O entremeio escrita por Lyn Black, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 3
capítulo 2 - weasley


Notas iniciais do capítulo

bem que você adivinhou de quem era esse capítulo!



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Capítulo 2

Weasley

 

Em um entardecer, andando pela Travessa do Tranco, George Weasley esbarra em Andrômeda Tonks. Ela parece estressada no primeiro relance, mas ao reconhecer o ruivo, as suas expressões suavizam e, gradualmente, tornam-se mais preocupadas. Os olhos do rapaz estão distantes, seus passos estão claramente trôpegos e a sua fala se embola quando ela tenta iniciar um diálogo. A feiticeira poderia simplesmente atribuir a situação a uma bebedeira qualquer do ruivo, mas seus olhos treinados por décadas no St. Mungus fazem com que ela reconheça os sinais. Ela sabe da tragédia da família Weasley, da perda de Fred, o gêmeo do garoto que a olha com profunda aflição. Andy bem conhece a sensação, havendo perdido a filha e o genro na mesma batalha. 

Quando o Weasley tenta se desvencilhar da mulher, os olhos da antiga Black, iguais aos da falecida filha, fazem com que George hesite o suficiente para que ela segure-o pelo braço, com a força de uma medibruxa experiente, conduzindo-o até o café mais próximo. Fazem poucos meses desde a Batalha de Hogwarts e um Weasley na noite do Tranco é a receita para mais lamentos na família. Após sentar e pedir café forte e uma comida para George, Tonks conjura uma dose da poção da sobriedade em poucos minutos. O efeito chega nele, que rapidamente toma ciência da sua situação e começa a se desculpar com a bruxa, entretanto, Andrômeda é firme com ele e não aceita qualquer desculpa. 

Ele come o sanduíche e bebe o café apressado, querendo escapar do olhar cuidadoso, mas cheio de escrutínio da medibruxa. Tonks sempre deixou uma impressão estranha nele: mãe da metamorfoga mais divertida que ele conheceu, havia uma aura conflitante que ela carregava quando se cruzavam. Ele e Fred fizeram muitas piadas quando na presença de Tonks, apesar de não serem tão próximos dela quanto Gui, e Teddy e Andie eram bem receptivos. A bruxa não tenta jogar conversa fora com ele enquanto George engole, às pressas, a comida. Ele só quer voltar para o quarto que está alugando na Travessa do Tranco logo. 

— Obrigado pelas poções, Sra. Tonks. Não precisa se preocupar, eu fico aqui perto – ele fala, tentando mimetizar o sorriso brincalhão que sempre foi a sua marca. Quando se movimenta para levantar, porém, magia silenciosamente prende-o na cadeira. George levanta as mãos, como quem se rende. – Não tão rápido? 

A bruxa abre um pequeno sorriso, mas os olhos continuam a desenhar o rosto de George, como se estivesse buscando lá algo que nem mesmo ela soubesse definir.

— Não, querido – responde, bebericando o chá que pediu para si. Andrômeda conjura outra poção, etiquetada como “Poção-Pimenta”, velha conhecida de George nos tempos de alta atividade na Ordem da Fênix para despertar a mente de alguém. Com a varinha, ela empurra o vidrinho para a frente do jovem. – Achava que você morava em cima da sua loja, no Beco Diagonal? Beba. 

Engolindo a poção sem conseguir disfarçar o gosto de comida estragada que ela deixa na boca, Weasley concorda com a cabeça. 

— Nós tínhamos colocado alguns colchões na sobreloja, sim, mas agora… – ele atribui a sua própria hesitação ao amargor na boca – É mais prático usar como um depósito. 

Andrômeda assente, e parece que apenas seu olhar basta para que um dos atendentes magicamente encha novamente o copo de café de George. 

— Todo dia eu encaro a chave do apartamento da minha filha. Fazem cento e noventa e três dias desde que eu recebi a maldita chave e até agora eu não consegui chegar até sequer a rua deles. Se não fosse a gentileza de Gui, eu suponho que apenas teria comprado novas roupas e brinquedos para Teddy. Eu só não me mudo da casa em que vivo por praticidade. É bom que Teddy esteja em um lugar conhecido, também. Memórias podem assombrar, dependendo do que fazemos com elas. Especialmente se vivemos entre elas. 

George olha para a Tonks, e o cansaço enfim toma espaço nos seus olhos sem muitos disfarces. Ele não quer ter essa conversa com a bruxa, por mais bem intencionada que ela seja. 

