O Rei Negro escrita por Oráculo Contador de Histórias


Capítulo 2
O Mercador




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A Vila dos Farrapos recebeu esse nome por causa das costureiras que sempre largavam pedaços de pano pelos cantos, dando ao ambiente um aspecto sujo. Somando-se a isso, a Taverna do Pançudo também colabora para aumentar a fama de desleixo dos moradores, o que não é verdade ao menos para a maioria deles. E por falar na taverna, esta acaba ficando muito tranquila durante o dia se comparado ao intenso movimento noturno de bêbados e pessoas suspeitas. Há também aqueles que apreciam o ensopado do senhor Heitor, o dono, pai de uma jovem valente e inteligente chamada Heler. O senhor Heitor é viúvo e sonha com o dia em que a família vai aumentar, mas Heler se mostra nada interessada em casamentos. Apesar de ser bonita, seu jeito bruto afasta os pretendentes e muitos já aceitaram que ela simplesmente não é para relacionamentos amorosos. Assim como seu pai, Heler é respeitada entre os moradores e alguns de fora.

—Espera, aquela não é a Heler? – perguntou uma senhorinha para a outra, ambas sentadas na porta de casa.

—Oh, sim, sim. Eu reconheceria aqueles cabelos longos e pretos em qualquer lugar. Uma graça!

—Mas... Quem é aquele rapaz de chapéu ao lado dela? – perguntou outra vez, esticando o pescoço para melhorar o alcance dos seus embaçados óculos.

—Nunca o vi, na verdade. Parece bonitão. Será que o dia tão aguardado pelo seu Heitor finalmente chegou?

Heler sentiu um arrepio lhe percorrer a espinha. Instintivamente, encarou as duas senhoras que estavam a cerca de cinquenta metros, lançando a elas um olhar severo. Ambas, porém, não enxergavam bem o suficiente para notar.

—Fofoqueiras. Tenho certeza de que estão falando de mim.

—Quem? – Gabriel, que até então estava absorto em pensamentos, virou-se para conferir – Ah...

—Vamos recapitular. – disse ela em tom mais baixo – Seu nome é Tral Donth, filho de Trenth. Você é cozinheiro e veio da Cidade dos Portos em busca de odelas para fazer suas receitas.

—Certo. Mas... – não deu tempo de continuar, pois um homem baixo e corpulento saiu da taverna.

O sujeito era calvo, com uma pança notável e arredondada, pescoço tímido e uma bigodeira grisalha que lhe cobria o lábio superior. Ao ver Heler, ele soltou um suspiro de alívio e franziu o cenho, ligeiramente zangado.

—Onde você estava? Quer me matar do coração? – sua voz era rouca e seu modo de falar descontraído, mesmo agora.

—Eu já sou bem grandinha para sair por aí, papai. – protestou Heler, cruzando os braços – Além do mais, eu te disse que ia dar uma volta na floresta.

O senhor Heitor olhou da filha para Gabriel. Enquanto o analisava, esfregava a bigodeira com as pontas dos dedos, estreitando os olhos por fim.

—E você, meu rapaz?!

—Me chamo G...Tral Dotan, filho de Torv.

Heler quis rir, mas se controlou ao máximo.

—Como vai, Tral? Me chamo Heitor, filho do meu pai. Quais são suas intenções com a minha filha?

—Papai!!!

Gabriel tossiu com a pergunta inesperada, recebendo palmadinhas nas costas da garota até se recompor.

—Peço que não interprete errado, senhor Heitor. Tenho muito respeito pela sua filha.

—É claro que tem... – ele olhou por entre Gabriel e Heler, avistando as duas senhorinhas fofoqueiras a distância – Vamos conversar lá dentro, que tal?!

Os jovens se entreolharam, então seguiram o homem até o interior da Taverna do Pançudo. O lugar era mal iluminado, repleto de mesas e bancos de madeira muito gastos e sujos. Haviam algumas pessoas sentadas aqui e ali, a maioria visivelmente bêbada. Gabriel notou um homem dormindo sobre uma mesa perto da parede e nesta, logo acima, estava um brasão trincado com uma flor que lembrava as calêndulas, quase todo enferrujado. O aroma era uma mistura de mofo, poeira e álcool, além de um fraco vestígio de carne.

—Ontem a noite você saiu e demorou horas para voltar. Hoje te avisto na companhia do senhor Dotan, filho de Torv. Eu sei que você precisa se casar, mas não gosto da ideia de atropelar as coisas assim, bebê.

