CelleXty Saga escrita por Basco Khassan


Capítulo 2
Um mutante em minha casa!


Notas iniciais do capítulo

...ser um mutante nos anos 1990, no Brasil, não era uma tarefa fácil. Alguns afortunados conseguiam oportunidades de estudar fora do país, mas a grande maioria tentava ainda se manter na clandestinidade.



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Primavera de 1992.

 

O tempo segue o seu caminho, cicatrizando e amadurecendo as vidas que cruzam por ele. No país, os olhos apreensivos da população acompanhavam com preocupação a decisão da Câmara dos Deputados que aprovou o pedido de Impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello que é afastado do governo. O seu vice, Itamar Franco, assume o cargo de Presidente. Pouco tempo depois, acontecia o massacre na penitenciária do Carandiru, em São Paulo, causando a morte de 111 detentos. A culpa do massacre recaiu, segundo rumores a detentos mutantes. Estes teriam sido encarcerados com humanos e uma dívida de jogo e cigarros teria acendido o estopim! Mesmo que não houvesse provas que mutantes teriam começado a rebelião, eles foram usados como “bode expiatório” pelo comando militar. Uma maneira de camuflar o que realmente havia acontecido!

Após a tentativa de assalto há cerca de um ano que quase lhe tirou a vida, a libanesa Thamine voltou a trabalhar na área de saúde incentivada pelo fato infeliz ocorrido no estacionamento do Shopping Eldorado. Durante as manhãs em um consultório particular e às tardes auxiliando colegas no Hospital Municipal. Hoje era um dia para descansar!

Aproveitando o final de semana para organizar a casa a bela libanesa, de traços marcantes e postura elegante mantinha os olhos firmes no relógio enquanto aguardava o bolo de chocolate com nozes e damascos, no forno, ficar pronto. Sentada à mesa, segurava entre os dedos um porta-retratos. Da janela do pequeno apartamento situado no bairro de Itaquera, ela perdia-se em pensamentos e recordações. Sentia falta de seu marido e filho. Para completar a situação, descobrira que seu filho caçula diferia! Basco, agora com 14 anos, era um mutante, dotado de poderes que ainda não sabia controlar! O adolescente de pele morena e de estatura mediana tentava não chamar a atenção das pessoas, mas seus poderes saiam do controle sempre que ele passava por algum momento de estresse emocional. No começo as manifestações de seus poderes eram esporádicas e se resumiam a transmutar o seu corpo em “fumaça”, como Basco pensava. Com o tempo, as mudanças se tornavam mais constantes. Para tentar acalmar o garoto, Thamine revelou a Basco que seu pai também era um mutante poderoso e que o menino não deveria ter vergonha de quem era, porém, ter cautela sobre as responsabilidades que futuramente viriam com o que ela chamava de dádiva.

Em seu quarto repleto de pôsteres de bandas de Heavy Metal como Iron Maiden e Sepultura, Basco tentava se distrair ao som do bom e velho metal — como costumava dizer. Enquanto virava sua fita K-7 do lado A para o lado B no Walkman, sua memória revisitou, as lembranças dos fatos ocorridos no Shopping Eldorado em 1991. Ouvindo suas músicas prediletas, o garoto desbravava sua imaginação mesclando as recordações com lembranças vagas de seu pai Edher e do seu irmão mais velho… Igon! Sua mãe pouco falava sobre ambos. Talvez as recordações para ela fossem doloridas, pensou ele. Durante esses meses, Basco treinava em segredo a controlar os seus poderes em locais afastados da cidade. Não existia um professor ou uma cartilha pronta ensinando como ser um mutante. Secretamente, Basco “matava” aulas diversas vezes para ir até ruínas de um velho condomínio desabitado e praticar.

Thamine ouvia falar constantemente sobre os mutantes nos últimos anos, principalmente nos Estados Unidos o que a fez pesquisar mais sobre o assunto e a “condição” do filho! Os mutantes eram grupos de indivíduos que possuíam poderes extraordinários, mas que infelizmente eram marginalizados e excluídos pela sociedade que os temiam e odiavam e isso, como Thamine constatou, ocorria em qualquer lugar do mundo! A experiente libanesa ficou chocada ao saber de um massacre aos mutantes ocorrido nos túneis do metro de Nova York há alguns anos. Ela temia que as autoridades brasileiras pudessem bater à sua porta a qualquer momento. Memórias antigas de perseguição vinham à sua mente. As lutas pelas quais seu marido e ela mesma passaram nos anos 1970 e 1980. O medo de que seu filho passasse por exames que comprovassem o Fator X em seu “DNA”, poderia ser a ponte para tratá-lo como criminoso e os dois poderiam ser até mesmo deportados para o Líbano. Isso era o que ela menos queria. Havia segredos em sua terra natal. Segredos que Basco ainda não tinha idade para saber em relação à equipe conhecida como Os 99 de Allah. A deportação poderia pôr em risco a vida e a alma de seu filho e isso ela não iria suportar. Perder Edher e Igon já fora por demais doloroso. Não perderia o único amor que ainda lhe restara!