— Eu lamento, Sra. Tonks – o dia dois de maio é quase um tabu. É muito recente. É muito doloroso. Ele lamenta por ela, mas ele simplesmente não vai colaborar com os rumos dessa conversa. George levanta-se: que a sua mãe lhe perdoe a falta de educação – Obrigado novamente pela comida e pelas poções. 

Ela apenas acena a cabeça, e praticamente ignora o seu movimento. 

— Eu não quero que você se abra comigo, George. Morgana sabe que eu estou envolvida demais em toda essa história para isso, mas você precisa se abrir com alguém. A sua mãe me ajuda com meu neto, e ela fala certas coisas que...  - ela pausa, e beberica a sua bebida - Eu apenas me preocupo. Tantos anos no Mungus te dão uma experiência que às vezes chega a ser inconveniente, mas eu não posso simplesmente não fazer nada. 

George sabe que apenas sair andando no meio da fala da bruxa ultrapassará a grosseira aceitável. Ele não encontra em si grandes remorsos.   

— Eu realmente tenho que ir – ele coloca alguns galeões na mesa, e vira-se, alcançando a porta em passos largos. 

Por um momento, George sente como se o silêncio na cafeteria houvesse atingido um limite. Ao olhar pelo seu ombro, ele vê que a filha deserdada dos Black está plantada atrás de si, os lábios crispados em desgosto e os olhos pesarosos. Ela suspira e cruza os braços. 

— Molly me disse que você quebrou todos os espelhos quando retornou para a casa dos seus pais, tornando-os magicamente irreparáveis. Eu não sei se teria feito o mesmo, talvez pior, mas eu não tive família além do pai de Nymphadora depois dos meus dezesseis anos. Eu só imagino o quão horrível deve ser, George, não só olhar o próprio reflexo, mas ver os olhos de todos em você, especialmente os olhos das pessoas mais preocupadas, que pensam em Fred toda vez que te olham e não conseguem disfarçar. 

A boca do Weasley se contrai em uma fina linha e ele vira e abre a porta, saindo por ela apressado. As pessoas parecem se achar no direito de invadir o seu espaço, não? E depois seus irmãos perguntam a razão pela qual ele se mudou do Beco Diagonal.  

— Não, você não imagina, então se me der licença – George fala enfaticamente e balança a cabeça, amarrando o grosso casaco diante do vento frio de novembro. 

A mão de Andrômeda no seu braço é o seu limite. 

— George Weasley, por Merlin, essa não é a primeira vez que eu cruzo contigo, somente nessa semana, nesse estado. Eu posso ter seguido meu caminho nas outras vezes, mas não mais. Acredite, isso não vai melhorar se as coisas continuarem como estão. 

Ele suspira.

— Com todo respeito, Sra. Tonks, eu agradeço a preocupação, mas essa conversa não vai nos levar a lugar algum. 

Ela aperta a mão no braço e seus olhos transmitem uma gentileza característica da mulher quando ela insiste.

— Você já considerou falar com um psicobruxo? 

George poderia apenas aparatar, e dar tudo isso por encerrado, mas há algo no jeito da Black que é refrescantemente diferente da forma com que quase todos que conhece tem lidado com a morte de seu gêmeo. Pisando em cacos de vidro. Nunca mencionando Fred ao seu redor, embora claramente falando sobre, no momento em que acham que ele não está presente. Sussurros e olhares alarmados. Ele sabe que todos estão preocupados. George sabe que todos estão sofrendo. Ele não diria que está sofrendo mais ou menos, apenas que a sua dor é diferente. A sua vida estava desenhada junto da de Fred. Ele nunca quis saber, a fundo, quem era sem o gêmeo, e agora não tem muita curiosidade em descobrir. 

Andrômeda sabe que está no fim do seu tempo com o ruivo e que, depois desse encontro, dificilmente ela terá outra abertura com ele, então, segura-o pela mão. 

