Meu Colega de Sala é um Androide escrita por Lord Iraferre


Capítulo 3
03 – Super Força




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Nos dias que se seguiram, a história da queimada havia se tornado uma lenda escolar, e não obstante várias versões começaram a circular pelos corredores, algumas tão absurdas que incluíam todos os alunos lançando bolas de uma vez e Kentaro se desviando de todas e tomando o prêmio das mãos do professor Yuri na base da intimidação.

O que me irritava não era as histórias em si, mas o fato de que em nenhuma delas eu nem mesmo ser mencionada. E não me ajudava o fato de meu nariz

ter se recuperado completamente em menos de uma semana, isso era ótimo para minha aparência, mas péssimo para minha moral, já que se um evento desses tivesse se sucedido antes da chegada de Kentaro eu seria o assunto mais falado por meses e vários garotos iriam se aproximar de mim com toda sorte de presentes e mimos.

Depois de um final de semana mais do que necessário eu me vi resoluta na crença de que havia algo errado com Kentaro, e eu iria descobrir o que era. Por isso decidi que sempre que possível eu iria manter um olho nele na esperança de que ele deixasse escapar seu segredo.

Não posso dizer que tive sucesso logo de cara, Kentaro se provou um alvo muito difícil de ser seguido e ir atrás dele no recreio era uma tarefa quase impossível sem chamar atenção. Em uma de minhas primeiras tentativas me vi quase adentrando o banheiro masculino e apenas o cheiro cavernoso que vinha de dentro me despertou de cometer tamanha vergonha. Curioso, porém é o fato de eu não ter nenhuma memória de Kentaro saindo de lá.

Outra sorte de estranhos acontecimentos começaram a tomar forma durante minhas tentativas de segui-lo. Pessoas aleatórias vinham atrás dele, algumas delas inclusive eram professores, e ele sempre terminava a conversa entregando a elas um pacote ou embrulho misterioso. Kentaro não parecia muito feliz com isso e sempre evitava os outros na hora do recreio o que aumentava a dificuldade de eu encontrá-lo.

Era uma sexta feira ainda no mês de agosto, o grêmio estudantil estava retomando suas atividades aos poucos por isso tive permissão de com a ajuda de algumas amigas de sair da sala de aula. Um dos arquivos da escola tinha inundado durante o dia anterior e nós estávamos limpando o local.

Comigo se encontravam Rosa, ela tinha a pele morena e os cabelos encaracolados gostava mais de ouvir do que falar e dava risada por qualquer motivo até mesmo quando estava triste, e sempre cobria a boca com as mãos quando o fazia. Giovanna Molina, tinha cabelos castanhos escuros, seu rosto era salpicado de sardas e geralmente era a mais sábia entre nós. Mila Bastos era loira e alta, sempre com uma expressão séria parecia uma supermodelo, ela namorava um dos garotos mais bonitos da escola, Edson DeYoung, o irmão gêmeo dele Luke chegou a ser meu namorado no ano anterior, por apenas dois meses. E por último e menos importante Karina Zaki, ela era muito chata, mas como era fofoqueira tinha um jeito de saber as notícias antes dos outros o que tornava útil ter ela por perto, ela era muito baixa, se pessoas fossem histórias Karina seria uma anedota, sua estatura era muito vantajosa na hora de se camuflar para ouvir os outros.

Nós tínhamos acabado de completar o serviço e aguardávamos pelo sinal do recreio, por isso estávamos passando o tempo jogando conversa fora. Até que Karina estragou a paz perguntando:

— O que vocês acham do novo garoto?

— Quem? — eu disse distraída com minha unha.

— Ele parece um garoto decente. — disse Giovanna enquanto ajeitava o cabelo de Rosa com as mãos.

— Ele definitivamente está em ótima forma. — disse Mila.

Rosa respondeu com uma risada típica, e acenou concordando com Mila.

— Eu acho ele bem misterioso — disse Karina. — O que você acha dele Vivien?

— Não sei. — respondi ainda contemplando minhas unhas.

— Como não? Você senta do lado dele.

— Sim, mas eu venho na escola para prestar atenção nas aulas Karina, não para ficar bisbilhotando a vida dos outros.

— Ouvi rumores de que você tem procurado por ele durante o recreio. — disse Karina, revelando o motivo da conversa.

— Isso não é verdade. — eu exclamei corando, de raiva e não de vergonha, jamais conseguiria confessar sobre minha missão para ela ou para minhas amigas, elas achariam que eu estava louca.

— Foi o que eu ouvi. — disse Karina dando de ombros. — Mas de alguns dias para cá ele não é mais visto no recreio, provavelmente por causa do assédio recente que ele tem recebido.

Eu sabia do que ela estava falando, mas não podia perguntar nada sem parecer suspeita por isso me segurei na esperança de que alguém fizesse mais perguntas por mim.

— Que assédio? — disse Rosa verificando seu cabelo no reflexo da janela.

