A Dança das Serpentes - Interativa escrita por Dhuly


Capítulo 3
II. Príncipe de Sal


Notas iniciais do capítulo

obrigada a todos que estão acompanhando!
não se esqueçam de entrar no discord e ver o conteúdo extra no tumblr.
thoren santagar chegou :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/810087/chapter/3

 

j a r d i n s   d e   á g u a

O que está morto não pode morrer.

Era o que um de seus marinheiros, um peculiar vindo das Ilhas de Ferro, costumava dizer para ele seguido de um sorriso sem dentes. Thoren Santagar a princípio não entendia o significado e peso daquelas palavras, ou porque os homens afogados, moradores das áridas ilhas do outro lado de Westeros a levavam ao coração, como homens apaixonados. Contudo, após o mar e a tempestade que o mudaram, aquelas palavras traziam uma essência diferente para ele.

O líder da frota mercante dos Santagar mirou o céu.

Suas mãos adornadas de anéis dourados se apoiando ao navio que ele comandava.

A grande e imponente lua amarelada tomava conta do crepúsculo, com as estrelas sendo suas pequenas coadjuvantes cintilantes. Era bem diferente do dia em que ele caiu as águas salgadas, quando a tempestade tomou conta do mundo e as ondas o engoliram, sedentas como um homem que encontra o oásis após dias no meio do deserto. Naquele dia distante, tantas luas atrás, o céu era tomado por trovões e raios que cortavam o céu, iluminando a noite como se fosse dia. Nada comparada a luz nítida do agora, tão brilhante que ele conseguia observar os contornos dos Jardins de Água mesmo a distância e os cavaleiros que saiam de lá.

— Milorde, devemos descer o bote?

O intendente disse ansioso, olhando para o capitão com receio evidente em sua face queimada pelo sol e pelo sal. Havia um medo subentendido entre toda a tripulação de sua embarcação, e até mesmo entre os outros navios de sua frota. Todos cochichavam sobre o dia que ele havia voltado do mar, escalando o lado do navio com mãos enrugadas e unhas faltando, pele um dia bronzeada, completamente transformada em carne pálida como nunca vista antes. Além principalmente dos olhos fundos, cheios de um ódio nunca conhecido.

A mente de Thoren se lembrava daquele dia como se pudesse voltar até ele com um passo.

E no passo seguinte esquecia-se completamente.

Num misto de angústia, confusão, sal e água.

Uma voz o chamava por cima do ombro e ele a evitava como criança que foge do escuro.

No fundo do mar a luz não ousava tocar.

Coisas estranhas vivem por lá.

Olhos brilhantes te encaram das profundezas.

Havia muitas coisas naquele mundo que era melhor se esquecer, mesmo que elas te atormentassem sem descanso. Thoren focou-se no presente, no que era palpável e no que ele poderia lidar. No encontro que teria logo mais e no que seria discutido sob a luz brilhante da lua, longe dos ouvidos e olhos de todos os outros.

— O quanto antes, viemos até aqui apenas para isso. — Respondeu observando enquanto o intendente e mais dois tripulantes ajeitavam o barco de madeira com mãos ágeis e braços fortes após tantos anos dando nós em cordas e operando remos.

Não muito depois o pequeno transporte levantava água ao cair no mar. Thoren seguia sentado, observando a praia que crescia à medida que os remadores faziam seu serviço com destreza. O mar os tentava impedir com ondas traiçoeiras, mas eles seguiram em frente, até que todos estivessem na areia e seu navio, o Malhado, não passasse de um ponto distante no mar aberto. Thoren chutou areia com suas botas bem polidas, desacostumado a estar em terra firme. Após tanto tempo vivendo sob bruxulear da proa de um navio, estar no solo era como andar pela primeira vez, sempre trazendo um sentimento de estranheza a ele, como se não pertencesse mais ao deserto e sim apenas as águas.

O Santagar girava o anel dourado em seu anel impacientemente, enquanto observava os cavaleiros finalmente pararem a sua frente, levantando areia e observações encantadas de seus marinheiros.

— Os ventos foram bons, irmão. — Lancel comentou de cima de seu corcel, um verdadeiro garanhão da Casa Santagar, alto e acostumado às areias do deserto, diferente de qualquer outro de Westeros. — Veio mais rápido do que imaginei.

— Temo que sim, Lancel. — Respondeu observando a cópia de si mesmo que encontrava-se à sua frente.