— Eu reconheço os sinais, George. Andar sete do St. Mungus, segunda porta à direita. Você vai ver um vitral, a imagem varia de acordo com quem a enxerga. Eu não posso falar muito mais do que isso no meio da rua, essa parte do St. Mungus escolhe os seus próprios pacientes, mas você tem a indicação de uma medibruxa. Tente encontrar o caminho, por você mesmo. Por Fred, se isso significar algo. Você não dorme mais do que uma boa hora por dia há alguns meses, isso é evidente. Ele não vai voltar –  ela murmura essa frase final, pesarosa – Nympha também não, apesar de eu jurar encontrá-la de súbito em esquinas o tempo todo. O luto nunca termina, George, mas ele tem o potencial de acabar conosco. Morgana sabe que eu te encontraria provavelmente nos bares se eu não tivesse um bebê em casa. 

George engole em seco, mas não aparata imediatamente. 

— Eu não acho que eu seja caso do Hospital St. Mungus ainda, Andrômeda.

A medibruxa revira os olhos. 

— Todos que passaram por essa maldita guerra o são. Todos que não passaram, também. 

Ela ajeita a postura e com agilidade e delicadeza, começa a balançar a varinha, criando uma série de linhas brilhosas prateadas, praticamente macias, entre os dois. George observa curioso a magia da feiticeira vagarosamente circulá-lo, criando uma leve coceira. Um vinco surge na testa de Andy. 

— A sua situação está pior do que eu imaginava. Trauma afeta a magia, George - ela diz, analisando as várias linhas coloridas que despontam do corpo do Weasley, sem entrar em detalhes.

E naquele instante, ele não poderia se importar menos. 

— Antiético da sua parte fazer exames sem consentimento, medibruxa Tonks – ele pontua, sem humor. 

Ela apenas se apruma e com um movimento da varinha, a magia cessa, deixando apenas uma suave vibração no ar ao seu redor. 

— Sétimo andar, segunda porta. Busque pelo vitral –  ela se distancia dele – Psicobruxos são os mais próximos de Inomináveis no St. Mungus. A magia de cura que move o Hospital, acredito até hoje, vem diretamente de lá. Não da mente como uma entidade separada, George, como muitos acreditam. Me escreva, quando quiser. Não desista. 

Ela aparata antes que George possa dispensar a indicação novamente. A Travessa do Tranco realmente é sombria nas noites de novembro e ele apenas deseja uma noite completa de sono, o que é uma impossibilidade, como ela bem identificou. Inconformado, o Weasley aparata, mas não sem antes anotar as coordenadas dadas pela bruxa. Na dúvida, ele escuta a voz de Fred: toda informação é útil. Mesmo que ele afirme para si que jamais pisará em Mungus com esse intento. 

 

******

 

Duas semanas depois, George Weasley visita a casa de Andrômeda Tonks e Teddy Lupin, alguns brinquedos na mão e um sorriso sem-graça no rosto. A mulher não parece surpresa ao abrir a porta e se deparar com ele, e logo George está brincando com o bebê enquanto a chaleira esquenta. No meio de almofadas coloridas e tons amenos, ela parece bem menos ameaçadora do que a lembrança de Weasley havia pintado a sua figura. A dor de cabeça no dia seguinte não havia contribuído muito mas, no fim do dia, a curiosidade sobre essa Ala do St. Mungus havia falado mais alto, então ele sentou-se e fez o que aprendeu de melhor nos últimos meses: fingir. E por horas a fio ele fingiu, trocando amenidades com Andrômeda até ela resolver falar diretamente sobre o que tinha mencionado do St. Mungus, tão consciente quanto ele da atuação. 

Estigma, vergonha, medo, angústia e, em grande medida, reconhecimento. A Área Erev Abracadabra de Psicobruxaria do St. Mungus existe na beirada dos olhos da maioria dos frequentadores do renomado Hospital. Ela não está exatamente oculta, pois pode ser vista por todos, mas boa parte daqueles que andam pelo Hospital escolhem, entre a magia e o inconsciente, desviar os olhos. A magia pode ser curiosa, de vez em quando. No caso dessa parte do Hospital, runas antigas mediam a consciência da existência da Área e, uma vez percebida, nem mesmo poderosos Obliviates podem apagar a capacidade de enxergar

Erev Abracadabra, quem fundou a já desativadas Antiga Escola das Artes da Cura do Mar do Norte, costumava dizer que no trabalho com traumas, em primeiro lugar não podemos dividir as pessoas em corpos e mentes flutuantes e, em segundo, é preciso de algum tipo de abertura do paciente para que se possa trabalhar. Era algo nessa linha, pelo menos, que os residentes da Área de Psicobruxaria do Hospital londrino escutavam ao questionarem o curioso funcionamento dessa sessão. Andrômeda não havia ficado muito tempo nessa área, porém, pois sua magia havia sido considerada muito desequilibrada para lá. Na opinião dela, não passava de julgamentos do Chefe de Departamento da época por ela ser uma Black, mas ela não tinha muitas provas. 