— Alguns dizem que ele tem sido assediado por vários alunos por isso ele costuma se esconder na hora do recreio, e não foi visto durante o intervalo por mais de uma semana. — disse Karina bocejando, ela estava perdendo o interesse na conversa.

— Que estranho. — disse Giovanna distraída. — Eu também tenho tido dificuldade de encontrar Ivana no recreio.

— Sério? — disse Karina se endireitando.

Ivana O'Brien também era parte do grêmio, mas por ser do primeiro ano não estava ali no momento, o irmão dela Roy estudava na nossa classe ele era o garoto mais temido da escola e estava sempre sendo suspenso. Se a vida fosse um RPG Roy seria o personagem que investe todos os seus pontos em força e nenhum em inteligência, ele deixava o ato de pensar para o seu cupincha Kevin. Nada deixaria Roy mais furioso do que saber que sua doce e delicada irmã estava namorando alguém.

Mila lançou um olhar estranho para Giovanna que se calou como se tivesse tomado um tapa.

— Talvez eles estejam namorando. — disse para provocar, os olhos de Karina brilharam como se eu tivesse lhe dado uma revelação divina.

— Bem eu vou no banheiro — eu disse.

— O sinal já vai bater. — disse Rosa.

— Eu sei, encontro vocês depois.

A verdade é que eu pretendia de uma vez por todas saber o que Kentaro fazia na hora do intervalo.

Quando o sinal bateu, lá estava eu, escondida aguardando pela presença de Kentaro, me encontrava abaixada atrás de um vaso grande na direção

oposta do pátio. Ao ficar no caminho inverso eu tinha a intensão de aumentar o meu campo de visão e diminuir a chance de ser pega espionando.

Os alunos começaram a sair das salas e preencheram o corredor, de repente surgiu Kentaro e para minha surpresa ele começou a andar na direção oposta da multidão, ele estava vindo na minha direção! Não queria nem pensar no que aconteceria se fosse pega ali por isso fugi em direção as escadas que levavam para a secretaria. Quando olhei para trás percebi que ele continuava vindo em minha direção, naquela hora o desespero bateu e eu me vi no segundo andar, havia um banco de concreto e ao lado dele um armário de vassouras. Sem pensar duas vezes me escondi no armário.

Apesar de apertado e com um cheiro desagradável eu podia ver as escadas e o banco através das frestas na porta. Kentaro apareceu não muito depois, ele estava cauteloso olhando para a escada que levava para cima e para a que levava para baixo, quando se sentiu satisfeito se sentou no banco de concreto. Outra pessoa começou a subir as escadas era a professora de química Imani Bello.

Quando ela viu Kentaro ela se aproximou dele quase suplicando:

— Oi Kentaro...

— Acabou. — disse Kentaro fazendo uma reverencia para a professora.

— Acabou? — exprimiu a professora, o desapontamento em sua voz.

— Infelizmente acabou. — disse Kentaro sem graça.

Eu gritei por dentro, não sabia o que raios estava acontecendo.

— Ah, certo, me desculpe te importunar. — disse a professora, ela geralmente era muito sorridente e vê-la com o rosto tão triste era algo que eu jamais pensei que veria. — Tenha um bom dia.

Quando ela partiu Kentaro soltou um suspiro de alívio, e pegou sua lancheira que ele havia escondido para a professora não ver. Eu estava tão ansiosa que acabei me esquecendo que estava em um armário de vassouras, por isso devo ter feito algum barulho ou Kentaro conseguiu enxergar minha assinatura de calor.

— Quem está ai? — perguntou Kentaro voltando a esconder a lancheira.

Fiquei em silêncio.

— Quem está aí? — repetiu ele se levantando e se aproximando do armário. — Eu posso te ouvir sabia?

Droga eu havia sido pega. Eu abri o armário sem graça, tentando pensar em alguma desculpa que não soasse ridícula demais.

— Ow, você? — disse Kentaro suavemente surpreso. — Sabia que uma hora ou outra você apareceria.

Ele voltou a se sentar no banco de concreto e pegou sua lancheira, ela era muito bonita dentro a comida estava toda arrumada, em um dos cantos havia um embrulho.

— Você estava esperando por mim? — disse, me aproximando do banco com cautela esperando algum tipo de armadilha.

— De uma certa forma — disse Kentaro dando de ombros enquanto pegava o embrulho na mão. — Já que todas as suas amigas vieram até mim era questão de tempo até você aparecer.

Minhas amigas não haviam me dito nada, me perguntei se ele estava mentindo?

— Se bem que eu disse para cada uma delas que não contassem a ninguém. — disse Kentaro oferecendo para mim o embrulho. — Esse aqui é o seu. Você está com sorte porque esse é o último, se não tivesse aparecido eu provavelmente iria comê-lo hoje.

Quando eu peguei o pacotinho na mão, ele não era leve nem pesado e o aroma mais agradável que já senti na vida emanava dele, quase celestial. Não queria perguntar o que era porque mostraria que eu não sabia de nada, mas descobri enquanto abria o embrulho que esse era o motivo porque tanta gente vinha incomodando Kentaro, parecia algum tipo de iguaria muito rara.

