após a saída de um monarca, pois havia todo um cerimonial e preparativos que usualmente levavam de semanas a um ou dois meses. Quando a vacância do trono ocorria por causa de falecimento, então, aí sim que o período era mais longo, porque primeiro era preciso passar o tempo de luto para então começar os preparativos para o Embate. E enquanto isto ocorria, as Casas nomeavam um regente (se não houvesse um rei consorte ou rainha regente para assumir temporariamente o cargo), para governar até um novo vencedor ser coroado o soberano do Norte. 

Leander estava tão desconectado de suas raízes, que se não fosse a mensagem de Valeriana, ele nunca teria sabido da morte de Edric.  E embora a notícia tenha o pegado de surpresa, tinha que confessar que a mesma não afetou de forma profunda o seu emocional. Como dito antes, os irmãos não tiveram uma boa relação, não aprofundaram laços devido a várias divergências de opiniões, e não se falavam há uma década, fora o fato de que Leander propositalmente evitava passar perto da fronteira do Norte, fazer negócios com qualquer um do país ou inteirar-se sobre assuntos do Norte, e essa desconexão o fez receber a notícia da morte do irmão com a mesma relevância de alguém que ficava sabendo do falecimento de um primo distante. 

— E não vá me dizer que o seu candidato sou eu — Leander disse com deboche e um sorriso irônico diante dessa reviravolta da vida. O filho antes rechaçado agora era recebido de braços abertos de volta ao lar? 

A resposta de Valeriana, no entanto, limou da boca de Leander esse gostinho de ‘os humilhados serão exaltados’, pois ela rolou novamente os olhos em um gesto que deixou claro o quão estúpido ela achava que ele era. 

— Óbvio que não! Mas eu preciso de um guerreiro habilidoso para treinar o meu candidato — ela completou, correndo os olhos por Leander, da cabeça aos pés.

Há algo que é preciso dizer neste ponto da narrativa:

Leander foi uma criança e um jovem doente. A sua versão adulta deixou para trás todas as mazelas desta infância sofrida. Hoje, Leander era um homem alto e corpulento, esbanjando saúde e virilidade. Os seus músculos eram bem definidos, o seu cabelo curto e a sua barba rasteira, em um tom cobre, causavam um belo constraste com a sua pele curtida pelo sol e os seus olhos verdes. E Valeriana tinha razão quando teceu o único elogio que Leander já ouviu na vida sair da boca da mãe, em relação à ele: 

Sim, ele era um guerreiro habilidoso, pois estudou e aprendeu com os melhores mestres que o Continente poderia oferecer, artes e técnicas que os mestres do Norte recusaram a lhe ensinar, e algumas outras mais, e o fato de Valeriana saber disto não o surpreendeu. Relembrando, ela tinha poder e influência o suficiente para saber de tudo, sobre todos, e em qualquer lugar. 

— O Norte tem uma forte cultura guerreira, portanto eu tenho a certeza de que existe alguém aqui capacitado o suficiente para isto — Leander argumentou.

— Eu preciso de alguém que traga algo diferente, algo fora das convenções do Norte — Valeriana respondeu e estava claro ali o que ela precisava de Leander: 

Ela precisava que Leander ensinasse ao candidato dela o limite entre o permitido e o inaceitável em um campo de batalha. Realmente algo fora das convenções que eram os ensinamentos das técnicas de combate embasadas nas honras dos guerreiros e do povo do Norte.

— E o que a faz acreditar que eu vou aceitar tal proposta? — Ele respondeu em desafio e Valeriana deu à Leander um sorriso de canto de boca. 

— Eu iria oferecer dinheiro, mas presumi que isto não é algo do qual você está carente. Então pensei que você irá aceitar a minha proposta se não quiser que eu dê o seu nome, junto com um lindíssimo retrato falado, a Companhia Real de Dunas-Sul. Soube que eles estão um tanto quanto fartos da sua irritante mania de obter o maior proveito em seus negócios, das formas mais escusas possíveis, e também pela pilhagem, tráfico de quimeras, espionagem e uma ou outra dama da corte deflorada e desonrada. 

Leander empalideceu, e esta foi a única reação que ele permitiu o seu corpo manifestar diante da extensão do conhecimento que a mãe tinha da vida que ele construiu fora das fronteiras do Norte. Não orgulhava-se da maioria das coisas que fez e ainda fazia para chegar aonde chegou, mas orgulhava-se de, sozinho, ter chegado aonde chegou, e não deixaria que Valeriana destruísse todo o seu esforço por puro despeito. 

— Quem é o seu candidato? — Leander perguntou, entre dentes trincados. 

A sua ideia inicial de não ficar mais tempo do que o necessário em Ebba, no máximo passar a noite em alguma hospedaria da cidade, após o funeral, e então partir ao primeiro raio de sol, obviamente que foi por água abaixo. Valeriana não fazia ameaças vazias, ela fazia promessas, e não hesitaria em destruir tudo aquilo que Leander construiu com o seu sangue e suor e deixá-lo apodrecer na cadeia, se não tivesse as suas vontades obedecidas. Porém, ainda sim, ele estava um pouco curioso para saber quem era essa pessoa por quem Valeriana estava disposta a arriscar de tudo para garantir que subisse ao trono, incluindo trazer de volta para casa o filho pródigo. Quem havia obtido de forma tão incondicional o respeito de uma mulher tinhosa como a sua mãe?

— Elissa — Valeriana explicou em um tom como se esperasse que Leander soubesse de quem ela estava falando.

— Quem? — Ele perguntou e Valeriana não prestou mais esclarecimentos e, na verdade, ela não precisou, pois Leander conheceu Elissa naquela tarde, no velório de Edric. 

Linda e estóica, Elissa era uma visão que tirou o ar dos pulmões de Leander no minuto em que os seus olhos caíram sobre a figura dela. Ela usava as cores da Casa dos Leões da Montanha - o branco pérola e o dourado ouro - o seu cabelo era uma cascata de fios negros, descendo-lhe como uma cortina até o meio das costas, era pálida e com olhos tão negros como o céu sem estrelas da meia-noite. 

Quando ela pisou dentro do salão que continha o corpo exposto de Edric, todos os olhares caíram sobre ela. Dezenas de pessoas curvaram em sinal de respeito, enquanto ela caminhava em direção ao altar onde Edric estava disposto. A cabeça dela estava erguida, o queixo alinhado com o peito, ela mirava o horizonte com um olhar fixo e então subiu com gestos suaves os degraus do tablado que continha o altar, parando ao lado de Valeriana, com as mãos cruzadas à frente do corpo, repousadas sobre a saia de seu vestido longo. 

Leander já havia visto mulheres de beleza exótica, de beleza estonteante, muitas levou para a cama, mas nenhuma delas o fez perder o ar como na época em que era menino e uma simples subir de escadas o fazia perder o fôlego, e menos ainda aceleraram as batidas de seu coração. 

Porém, havia uma coisa que Valeriana esqueceu de mencionar e que Leander percebeu ao notar Elissa por mais tempo do que era socialmente aceitável: a mesma sustentava sobre o cabelo escuro uma discreta coroa de ouro e rubis, o que significava uma única coisa:

A Elissa que Valeriana queria que Leander treinasse era Elissa, viúva de Edric e rainha regente do Extremo Norte


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