Untouchable escrita por shewasevans


Capítulo 1
Capítulo Único: Brighter than the Sun.




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Aos sete anos de idade, Neville Longbottom ouvira a curiosa história de Ícaro: um rapaz que, com asas confeccionadas em cera de abelha, ousara voar muito próximo ao Sol. Porém, devido ao incessante calor do astro-rei, o seu incomum aparato de voo acabou se desmanchando, fazendo com que o jovem despencasse à própria sorte no mar Egeu. E, devido ao seu fim trágico naquelas águas revoltosas, o personagem da história aparentava ser extremamente azarado. Talvez, tão azarado quanto ele próprio.

Ainda assim, Neville não dera muita importância ao conto e, para ele, a moral verdadeira da história deveria ter sido: por que Ícaro não escolhera voar em uma vassoura, afinal?

Mal podia imaginar que, anos mais tarde, um verão particularmente ensolarado o faria finalmente compreender aquele excêntrico mito.

 

(...)

 

Eu odiava o verão.

Todo aquele calor, a estranha agitação que parecia tomar conta de todas as pessoas ao meu redor e o maldito Sol que brilhava incansavelmete desde às sete horas da manhã. E, em particular, eu odiava o verão em Hogwarts. Detestava começar o ano letivo daquela forma: as salas de aula completamente abafadas, o Salão Comunal praticamente inabitável com todos aqueles tapetes e tapeçarias de um trilhão de anos atrás e, ah, havia também as estufas… Vinte minutos dentro de uma e eu ficava com a consistência de um pudim enquanto que até a magia parecia ter dificuldade em salvar a grande maioria das plantas de desidratar.

Sim, eu realmente detestava o verão.

E, ainda assim, foi uma tarde particularmente quente de verão que Luna Lovegood escolheu para me pedir ajuda com o seu trabalho de Herbologia. Não que fosse algo particularmente trabalhoso, afinal, a professora Sprout queria apenas uns 50 centímetros de pergaminho sobre as propriedades curativas das bubotúberas. E Luna, como uma típica aluna da Corvinal, era tão brilhante quanto excêntrica. E não que aquela fosse uma reunião incomum, afinal, nós sempre nos juntávamos para estudar com Ginny na biblioteca. Mas, naquela tarde em especial, o calor havia tornado sufocante qualquer ambiente dentro do castelo e, portanto, nós havíamos transferido os nossos estudos para a sombra quase que refrescante de uma árvore à margem do Lago Negro. Porém, aparentemente, a mesma ideia havia passado pela cabeça de todos aqueles que não estavam trancafiados em alguma sala de aula absurdamente quente, pois mais da metade dos alunos de Hogwarts se encontrava espalhada ao longo dos jardins do castelo.

Ah, e graças ao treino de Quadribol, Ginny não estava conosco.

Assim, para a minha mais genuína felicidade, eu fui deixado sozinho com Luna. E, para o meu mais absoluto pavor, eu fui deixado sozinho com Luna. Sozinho com Luna e todos aqueles sentimentos confusos que imergiam em meu peito toda vez em que ela se aproximava demais. Sentimentos complexos e difíceis de ignorar que tornavam a, antes simples, amizade com Luna, algo que exigia um esforço considerável de minha parte. Ainda assim, caso me pedissem para apontar culpados, eu facilmente indicaria o amontoado de pigmentos amarelo-pálidos que se derramavam sobre o adorável nariz dela. Aquelas malditas sardas que se espalhavam como minúsculas estrelas sobre a pele corada de suas bochechas e que haviam feito com que eu me encantasse por Luna como um todo. A única constelação que eu me dera ao trabalho de memorizar — o que, para o mais completo desespero da professora Sinistra, ajudava a explicar o “Deplorável” que eu obtivera um ano atrás em meu NOM de Astrologia. Aquelas sardas eram, certamente, o pequeno detalhe que fazia dela uma verdadeira obra-prima aos meus olhos.