Sendo gêmeos e tendo dividido o mesmo útero, havia semelhanças demais para elencar na aparência de ambos. O mesmo cabelo preto e lustroso por conta dos óleos aromáticos, a pele morena, o porte físico parecido, embora moldado por atividades diferentes. Contudo, os olhos denunciavam uma grande diferença, Lancel possui olhos castanhos como avelã, enquanto Thoren por sua vez carregava um par de íris escuras como vidro de dragão. Havendo também, é claro, as diferenças de personalidades, mesmo antes do incidente de Thoren.

Lancel era um cavaleiro consagrado pelos Sete, enquanto Thoren era um mercador e marinheiro. Thoren sempre fora dado aos números e a estudar mapas, já seu irmão preferiu um cavalo entre as pernas e uma espada na mão. Talvez fosse por isso que tivesse se dado tão bem quando foi enviado desde moço para ser treinado em Lançassolar, onde cresceu no meio da nobreza Martell e das outras grandes Casas de Dorne, bem diferente da origem humilde de ambos em Matamalhada.

Thoren se perguntava em alguns momentos como teria sido a vida de ambos caso seus destinos tivessem sido trocados. Caso Lancel tivesse sido o escolhido para ser aprendiz de seu falecido Tio Trystane, vivendo num navio ao invés de um pátio de treino. Manobrando o leme no lugar da espada, escudo e lança.

Teria Lancel afundado e nunca mais emergido?

Aquela era mais uma das coisas boas de se evitar durante suas divagações, pois para Thoren acima de tudo havia a família e apenas o pensamento do irmão gêmeo passar por tudo o que ele passou era como um banho de água fria, arrepiando sua espinha.

— Vamos, não temos tempo a perder. — O cavaleiro disse, lançando um olhar sugestivo para os Jardins de Água. Um sussurro silencioso foi cochichado entre ambos, cientes dos perigos que aquele encontro poderia despertar.

Um corcel foi trago para Thoren, ele observou o animal por um segundo.

Sua mão seguiu até o focinho do cavalo, que se remexeu ansioso e arisco.

Era assim desde aquele dia e talvez para sempre fosse assim.

Thoren se lembrava de um dia, antes dos navios e do mar, quando aqueles corcéis eram tudo o que conhecia nos salões de sua casa. Ele nunca os temeu e eles sempre o adoraram. Hoje não mais, mas mesmo assim o Santagar ainda sabia como domá-lo e subiu agilmente em suas costas com o impulso de sua perna, puxando as rédeas até que o animal estivesse deslizando pela areia com maestria. Havia sim muitas coisas naquele mundo que era melhor se esquecer, mas como montar um cavalo não era uma delas.

— Ela já se encontra aqui? — Perguntou ao irmão quando estavam longe dos marinheiros que ficaram na praia e atrás dos outros soldados que os acompanhavam.

— Sim, irá nos encontrar numa ala reservada, ninguém saberá de nosso encontro, como foi premeditado. — Ele garantiu com grande promessa, parecia haver um pedido de aprovação dos olhos de seu irmão que Thoren esperava realmente confirmar mais tarde, para o bem deles e de sua casa.

— O que estamos fazendo aqui poderia ser considerado traição. — Thoren murmurou.

— Quando conhecê-la, saberá que é o caminho correto.

Thoren lançou um último olhar para Lancel, enquanto eles finalmente chegavam na entrada dos Jardins.

— Veremos se consigo ser cativado na mesma magnitude que você, irmão. 




Os Jardins de Água eram um antigo palácio Martell, cheios de belas piscinas frescas e caminhos sombreados por laranjeiras sanguíneas, floridas naquela época do ano. Os irmãos Santagar passeavam pelas lagoas e fontes silenciosamente, seus pés rápidos os levando pelos caminhos de mármore rosa claro e pilares canelados, enquanto se dirigiam a um terraço fechado e escondido entre plantas, mais colunas e paredes enfeitadas com tijolos coloridos.

Ali eles encontraram Aryelle Martell, sentada sobre um banco de pedra.

Uma de suas mãos repousava em cima da barriga proeminente, parecendo prestes a rachar de tão redonda, mesmo por baixo das sedas cor de sangue. A outra mão brincava em uma fonte de cascata próxima, trazendo a umidade necessária para aquele jardim não morrer. A brisa vinda do mar balançou seu véu dourado e o cabelo encaracolado por baixo dele.

Um par de olhos afiados observou o par Santagar a sua frente.

Ela retirou vagarosamente a mão da fonte e lhe estendeu, ainda sentada.

Aryelle era realeza e nunca deixaria de demonstrar isso.

Thoren ignorou aquilo como quem ignora uma picada de abelha, enquanto se abaixava em um joelho e beijava seu anel. Seus lábios tocaram o gelado do metal incrustado com o sol e a lança que enfeitavam a joia, seu irmão fez o mesmo em seguida, aparentemente feliz de estar em sua presença e não escondia isso.

