Acordo partido escrita por KodS


Capítulo 3
A outra metade




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A estrada até Leomds era a pior possível, ou o cocheiro possuia algum forte problema de visão, pois as rodas da carruagem passavam direto por todos os buracos e pedras, de modo que Odete precisava se agarrar com força nas reentrancias da carruagem para tentar parar de chacoalhar. Seu velho pai tinha mais equilibrio e, inclusive, colocava suas correspondências em dia. 

— Me explica de novo, — pediu enquanto encolhia o corpo para evitar outra batida. — O que estamos indo fazer lá? 

O velho homem sequer tirou os olhos das cartas. Não havia contato para a filha o que havia acontecido de verdade e temia a sua reação. Suspirou e virou o papel que tinha em mãos, rodou os olhos pelo papel e então o deixou de lado para pegar o próximo que, por muito pouco, não havia rolado pelo assoalho com os movimentos bruscos. 

— Odete… — pensava em como enrola-la mais um pouco, porém não faria sentido, ela iria descobrir mais cedo ou mais tarde. — Eden estava vindo lhe visitar, com uma pequena comitiva que contava com a presença de sua irmã. Talvez você se lembre de Oliver. 

Odete se lembrava. Se lembrava de cada pequeno detalhe sobre Oliver. A forma como a jovem atiçava o cavalo com a maior velocidade possível, apenas para senti-la lhe apertar a cintura, o cheiro de água pura em sua pele após um banho de rio e o gosto de frutas roubadas em seus lábios depois um furto de tortas na cozinha. Oliver não era o tipo de pessoa que Odete poderia esquecer. 

— Vagamente — respondeu, virando o rosto para as árvores que passavam pela janela lateral, seu pai não precisava saber tudo o que havia acontecido com entre elas. 

O homem segurou as correspondências mais uma vez, quando as rodas bateram em uma pedra que fez com que a princesa bastasse a cabeça contra o teto da carruagem. 

— Vocês duas costumavam ser bem próximas na infância. — comentou, sem emoção enquanto continuava a ler suas cartas. — Houve um acidente e, bem… — ele diminuiu a voz e mirou a filha com cuidado, pela primeira vez naquela viagem. — Dete, Oliver faleceu. 

O sangue frio correu pelas suas veias e o mundo pareceu parar por um instante. Seu corpo estava tão anestesiado que não sentia mais os solavancos ou, então, seu cocheiro havia se apiedado de sua pobre pessoa e parou de mirar os buracos da estrada. Certamente estava anestesiada. 

Sua cabeça começou a se mover em negação. Oliv não, não a sua Oliv com o sorriso de lado e os fios loiros que pareciam ser feitos de ouro contra o sol do poente. Não a Oliver que poderia matar ou domar qualquer fera, não a melhor cavaleira que já conhecerá na sua vida. 

Que deus cruel teria a ideia de levar logo o sol que fazia o mundo girar e deixar Eden.

— Você está bem? — perguntou o homem, tentando tomar as mãos pálidas e finas da filha.

Mas a jovem as retirou de seu aperto e esfregou o rosto com eles. Sabia que não sua aperencia era horrivel, que seus olhos haviam se umedecido com as lágrimas que nunca poderia deixar correr e que seu rosto havia perdido toda a cor e vida que costumava ter. 

— Sim. — respondeu com o tom mais falso que pode simular. — Estou… bem. 

 

Eden não apareceu para o jantar naquela noite. Odete achava de um mau comportamento repreensivel da parte de seu noivo, faltar ao banquete em homenagem à própria irmã, mas de que isso importava? Tudo que Odete queria era encontrar o corpo de sua velha amiga, mas seu pai a impediu. 

Todos pareciam concordar que a visão era tenebrosa demais para seus olhos. 

Na manhã seguinte, vestiu seu melhor vestido negro, suas melhores pedras e seguiu o cortejo até o cemitério mais próximo. Ninguém destampou o caixão. 

Eden se manteve distante, parado ao lado do pai com a cabeça baixa e os olhos vermelhos. Odete quase sentiu pena do jovem principe. Oliver gostava do irmão, costumava dizer que eram duas partes da mesma moeda, mas Odete nunca vira isso. Conseguia reconhecer Oliver sempre, de qualquer maneira, diferente de todos os outros. 

Eden tinha os cabelos mais opacos que os da irmã e olhos menos brilhantes, seu corpo parecia sempre curvado, diferente da potência que Oliver sempre havia sido. Lembrava-se de dizer que, então, se casaria com a pessoa por inteira, Eden e Oliver. Que amaria Eden na frente das multidões, desde que Oliver lhe iluminasse e aquecesse as noites com o seu brilho solar.  

Seus olhos encontraram os de Eden na multidão e a estranha vontade de abraça-lo tomou conta de seu corpo. Pela primeira vez em sua vida, queria correr para o noivo e envolve-lo em seus braços, acariciar seus cabelos porosos e beijar a testa, deixando que chorasse em seu ombro. 

Havia algo diferente em Eden. Algo que o aproximava de Oliver e que ela não conseguia explicar por completo, mas que a atraia para o jovem principe que sempre renegou. 

Ou, talvez, fosse apenas o espelho de sua própria dor. A culpa por julgá-lo tornou seu coração pesado e ele encontrou morada junto ao seu estomâgo, trazendo um enjoou à sua garganta e uma tontura a sua cabeça. Não tinha certeza se poderia aguentar por muito mais tempo. 

No fim das contas, Oliver talvez tivesse razão e Eden fosse a sua outra metade e, se assim fosse, Odete iria devotar a sua vida a proteger a última parte de sua amada que ainda vivia. 

— Papai! — sussurrou, segurando o braço do pai com delicadeza — Não me sinto bem. Posso me retirar? 

O rei procurou pelo rosto de seus anfitriões e então assentiu suavemente. Segurou a mão da filha entre as suas e lhe beijou os nós dos dedos. 

— Descanse minha filha. — sua visita até ali não havia sido apenas para um memorial e o rei sabia que sua filha precisaria de força. — Amanhã será um longo dia. 


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