Roderick e seus doze irmãos escrita por Wi Fi


Capítulo 17
Trégua


Notas iniciais do capítulo

PENÚLTIMO CAPÍTULO!!

Nem acredito que finalmente estou postando esta história até o fim. Como já falei, demorei um ano para escrever, então está sendo um prazer chegar aqui nesse capítulo.... mas também já estou com saudades.
Sem mais delongas....



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O convite de Lady Caroline teria vindo como uma surpresa, se Roderick não soubesse que dia era aquele. Fazia três meses da morte de seu pai.

 Eles tinham uma relação cordial – das madrastas que Roderick tivera, Caroline certamente era a mais agradável – mas raramente passavam algum tempo sozinhos, fora de situações familiares. Ele andava preocupado com o casamento, ansioso pela chegada de sua noiva, e talvez isso começasse a transparecer para todos ao seu redor.

— Vamos, Roderick. Uma caminhada vai te fazer bem, rapaz – disse ela, gesticulando para que ele se levantasse da poltrona onde andava afundado.

Era uma manhã agradável, como a maioria delas costumava ser naquela época do ano. Sentiam de longe o cheiro do pão sendo feito nas cozinhas e na aldeia, e o Sol já brilhava suavemente sobre suas cabeças. Caminharam silenciosamente para longe do castelo, para os campos mais periféricos. Roderick não sabia de que assunto poderiam possivelmente falar. A única coisa que tinham em comum eram o conde Ewan, e os pequenos Tom e Elsbeth, os dois filhos que ela surpreendentemente tinha tido com o conde, apesar da idade. Mas as duas crianças tinham Roderick como pouco mais que um estranho. Um irmão mais velho invisível, que estava sempre a viajar e que lhes trazia presentes, mas não era nem de longe uma relação tão familiar quanto ele tinha com Moira e Cat.

Quando a saúde do conde começou a piorar, Caroline, os filhos e o conde mudaram-se por alguns tempos para uma casa no campo, mais próxima da família dela, onde Ewan teria alguma paz. Fionna, na época, reclamou. O lugar do conde era no castelo, junto do povo. Mas Roderick de certa forma discordava. Quem sabe aquela mudança foi responsável por dar ao seu pai mais alguns anos de vida, e alguns momentos de alegria?

Cansado do embaraço de estar há tanto tempo em silêncio, ele decidiu finalmente puxar conversa.

— Eu fiquei surpreendido em saber que a senhora não protestou a decisão de Fionna em legitimar os bastardos – ele disse – Achei que iria se ofender, por causa de Tom e Elsbeth.

Caroline riu.

— Eles passaram de décimo segundo e décima terceira na linha de sucessão para décimo sexto e décima sétima – respondeu – Não é uma diferença tão importante para mim, sinceramente. E duvido que para eles seja também. Estão mais preocupados com seus bonecos de palha e seus pôneis do que com qualquer outra coisa.

— Agora podem não se importar, mas no futuro poderão zangar-se consigo por causa disto. Não faz muito tempo que no Sul houve uma guerra civil por causa de uma questão destas.

O sol reluzia nos cabelos castanhos de Caroline, agora um pouco grisalhos, formando quase que uma auréola ao seu redor. Ela tinha poucos anos a mais que Fionna, mas a maternidade tardia lhe trouxera um ar de sábia anciã – mesmo que não fosse assim tão velha.

— Tens razão. Mas o Destino tem as suas piadas… quando eu era nova, sempre pensei que seria uma honra, um privilégio ter um filho meu na linha de sucessão para o nosso reino— ela comentou – Eu e minha família sempre fomos grandes idealistas, sobre o nosso futuro, sobre tudo… mas depois que eu vi o que o poder realmente é, o que ele faz com uma pessoa, eu decidi que quero o trono muito longe dos meus filhos. Prefiro que eles vivam em paz do que terem um nome num livro de História.

