Maya e os Mistérios de Castelobruxo escrita por Wesley Rego


Capítulo 9
Capítulo 9 - Conflito de Interesses




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Ja fazia algumas horas que o bote navegava rio abaixo. Hugo já havia vomitado duas vezes com o balanço da embarcação sendo puxada pelo boto e se perguntava quanto tempo faltava para chegarem a seu destino. Notou que quando chegaram a uma bifurcação, o boto tomou o caminho mais estreito que passava por uma área mais densa de mata fechada. As árvores dessa área eram mais sinistras do que em outras partes da selva, algumas pareciam mortas e outras pareciam se mexer sozinhas. Seus galhos tinham formas assustadoras de mãos prestes a agarrar quem passava por ali. Hugo sentia fortes calafrios. Mesmo ainda de dia, o rio estreito ficava escuro como a noite, pois as árvores eram muito altas e preenchidas de folhas verdes e amarelas que cobriam a luz do sol. 

— Droga. Acabei de lembrar que perdi minha varinha no rio - sussurrou o garoto pra si mesmo, lamentando ter ameaçado um homem desconhecido. 

Alguns minutos depois Hugo sentiu que o bote perdeu velocidade e parecia está boiando sozinho em direção a margem. Ao colidir com a terra o bote parou, atolando sobre a lama. Um homem emergiu do rio. 

Lumus— sussurrou João acendendo uma luz na ponta de sua varinha - Toma. Vai precisar disso. - jogou a varinha de Hugo em suas mãos. 

— Obrigado - Hugo sentiu alívio em seu coração. Não sabia que João havia recuperado sua varinha do fundo do rio - Lumus

Os dois usaram a luz de suas varinhas para observar o lugar. Estavam no meio de uma selva escura e sombria. Nenhum pássaro cantava e nenhum animal era visto. O único som que se ouvia era do vento soprando no topo das árvores sinistras e o som da água do rio corrente. 

— Que lugar maldito é esse? - perguntou Hugo não conseguindo mais se conter de pavor. 

— Esse lugar é de fato amaldiçoado. Uma magia poderosa paira por aqui. Mas não se preocupe. Ela só foi criada para deixar a aparência assustadora e afastar trouxas e outros invasores. 

— E nós somos o que? - perguntou Hugo ainda mais apavorado. 

— Mantenha a calma. Eu conheço esse lugar. Apenas me siga e faça o que eu disser. - Disse João seguindo por uma trilha. 

Hugo o seguiu. A trilha era tão estreita e preenchida de vegetação que o garoto mal podia perceber quando estava caminhando sobre ela, nem sabia por onde ela continuava e qual direção levava. 

— Essa caminho vai nos levar a Yara? - Perguntou o garoto afastando os galhos em seu caminho com a varinha. 

— Não - respondeu João secamente - não podemos ir ao encontro de Yara ainda. Ela não vai devolver a garota pedindo educadamente. Vamos precisar barganhar. 

— Mas com o que? O que ela quer? 

— Yara aprecia muitas coisas valiosas. Mas existe uma em especial que ela almeja mais do que qualquer coisa. 

 - E seria? 

— Yara não é uma sereia qualquer. Ela quer sair do rio. Ir para as aldeias e seduzir homens. Muitos da região já conhecem a lenda e evitam seu território, já faz anos que ela não seduz nenhuma vítima. Yara quer ter pernas. 

— Pernas? E como vamos da pernas pra ela? - perguntou Hugo tentando se soltar de um galho que prendeu em suas vestes. 

— Eu conheço uma pessoa que tem a resposta. Uma bruxa. Estamos próximos do covil dela. 

Após algum tempo, finalmente a trilha estreita chegou ao fim e deu início uma área de campo aberta. Hugo e João avistaram um chalé antigo, aderido entre duas árvores enormes com o tronco bastante largo. Um pouco da luz solar iluminava a área aberta já que haviam poucas árvores no centro do campo. Tinha também fumaça saindo pela chaminé e os dois entenderam que tinha gente em casa. 

— É aqui. - disse João apagando a luz da sua varinha. 

Hugo passou por uma placa onde havia a imagem de um jacaré com chapéu de bruxo e logo reconheceu. 