— Esse bolinho é uma receita secreta de família — disse Kentaro relaxando enquanto comia seu lanche com os famosos pauzinhos japoneses. — Minha mãe os faz sempre que meus parentes vêm nos visitar e dessa vez ela fez alguns a mais para eu trazer como sobremesa, eu só não sabia que iria fazer tanto sucesso.

O bolinho era realmente especial, parecia bem delicado e delicioso, uma parte da minha mente dizia que podia estar envenenado, mas eu já havia perdido o controle do meu corpo.

Literalmente.

Roy apareceu subindo as escadas como um urso louco. Ele olhou para Kentaro e avançou em sua direção atropelando tudo o que estava no

caminho, incluindo eu e o bolinho. O bolinho foi espatifado no chão, se eu não tivesse sido esmagada na parede teria lamentado a perda do bolinho com uma ode, tamanha era minha perda.

— Cadê minha irmã? — perguntou Roy furioso e sem esperar por uma resposta mandou uma chuva de punhos em direção a Kentaro.

Roy não possuía técnica nenhuma, vencia seus inimigos na base da força bruta, até então isso tinha funcionado para ele e garantido sua reputação.

Fechei os olhos com medo da carnificina que se seguiria, mas tudo o que ouvi era o som do ar. Quando abri meus olhos minha boca caiu, Kentaro parecia Muhammad Ali desviando dos socos de Michael Dokes. Nenhum dos socos de Roy acertou nem mesmo as roupas de Kentaro e quando ele abriu uma brecha Kentaro o dobrou como se fosse um origami. Quando o valentão se deu conta seu rosto estava apertado contra o banco de concreto e Kentaro com um olhar frio o espremia ainda mais, ameaçando quebrar seu braço.

Kentaro repentinamente soltou Roy e este se levantou massageando o braço completamente surpreso, até mesmo assustado. Kentaro as vezes olhava para mim e para o bolinho no chão, seu rosto duro como mármore, mantendo uma certa distância de Roy para o caso da luta recomeçar.

O que quer que Roy viera fazer ali ele havia se esquecido, estava tão humilhado que só faltou se ajoelhar na frente de Kentaro.

Nesse momento ouvi passos de alguém se aproximando correndo pela escada.

— O que está acontecendo aqui? — indagou o segurança irritado.

Eu não sei qual é o nome de verdade do segurança, mas nós os chamamos de Sr. Johnson porque ele tem descendência samoana o que faz ele ser uma versão com desconto do The Rock. Ele geralmente era bem humorado, mas parecia pronto para apartar uma briga quando chegou. Atrás dele estava ninguém menos do que Ivana pálida como um papel e Kevin o amigo de Roy. Não pude deixar de notar que quando se aproximavam ambos corriam de mãos dadas.

— Nada. — disseram Kentaro e Roy ao mesmo tempo.

Roy olhou chocado para Kentaro.

— Como nada? Roy seu rosto está inchado que nem um balão.

Roy tocou seu rosto surpreso e empalideceu, seu supercílio continha todos os tons de roxo que uma paleta de cores poderia oferecer.

— Ele apareceu aqui procurando pela irmã dele — disse Kentaro ajustando o uniforme. — Ele estava com tanta pressa que acabou escorregando e bateu o rosto no banco.

— Isso é verdade? — perguntou Sr. Johnson olhando para Roy com uma sobrancelha levantada.

— Sim, sim. — disse Roy engolindo em seco, balançando a cabeça como um daqueles souvenir de cachorros que ficam no painel do carro.

— Vivien?

Eu devo ter dito alguma coisa porque o segurança se acalmou logo em seguida, mas meu coração parecia bater nas minhas orelhas com tanta força que era um milagre eu não ter desmaiado.

— Bem, sua irmã está aqui — disse Sr. Johnson fazendo um sinal para Ivana. — Ela e seu amigo disseram que você iria dar uma surra no novato então me chamaram às pressas.

— Não eles estavam enganados, eu só queria um pedaço do bolinho... — disse Roy reparando só agora que o bolinho tinha espatifado no chão.

Com isso o segurança foi convencido e ficou triste pelos bolinhos terem acabado, mas foi embora, logo em seguida Kevin e Ivana também partiram.

Roy então se virou para Kentaro com gratidão no rosto ferido.

— Kentaro, você me salvou — ele cumprimentou Kentaro apertando sua mão. — Se eu tivesse tomado mais uma suspensão eu teria sido expulso, a partir de hoje se precisar de alguma coisa... Se até mesmo quiser namorar minha irmã eu deixo.

Kentaro parecia ainda mais sem graça do que nunca. Nesse momento o sinal bateu e eu fiz a única coisa que me parecia sensata, eu fugi para a sala de aula. E não mencionei nada do que aconteceu para ninguém, pois tinha medo de que conseguissem descobrir que eu estava envolvida de alguma forma com os rumores que Karina havia espalhado no recreio.


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