Não havia, também, um encaminhamento típico para Erev Abracadabra. Como a Área vive cheia, então, você me pergunta? Ao que tudo indica, as antigas runas do Hospital fazem o trabalho para que se possa enxergar o caminho até a recepção, e cabe a cada um sustentar o olhar e andar até lá.  Andrômeda Tonks bem achava, George ouviu, que isso apenas contribuía para cada vez mais silêncio e menos acesso a tratamentos, mas tudo que escutou em resposta referia-se a regras antigas da magia do próprio hospital. Fim de discussão. A única exceção formal da regra eram os Inomináveis, funcionários do Departamento de Mistérios que contratualmente precisavam de acompanhamento atento da psicobruxaria. Na prática, os medibruxos e curandeiros costumavam revelar o caminho do segredo ao identificarem casos possíveis. 

Pouco disso, contudo, importava tanto. Durante a Segunda Guerra Bruxa, os recursos do St. Mungus que eram canalizados para esse departamento tinha sido praticamente extintos e os profissionais realocados para áreas consideradas mais emergenciais. Apenas uma pequena equipe foi deixada na Área de Psicobruxaria com os pacientes fixos e as runas foram bloqueadas: que ninguém mais entrasse por aquelas portas. A Guerra eventualmente acabou e, apesar das runas serem reativadas, havia um certo consenso entre conselho e departamentos: aparentemente, haviam outras prioridades de investimento e recurso.

George era um ouvinte paciente, e Andrômeda parecia satisfeita em partilhar as informações. As semanas passaram depois lentamente e, apesar de passar na frente do famoso hospital, o rapaz não sentia nenhuma inclinação em ir buscar algum desconhecido para falar ou sabe-se lá o que fariam. Os dias se arrastaram e ele encontrou Tonks mais vezes do que gostaria de reconhecer na situação do primeiro jantar. Algumas vezes, ela parava para trocar algumas palavras com ele e enfiar poções em sua mão. Outras, a medibruxa apenas balançava a cabeça e conjurava um bilhete, com o endereço do seu local de trabalho. Na última, contudo, Andrômeda simplesmente havia continuado a andar, os lábios retorcidos e um tique nervoso no olho, as mãos inquietas. 

No dia seguinte, George evitou encarar muito o armário de licores que antes dividia com o irmão e desceu do apartamento que alugava na hora do almoço, disposto a colocar alguma comida mais nutritiva para dentro de seu corpo. Quando entrou no Caldeirão Furado, deparou-se com brilhantes decorações de Natal e uma quantidade relevante de fregueses vestidos com gorros vermelhos natalinos e roupas mais arrumadas. Não parecia apenas mais um dia vibrante de dezembro. Paralisado, Weasley moveu a varinha habilmente, conjurando o dia e a hora: 24 de dezembro de 1998, 13:04h. Xingando-se mentalmente, George considerou a ceia de família que tinha sido tão insistente em ignorar. Ninguém viera bater na sua porta, ainda, simplesmente porquê de todas as coisas que o garoto poderia fazer, faltar ao jantar da família seria abismal. Inacreditável. 

George ponderou suas opções enquanto pedia o prato do dia, sentando-se no primeiro banquinho que viu vago. Tom atendeu-o animado, perguntando sobre novos lançamentos da loja. Enquanto o Weasley deveria saber dessas informações melhor do que ninguém, ele deu suas respostas mais evasivas, o que logo resultou em um silêncio desconfortável, contornado habilmente pelo dono do Caldeirão Furado. As lojas ainda estão abertas, ele refletiu entre garfadas do macarrão. Ele poderia improvisar presentes para todos, Ginny com certeza poderia conferir com ele se não havia esquecido de ninguém e tudo ficaria bem, isto é, ninguém se ofenderia muito. 

Satisfeito com seu raciocínio, o ruivo paga a comida, apertando a mão do dono da loja com mais animação e sai às compras. Ele hesita, contudo, quando cruza com o Apotecário, afinal, Andrômeda gastou ingredientes e tempo com as poções que enfiou pelas suas mãos no último mês. Determinado a, pelo menos, levar algo para ela como um gesto de agradecimento, o Weasley entra na loja preferida dos pocionistas londrinos, saindo de lá com uma sacola consideravelmente cheia. Tonks ficará contente, ele pensa, ao retornar para as Gemialidades Weasley e selecionar alguns brinquedos para o Lupin mais novo.