— Eu sei que lugar é esse! - berrou apavorado - É o covil da bruxa que os trouxas chamam de cuca. Eu não vou entrar ali. - Hugo tentou voltar mas foi agarrado pelas vestes por João. 

— Não é o que você tá pensando! 

— Eu já li histórias sobre ela. É uma bruxa das trevas que devora crianças. 

— Ela não devora crianças. Era só um conto infantil! Agora deixa de besteira e confie em mim. 

— Me solte - berrava Hugo se debatendo e em seguida apontando a varinha para o rosto de João. 

— Escuta aqui garoto! - Hugo sentiu que João já havia sacado sua varinha muito antes dele e apontava para seu peito - Eu não quero ter que enfeitiça-lo e nem ter que tomar sua varinha outra vez. Veruska não é uma bruxa confiável mas precisamos da ajuda dela para salvar sua amiga. Então eu lhe digo mais uma vez que confie em mim, mantenha a calma e abaixe sua varinha. Ou então sua amiga pertencerá ao rio para sempre. 

Hugo encarou João e sentiu que havia seriedade e firmeza em seu olhar. A atenção de ambos foi desviado pela presença de corvos que sobrevoaram sobre suas cabeças de modo circular. João soltou Hugo que imediatamente apontou a varinha para os corvos. 

— Abaixe isso! - ordenou João - são os vigias de Veruska. Ela já sabe que estamos aqui. 

Hugo obedeceu. Os corvos voaram em direção ao chalé e  circularam sobre o teto da casa. João e Hugo se aproximaram no imóvel e quando estiveram bem próximos a porta do chalé se abriu. Os corvos pousaram sobre o telhado e os observaram. 

— Porque estão olhando pra gente? - perguntou Hugo ainda mais apavorado. 

— Ela permitiu nossa entrada, caso contrário já teríamos sido atacados. - disse João bastante sério ao passar pela porta. 

Hugo sentia muito medo ao mesmo tempo que admirava a coragem de João. O homem parecia encarar o perigo com naturalidade, como se nada o abalasse. Ao passarem pela porta a mesma se fechou, batendo com força. Hugo quase deu um pulo. A sala era perfeitamente redonda, havia uma lareira acesa no canto da parede, nela havia um caldeirão com líquido borbulhante. No centro da sala havia uma grande mesa quadrada, repleta de restos de plantas e partes de corpos de animais como; patas de rã, rabos de lagartos e olhos que Hugo não sabia reconhecer de que animal seriam. No outro canto da parede tinha uma escada em espiral que levava ao andar de cima. Por essa escada descia uma mulher, usando um longo e rasgado vestido preto, de pés descalços, com cabelos loiros e bagunçados, olhos verdes bem vivos, um rosto jovem e um olhar de satisfação. Usava um belo colar de búzio, e em seu ombro, um corvo repousava. 

— Olá cavaleiros. Sejam bem vindos. Por favor não se acanhem, sentem-se, sintam-se em casa. - disse a bruxa graciosamente. 

Duas cadeiras de madeira se arrastaram pelo chão e atingiram os visitantes pelas costas fazendo-os caírem sentados sobre elas. Levitaram até a mesa e pousaram bruscamente. O coração de Hugo disparou com tamanho susto. A bruxa se dirigiu até uma poltrona com estampa roxa, ao lado da lareira e sentou-se confortavelmente. 

— Meu botinho cor de rosa. A quanto tempo? Finalmente voltou para me visitar. Achei que não se importasse mais com sua velha amiga. E quem é esse jovem estudante? 

— Oi Veruska. Sim já faz um tempinho. Esse é Hugo - apresentou o garoto paralisado que só conseguiu dizer um "oi" trêmulo. 

— Por favor, bebam um pouco de chá. Fiz há poucos minutos - Veruska moveu a mão direita e duas xícaras voaram para as mãos dos visitantes. Um bule voou até eles e derramou um líquido quente e esverdeado dentro de suas xícaras, depois pousou sobre a mesa. 

João levou a xícara aos lábios e bateu com o cotovelo em Hugo para que o garoto fizesse o mesmo. Hugo desconfiado imitou o homem, mesmo contra sua vontade e provou um pouco do chá. Para sua surpresa o gosto estava adorável. 

