Alma escrita por Taigo Leão


Capítulo 8
VIII




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O rapaz sentiu como se tivesse interrompido algo, e, por alguma razão, se sentia extremamente envergonhado e deslocado naquele lugar, desejando sair dali o mais rápido possível. Quando olhou para o velho, ele sentiu raiva, por julgá-lo como culpado por tudo que depremia Alexsandra, que estava com um olhar mais vazio do que o normal. Logo ela, que vinha sendo tudo que o rapaz tem conhecido a tanto tempo, agora estava de uma forma diferente, como se pudesse quebrar a qualquer instante: ao alcance de suas mãos, mas completamente inacessível para ele. Isso o deixava inconformado.
Além de todas as suas preocupações, agora havia um estranho ali, com um olhar cínico.
Os dois se cumprimentaram e se apresentaram, mas, após as aparências, mantiveram silêncio, que foi interrompido por um pigarro do Sr. Reiss.
—...Então, Ethan. Imagino que queira falar comigo, mas estou ocupado aqui, como pode ver. Se quiser, espere, ou vá e amanhã nos falamos.
Ethan olhou bem para os dois homens, que esperavam uma resposta dele, e deu de ombros.
— Não quero ninguém derrubando minha porta pela manhã. Estou aqui agora, então quero encerrar isso.
— Como eu disse, estou resolvendo algo aqui. Aguarde, por favor. Na realidade, vá embora. Eu falo com você quando terminar aqui.
Ethan pensou em questionar sobre a carta novamente, mas sabia que isso não só aborreceria o Sr. Reiss, como possivelmente o deixaria terrivelmente zangado. Tão zangado como o rapaz estava, por desejar saber o que estava acontecendo. Ele saiu e foi em direção as escadas para ir até seu cubículo, mas encontrou com o guarda, que estava encostado no corrimão da escada, de braços cruzados e cabeça baixa, como se pensasse enquanto mantinha seu foco em um ponto específico.
— O que há?
— Ethan, rapaz... Como está a garota?
— Está bem. Quem é o homem?
— Estou tão na dúvida quanto você.
Ethan se sentiu descontente, pois odiava conversas que não levavam a lugar nenhum, por isso costumava relevar quase todas que tinha com este guarda, o qual até mesmo lhe fugia o nome, porque não via naquele homem nada que lhe fosse útil, pois pensava que se algum grupo de homens fosse roubar todo aquele edifício, era mais provável que deixassem algumas coisas de outraa pessoas naquele pequeno cubículo, pois não havia uma única coisa ali que valesse a pena ser roubada. Por este lado, o guarda lhe era um homem comum; seu trabalho lhe era indiferente, e realizado de forma indisplicente, pois, por natureza, o homem era apenas um curioso, que tinha interesse em saber tudo sobre todos.
Ethan foi até seu cubículo sentindo dores no peito. Quando se sentia assim, pensava que devia morrer, e logo se lembrava das coisas que não conseguiu alcançar em vida, voltando atrás em seu desejo. Quando se jogou em sua cama, ele não pensou em nada que gostaria de realizar no momento, a não ser alegrar Alexsandra, mas até mesmo isso estava fora de seu alcance. Aqueles olhos vazios eram como um assombro para ele; como fantasmas que nunca iriam embora.
Ele começou a lembrar mentalmente de todo o seu dia, e pensou em como seria bom se o velho Reiss estivesse morto.
— Quanta bobagem penso... Quão hipócrita sou... Como posso pensar em matar um homem? Ainda mais, um que me salvou? Se não fosse por ele, eu estaria dormindo em alguma praça, com fome... Ao menos veria as estrelas...
Ethan pegou o caderno do bolso de seu sobretudo e leu novamente a última frase que escreveu, ainda na casa de Alexsandra.
"Como posso viver se a cada passo que dou, sinto que pode ser o meu último?"
Refletindo sobre a frase, o rapaz teve uma epifania, onde decidiu que, como lhe era incapaz viver como uma pessoa que considerava comum e sofria tantas lamentações, então deveria morrer logo; talvez essa fosse até mesmo a vontade do Senhor. Às vezes o rapaz sentia tanta dor no coração que preferia estar morto, e temia a próxima crise que poderia vir. Hoje seu peito doía. Ele respirou fundo, levantou a mão e a abaixou novamente, repetindo o movimento algumas vezes enquanto olhava para o teto do cubículo, que parecia estar menor do que costumava ser, como se quisesse sufocá-lo.
Ele pensou ter ouvido a voz do velho Reiss o chamando, e pela primeira vez no dia, resolveu ignorá-lo, virando na cama e tentando dormir. A voz chamou por mais duas vezes, mas logo não tornou a chamá-lo. O rapaz manteve os olhos abertos até o sono chegar, pois no mesmo instante em que os fechava, lembrava daqueles olhos vazios e mentirosos, que diziam que tudo estava bem.
No outro dia, ninguém acordou o rapaz. Não havia ninguém ali para ele.