Já são dezoito horas quando George cruza as portas do Hospital St. Mungus, sacola na mão e uma certa leveza atípica ao seu redor. Ele percebe os murmúrios de quem o reconhece como um Weasley: é bem comum confundirem-no com Rony, agora herói de guerra e jogador de quadribol, mas ele percorre rapidamente o caminho até a recepção central do Hospital. Uma bruxa com cabelos violeta o atende com um sorriso, que apenas aumenta quando ele indica a sacola de presentes que quer entregar para a Medibruxa Tonks. 

  – A sala dela é no décimo andar, Senhor George –  ela indica com uma piscadela o caminho para os elevadores – Não tem erro, ela mantém as portas sempre abertas, mas melhor correr, a Medibruxa Tonks sempre saí por esse horário, ainda mais no dia de hoje. 

Agradecendo, George segue o caminho. Para a véspera do Natal, o St. Mungus está mais movimentado do que ele imaginou. O elevador mágico do hospital é mais gentil do que o do Ministério da Magia, que embrulha o estômago da maioria dos navegantes de primeira viagem e logo George está encarando a porta já lacrada de Andie, um adesivo escrito com a letra da mesma:

 

“Feliz Natal e Solstício de Inverno! 

Volto apenas no dia 26. Para emergências, acione o medibruxo Saad.


Abraços, 

Curandeira Andrômeda Tonks”

 

Quando vira para pegar o elevador novamente, contudo, George esbarra em outra pessoa. Ela tem metade de sua altura, os cabelos escuros presos por uma fita e usa um conjunto de roupas que deixaria seu irmão Gui com inveja. Curiosamente, seu semblante não lhe é estranho. 

— Opa, desculpa – ele fala, segurando os ombros dela, impedindo que ambos caiam. 

A moça desvencilha-se rapidamente das suas mãos e, com uma olhada de cima a baixo, parece não se interessar muito pelo que vê. 

— Acontece – ela responde, movimentando-se para ler o mesmo bilhete que George, suspirando ao final.

— Paciente? –  ele pergunta.  

— Meu irmão era – ela responde, vaga. – Fica para a próxima, então. Incrível como ela nunca está aqui ao mesmo tempo que eu. 

Com um aceno, a bruxa vira de costas, pegando o caminho para as escadas mais próximas e começa a subir. George observa como ela parece se locomover pelo Hospital como quem o conhece bem. Existe algo irreverente na garota que impele-o a falar. 

— Feliz Natal para você também, anônima – George exclama, observando a garota pular de dois degraus em dois degraus. 

Antes de sumir pelo vão, a menina sem nome vira o rosto, abrindo um meio sorriso, parecendo confusa diante do cumprimento natalino. 

— Feliz Solstício… George – ela desvia o olhar com atenção para o adesivo em que o seu nome está escrito, sobrenome omitido para evitar conversas sobre sua família –   Eu tive um jabuti com o seu nome quando criança. É um bom nome. O meu é Astra. 

Ele sorri minimamente diante da aleatoriedade de Astra, mas antes que possa tentar continuar a conversa, a garota vira e segue correndo pelas escadas, sumindo de vista. Ao refletir sobre a possibilidade de estender ao máximo possível o seu horário de chegada n’A Toca, o rapaz decide, então, descer pelas escadas ao invés de tomar o elevador. 

Distraído, rapidamente o ruivo atinge o sétimo andar, e o pedaço de papel com as coordenadas de Tonks parecem queimar em seu bolso. Que mal poderia fazer encontrar a bendita Ala, não? Displicentemente, dessa forma, Weasley começa a caminhar pelo sétimo andar. O silêncio na área é sepulcral, mas ele está tão perdido em pensamentos, que não lhe parece estranho não cruzar com nenhum curandeiro. Não demora muito para que George encontre a porta indicada por Andie, porém, diferente do seu relato, há uma série de vitrais no corredor, que parecem tomar vida quando ele se aproxima. Prestando mais atenção nos desenhos, George percebe que uma carta astral se desenha através dos vitrais, cada um com uma constelação do zodíaco. Embora ele nunca tenha ligado muito para Adivinhação, a porta com o desenho de Gêmeos chama a sua atenção. O seu peito dói, e ele pensa nos presentes no seu bolso, e como falta um. A partir desse ano, sempre faltará um. É bem provável que a sua mãe tenha costurado o suéter natalino de Fred e ele não quer viver esse momento ainda, então George toca na maçaneta, aflito. 