—Pai!!! – exclamou a garota, absolutamente inconformada e constrangida.

Gabriel deixou escapar um riso e foi imediatamente acertado no tornozelo pelo pé ágil da jovem. Esfregando a região com a canhota, tentou:

—Senhor Heit...

—Cale a boca! – cortou o homem com rispidez – Vocês ficam por aí, para cima e para baixo na floresta fazendo Nymira sabe o que! Pouca vergonha!

—Mas senhor He...

—Mandei calar a boca! Aliás, pelo contrário, fale! Fale quando vai se casar com a minha filha e assumir sua responsabilidade!

—Papai!!! Está sendo ridículo! – esbravejou ela, vermelha como um pimentão – Tral e eu não fizemos nada além de conversar. Será que é incapaz de confiar na sua única filha?

—Mas bebezinho... Eu só estou preocupado com você...

Gabriel reuniu todas as forças que tinha para trancafiar uma sonora gargalhada que estava desesperada para romper pelos seus lábios. A dor no tornozelo se fez uma aliada nesse momento.

—Não me chama assim! Ai, que vergonha!

—Parando para pensar, eu nunca o vi por essas bandas, rapaz. De onde é? E como se conheceram? – indagou o senhor Heitor, outra vez acariciando a bigodeira com as pontas dos dedos.

Nesse momento, os poucos que estavam lúcidos na taverna pararam para assistir. Gabriel percebeu que o homem adormecido próximo ao brasão agora o encarava. Tinha por volta de quarenta anos, barba malfeita e maltratados cabelos num loiro desbotado, a maioria grisalhos.

—Eu... – começou o rapaz, passando a olhar o pai de Heler – Venho da Cidade dos Portos. Estou atrás de odelas para cozinhar minhas receitas. Enquanto perambulava pela floresta, vi sua filha ser atacada por alguns vagabundos e deitei eles na porrada.

—Deitou eles na porrada? – estranhou um Heitor confuso.

—Quero dizer que bati neles para ajudar Heler. – explicou Gabriel, vez ou outra encarando de soslaio aquele homem perto do brasão – Ela se sentiu em dívida comigo e quis me ajudar, embora eu dissesse “não precisa, só fiz a coisa certa”. – cantarolou a suposta fala - Heler me levou comida e suco de odela. Foi o senhor que fez, imagino. Muito bom, um sabor realmente marcante.

Heler estava petrificada. Por dentro, era como se um vulcão estivesse em plena erupção. Ela queria bater no rapaz até ele perder a consciência e isso ficou nítido no seu falso sorriso doce.

—Quem eram esses vagabundos? Me diga que eu vou agora mesmo... – vociferou o senhor Heitor, largando o avental no chão com violência.

—Já se foram, papai. Graças ao Tral, estou bem. – explicou com falsa meiguice, estralando cada um dos dedos das mãos.

—Oh, Tral, meu rapaz. Queira desculpar esse velho precipitado. Eu deveria estar te agradecendo ao invés de julgá-lo tão mal. – Heitor o puxou para um sufocante abraço. Gabriel notou uma verdadeira festa de aromas ao chegar tão perto do homem baixinho a ponto de ter que se curvar ligeiramente – Vou agora mesmo te preparar um almoço no capricho, não demoro.

Assim que o taverneiro entrou pela porta logo atrás do riscado e sujo balcão de madeira, Heler puxou Gabriel pelo braço e começou a rosnar algumas palavras:

—Então você me salvou lá na floresta... Me refresca a memória, Usurpador... Antes que eu te mate!

—Eu precisava inventar alguma coisa! – justificou-se ele com urgência, tentando se afastar e sendo puxado de volta – Pensei que se fizesse ele pensar que eu protegi você, acabaria de vez com essa imagem errada sobre nós dois.

—Sim. E agora ele vai pensar que você é meu grande herói. Maravilha!

De repente, Gabriel sentiu que alguém estava logo atrás e se virou rapidamente para ver de quem se tratava. Um homem tão alto quanto ele, cabelo grisalho e curto, com expressões duras. Seus ombros eram largos, sobre eles estava um manto que ajudava a cobrir algumas bugigangas presas a sua cintura, além de chaves e alguns punhais. Era ele quem estava dormindo debaixo do brasão enferrujado de Calendria; o rapaz não disfarçou a desconfiança no olhar.

—Boa noite, jovens. – disse com um pequeno sorriso, deixando no ar o hálito forte de álcool.