O rapaz despertou e manteve o olhar fixo no teto do cubículo, que lhe parecia cada dia mais baixo. A mobília também não era de grande coisa. Teria custado muito chegar a um estado maior de pior do que este, que já lhe doía cada dia mais, além de ser totalmente insuportável para o rapaz. Assim, queria se ver longe daquilo, seja de corpo, seja de alma.
Com um gosto amargo na boca, ele recordava que havia tido um sonho ruim, mas não conseguia se lembrar agora, como se, assim que despertou, toda a memória tivesse se dissipado, deixando nada para trás. Para amenizar um pouco o sonho, uma idéia ressurgiu em sua mente. Essa era uma idéia antiga, que lhe vinha em picos de coragem, mas que partia tão já e de repente como havia chegado.
Ele se mantinha convicto e são de tudo que havia pensado no dia anterior, em meio a sua epifania, e agora estava mais confiante; Ele pensou que poderia aceitar a morte, mas isso seria fácil demais. Ainda havia algo, ele só não conseguia explicar a origem disso. Talvez não devesse morrer; talvez não estivesse cansado de toda a vida, mas sim da solidão que o cercava; talvez ele devesse fugir.
Quando saiu do cubículo e desceu as escadas, deu de cara com dois homens que carregavam móveis pequenos para o segundo andar do edifício. Os homens pareciam não se importar com o rapaz que estava parado nas escadas e não oferecia ajuda, mas apenas observava-os, sem expressão alguma.
Quando se sentiu satisfeito de observar, continuou descendo, indo até a casa do Sr. Reiss, que ficava no térreo.
A porta estava entreaberta, então ele entrou e encontrou com Sr. Reiss na cozinha.
— Pegue pão e alguma fruta. Coma alguma coisa, rapaz. Você está tão pálido que parece que estou vendo um fantasma.
— Vejo que hoje não tem visitas.
— E quem seria esse idiota que está pegando meus pães?
— ...Eu a visitei ontem.
— Eu sei que sim. Do jeito que correu como uma criança medrosa na hora em que cheguei, sabia que ia atrás daquela mulher, e confio que tu não tenha lhe revelado sobre a carta, mas... Como ela está?
— Triste.
— Eu imagino que hoje esteja melhor, já que chegou em meus ouvidos que a biblioteca estava aberta hoje.
— Ela disse que voltaria ao serviço hoje.
— Pois é melhor assim. Acordei com dores, então não irei até lá.
— É preciso que eu faça algo hoje?
— É cedo. Ainda não sei nem em que estou pensando, imagina designar algo para você... Na verdade... me lembrei de algo. Quero que vá até um certo lugar para mim. Pensando melhor, quero que me acompanhe até este lugar.
— O que está dizendo?
— Preciso resolver algumas coisas não muito perto daqui, e quero que venha comigo. Vamos de carruagem, de forma que não irá se cansar. Vamos, eu lhe contratei para fazer serviços por mim, e esse é um dos serviços que lhe designo.
Ethan terminou de comer em silêncio, sendo observado pelo Sr. Reiss, prestes a recusar o pedido, mas se concentrou em comer. Quanto ao Sr. Reiss, esperava para contar algo, mas como não foi questionado sobre, resolveu falar mesmo assim.
— Imagino que tenha visto os homens trabalhando no andar acima deste. Um homem vai se mudar.
— Mas quem é ele?
— Não sei. Ficará apenas alguns dias. Me perguntou se tinha um lugar para ele e eu disse que sim.
— Não sabia que era tão generoso.
— Ele pagará um aluguel, assim como você.
O rapaz se levantou, inquieto, e disse que tinha que deixar o local para fazer outra coisa.
Ele caminhou até a entrada do edifício e começou a refletir. Algo dentro de si dizia para aceitar e ir. Ele poderia andar de carruagem e ficaria mais próximo daquele homem. Talvez conhecesse algo novo, mas, também, talvez a viagem tivesse ligação com a carta, e, consequentemente, com Alexsandra. Neste momento o homem teve um plano, mas não quis pensar nele por ora. Ele aceitaria acompanhar o Sr. Reiss, caso contrário, se sentiria culpado.
Tão logo uma carruagem chegou frente o edifício e o Sr. Reiss saiu de sua casa.
— Não disse que tinha outra coisa para fazer?
— Pensei melhor. Irei contigo, que tal?
— Que seja. Se quer assim, então vamos.
Sentindo que havia falhado em não se explicar para Alexsandra, se deu conta de que talvez ela não notasse o sumiço, mas também, a viagem poderia durar apenas algumas horas.
Os dois entraram na carruagem em silêncio e assim seguiram viagem.
O rapaz olhava pela janela e não via nada além de prédios cinzas e pessoas tristes. Era como se estivesse olhando no espelho.