— Minha Princesa, como prometido, aqui está meu irmão. — Lancel falou gesticulando para ele, seu dever finalmente cumprido. — Thoren Santagar, Mestre da Frota Mercante de minha casa e quem você quis tanto encontrar.

Aryelle por fim sorriu com os lábios.

Um silêncio estranho se abateu sobre o recinto, o vento cortou o jardim novamente.

— Thoren, você cheira a limões… — Ela começou, trazendo um olhar confuso dele e de seu irmão. — E a sal.

Ele limpou a garganta antes de continuar.

— Posso deixar o mar Princesa, mas temo que ele seja mais teimoso em me largar.

Isso trouxe um riso de Aryelle. Thoren se perguntava se ela sorria muito, tinha um sorriso bonito. Contudo, recordava-se de Lancel dizer que ela sempre fora uma menina solitária na infância, afastada das outras crianças dos Jardins e fujona de sorrisos. Ou enfim, ela poderia ter mudado, as pessoas mudavam, como ele mesmo.

— Não posso culpar o mar, afinal é por causa dele que você é tão importante para mim. — Aryelle comentou, parecia observar através dos olhos dele, penetrando em sua alma. — Uma frota mercante traz dinheiro, dinheiro que sempre foi muito bem guardado por sua casa e uma frota pode servir muito bem em tempos de paz. Porém, pode ainda mais em tempos de guerra.

— Meus navios são velozes e grandes o suficiente para todas as minhas mercadorias. — Ele rebateu, observando um semblante nervoso em Lancel. — Contudo não tem muita utilidade em uma guerra, ainda mais quando a paz já voltou a Dorne.

— Muitos diriam que não, Thoren. — Aryelle parecia curiosa, o olhar ainda fixo nele. — E, posso não ser uma construtora, mas sei muito bem quem um navio pode ser adaptado para as necessidades do momento. Não é verdade?

O mercador parou por um segundo, inseguro de como prosseguir, porém respondeu positivamente com um aceno.

— Homens precisam ser transportados em tempos de guerra, armas precisam chegar no lugar certo com agilidade, mantimentos chegam mais rápido pela água do que pelo deserto. — As palavras dela vinham carregadas de lógica, mas é claro que também uma pitada de traição, e disso Thoren não podia escapar.

— Princesa, fala muito de guerra e coisas de guerra, mas eu não vejo uma batalha desde o dia em que você casou-se com seu marido. — Ele foi rápido, movendo ansiosamente o colar de seu pescoço com receio de ter ido longe demais em suas palavras.

Aryelle, novamente, era realeza, o vassalo ali era ele.

— Seu irmão sempre falou muito de sua inteligência Thoren, de como sua mãe não chega a uma decisão sem antes ouvir seu veredito, mesmo você não sendo o irmão mais velho. — Ela explicou, passando o olhar finalmente dele para Lancel. — Ele me contou como você mudou, de um menino para o homem que controla a maior das frotas em Dorne, como conseguiu a proeza de enriquecer os cofres de sua casa para além da criação de cavalos.

Ela voltou sua atenção para ele.

— Por isso, não insulte a nós dois ao achar que tudo está bem em nosso reino, que as feridas da guerra já estão cicatrizadas.

Thoren passou a mão pelos cabelos longos, tentando segurar a língua que queria falar mais do que devia.

— Da mesma forma que meu irmão lhe contou coisas, ele também me disse muito. — Thoren se aproximou, com medo de quem alguém pudesse estar ouvindo, mesmo eles estando separados de todos que deveriam estar dormindo na hora da coruja. — O que ele me disse não cheira, mas fede a usurpação.

Aryelle finalmente se levantou.

Sua pequena estatura pareceu aumentar, intimidadora com um porte que apenas um Martell poderia possuir. Thoren recuou por respeito, novamente questionando-se caso não teria cruzado o limite daquela conversa.

— É usurpação querer o melhor para Dorne? Me diga Thoren, o que você chama de traição? Pois eu tenho minha mente formada quanto a isso e você vai precisar de muitos argumentos para mudá-la. — Sua voz era baixa e leve, mas dominada a conversa em uma oratória impecável. — Minha avó definha em uma cama, e onde Ardyn está? Do outro lado do reino desfrutando de um banquete, bebida e da cama de um amante.

— Ardyn é o herdeiro legítimo, filho mais velho e amado pelo povo, até mesmo por nobres. — Thoren também disse calmo, envolto pela razão que ele costumava carregar. — Caso me lembro bem, Vossa Alteza nunca foi muito querida entre os nobres e como espera que consiga algum apoio para o que quer que esteja planejando?