—Boa noite, senhor Nicolas. – respondeu Heler.

Gabriel ficou em silêncio, apenas encarando. Nicolas o encarou de volta.

—Alguma coisa para hoje, minha jovem?

—Nada. Estou juntando dinheiro para comprar aquele punhal que me mostrou. Essa lâmina que eu fiz não me serve muito bem. – disse lançando um olhar mortal para Gabriel.

—Eu já disse que você não precisa pagar pelo punhal. Seu pai me ajudou várias vezes, sou eu quem está em dívida.

—Nada disso, vou pagar. Sei muito bem como funciona essa sua cabeça mesquinha. – retrucou ela, arqueando a sobrancelha.

—Certo, certo. – deu-se por vencido Nicolas, erguendo as mãos brevemente em rendição – Não vai me apresentar seu amigo? – indagou, dirigindo seu olhar ao rapaz mais uma vez.

—Ah, desculpa. Senhor Nicolas, este é Tral... Ahn...

—Dotan. – completou Gabriel – Tral Dotan. É um prazer. – estendeu a mão para cumprimentar.

—Nicolas Araghio, mercador. O prazer é meu. – respondeu enquanto apertava a mão do mais jovem.

Ambos se encararam por alguns instantes. O jovem sentia como se estivesse sendo estudado pelo mercador. Para tentar afastar parcialmente sua inquietação e desconfiança, levou em conta a relação dele com Heler.

O senhor Heitor trouxe da sua panela de ferro alguns pratos fundos de barro repletos de ensopado. O aroma era delicioso, com temperos, batatas, carnes e um macarrão mais grosso do que os que Gabriel estava acostumado a ver; não tinha lá boas referências, vivia a base de macarrão instantâneo.

—Como estão as coisas em Calendria, Nicolas? – indagou Heitor, apoiando-se no balcão pelo lado de dentro.

—Nada de novo. Você sabe, as mesmas merdas de sempre. O regente tem feito muitas viagens a Stonehold e as grandes famílias se aproveitam para mandar e desmandar. Toda vez que Merlin se ausenta, militares são enviados até a Cidade Sombria. Desde que isso começou, nunca mais consegui vender nada por lá, eles me rejeitam. – fez uma pausa para enfiar três colheradas do ensopado na boca – E aí... – pausou para engolir – De um lado temos calendrinos, do outro emberlanos, como sempre.

—Quando o Rei Negro foi morto, a esperança dos emberlanos morreu junto com ele. – comentou Heitor, torcendo um dos lados do bigode.

—Não estou certo sobre isso. – disse Nicolas com um olhar vagueando no nada – Talvez para os escravos em Calendria, mas na última vez que fui a Cidade Sombria, não encontrei por lá um povo que desistiu.

Gabriel e Heler estavam almoçando em uma mesa mais afastada. A jovem não deixou de observá-lo, já percebendo a desconfiança dele para com o mercador.

—Não confia nele, né?

—Não. – respondeu sem pestanejar – Ficou me encarando desde que chegamos. Não há nada em mim que possa ter chamado tanta atenção.

—Você fala como um de nós, está vestindo as roupas que eu te dei e não disse nada idiota, exceto por aquilo da floresta que diga-se de passagem eu vou cobrar depois. – arqueou a sobrancelha, levando a colher funda de sopa até a boca – Ainda assim, o senhor Nicolas nunca te viu. Ele viaja por muitos lugares e conhece muitas pessoas, talvez seja isso.

—É inútil lutar contra Calendria. – disse o senhor Heitor em um longo suspiro – Eles são bem articulados e possuem figurões como Merlin. Sem a ajuda dos elfos, a situação se torna ainda mais complicada.

—Merlin... O herói que derrotou o Rei Negro... – divagou Nicolas que por fim deixou surgir um sorriso sarcástico – Me lembro daqueles dias. Eu vi o Rei Negro marchando pela rua principal da capital de Calendria em direção ao trono. Sua armadura era preta e com certeza muito pesada. Sua espada estava manchada de sangue e a lâmina ainda assim brilhava como nenhuma outra em Eastgreen. Me pergunto onde ele a conseguiu. Senhor Heitor, tem ideia do quão poderoso era aquele indivíduo? Quando penso sobre isso, sinto pavor de imaginar a força do mago Merlin e de alguns outros monstros que habitam este mundo.

