Mestre do Poço dos Desejos escrita por Sorima


Capítulo 1
Pedro


Notas iniciais do capítulo

Vamos conhecer um pouco do Pedro.

Boa leitura!



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Apoiei a cabeça na janela do ônibus que balançava pela rodovia. Eu estava exausto. Cansado da minha vida pré-estabelecida com tantas expectativas. Senti meus olhos secos e inchados. Respirei fundo fechando as pálpebras e abracei minha mochila, apertando contra o peito que eu queria dilacerar.

No fim das contas, aquela carta tinha sido minha salvação, servindo como uma fuga da minha gaiola. Como tantas vezes antes... Desci rapidamente do ônibus desejando chegar logo ao meu destino, afinal já era fim de tarde. Andei de cabeça baixa e pelo canto do olho vi meu reflexo na vitrine de uma loja de roupa próxima da rodoviária: meu corpo magrelo tenso e encolhido, como se de fato estivesse fugindo, óculos escuros escondiam meus olhos castanhos e meu cabelo preto encaracolado estava bagunçado e amassado.

Me dirigi ao ponto de táxi e passei o endereço ao taxista depois de cumprimenta-lo. Pude ver seu olhar preocupado quando me mandou subir e logo estávamos cruzando a pequena cidade e entrando em uma estrada de terra. Em oito minutos já tínhamos chegado.

— Meus pêsames, garoto – ele disse vendo a casa.

Agradeci sem graça e o paguei antes dele dar a volta para ir embora.

Com um nó na garganta e com as mãos trêmulas, peguei a chave que tinha deixado no bolso e fui até a porta para abri-la. Era uma casa simples de três quartos, uma sala de estar, uma copa-cozinha, um banheiro e uma área de serviço. Os móveis e os objetos ainda estavam dentro dela, além de muita sujeira. Espirrei com a poeira, a rinite começando seu ataque.

Soltei a mochila no chão e procurei papel higiênico abrindo as janelas pelo caminho para trocar o ar que parecia me sufocar. Assoando o nariz algumas vezes fiz uma rápida vistoria na casa. Tudo estava tão arrumado quanto minha vó tinha deixado, eu sabia. Mas tinha aquela sensação estranha de estar vazia demais. Não tinha o costumeiro som da vitrola tocando um disco, nem da minha vó cantando, muito menos a voz alta do meu vô me cumprimentando e as gargalhadas ressoando. Além disso, estava cada vez mais escura enquanto o sol se punha entre os morros.

A solidão ameaça me consumir, ou o que restava de mim. Eu não esperava sentir todo o impacto de novo quando chegasse ali. Cambaleei até o armário do corredor e catei a rede e um saco de dormir.

Pendurando a rede na varanda e usando o saco de dormir como coberta me recolhi mais cedo. Eu não estava com fome, nem queria ver mais aquela casa vazia, seria melhor descansar. O próximo dia é sempre um novo dia, me lembrei esperançoso me deixando embalar pelo leve balançar da rede e a brisa fresca.

Acordei no dia seguinte antes mesmo do sol nascer, quando uma luz pálida começava a iluminar aquele lado do mundo. Minha barriga roncou. O que me surpreendeu, já que ela não tinha dado esse ar da graça nas últimas semanas.

Me levantei e fui usar o banheiro. Meu rosto estava pálido e os olhos avermelhados pareciam ter areia dentro. Lavei o rosto, escovei os dentes e penteei o cabelo. Não tomei banho, eu teria que andar até a cidade para ir no mercado, já que a única coisa que parecia ter ali eram biscoitos e caixas de suco.

Fiz uma rápida lista de compras e me coloquei a caminho com um tanto de dinheiro no bolso. Aproveitei o ar fresco da manhã nos meus quarenta minutos de caminhada e coloquei meus óculos escuros antes de entrar na primeira padaria que encontrei, de onde saía um ótimo cheiro de café fresco. Comi dois pães com ovos mexidos e tomei uma boa xícara de café antes de me sentir satisfeito.

Dei graças a Deus por ninguém falar comigo, fora a atendente, mesmo que notasse os olhares desconfiados que se voltavam para mim. Eles pareciam me julgar, mas lembrei a mim mesmo que óculos escuros àquela hora da manhã não era algo usual.

Então fui ao mercado que me indicaram ser ali perto. Qual não foi a minha surpresa quando uma voz feminina zangada se fez ouvir bem ao meu lado na sessão de massas:

— ISSO É UM ABSURDO! Eu não vou fazer isso, não sou nenhuma marionete de vocês. E eu sou maior de idade agora. Vocês podiam confiar mais em mim! – ela desligou o telefone e o guardou no bolso respirando fundo algumas vezes tentando se acalmar, o rosto vermelho de raiva.

Secando as lágrimas que ameaçavam escorrer, ela olhou em volta tentando se localizar e foi então que ela mirou meu rosto e seguiu para o chão.

— Desculpa – murmurou se abaixando para pegar o pacote que tinha caído da minha mão e me devolveu.

— Tudo bem... Você está bem? – burro, pensei instantaneamente.

Ela soltou um riso amargo.

— Defina ‘bem’! – e respirou fundo, fechando os olhos – desculpe. Dias difíceis.

— Eu te entendo, não tem problema.

Olhei para a lista vendo o próximo item. Agora era tudo no hortifruti. Virei o carrinho e me dirigi para onde indicavam estar as frutas. A garota seguia para o mesmo lado que eu, decidida. Peguei uma penca de bananas e algumas maças, eu não ia aguentar voltar carregando muito mais que àquilo. Fui para o caixa para pagar e enquanto passava as compras, vi a garota conversando com um funcionário enquanto comia uma pera:

— Você sabe me indicar como que eu chego nesse endereço?

— Isso é nas redondezas da cidade. Deve conseguir chegar lá de táxi – respondeu o funcionário.

— Qual é o ponto de táxi mais próximo?

— Se você virar na segunda esquina seguindo por essa rua você deve encontrar algum.

— Obrigada – ela deu um sorriso e partiu na direção indicada.

Acabei de passar minhas compras e paguei a caixa. Quando eu estava saindo ouvi a conversa entre os funcionários:

— Onde ela queria ir?

— Na casa do senhor Rodrigues e da dona Maria. Deve ser alguma parenta.

Senti meu estômago pesar.

— E você nem deu seus pêsames – a caixa censurou.

— Esqueci.

Sai correndo atrás da garota. O que ela queria com os meus avôs?


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo será da Bianca. Vou ir me alternando entre eles.



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