Roderick assentiu. Não esperaria uma posição menos sensata dela. Ele se perguntava como diabos ela tinha acabado por gostar de seu pai. Entretanto, as reflexões de Caroline não o tranquilizavam muito em relação ao seu próprio futuro, já que agora ele era o segundo na linha de sucessão, e seus filhos o seguiriam. A viúva pareceu ter se apercebido do mesmo, diante da mudez de Roderick.

— Oh, sinto muito rapaz. Não quis te preocupar ainda mais. Muito pelo contrário! Eu consultei as minhas cartas de ler o futuro, quando a Fionna nos contou do noivado. Perguntei aos deuses antigos sobre a próxima geração de pequenos Donnes. Eles me disseram para não me preocupar, e que estariam em boas mãos, com bons pais. Mesmo que fossem metade sulistas!

O jovem lorde riu.

— Os deuses te disseram esta última parte?

— Não, essa eu acrescentei. Mas não deixa de ser verdade! – brincou Caroline – Eu sei que tu e a tua noiva já eram…próximos enquanto estavam em Daire. Tenho certeza de que o Destino não os uniria por outro motivo.

Roderick sentiu o rosto corar. Então a informação de que ele e Francisca eram amantes muito antes de serem noivos já havia se espalhado pelo resto da família. Esta é a maldição de ter irmãs, ele pensou.

Antes que percebesse, tinham chegado ao cemitério. Caroline então se afastou dele por alguns instantes, em direção a um arbusto de prímulas. Ela se abaixou e colheu algumas, com cuidado. Roderick se questionou se o seu pai merecia tantas flores delicadas.

— Achas que a tua noiva vai gostar de Gayern? – perguntou Caroline, limpando as mãos sujas de terra em seu vestido simples.

— Eu me pergunto isso todos os dias. Talvez devesse perguntar aos deuses…

— Eu até perguntaria. Mas não se deve abusar da paciência deles.

— É claro – Roderick concordou, sarcasticamente – Bom, eu certamente gostei de Daire. Não me importava de passar o resto da vida lá. Francisca viveu uma vida de luxos, que eu gostaria de lhe oferecer aqui, mas… esse não é o jeito que as coisas funcionam em Saye.

Caroline assentiu, pensativamente, e voltou a caminhar. Roderick seguia alguns passos atrás.

— É muito fácil se apaixonar pelo calor e pela fartura – ela comentou – Mas o amor de verdade não existe só nos momentos bons.

Roderick assentiu, em silêncio. Ela tinha razão. O que seria de Francisca ali? Em meio à guerra, ao tempo horrível, às pessoas estranhas?

Chegaram ao túmulo de Ewan. Pouco havia mudado desde que ele estivera ali pela última vez.

— De qualquer forma, fico feliz por ver-te a casar, Roderick. Teu pai estaria orgulhoso – disse Caroline, abaixando-se para deixar as flores em cima da campa.

Roderick chiou.

— Eu não sei disso, senhora. Nada do que eu fazia era bom o suficiente para ele. Estaria reclamando por eu ter demorado tanto tempo, ou porque ela é estrangeira, ou porque é mais nova que eu…

— Oh, não diga isso rapaz. Teu pai gostava muito de ti. Tu eras o filho preferido.

— Não por escolha. Finley era o preferido, eu fui o que sobrou.

— Não é nada disso, Roderick. Ele falava tanto de ti, mesmo quando estava doente. E quando estavas no mar, ele ficava preocupado, mas elogiava tua persistência – Caroline abanou a cabeça, e voltou o olhar para ele – De todos os filhos, é o que mais se parece com ele.

— O que?

Não poderiam estar a falar da mesma pessoa. Roderick não conseguia se lembrar da última vez que ouvira seu pai o elogiar. Nos últimos anos, tinham evitado um ao outro. Haviam discutido tanto no passado, que decidiram firmar aquele pacto silencioso de deixarem-se em paz.

— Se há alguém parecido com o pai, é a Fionna. O Finley também era – respondeu Roderick.

— Eles podem ser mais próximos do que o Ewan que tu conheceste. Mas tu és muito como o teu pai também, quando ele era jovem.