—Não há motivos para um mercador e um taverneiro se preocuparem com isso. – riu Heitor e Nicolas o acompanhou, embora mais comedido.

Quando o ponteiro do relógio no alto da parede mofada da taverna marcou três da tarde, Heler se apressou a ir até Nicolas que estava do lado de fora, perto da entrada. Ela lançou sobre ele um saquinho amarrado e este fez um barulho convidativo ao homem, pois estava repleto de moedas de prata e de ouro. No entanto, ele franziu o cenho para a garota.

—O que é isso?

—Fique com as minhas economias. Tudo o que eu quero em troca é um simples favor. – começou ela, tirando uma maçã do bolso e abocanhando de maneira relaxada – Está indo para Calendria, certo?

—Infelizmente, sim.

—Então é isso. Estou pagando a viagem do meu amigo Tral. É o mínimo que posso fazer pelo meu herói. – sorriu, mas por dentro sentiu vontade de espancar Gabriel.

—Heler, por favor. Não tem que me dar todo o seu dinheiro para que eu te faça um favor como este. Afinal, estamos falando do seu herói. – explicou Nicolas enquanto retirava quatro moedas de ouro do saquinho para só então devolver a ela.

—Seu hipócrita... Mesquinho... – resmungou de olhos semicerrados.

—No entanto, seria grosseria recusar algumas moedas. Sairei no pôr-do-sol. Avise a ele que esteja pronto.

Gabriel descobriu como era tomar banho de bacia ao ar livre. Se sentiu desconfortável, com receio de que alguém pudesse passar por ali, na região logo atrás da taverna. Heler tinha deixado uma muda de roupas limpas sobre a velha mesinha de madeira ali pertinho. “Por que eu vim parar neste mundo? Não consigo entender. Minha faculdade, meu trabalho, vou acabar perdendo tudo se continuar aqui. E... Se eu continuar aqui, posso acabar morrendo... Só a menção do meu nome pode me trazer problemas. Será que esse tal mago Merlin vai conseguir me ajudar? Como faço para me aproximar de alguém tão importante? Sem falar que é perigoso”.

Assim que se vestiu, Heler surgiu com uma escova surrada feita de madeira em uma mão e com uma navalha na outra. Sem falar nada, ela o puxou pelo colarinho para que se abaixasse e começou a desfazer o corte de cabelo dele, que ficou imóvel, com muito receio de ser cortado. Logo depois, a garota largou a navalha sobre a mesa e passou a lhe pentear os cabelos.

—Estava me espiando? – provocou o rapaz – Ai! Ei! – ela havia batido em sua cabeça com a parte de madeira do objeto.

—Não tenho interesse em ver mais do que já vi ontem, tarado usurpador. Agora cale a boca e escute. Pedi para que você se aprontasse porque consegui uma viagem para ti através do senhor Nicolas. Ele partirá para Calendria quando o sol se pôr.

Gabriel ficou sério e preocupado. Não confiava naquele homem e viajar por uma terra desconhecida com alguém que lhe era suspeito não o agradava nem um pouco. Ao notar de novo aquele olhar no rosto do rapaz, Heler tornou a lhe acertar com a escova.

—Ai! Quer parar com essa droga?

—Quer me escutar?! Eu fico preocupada que um idiota como você saia por aí sem saber de nada! – exclamou brava.

—Por que se importa? Me conheceu ontem! Sou só um usurpador ou sei lá o que mais, não é?! Ai!

—Eu quebro isso na sua cabeça se não calar a boca, Tral! – vociferou, o encarando furiosa – Eu devo ser realmente uma idiota sem solução para ajudar um cara estranho como você! Talvez seja seu nome, talvez eu simplesmente ache que de alguma forma deveria te ajudar porque você me lembra meu amigo! Não sei, não consigo entender o que estou sentindo. Falar com você é como falar com ele... Eu não... – ela escondeu o rosto e sua voz entregou o choro.

Perplexo e se sentindo muito culpado, Gabriel a segurou pelos ombros. Nunca quis magoar Heler. Estava se odiando por isso.

—Ei... Ei... Heler, olha pra mim... Olha pra mim!

Ela baixou as mãos e o encarou completamente banhada por lágrimas.

—Me desculpa, está bem? Não quis te magoar. Se quer tanto assim me ajudar, eu aceito.