E acada quarteirão que se passava, em silêncio, o rapaz se sentia injuriado, pois era como se estivesse desperdiçando um momento importante. Se Deus o colocou em tal situação, então ele deveria tirar proveito dela: alguns coisa devia aprender neste dia, e não só viajar, sabe-se lá para onde. Até mesmo nas situações mais inoportunas devemos receber uma lição; recebemos lições o tempo todo, apenas precisamos ter o olhar analítico de identificá-las. Ele temia não identificar nada e apenas passar o dia ao lado daquele velho, que odiava profundamente, mas sem justificativa alguma. Odiava por odiar. E por mais que, por razão desconhecida, odiasse Sr. Reiss – O rapaz sentia repulsa apenas por olhar em seu rosto. –, nessas condições, se julgou capaz de aturar seus pensamentos, pois apesar de tudo, o velho possuía conhecimento e era apto para uma conversa mais intelectual. Esse era o pensamento do rapaz. Talvez o que o esperava não fosse uma lição de vida, e sim uma frase, assim como as que estava anotando no caderno; uma frase impactante, capaz de mudar a perspectiva de uma vida, mas que não passava de uma junção de palavras sem sentido, na visão de outro leitor qualquer.
Quanto ao Sr. Reiss, esse também olhava pela janela, aéreo. Ethan não conseguia desvendar o que passava pela sua cabeça e nem o motivo que o fez chamá-lo para tal lugar misterioso. Ele apenas conseguia ver as manchas em seu rosto. Estas nada mais eram do que a idade, que havia alcançado o velho. Sr. Reiss decerto era alguém muito inteligente, mas também um homem muito severo. Ao que Ethan sabia, não possuía uma família ou parentes. Era apenas ele, mas todos que o cercavam sabia de seu dinheiro e de sua influência. Ethan só não tinha a certeza se era uma influência baseada em riquezas e bens ou apenas passiva, que passou de boca em boca até que todos acreditassem naquilo. Ele pendia mais para a primeira opção, ainda mais sendo próximo dele, mesmo que pensar nisso não lhe agradasse nem um pouco.
O homem possuía a influência que merecia, e isso era claro.
— Ainda não me disse para onde estamos indo.
— Tu não havia me perguntado. Para ser franco, não é nenhum lugar de seu interesse.
— Então por que me chamou?
— Porque é do meu interesse.
Foi o que Sr. Reiss disse antes de voltar a olhar pela janela. O rapaz nada respondeu, nem ao menos resmungou. Ele não possuía nada melhor para fazer, e ele queria estar ali, naquela situação, então aceitou as condições. Para além disso tudo, não gostava daqueles olhos escuros o olhando tão de perto. Isso o deixava desconfortável.
— Olhe para essas pessoas, você acha que elas possuem problemas? Acha que vivem no martírio? Todos sofremos, mas temos plena consciência de que de nada valerá ficar martirizando a nós mesmos. Aliás, odiamos aqueles que fazem isso conosco. É por isso que a sociedade sempre dá a volta por cima. Porque não nos damos por vencidos e nem levamos em consideração quando nos ridicularizem explicitamente. Na verdade queremos ser colocados lá em cima e sermos vistos como perfeitos, pois as adversidades fazem parte da vida. Eu não posso esquecer de viver para me lamentar, pois ninguém irá viver em meu lugar. O que acha disso?
— Acho que me sinto como em uma carruagem parecida com essa, mas puxada pela minha própria determinação. Na verdade, me sinto como em um trem. Um trem com um vagão específico apenas para mim; em que não conheço os outros passageiros e não sei o destino que está me levando. Apenas vou, porque parece o certo a se fazer, mas as vezes esse trem chega ao fim, então paro na estação, aguardando pelo próximo. Assim também me sinto como em uma sala de espera, sem saber pelo que estou esperando.
— Se não sabe para onde o trem está indo, por que simplesmente não desce no meio da caminho e espera por outro?
— Como saberei qual o último trem que poderei pegar?
— Tu espera por um trem específico, enquanto tantos outros passam e abrem as portas para ti, como se tivesse medo. Veja que esse medo de viver acabará com sua vida tão rápido quanto a morte pela qual você clama. Deus abençoe tua vida, pois és completamente cego perante a bondade, focando unicamente na própria confusão que há em ti – como se todos os outros não possuísem algum tipo também –, focando apenas no problema e no maligno que lhe cerca, lhe sussurrando a dúvida do que é certo ou errado, e que lhe cobra tanto. Se continuar a viver deste modo, caminhando em cordas bambas, sucumbirá logo, caindo direto para o inferno.
O rapaz suspirou e olhou pela janela novamente.
— Como sabe que isso aqui já não é o inferno?
— "Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão."
— O que seria uma vela para ti?
— Quem sabe nossa própria esperança.
— Estou perdido então. Pois não me resta nem ao menos um resquício disso.
— Talvez a esperança que precisa não venha de si mesmo.
A carruagem parou frente um prédio escuro, com as janelas pequenas. A entrada do prédio, junto do saguão, eram pequena e discreta. Não havia sinal de vida naquele prédio modesto e, de relance, parecia até mesmo abandonado. Não haviam pessoas passando pela rua, mas a carruagem havia parado ali. Esse era o lugar.


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