Caroline arranjou as flores cuidadosamente, formando algum tipo de símbolo místico que Roderick não conhecia.

— A primeira vez que eu vim para Gayern foi para homenagear o nascimento da Griselda, se não me engano. Eu mesma era só uma adolescente, mas me lembro de quando vi Ewan pela primeira vez – contou a viúva, com os olhos a brilhar – Era tão cortês, estava tão feliz. Ele ria, e fez com que minha família se sentisse muito bem-vinda. O jeito que ele falava, as expressões em seu rosto… tudo isso vejo em ti hoje. É claro, ele mudou muito com o tempo… especialmente depois da tua mãe.

Se fechasse os olhos, Roderick quase conseguia ouvir o som longínquo do riso de seu pai. Um som que ele ouvira tanto na infância, mas que agora quase desaparecia de sua memória.

— Ele não mudou depois da minha mãe morrer. Ele deixou de existir, simplesmente – Roderick resmungou, olhos agora fixos na lápide – Ele estava lá, mas não era uma pessoa.

— Tens de ser mais compreensivo. És demasiado novo para te lembrar do que era a vida logo depois da guerra. Teu pai foi conde antes mesmo de nascer. Ele via inimigos em todos os cantos, porque poderia haver inimigos em todos os cantos. Ele perdeu a família toda, e assim que começou a refazê-la, perdeu a tua mãe. Deves perceber, não? Imagina como ficarias se agora perdesses a tua noiva?

Roderick sentiu aquilo como um soco no peito.

O medo de perder Francisca era quase constante naqueles últimos dias. Havia tanta coisa que poderia dar errado. E se o seu navio naufragasse? E se os breatorianos descobrissem seus planos e a sequestrassem, ou matassem?

Ele perderia a cabeça.

Mas era diferente. Ele não era Ewan. Não podia ser.

— Nós éramos filhos dele. Éramos crianças – contestou Roderick - Ele nos deixou com empregados e governantas. Precisávamos dele, mais que qualquer coisa.

— E ele estava lá, não estava? Para a maioria das pessoas, ficar órfão leva à desgraça. Mas vocês ainda tinham teto e comida.

— Mas estávamos aterrorizados! Não sabíamos o que era a morte. Só sabíamos que a nossa mãe não estava lá, e agora ele também não falava conosco – protestou - Precisávamos de um pai para nos abraçar e nos dizer que ia ficar tudo bem.

Roderick parou. Sentia a voz embargar, e não queria chorar. Não era hora para isso. Ele tinha mais preocupações do que mágoas de infância mal resolvidas.

Nada disso passou despercebido por Caroline. Ela se levantou, e pôs uma mão no ombro dele.

— O nosso maior mal como país é que estamos inevitavelmente presos ao passado – suspirou ela – E as pessoas também. Não fiques agarrado ao que já não volta, Roderick. Não vai adiantar nada.

Ele se lembrou das palavras de Blair.

Queria ter me despedido dele. Queria lhe ter dito… queria lhe ter dito que não guardava rancor.

— Mas o que eu posso fazer então? Se eu não posso falar com ele agora, tudo o que me resta são as lembranças – murmurou Roderick.

— Mas ainda podes falar. Eu falo o tempo todo com os meus mortos – disse Caroline com um pequeno sorriso – Inclusive com o teu pai.

— Como sabes que eles estão a ouvir? É preciso de pedras ou cartas mágicas? – ironizou o lorde.

Ela deu de ombros.

— A magia não está nos objetos, Roderick. Está nos nossos sentimentos, é assim que sabemos que eles nos ouvem. E acredita em mim, eles também respondem. Vais sentir.

A conversa foi interrompida quando duas criaturinhas surgiram a correr em direção a eles.

— Mamãe, mamãe! – gritou Tom, com sua boca desdentada – O pônei da Elsie me deu uma cabeçada!

— Ele só estava a brincar contigo, Tom! – respondeu sua irmã – Não sejas tão chorão!

— Ele queria me morder!