Ele não chega a abrir a porta, vejam bem, porque não é necessário. Ao primeiro contato de sua mão gelada, o corredor parece vibrar e o ruivo encontra-se preso no lugar. As outras portas somem, e a maçaneta dissolve-se. Subitamente, George é quase empurrado pela porta, que se torna um portal. Uma série de palavrões atravessam a sua mente quando ele consegue ter algum senso de espaço ao seu redor. Aquilo definitivamente não é uma recepção normal, a não ser que a bendita Ala que Andie mencionou seja subterrânea e medieval, considerando o musgo nas pedras ao seu redor. Segurando a vontade de vomitar e a tontura, Weasley faz o que sabe melhor fazer: acionar o instinto de vigilância constante e pegar a varinha, pronto para a defesa. 

George, a princípio, tenta um Lumus, sem sucesso. Uma série de feitiços depois, ele apenas não dá gargalhadas de desespero porque não quer atrair qualquer tipo de atenção indesejada. O corredor é parcialmente iluminado por luzes azuladas no teto, e parece continuar igual pelos metros adiante. Varinha em riste, apesar de sua aparente inutilidade, ele anda cuidadosamente, logo reparando que as estranhas guirlandas e enfeites que encontra no corredor são sempre duplicadas. A sua caminhada, porém, encontra um fim após alguns minutos que duram uma eternidade, pois desembocando à direita, George enxerga o que parece ser uma saída daquele estranho corredor. 

O que ele não espera, contudo, é desembocar em uma sala circular com paredes tão altas que o teto parece simplesmente inalcançável. O chão continua pedregoso e com musgo por alguns metros, mas a umidade parece estar mais controlada, apesar das plantas que crescem pelo chão. O espaço tem o cheiro do laboratório de poções de Snape na Casa Grimmauld: é detestável, em resumo, e George apenas sente a tensão no corpo aumentar. Nada daquilo parece corresponder ao que Tonks havia mencionado. A sala parece ser feita de infindáveis gavetas que seguem ad infinitum até o teto, de onde há uma luz branca sai.

Curiosamente, a garota de momentos anteriores está lá, de costas para ele, com uma série de papéis flutuando ao seu redor, e muitas gavetas ao seu redor abertas. Ela murmura sozinha, claramente imersa no que analisa. Weasley não tarda em reconhecer o que mora em cada uma daquelas gavetas: corpos em feitiços de stasis. Aquele seria o necrotério do Hospital? Um arrepio passa pela sua espinha e George dá um passo em falso, quase escorregando, o que gera uma cacofonia de sons. 

A garota rapidamente assume uma posição de ataque, a varinha em riste. Seu rosto se contorce em confusão ao se dar conta de quem é sua nova companhia. 

— Você de novo? – pergunta, tensa, mas mantendo uma postura desinteressada. 

George arqueia uma sobrancelha e também levanta a varinha, apesar de duvidar da capacidade dos dois produzirem magia ali.

— Vem sempre aqui, Astra? – ele rebate. 

Ela não o responde, deslocando seu olhar para as várias gavetas que começam a se fechar e papéis que em questão de segundos voam para o teto inalcançável da sala. 

— Não, não, não, não – a garota parece genuinamente desesperada, correndo e pulando para tentar alcançar algum dos papéis. 

Tão focada nisso, ela não se dá conta do que George atesta com assombro. O teto antes tão distante está se tornando visível cada vez mais rápido e, na mesma medida, a sala circular está cada vez mais pequena e, na sua agonia, Astra simplesmente parece ignorante sobre o fato de que sabe-se lá onde eles se enfiaram, eles precisam correr dali. 

George sempre teve orgulho de se considerar rápido e em dois pulos, ele segura-a pelos ombros, indicando o teto de vidro que se torna mais próximo a cada segundo. Astra arregala os olhos e busca freneticamente uma saída. George tenta encontrar o corredor por onde veio, mas ele não existe mais naquele ambiente. Maldição. Tentando controlar o pavor que quer assumir seu corpo, ele puxa-a para o canto que aparenta ser mais reclinado do espaço. Astra corre com ele, mas aquele parece ser o prenúncio de uma estranha e trágica morte. Esmagados sem magia em uma sala desconhecida de um hospital, de todos os lugares. 