E ali, deitada sobre a grama, Luna parecia ofuscar até mesmo o Sol… O loiro-pálido de seus cabelos refletindo em dourado, os olhos fechados à medida que o seu rosto se ocupava em exibir a mais pura expressão de satisfação devido à carícia dos raios solares em sua pele. Ali, completamente relaxada ao meu lado, a silhueta de Luna queimava mais brilhante do que o próprio astro-rei.

E, para mim, era tão intocável quanto ele.

Ah, sim.

Afinal, se Luna era, na verdade, o Sol, eu era definitivamente Ícaro, o trouxa com asas de cera de abelha – os dois irremediavelmente atraídos por aquela fascinante aura amarelo-ouro. Quase como vaga-lumes que flutuam próximos demais à chama de uma vela. Ela estava ali, ao alcance de uma mão, mas, ao mesmo tempo, parecia-me tão dolorosamente distante. E, ainda assim, tudo em que eu conseguia pensar era Luna — e o quão irônica era a semântica daquele nome.

Luna e os fios emaranhados de seu cabelo que se esparramavam sobre a grama ainda úmida da chuva de verão.

Luna e seus lábios rosados entreabertos em um sorriso tranquilo à medida que ela provava da suave brisa que soprava por entre as árvores.

Luna e a cortina de cílios loiro-pálidos que lhe acariciava gentilmente as bochechas sardentas quando ela fechava os olhos.

Luna e suas orbes cor-de-centáurea que pareciam abrigar um universo de histórias extraordinárias com as quais eu sequer ousava sonhar.

Luna e a alça turquesa do sutiã que aparecia por entre a gola de sua camisa branca, o contraste perfeito contra a pele pálida de seu ombro e mais uma porção de pequenas sardas que por ali também haviam se enredado.

Luna e as manchas multicoloridas de tinta nas pontas de seus dedos – que se esticavam quase como se quisessem tocar os meus, mas como poderia?

Luna me era intocável como um céu repleto de diamantes. E, em meio ao meu delírio febril causado por aquela tarde de verão, eu queria alcançá-la.

Eu, Neville Longbottom, o garoto que quase fora. Quase fora o escolhido. Quase fora destemido e corajoso. Quase fora alguém. Sim, eu poderia ser bom o suficiente para ser amigo de Luna, ajudá-la a concluir o seu trabalho de Herbologia e admirá-la a uma distância segura, mas jamais poderia me aproximar o suficiente. Afinal, ela era Luna Lovegood, a garota das histórias maravilhosas. Aquela que jamais se importava com a opinião dos outros. Aquela cuja existência não era nada menos do que completamente autêntica. Luna era extraordinária à medida que eu era meramente ordinário. Mas, ali estava ela, ouvindo-me atentamente enquanto eu discursava sobre as propriedades curativas da bubotúbera e fazendo um esforço genuíno para me acompanhar. Ali estava ela, mal sabendo da enorme dificuldade de concentração que me causava, fazendo com que eu sonhasse acordado com a sua pequena constelação particular.

“Nev?”, ela chamou baixinho, sentando-se de súbito e fazendo com que meu ombro ficasse colado ao seu, o suave cheiro de lavanda que exalava de seus cabelos pareceu se enveredar por meus sentidos e me imobilizar por alguns instantes.

“S-sim?”, gaguejei estupidamente, fitando-a nos olhos e me arrependendo quase que imediatamente diante daquela intensidade azulada. Por Merlin, por quanto tempo eu fiquei encarando feito um idiota?

Luna se aproximou um pouco mais, o seu rosto dourado, agora, a apenas alguns centímetros do meu. Será que ela se importaria caso eu eliminasse a distância ridícula que separava a minha boca da dela? Por um breve segundo, a curiosidade pareceu reluzir em seu olhar de centáurea. Mas, tão breve como quando se aproximara, ela se afastou, quebrando o transe no qual eu me encontrava.

“Eu tenho aula de Feitiços daqui a pouco”, ela disse atônita, a cabeça estranhamente baixa e a voz abafada pela cortina de cabelos loiros que agora encobria o seu rosto, escondendo-o de mim.

“Feitiços?”, perguntei confuso, observando-a reunir rapidamente os livros e pergaminhos entre seus braços também pontilhados por delicadas sardas.

