1578

Era para ter sido mais uma viagem normal de navio. Levavam alguns suprimentos para as ilhas – tecidos, principalmente. Caixas e caixas empilhadas no porão do navio.

Navegar no fim do outono era complicado. As tempestades se formavam sorrateiramente, e às vezes quando eram notadas, já era tarde demais.

Foi exatamente o que aconteceu.

O navio se encontrava no meio de ondas enormes, e uma chuva incessante. Roderick se balançava de um lado para o outro, tentando se agarrar às cordas que prendiam a carga, tanto para proteger a mercadoria quanto para proteger a si mesmo. Seus colegas não estavam muito melhor. O pobre coitado do capitão estava ainda agarrado ao leme, tentando evitar que batessem contra as rochas.

Roderick já havia passado por outras tempestades daquelas. Não deveria ser diferente.

Mas foi.

De supetão, o navio se inclinou drasticamente para um dos lados, e a mão de Roderick soltou-se da corda. Ele se desequilibrou, escorregando através do convés descontroladamente até suas costas baterem na amurada.

Vozes gritando ordens e pedidos de ajuda. As ondas se quebrando contra o casco. O ranger de cordas e da madeira. Foi tudo que ele conseguiu registrar antes de cair no mar gelado.

Não se lembrava bem do que tinha acontecido depois. Só se lembrava do frio. Não saberia dizer quanto tempo estivera na água – devia ter sido pouco, pois não teria conseguido nadar por tanto tempo no mar revolto. Lembrava-se de agarrar uma corda que lhe haviam jogado, e de ser içado de volta ao navio. E da dor insuportável que sentia nas costas.

Rostos e mãos o acompanharam para o interior do navio. A cabine do capitão. Alguém – teria sido Conall? -  lhe tirou a roupa e lhe deu uma nova, seca. Foi soterrado por cobertores, e subitamente tinha um copo com algo escaldante nas mãos. Voltaram imediatamente para o porto de Gayern.

No castelo, as notícias da tempestade já haviam se espalhado. Roderick já estava melhor, mas ainda tremia de frio. Mal deixaram que ele caminhasse sozinho – uma comoção de criados e familiares se juntaram e ele. Foi prontamente jogado em sua cama, e mais cobertores o cobriram. O pai pôs-se ao lado da cabeceira de sua cama, de braços cruzados, o encarando. Fionna, do lado oposto, ajudava o irmão a tomar uma sopa.

— Eu sabia que isto iria acontecer, mais cedo ou mais tarde – ela murmurou – Caralho, Roderick, podias ter morrido…

— Ele não morreu, morreu? Está bem aqui – respondeu o conde, de cara fechada.

— Não devias tê-lo deixado brincar de marinheiro, pai.

— Ele é um adulto, Fionna. Ele toma as próprias decisões.

Fionna bufou. Deixando a sopa de lado, ela cobriu o rosto e soluçou. Roderick tomou a sua mão, fracamente.

— Eu estou bem – ele disse – Não tenho mais frio. Mas minhas costas doem…

— Os médicos disseram que deves te mover com cuidado – Fionna respondeu, secando as lágrimas com a manga do vestido – Cala-te e fica deitado.

Ficou o resto do dia acamado, e o dia seguinte também, embora já tivesse se recuperado bastante ao fim da primeira noite. Fionna mal deixava o seu lado. Ele nunca a tinha visto tão preocupada.

Seu pai o visitava nas refeições também, mas não falava nada. No último dia em que Roderick esteve a descansar, foi vê-lo sozinho, pela noite. Trouxera-lhe seu cachimbo, e o jovem lorde ficou muito agradecido pelo ato. Os dois compartilharam o fumo. Ao acabarem, o conde disse simplesmente:

— Tua irmã está certa. És meu filho mais velho, Roderick. Não podemos te perder. Talvez seja hora de deixar a Academia de lado.