Um Reino de Monstros Vol. 2 escrita por Caliel Alves


Capítulo 14
Capítulo 3: A Pedra Filosofal - Parte 4




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Havia uma turba de milhares de pessoas em frente. Era impossível ver alguma coisa com menos de um metro de altura no meio daquela muralha humana.

Ela agitou suas mãozinhas no ar. O homem que segurava sua mão firmemente a pegou pela cinturinha e a colocou nos ombros. Finalmente a menina pôde ver os balões multicoloridos no céu. Cada um tinha uma estampa diferenciada, rodopiavam soprados pelo vento.

Aquele era um dos maiores e mais comemorados feriados de Alfonsim, o Festival dos Balões. Evento criado após os alquimistas que usaram balões derrotarem as forças invasoras da Horda na Primeira Grande Guerra.

Todos os anos, nessa época de ventos amenos, eles realizavam uma emocionante corrida nos ares. Os competidores não podiam usar a Transmutação Aeriforme. Qualquer técnica que empregasse magia desclassificava o competidor. Assim até os não alquimistas poderiam participar.

— Veja, Letícia, daqui a alguns anos você e se irmão também estarão competindo. Os Dumont realmente nasceram para dominar o céu, hahahaha.

A garota agitou os braços e cantarolou feliz. Com as suas pequenas mãos, ela tentava como que capturar os aeróstatos. O pai sorria com as tentativas vãs de a filha pegar os enormes balões, flutuando de modo preguiçoso.

As nuvens brancas formavam um plano de fundo perfeito para o balé dos ares.

De repente, houve um estrondo, um dos balões havia sido atingido.

— PAIIIIIIIII!

A explosão formou uma esfera de fogo, que foi incendiando todos os outros aeróstatos.

— NÃOOOOOOOOOOOOOO!

O som emudeceu ao sair da garganta, trazendo uma agonia infinita. Letícia tentou chamar o pai, convencê-lo a fugir, mas nada disso adiantou, ele continuou como uma rija estátua. Enquanto isso, a Horda avançava pelos céus.

Quanto mais ela se debatia, o mundo a sua volta se tornava lento e se desintegrava.

De repente, a pequena alquimista apertou os punhos, fechou os olhos e começou a declamar:

— Isso é apenas um sonho, isso é apenas um sonho, isso é apenas um sonho...

— Isso realmente não é um sonho, mina... é um pesadelo!

Quando ela abriu os olhos, já não era mais a pequena garotinha que via o Festival dos Balões com o seu pai. A general-brigadeiro apertou os lábios e sorriu.

Tudo à sua volta tinha mudado, ela e o ilustre visitante pairavam em cima das nuvens.

— Muita ousadia sua invadir meus sonhos e usar minhas memórias afetivas contra mim.

— Tecnicamente eu só posso invadi os teus sonhos com minha Trepanação Onírica, e usar sua instabilidade mental para criar os pesadelos. Tua cabecinha é muito zoada, hein! Como tu sacou que era eu?

— Meu pai nunca me levou para ver o Festival dos Balões. Ele era organizador, íamos com a mamãe... diga-me, o que fizeram com o meu irmão, seu monstro?

— Isso aí ninguém sabe. Acho que nem mesmo o capitão sabe. Mas agora que eu tô aqui, sabe como é, num tô fazendo nada, nem tu também...

Kuromaru sacou a sua chokuto e ascendeu aos céus com a espada descrevendo uma vertical. Letícia se preparou para a investida do inimigo.

A lâmina de fio mui finérrima e reta desceu. O tengu aplicou uma grande força nos braços avermelhados. As veias saltaram nos antebraços. O quimono se agitou como uma bandeira recebendo uma lufada de vento.

— Transmutação Aeriforme – Éolo.

No mesmo instante, as mãos da alquimista foram alterando os átomos do ar, impregnando-os com a sua energia mágica, dobrando a matéria a seu bel-prazer. O ar em redor de Letícia começou a vibrar, e essa mesma vibração cresceu como uma onda e aos poucos as suas mãos já formavam uma massa de ar enorme.

O monstro ainda cravou a sua espada. Mas quando a explosão aconteceu, ele foi arremessado atrás das nuvens. Diferente de outras ocasiões, ela não se sentiu cansada.

Se tudo está acontecendo na esfera dos sonhos, então posso sonhar que estou derrotando-o.

