A Rainha das Criaturas escrita por Sorima


Capítulo 1
A última Rainha das Criaturas


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Seu corpo pesava mais do que gostaria de admitir. A armadura amassada mais lhe incomodava do que ajudava e a grande espada suja de lama e sangue estava pesada demais para continuar sendo balançada. O cansaço era um inimigo subestimado.

Deu passos cambaleantes para frente retirando o elmo com a mão livre, sentia-se sem ar, exausta e traída. Tinham chegado tão longe com o passar dos séculos, e aqueles tolos humanos recolheram a mão que tinham estendido e os apunhalaram. Nísia fechou o punho, irada. Tantas vidas tinham sido jogadas fora, tanto de criaturas quanto de humanos. Olhou o campo de batalha atenta, haviam muitos corpos no chão, fosse de mortos ou de moribundos, vários ali eram de seus companheiros. Pouca gente ainda estava de pé, como ela, os poucos que o faziam mal conseguiam se deslocar.

Seus olhos secos latejaram, ameaçando se encher de lágrimas, mas não podia chorar ali, não agora. Isso poderia trazer mais malefícios do que benefícios ali, dependendo de onde suas lágrimas caíssem. Respirando pesado ela se aproximou de um de seus companheiros caídos. Era Ellioth.

Como toda criatura, Ellioth possuía um corpo humanoide com características de animais, mais especificamente um grifo, com pés de garras, cauda de leão, cabeça e asas de águia e um corpo com habilidades felinas. Sua respiração estava se arrastando e ele gemia com a dor do ferimento na lateral do seu corpo cheio de sujeira.

Fincando a espada no chão e se ajoelhando ao lado dele, Nísia permitiu que suas lágrimas escorressem sobre o ferimento. Observou o efeito de sua lágrima: pela fumaça que saía o ferimento parecia estar sendo queimado pelas lágrimas, a verdade é que estava limpando e fechando o ferimento até que sobrasse só o sangue seco sobre a pele perfeita. Reteve as lágrimas quando terminou tornando a se levantar, a respiração de Ellioth parecia ter se aprofundado, tranquila.

— Lágrimas de fênix, o milagre curativo das criaturas! – ouviu a voz complacente do Rei Lucius de tantos séculos atrás.

Nísia se virou surpresa para encará-lo com a espada em riste, a adrenalina acordando-a para mais uma luta. O antigo Rei tinha a mesma aparência de quando ela o matara no campo de batalha: barbas e cabelos grisalhos, rosto encovado e o corpo protegido com uma armadura prata. Ele a encarava com superioridade e um sorriso cruel em seus lábios finos. Sua figura estava translúcida, o que a fez franzir o cenho.

— Poxa, eu só vim aqui para conversar como um velho amigo faria, cara Rainha das Criaturas, Catarina – disse afetado.

Há muito tempo ninguém lhe chamava assim. Forçou um sorriso em seus lábios e respondeu com a voz rouca:

— Achei que tinha matado o Rei tolo que queria nos caçar.

— Ah, você me matou mesmo! Mas eu tenho descendentes muito dedicados, além de recomeçarem nossa guerra eles me invocaram aqui – contou satisfeito.

Nísia ergueu mais a espada, em guarda. A expressão de Lucius ficou fria, sem nenhuma emoção.

— Para que eu pudesse me vingar! – completou fitando-a, ao que ela sentiu a pele se arrepiar.

— Me pergunto como que você faria isto, já que se me matar eu apenas irei renascer – ela disse, a mente enevoada demais para formar uma linha de raciocínio complexa que explicaria a cara de contentamento do sujeito fantasmagórico.

— É claro que desejo matá-la, retirá-la do trono da mesma forma que fez comigo. Entretanto, como você mesma disse, você irá renascer. Então chegamos a um impasse.

Estreitando os olhos, Nísia desconfiava que o Rei já tinha um plano para resolver o impasse que tinha encontrado. Agora o impasse seria dela. O que ele faria? Qual deveria ser sua resposta?

Inspirou fundo e avançou o mais rápido que conseguiu colocando todas as suas forças no golpe da espada, porém, o que viu, que confirmava a sua suspeita, foi a espada atravessando-o sem causar nenhum mal. Ele apenas a encarou com desdém.

Soltou o ar, resignada. Sua garganta arranhada não sustentaria mais nenhuma canção que quisesse cantar, seu corpo e mente estavam no limite, seus companheiros, onde quer que estivessem, não poderiam fazer muita coisa por ela. O risco era eminente; o Rei Lucius começava a murmurar alguma coisa com os olhos fincados nela, uma aura escura parecia crescer ao seu redor.

Não sabia o que era aquilo, só queria, novamente, dar um fim àquele rei tolo. Se nada físico poderia alcança-lo, talvez algo espiritual conseguisse. Cravou novamente a espada no chão de terra, começando a cantarolar sua triste música fúnebre, a que cantava desde sua primeira morte, para consolo próprio. Começou a se aproximar cada vez mais de Lucius, que a encarava de olhos arregalados, ainda murmurando o que quer que fosse.

Ela sabia o que ele via; sua verdadeira forma era a de uma fênix, sua morte era pelas chamas e seu renascimento pelas cinzas, por mais que estivesse na forma humanoide ela sabia que as chamas já tinham começado a se espalhar pelos seus braços e cabelo, os olhos não humanos pareciam queimar também.

O fogo se espalhava enquanto ela continuava cantarolando a cantiga infantil. Atrás de si ouviu a voz perplexa e confusa de Ellioth:

— Majestade?! O que está fazendo? Nós vencemos!

Nísia se virou para dar-lhe um sorriso gentil.

— Viva uma vida plena e feliz!

Falou antes de implodir em chamas no mesmo instante em que Rei Lucius terminava seu trabalho, a expressão passando de satisfação para terror. Mas o mau estava feito. Nísia soltou um grito de dor, não pela queimação do fogo, mas pelas grades que sentiu serem colocadas em sua mente, turvando suas lembranças e sua identidade.

A última coisa que pensou antes de perder a consciência era que o mau plantado por Lucius daria frutos, como uma erva daninha no jardim.


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