“Feitiços”, ela tornou a afirmar, como se a palavra sozinha fosse capaz de explicar a sua repentina agitação. “Depois a gente se vê… Obrigada, Nev!”, e, antes de sair correndo, inclinou-se e depositou um beijo rápido em minha bochecha.

Um gesto bobo e quase automático para ela, talvez. Mas que pareceu me colocar em combustão completa enquanto observava Luna se afastar aos saltos para o interior do castelo, o cabelo loiro ondulando em suas costas.

Inalcançável, sim, não havia melhor definição.

E, ainda assim, eu queria alcançá-la.

 

(...)

 

Já era tarde da noite, disso eu tinha certeza. Porém, aquela estúpida onda de calor em Hogwarts transformava o simples ato de dormir em algo extremamente desconfortável. Então, após muito me revirar em minha cama de dossel, eu finalmente desisti e, no que poderia ser justificado por uma súbita loucura febril, logo me vi atravessando o retrato da Mulher Gorda para fora do Salão Comunal a fim de percorrer os corredores em busca de um pouco de ar fresco. Em um raro golpe de sorte, encontrei a entrada para a Torre de Astronomia sem me deparar com Filch ou sua gata desagradável. No entanto, após subir aqueles intermináveis lances de degrau, percebi que não estava sozinho. E, por alguns instantes, quase acreditei que, na verdade, eu ainda me encontrava sonhando entre meus lençóis. Afinal, recortada contra o céu estrelado, estava a silhueta quase angelical de Luna.

“Luna?”, chamei, aproximando-me devagar com receio de assustá-la ou de despertar de algo que só poderia ser um maravilhoso devaneio.

Mas ali estava ela: as pernas esticadas sobre uma manta estampada estendida próxima ao observatório da torre, o pequeno corpo envolto por um robe azul-celeste e, como se aquilo fosse possível, ainda mais bela do que se encontrava naquela tarde.

“Também havia muitos zonzóbulos no seu dormitório?”, ela questionou quando me sentei ao seu lado, oferecendo-me um pacote de alcaçuz e me fazendo sacudir a cabeça em negativa.

“Não… Acho que foi apenas o calor dessa vez”, dei de ombros, tentando me habituar àquela inesperada proximidade com Luna e que tanto me afetava.

Novamente, estávamos perto o suficiente para que eu reparasse em suas sardas. Porém, sob o céu noturno, os diminutos pigmentos amarelo-pálidos em seu rosto não eram tão visíveis e, por um breve instante de insanidade, perguntei-me se, à noite, aquela pequena constelação particular retornava para junto da Lua. Perguntei-me se ambas admiravam Luna lá do alto tão intensamente quanto eu o fazia, agora, a apenas alguns centímetros de distância.

Luna… Uma parte do céu na Terra e, ainda assim, inalcançável.

“Bem… A cabeça de Padma estava infestada de zonzóbulos”, ela comentou com uma ligeira careta, franzindo o seu adorável nariz – um movimento que, costumeiramente, fazia com que aquelas benditas sardas dançassem à minha frente. “Talvez eles tenham invadido a minha cabeça também porque, quando vi, já estava aqui”, concluiu, a boca se curvando em um sorriso sereno.

“Ah…”, balbuciei, sem saber ao certo o que falar, pois em minha cabeça os corpos celestes giravam e se mesclavam aos pontinhos delicados presentes no rosto que tanto me assombrava. “Espero que tenha conseguido escapar deles”, murmurei, a certeza de que eu era um idiota completo me atingindo.

Mas Luna continuava sorrindo.

“Hey, Nev… O que você desejaria para uma estrela cadente?”, ela perguntou de repente, apoiando a cabeça em meu ombro e fazendo com que aquele inebriante aroma de lavanda entorpecesse os meus sentidos mais uma vez naquele dia.

O que desejaria? Ah, Luna… Como se todos os astros e estrelas do universo já não soubessem a resposta para essa pergunta.

“Acho que desejaria… Coragem”, respondi com um novo dar de ombros, arrancando um sorriso compreensivo dela. Porém, ela não entendia. Não mesmo. “E você, Lu? O que desejaria?”, devolvi a pergunta como de costume.