— E, olha a mina!

A lâmina passou tão rente à cabeça dela que suas madeixas foram cortadas, deixando-a com um cabelo curto e assimétrico.

Dando um salto mortal, ela escapou de Kuromaru e caiu em cima de uma nuvem. A alquimista fechou os olhos e fez um grande esforço tentando imaginar uma situação.

Quando terminou, eles já estavam no solo. Esse cenário que resultou do estímulo do consciente na manifestação onírica dela, ou melhor, ela construiu o seu sonho de modo consciente.

— Geralmente as minhas vítimas acabaram sendo derrotadas no primeiro assalto. Poxa, tu tá dificultando mesmo...

O campo de batalha era uma enorme jaula, apoiada num vazio infinito. Kuromaru olhou para os lados, para cima e para baixo, realmente era uma prisão.

— Eu sou só isso pra você, alquimista, um passarinho na gaiola?

O monstro soltou um assovio, debochando da visão da militar. Ela, por sua vez, mantinha a sua concentração. Ele havia invadido os seus sonhos, o plano era prendê-lo lá.

O piso da gaiola gigante era formado por uma extensa plataforma de granito.

O tengu voou se dependurando nas grades. Letícia impregnou as suas mãos com energia mágica e as chocou contra o solo. No mesmo instante, surgiram estalagmites de granito.

— Transmutação Telúrica – Mísseis Acúleos.

Ele tentou desviar. O monstro voou por toda a extensão da gaiola, mas a munição dela não acabava. Kuromaru foi atingido, o sangue roxo gotejou das asas feridas. O tenente caiu no chão, prostrado. Ele uniu as mãos e fez um sinal com os dedos entrelaçados. Depois entoou um mantra e as asas foram recolhidas para dentro do corpo.

— Eu desisto! Desculpe-me, mas eu não vim pra brigar, não...

— Ora, seu!

Em poucos instantes, um mosquete havia aparecido na mão de Letícia, e a arma estava apontada para o nariz do inimigo. Uma gota de suor escorreu do seu rosto.

Ele fez uma bandeira branca aparecer na mão direita. A alquimista baixou a arma.

— Viu só?

— Você só inventou isso porque eu entendi o funcionamento de sua conjuração. Além do mais, pelo que eu entendi: essa magia divina não provoca ferimentos mortais, estou certa?

Kuromaru embainhou a espada e alisou os seus cabelos espetados e grisalhos.

— Bem, é verdade, mas podem deixar muitas cicatrizes, krukrukru...

— O quê disse?

— Olha, né por nada não, é que o capitão Pazuzu ordena que tu abaixe as armas e sirva o nosso rei Zarastu com toda pompa e orgulho, morou?

— Desculpe, eu não entendo essa sua tagarelice de corvo.

— Se rende, fia. Tu tem uma semana, e olhe lá, viu!

— Nem pensas. Para essa medida desesperada, vocês monstros já sabem que o Monstronomicom chegou aqui. Não iremos mais ficar acovardados com a Horda.

— Tu que sabe...

As imagens desvaneceram, se apagando como um borrão num papel. Quando tudo se tornou uma massa de cor branca e uniforme, Letícia acordou. Ao seu lado estava Saragat, impondo as mãos como se rezasse. Seu corpo se moveu pesado.

Ela olhou para os pés, a sombra do conjurador estava conectada à sua. O servo de Nalab desfez a conjuração lhe devolvendo os movimentos. Ela bocejou, mas não sentia mais o sono profundo que a atormentava dias atrás.

Estava na enfermaria ao lado do mascarado. Rosicler e uns militares do serviço médico também a observavam, todos em meio às centenas de camas e feridos de guerra, muitos deles mutilados.

— Huah, agora quem ficou com sono foi eu. Estamos há três dias tentando te despertar desse coma em que você se meteu. Eu tive que usar a minha Prisão da Sombra em ti. Você esperneia e grita demais enquanto dorme.

A alquimista pulou da cama, sentia todo o seu vigor retornando ao corpo.

— Três dias... isso é tempo demais.

Ela tentou caminhar, mas uma fraqueza súbita a atingiu. Ela foi amparada pela ladra.

— Calminha, viciada em trabalho, a gente precisa de você inteiraça para acabar com a Horda.

— Onde está aquele garoto, o Tell?

— Foi dá um rolezinho por Alfonsim.


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