— O que achou? O chá está bom? Jovem Hugo. - perguntou Veruska sorridente. 

— Está sim. - respondeu o garoto um pouco mais relaxado. 

— Não sou do tipo que costuma envenenar minhas visitas. Espero que não esteja desapontado por não ser também nenhuma porção com propriedades sombrias. 

— Você...? Leu meus pensamentos? - perguntou o garoto espantado. 

— Seu novo amigo João não lhe contou? - A bruxa olhou para João com um olhar penetrante - Eu sou uma legilimente querido. Estou esperando vocês desde o momento que entraram no rio estreito. 

— Eu achei que se contasse você ficaria ainda mais apavorado - defendeu-se João virando-se para Hugo que o encarava com um olhar de julgamento. 

— Não precisa ficar assustado querido. Não sou quem você pensa. A cuca que originou as lendas infantis foi minha bisavó. Apesar de minha vó e minha mãe derem continuidade a tradição. Eu por outro lado não me identifico muito bem com esse título. Prefiro ser chamada apenas pelo nome verdadeiro. 

— Perdoe-me senhorita - Desculpou-se Hugo por seus próprios pensamentos. 

— Não se preocupe com isso também. E fico lisonjeada que tenha me achado jovem e bonita. - disse Veruska satisfeita cruzando as pernas. 

— Então Veruska - começou João tentando ir direto ao assunto - Você já sabe porque estamos aqui. 

— Não precisa tanta pressa pra falar desse assunto botinho. Seja educado. Vamos falar um pouco sobre as novidades. Vejo que ainda está solteiro. Não encontrou nenhuma mulher interessante todos esses anos? Que pena. Já enganou tantas. 

— Eu não sigo a tradição de meus antepassados. Você sabe. 

— Fala do seu avô? Aquele safado. Quantos filhos ele fez por aí enquanto enganava as pobres moças das aldeias. 

— Está falando da lenda do boto cor de rosa não é? Que se transformava em um homem de branco e seduzia as virgens. - comentou Hugo, entusiasmado com o assunto. 

— Não só as virgens. Havia uma diversidade de mulheres. Nem as viúvas estavam a salvo dos assédios daquele velho depravado. - disse Veruska. 

— Da pra você parar de falar de meu avô? Ele tinha a natureza dele que por sinal é diferente da minha. - disse João aborrecido. 

— Não me faça ri! - Veruska deu uma gargalhada. O corvo em seu ombro abriu as asas e soltou um som como se tivesse imitando sua dona - Toda a sua família possui a mesma natureza. É impressionante como todos vocês se tornam botos. Quanto tempo faz que você não fala com seus irmãos? Uns trinta anos? - zombou Veruska. 

— Existem outros? Digo, outros botos? Como você? - perguntou Hugo curioso. 

— Uma infinidade! - disse Veruska - o legado do velho Geraldo Boto. Criar um bando interminável de filhos em várias aldeias para que pudessem repovoar toda a Amazônia. 

— Porque não fala da pele de jacaré de suas antecedentes? Que aterrorizam essas florestas faz séculos e já mataram inúmeros trouxas? 

— E de forma merecida! - Gritou Veruska, sua voz ecoou pela casa com um ar soberano. O corvo levantou voo e pousou sobre o lustre preso no teto - Os trouxas já mataram centenas de bruxos. Os corpos de bruxos do passado ainda apodrecem no fundo do rio negro. Sem falar da quantidade de animais que exterminaram e das diversas queimadas que já causaram, principalmente nos últimos anos. Não me venha falar da inocência dos trouxas. Você sabe tanto quanto eu que eles são tão cruéis como podemos ser. 

 - Vocês podem parar de discutir sobre a família de vocês? - Gritou Hugo pela primeira vez elevando sua voz pela casa - minha amiga está correndo perigo. Viemos aqui em busca de ajuda, ou você já se esqueceu? - direcionou-se a João que o fitou surpreso com a atitude do garoto. 

Todos se acalmaram e um silêncio absoluto tomou pose do ambiente. Veruska voltou a se acomodar em sua bela poltrona e João acomodou-se novamente na cadeira ao lado de Hugo. 