— Pôneis não mordem!

— O teu morde!

Caroline respirou fundo e apoiou as mãos nos quadris.

— Parem de gritar no cemitério, vocês dois! – repreendeu – Tom, estás machucado?

O rapaz olhou para o chão, subitamente muito interessado na lama aos seus pés.

— Não, mas…

— Então assunto resolvido. E já agora, nem cumprimentaram direito o vosso irmão, que modos vocês têm!

— Oi, Roderick! – exclamaram as duas crianças quase em simultâneo.

Elsbeth abriu um enorme sorriso, as bochechas sardentas cheias de orgulho.

— Roderick, sabia que para o teu casamento a mamãe vai me deixar usar uma coroa de flores?

— É mesmo, Elsie? – respondeu o lorde – Tenho certeza de que vais ficar muito bonita.

— É verdade que a tua noiva não fala sayeno? – perguntou Tom.

— Não, Tom, ela fala bastante bem, na verdade. Eu a ensinei, quando estava em Daire, e ela é muito inteligente.

— Mas ela fala como nós ou fala com aquele sotaque esquisito do Sul?

— Certo, já chega de importunar o Roderick – Caroline decidiu, cruzando os braços – Digam adeus e vamos nos arrumar para o almoço.

— Adeus Roderick!

— Adeus, miúdos. Adeus, Caroline.

— Adeus, rapaz – a viúva disse, já a meio caminho para fora do cemitério, sendo puxada pelos dois filhos – Lembra-te da nossa conversa!

Roderick assentiu, e voltou os olhos para o túmulo novamente. As palavras de Caroline pulavam de um lado para o outro em sua cabeça, ecoando no espaço vazio deixado pelo medo, pelo luto e pelo rancor.

Ter compaixão pelo pai era algo que ele nunca pensara em fazer. As suas memórias juvenis de um homem ausente, inconstante, explosivo e inexplicável se sobrepunham a qualquer piedade que pudesse ter. Mas pensar que ele e o velho conde pudessem ser mais parecidos do que ele imaginasse… certamente punha tudo em perspectiva.

O jovem lorde suspirou, e ajoelhou-se, passando as mãos levemente sobre as prímulas. Não acreditava nos esoterismos de Caroline, muito menos sabia o que aquelas flores significavam, mas confiava que se ela tinha tanto carinho pelos mortos, aquilo certamente seria algo de reconfortante para a alma de Ewan.

Roderick deixou-se fechar os olhos, e conjurar em sua mente uma imagem de seu pai. Pensou primeiro no velho de quem se despedira ao partir para Daire, cansado, ossudo, deitado numa cama fria. Mas aquele era apenas o estado final de Ewan.

Buscou memórias mais antigas. Da época de sua mãe. Lembrou-se de quando ele, Fionna, Blair e Finley se reuniam embaixo das cobertas do quarto de um deles, com o conde a ler-lhes uma história para dormir, enquanto Elinor bordava ao lado dele. Será que em breve seria ele a ler história para suas crianças, com Francisca ao seu lado? Será que algum dia seus filhos o odiariam, como Finley odiou Ewan? Ou simplesmente desistiriam de entendê-lo, como ele mesmo fizera?

Não. Estava disposto a não repetir este ciclo.

Colocou a mão no centro do símbolo, pressionando-a contra a campa, sentindo o frio da pedra.

— Muito bem, pai. Trégua – murmurou para si mesmo.

Uma brisa veio e abanou as árvores ao seu redor. Ele ergueu os olhos, observando as folhas que caíam preguiçosamente, até algumas cobrirem a lápide.

Ele podia não ser esotérico, mas algo lhe dizia que seu pai havia respondido.


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Notas finais do capítulo

Eu me perguntei muito como iria escrever sobre os dois irmãos mais novos do Roderick. Afinal, ele tem pouca relação com esses dois. Então o que fez mais sentido para mim era abordar a proximidade dele com a mãe deles.

No próximo capítulo, o epílogo, finalmente conhecemos a Francisca!



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