Luna, contudo, pareceu não ouvir. E, ao invés de me responder, desencostou-se do meu ombro a fim de, novamente, encarar-me nos olhos. Tão incrivelmente perto e tão dolorosamente distante… Como eu poderia continuar mantendo a minha sanidade se ela continuasse fazendo aquilo? Afinal, com toda aquela proximidade, eu sentia que estava me desfazendo. Desfazendo-me na imensidão dourada de Luna e seus olhos de poeira estelar. E, ainda assim, eu continuava a me aproximar, embora não soubesse ao certo o porquê.

Então, como em um sonho de uma noite de verão, Luna se inclinou para frente e roubou-me um beijo, suave e gentil, com a Lua e as estrelas a nos observar curiosamente do firmamento.

Então, como em um sonho de uma noite de verão, os dedos manchados de tinta dela se enroscaram timidamente em meu pescoço, puxando-me para perto ao pressionar os seus lábios nos meus.

Então, como em um sonho de uma noite de verão, as estrelas da constelação de Luna, enfim, atenderam ao desejo mais íntimo de meu coração. E eu poderia jurar que, além do alcaçuz, seus lábios tinham gosto de céu e estavam me transportando para outra galáxia onde só existia Luna e sua plenitude ensolarada.

“Luna…”, sussurrei o nome, quando nos afastamos, quase como uma prece que fazia às estrelas. Tive o cuidado de manter a minha voz baixa, pois temia quebrar o maravilhoso feitiço que havia nos envolvido naquela noite particularmente abafada.

“Há algum tempo eu venho me perguntando… Como seria…”, ela respondeu com naturalidade à pergunta não-verbalizada, o nariz ainda colado ao meu com todas aquelas minúsculas estrelas rodopiando diante de mim.

“Hey, Lu… Acho que eu não vou mais precisar daquela coragem… ”, afirmei, fazendo com que ela sorrisse ainda mais contra a minha boca.

E eu a beijei novamente, envolvendo a sua cintura entre meus braços e aproximando, ainda que desajeitadamente, o seu pequeno corpo do meu. Aquelas delicadas mãos voltaram a se perder em meu pescoço à medida em que eu me perdia nela por inteiro. Em meio ao beijo, ainda podia sentir o sorriso dela e, enfim, me permiti afundar em todo aquele dourado com gosto de céu e perfume de lavanda que era Luna Lovegood. Afinal, para mim, ela era preciosa como um universo repleto de diamantes e, naquela noite, eu finalmente podia alcançá-la.

“Hey, Luna…”, chamei baixinho, afastando-me alguns centímetros dela para poder admirar o rosto com o qual eu tanto sonhara acordado. “Eu meio que gosto muito de você… Já faz algum tempo”, confidenciei, a ponta de meus dedos acariciando a pele aquecida de suas bochechas, esperando que ela absorvesse a informação com a qual eu tanto lutara para compreender.

“Eu também gosto de você, Nev”, ela respondeu sem sequer hesitar, toda a verdade daquela afirmação reluzindo em seu olhar cor-de-céu estrelado.

E, bem… Talvez eu não tivesse merecido aquele “Deplorável” em Astrologia, afinal. Até porque, ao que parecia, havia conseguido decifrar o complexo e intrincado mapa da extraordinária constelação de Luna, a única da qual eu precisava para me guiar pelo céu noturno. Não mais tão inalcançável, agora, tão próxima quanto as sardas que se amontoavam na ponta de seu adorável nariz. E, ainda assim, queimando mais brilhante do que o próprio Sol.

Luna. O meu pequeno pedaço de paraíso na Terra, enfim, ao alcance de minhas mãos. Afinal, em meu coração, ela já constituíra morada há tempos.


 

 

in the middle of the night, waking from this dream

i wanna feel you by my side, standing next to me


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Notas finais do capítulo

Não tenho muitos comentários para essa fanfic, apenas que espero que gostem desse meu surto completamente aleatório enquanto escutava o Fearless pela milésima vez. xoxo, shewasevans.



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