— Eu sei o que vocês buscam e tenho a solução. Mas não posso entregar a vocês. - disse Veruska calma e friamente tocando em seu colar de búzio. 

— Diga-nos o que quer? Faremos o que quiser. - disse Hugo parecendo desesperado. 

— O que eu quiser? - disse a bruxa sorridente - não pode me dá o que eu quero e eu também não posso da a vocês meu colar. Vocês vieram até aqui para nada. Que pena. Agora ordeno que se retire. - disse olhando para João. 

— O que quer dizer? - perguntou Hugo confuso olhando para João que não parecia nervoso. 

— Pobre garoto. Você não sabia? Seu novo amigo só o trouxe aqui como garantia. Ele sempre soube que se algo desse errado a única forma de eu permitir que ele saísse daqui com vida era deixando você. - disse Veruska com ar de satisfação. 

Hugo ficou paralisado enquanto via João se levantar e andar em direção a porta de saída sem dizer uma palavra. O garoto tentou se mexer mas notou que os braços e as pernas da cadeira haviam se enrolado em seus membros. Veruska riu bastante satisfeita. Sua gargalhada maligna ocupava o silêncio sombrio deixado na casa. Os olhos de Hugo se encheram de lágrimas enquanto tentava se soltar da cadeira. Antes que pudesse sair, João virou-se e seu olhar foi de Hugo a Veruska. 

— Estava errada em uma coisa Veruska. Ele não era minha única garantia. - disse João agora sorridente. 

Um pássaro de papel surgiu entrando pela porta que João havia acabado de abrir. A ave voou até se bater em Hugo onde se tornou uma simples folha de papel e caiu no seu colo. Hugo viu com clareza seu nome escrito no papel se transformar em uma letra "x" antes de desaparecer. Veruska foi surpreendida por uma onça quebrando a janela de sua casa e a derrubando no chão. A bruxa assustada e imobilizada pelo animal selvagem, sussurrou uma palavra em um idioma desconhecido. Os corvos em volta do chalé voaram agitados e invadiram a casa como um enxame de abelhas. João lançou um feitiço na cadeira, libertando Hugo. O garoto e o homem correram para fora da casa afim de escapar do ataque dos corvos. 

Estupefaça! - gritou Hugo. Um feixe de luz vermelho disparou da ponta de sua varinha em direção a nuvem de corvos, derrubando apenas um deles no chão. 

João conjurou chamas de sua varinha e as lançou no bando causando uma chuva de corvos flamejantes. A onça saiu da casa sendo perseguida por boa parte do bando dos corvos que ainda estavam vivos, se transformou numa jovem índia e sacou sua varinha, lançando feitiço nas aves. Veruska surgiu saindo da casa furiosa. 

— Como ousam me atacar em minha própria casa? Seus imundos! - Berrou furiosamente sacando sua varinha e apontando para Maya - Avada...

Seu feitiço foi interrompido por João, que atacou a bruxa lançando uma labareda de fogo em sua direção. A bruxa bloqueou o ataque e revidou lançando-lhe um feitiço de cor verde, mas o homem bloqueou o feitiço. Os corvos voaram na direção de João e o derrubaram. 

Estupefaça! - gritou Hugo. lançando um feitiço na bruxa que o bloqueou. 

Veruska também bloqueava feitiços lançados por Maya com bastante facilidade. Ao perceber a habilidade da bruxa em se defender, Hugo mirou a varinha em seu chalé e gritou: incendio! Uma labareda de fogo saiu de sua varinha e deixou a casa em chamas. Veruska virou-se em desespero e saltou um berro: "Não! Minha casa não!" 

Petrifico Totalus! - gritou Maya atingido a bruxa distraída. 

Veruska paralisou instantaneamente e caiu dura no chão.

Accio! - disse Hugo apontando a varinha para o colar de búzio, que se soltou do pescoço da bruxa e voou até sua mão.

Hugo correu em direção a João e Maya o ajudou. Usaram labaredas de fogo lançados por suas varinhas para espantar os corvos e correram pela trilha de volta ao bote. Com a pouca força que lhe restava, João se transformou em boto e mergulhou no rio. Agarrou a corda presa ao bote e o arrastou pela superfície do rio acima, com os dois jovens a salvo sobre ele. 

 

 

 

 

 

 

 


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