Ele sabia o que ela bem entendia, mas preferia ouvir de seus próprios lábios primeiro.

Até onde Aryelle estava disposta a caminhar.

— Ter nascido primeiro não dá a Ardyn apenas direitos, mas deveres, esses que ele se recusa a cumprir. — Sua mão passou rapidamente por sua barriga, Thoren não ignorou aquilo. — Além de que, meu poder não reside apenas em Dorne, mas na minha aliança com a Campina. Que, como você mesmo ressaltou, foi o que trouxe a tão suposta paz, não Ardyn.

— Aliança com as mesmas pessoas que mataram seus pais. — Seu tom ácido não foi passado despercebido, sentiu a mão de Lancel apertar seu antebraço.

A Martell apenas piscou, mostrando um controle que ele não esperava.

Sua voz saiu estóica.

— Se eu consigo dividir a cama com um Tyrell, não vejo porque você não conseguiria lutar ao lado deles. — Aryelle voltou a se sentar calmamente, caso estivesse cansada, não demonstrava aquilo na frente deles. — Além de que, me prepararei para a guerra, porém sei que não terei necessidade de chegar a tal. Ardyn mostrará o que ele é, um covarde, um que irá dobrar o joelho e me reconhecerá como soberana, disso você não precisa duvidar.

— Como tem tanta certeza?

— Conheço meu irmão da mesma forma que você conhece o seu.

Thoren duvidava disso, mas não disse nada.

O par de olhos escuros de Aryelle finalmente tomaram um reflexo impaciente.

— Não temos a noite toda para discutir. Seu irmão me disse tudo o que lhe falei, mas eu também sei de algumas de suas aspirações. — Sua voz era aveludada enquanto se preparava para fazer promessas que já estava ficando experiente em cantar. — Do quanto tem ambição pelo crescimento de sua casa, do nome Santagar em Dorne. Eu não irei me esquecer de quem ascender ao meu lado, tenha certeza disso.

— E se eu não aceitar.

Novamente, um sorriso brotou em sua face.

Aquele não era nem um pouco doce.

— Não se esqueça que está em uma de minhas casas. — Um aceno ligeriou apontou para toda a extensão dos Jardins, ao longe ele conseguiu observar as lanças dos homens Martell, a ponta de metal refletindo a luz da lua.. — E seu irmão me convenceu sobre seu sigilo e sua honra, conto com ela para que ninguém além dos ouvidos de sua mãe escutem sobre o que foi discutido hoje. Minhas promessas serão cumpridas e de um jeito ou de outro, no fim todos estarão do meu lado. O lado vencedor sempre atrai.

Thoren olhou para seu irmão mais uma vez. Havia devoção ali, moldada por todos os anos em Lançassolar, observando Aryelle e Ardyn de perto. Se aquilo foi o suficiente para ele ser convencido, no fim, teria que ser o suficiente para ele também. Além de que o Santagar havia ouvido sua cota sobre o Príncipe Martell, coisas menos agradáveis do que ele havia ouvido naquela noite com Aryelle.

As promessas dela eram promissoras, uma aposta num futuro mais estável para sua casa. A ascensão de que precisavam para deixarem de ser apenas uma casa vassala sem importância, para um dos braços firmes de Aryelle Martell, aquilo soava tão bem quanto moedas tilintando num bolso cheio. Havia riscos, é claro, e duvidava que sua mãe veria todos os aspectos daquilo com bons olhos, mas tudo naquela curta vida precisava ser conquistado.

Dorne estava em ebulição, daquilo ele não tinha dúvidas.

E para Thoren, estava ficando bem claro que apenas um dos irmãos Martell tinha mão de ferro necessária para controlar o reino.

Tinha uma decisão a fazer, sabia que ficar neutro não seria uma opção.

Para ele, ou para mais ninguém.

Por conta disso ele se colocou de joelho mais uma vez e beijou o anel dela formando uma promessa perante seu irmão, a lua e as estrelas. O oceano, tão quieto ao longe, sussurrava coisas em seu ouvido. Ali Thoren estava marcando mais uma mudança em sua vida e sentia que era tão grande como no dia em que o mar o engoliu. Haveria morte, sangue e sofrimento nos dois lados. Uma angústia que ameaça tomar seu coração. Entretanto, ele precisava aprender a não temê-la. Se lembrou mais uma vez dos homens afogados e que havia mais uma parte em suas palavras cheias de significado.

O que está morto, não pode morrer, mas levanta-se outra vez, mais duro e forte.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

espero que tenham gostado!!
irei responder todos os comentários até o final de semana!