Heler arregalou os olhos. Estava admirada. Por um instante, enxergou Gabriel Eichen e sentiu o que há muito tempo não sentia; uma sensação de proteção muito forte, como se nada no mundo pudesse abalá-la. Sentiu também como se estivesse de volta naqueles dias, onde a presença do rei lhe completava. Foi então que se deu conta da realidade, balançou a cabeça e secou o rosto com a manga da camisa, se desvencilhando das mãos de Gabriel.

—Meu pai diria que somos duas crianças tolas se visse essa discussão boba. O tempo está acabando então me escute, Tral. – ela o encarou mais tranquila – O senhor Nicolas é nosso amigo e não vejo motivos para que ele te faça mal. Por outro lado, você está indo para um lugar realmente perigoso, mas não terá problemas desde que não diga que se chama você-sabe-o-que. Vem comigo.

Descendo as velhas escadas de madeira que rangiam a cada passo, no subsolo da cozinha no interior da taverna, estavam alguns cômodos. O lugar era mais limpo do que se poderia imaginar, visto a parte de cima. Heler abriu uma das portas e o rapaz a seguiu, notando uma cama bem arrumada apesar de muito simples, um guarda-roupa com a porta pendurada prestes a despencar, um criado-mudo e sobre ele um pergaminho enrolado, o qual ela apanhou e lhe entregou.

—Este é o mapa de Eastgreen que eu comprei do senhor Nicolas. Na época, eu o comprei para viajar atrás do meu amigo, porque durante um bom tempo não acreditei que ele estava... morto. Não tem serventia pra mim, já que hoje não tenho nenhuma vontade de deixar a vila. – sorriu, se jogando sentada sobre a cama.

Ele desenrolou o pergaminho e viu que apesar de ser antigo, estar manchado e rabiscado, aquele ainda assim era um mapa muito bem feito de uma gigantesca porção de terra a qual nunca tinha visto antes. Tanto o Norte quanto o Sul se afunilavam, enquanto o Centro era bem vasto.

—Segundo o mapa, não estamos muito longe de Calendria.

—Um dia de viagem, mais ou menos. – ela o observou com atenção. Pensou estar delirando quando viu Gabriel Eichen ao invés do rapaz. Embora seus rostos não se assemelhassem em quase nada, os olhos eram simplesmente idênticos. “É impossível. Ele não tinha herdeiros. Esse cara não é daqui... Então por que tenho essa sensação que não passa?”

—Eu seria irresponsável se te chamasse para vir comigo, já que não posso te proteger. – disse ele a encarando e sorrindo – Mas saiba que de outra forma, adoraria ter a companhia de uma pentelha como você.

—Ora, seu...!

Ela lhe atirou um travesseiro. Ele devolveu. Teve início uma intensa batalha de travesseiros cercada por gargalhadas. Quando o senhor Heitor abriu a porta do quarto, foi acertado no rosto por um dos objetos macios.

—Por Nymira! O que estão fazendo? – ele franziu o cenho indignado – Parem já com isso! E você, meu rapaz, precisa se apressar. Nicolas não tem o costume de esperar, sabe.

Em frente a Taverna do Pançudo, uma carroça coberta e seus dois cavalos marrons estavam parados, enquanto o mercador negociava suas mercadorias com dois moradores. No horizonte, o sol já estava se pondo. Heitor, Heler e Gabriel romperam pelas porteiras, este último carregando uma trouxinha nas costas com mudas de roupas, comida, o mapa e outras coisas mais.

—Senhor Heitor, só tenho a te agradecer por toda a hospitalidade.

—Não me agradeça, Tral. Eu é que sou grato ao herói da minha filha.

—Oh, meu herói. – cantarolou Heler com sarcasmo, fuzilando Gabriel com o olhar.

—Também te agradeço muito. – disse ele para ela sem pestanejar – Talvez seja uma viagem sem volta. Prometo escrever. – proferiu as últimas palavras em voz baixa.

Ela lhe deu um tapa no ombro e gargalhou para então encará-lo, dizendo de maneira sincera:

—É melhor que escreva mesmo, Tral. Não gosto quando meus amigos somem.

—Está na hora, vamos! – anunciou Nicolas distante, subindo na dianteira da carroça.

—Senhor Heitor! Heler! – despediu-se Gabriel antes de embarcar na parte de trás do veículo que logo começou a se mover ao som das rodas barulhentas e dos galopes.

Enquanto Gabriel e o mercador se distanciavam, Heitor e Heler acenavam. O rapaz ficou os observando até que desaparecessem quando a carroça desceu a colina, seguindo seu trajeto pela longa estrada de terra.


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