Quando a garota apoia as mãos na parede, contudo, runas começam a brilhar por toda a sala, e um túnel surge em questão de milissegundos, quase como berrando para que eles entrem logo, por favor, e é isso que eles fazem. Poucos momentos após se enfiarem pelo buraco, um creck é ouvido, e George poderia apostar que a sala circular não receberá visitas desconhecidas (ou conhecidas) tão cedo. Astra respira fundo contra a parede, e se agacha, encolhendo-se contra os seus joelhos. George também tenta recuperar a respiração, mas esse caminho é tão estranho quanto o anterior e ele puxa-a para que fique de pé. Ele não faz ideia ainda do que está acontecendo.

Esse túnel, diferente do primeiro, é claramente velho, mas é seco, quase como se tivesse terra batida no chão, terra que há muito não sente o frescor da chuva. Ainda, ele é iluminado por lamparinas mágicas com um formato que indica o seu caráter de relíquia, mas que continuam operando. George se lembra das histórias infantis sobre magia e espaços sentientes, e se pergunta quem mantém essas velas acesas. Astra recompõe-se rapidamente, e George analisa o rosto da garota novamente. Definitivamente ela não estudou na Grifinória quando ele foi aluno, ele se lembraria dela, pensa. 

— Eu não sei onde isso dá, mas eu adoraria não passar nem mais um minuto em algum lugar desconhecido que pode simplesmente desabar na minha cabeça – ela comenta, indicando o caminho que eles podem seguir adiante. 

Weasley engole em seco. Ele não conhece ela e faz pouco tempo desde que a guerra acabou. Aquilo, facilmente, poderia ser uma armadilha. O orgulho grifinório, contudo, faz com que ele concorde com a cabeça e comece a andar ao lado dela, observando simultaneamente as runas ao redor do túnel e como o perfil de Astra parece tremeluzir sob as luzes do túnel. Seu rosto brilha sob as flamas, os olhos monitorando todos os movimentos. Aquela garota, com toda a certeza, não passou pela Segunda Guerra Bruxa em segurança. Ele reconhece os ombros retesados dela em seus próprios. 

Eles andam em silêncio por vários minutos, tomando as curvas quando elas aparecem, em um zigue-zague que aumenta evidentemente a agonia de ambos. Subitamente, contudo, uma divisão aparece no caminho. Na direita, há uma pequena curva que desemboca em alguns degraus e, na esquerda, o caminho segue parecido, mas a luminosidade é mais clara e as videiras se enroscam nas pedras. 

Astra e George se encaram, prontos para uma discussão sobre se separarem ou seguirem juntos, quando o barulho de uma porta se fechando ecoa pelo túnel. Os passos breves que se seguem, do que parece um salto, se o Weasley tivesse que apostar, vem diretamente do lado direito. Astra movimenta o dedo para a boca, indicando silêncio e eles andam lentamente em direção às escadas.

George gesticula e murmura.

— Tem alguém aí. 

Astra olha-o com reprovação. 

A voz que parece falar consigo mesma chega antes da pessoa, de carne e osso, que a emite, mas os dois bruxos param em meio de caminho. George tenta localizar o timbre agudo, que quase lhe escapa a memória, mas a reação de Astra captura logo a sua atenção. A garota praticamente congela em meio aos degraus, reconhecimento inundando seus olhos e drasticamente alterando sua linguagem corporal. Weasley falha em ler o que o corpo da outra grita, porém ele se pergunta se ela mesma sabe tudo o que sente e demonstra, mas algo fica evidente na sua cabeça. Ele só ouviu falar de uma Astra em Hogwarts, uma menina mais nova, e, se a sua memória não estava terrivelmente errada, com um destino familiar trágico e nebuloso. Aquela é Astra Selwyn e, quem quer que esteja perto, a conhece bem. Ele deduz quem irá encontrar ao captar o murmúrio da moça, que fala consigo mesma, incrédula.

Pansy?

Se essa é a Pansy que ele já ouviu falar, definitivamente, a noite só fica mais estranha. Eles descem os degraus juntos. 


 


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Notas finais do capítulo

no próximo, finalmente, as coisas esquentam rs



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