 

Sexta-feira. 19h45min.

O som do motor denunciava a chegada de visitas na casa de Thamine em um bairro popular no município de Itaquera, grande São Paulo! A campainha tocou insistentemente tirando a libanesa de seus pensamentos no cair da noite. Basco não percebera a chegada do estranho homem de cabelos grisalhos para quem sua mãe abrira a porta! Ele vestia um elegante terno cinza chumbo e trazia consigo apenas uma pasta preta. Um adolescente negro e de cabelos cacheados o acompanhava. O homem falava português, mas com um forte sotaque europeu. Apresentou-se como Erik Lehnsherr, um professor de uma escola norte-americana conhecida como Escola do Professor Charles Xavier para Jovens Superdotados, e que descobriu sobre o dom de Basco, decidindo, assim, vir ao Brasil conhecê-lo pessoalmente, o que deixou Thamine surpresa! O rapaz que o acompanhava era brasileiro e se apresentou como Roberto da Costa, também um mutante como Basco, como revelou o professor. A libanesa os convida a se sentarem, enquanto lhes ofereceu xícaras de chá fresco de hortelã e frutas vermelhas. Roberto aceita sem pensar duas vezes.

Thamine não imaginava como aquele homem sabia sobre os dons de seu filho, mas o Sr. Lehnsherr trazia uma proposta tentadora à Thamine: levar o garoto para estudar na sua escola, dos Estados Unidos, por um curto período. Uma escola destinada a pessoas “especiais” como ele. Lá, segundo o homem, Basco teria uma educação de qualidade exemplar, além de treinamento para controlar os seus dons mutantes. Thamine recusara de início, mas os argumentos do professor se mostraram bem persuasivos quando ele abre sua pasta e mostra, através de um pequeno laptop, que os rumores sobre as perseguições, no Brasil, estavam corretos. Os vídeos mostravam como o exército brasileiro ainda continuava a reprimir e a caçar os mutantes, invadindo as casas de famílias que possivelmente abrigavam membros mutantes em seu meio e os levavam à força. Segundo o Sr. Lehnsherr isso já acontecia no país desde o ano de 1813 quando os primeiros casos de mutantes foram registrados. Com o aumento das manifestações mutantes ocorrendo pelo país, após os anos 1930 e com a influência brasileira em guerras externas, as Forças Armadas intensificavam as ações e com respaldo legal, pois até mesmo a primeira Constituição Federal de 1824 e o decreto 4766 de 1.º de outubro de 1942 eram usados como respaldo para caçar mutantes foragidos. As denúncias, segundo o professor eram incentivadas pelas autoridades e a mídia influenciava a opinião pública a denunciarem possíveis manifestações do fator X. As imagens que o Sr. Lehnsherr mostrava em seu laptop revelavam o que possivelmente aconteceria a Basco caso passasse pelo registro mutante que, naquele ano, também começava a ser implantado em alguns países sul-americanos secretamente. Cenas de prisões, torturas e experiências indescritíveis deixaram a mãe de Khassan perplexa, porém, estranhamente centrada em suas emoções. Thamine se convenceu que o lugar de seu filho já não era mais no Brasil e aceita a proposta do professor Erik para que Basco possa estudar fora do país, porém, deixou claro que não foi pelos vídeos que o Sr. Lehnsherr mostrou. Thamine olhou fixo nos olhos do homem por alguns segundos. Ela se levanta e se aproxima da janela da sala. A rua estava calma e o céu com nuvens pesadas ameaçava uma forte chuva em breve: 

— Conheço o senhor, professor Lehnsherr! Revelou Thamine ainda olhando pela janela. — … Magneto, o mestre do Magnetismo e inimigo ferrenho dos mutantes chamados de X-MEN. De terrorista mutante a professor da Escola Xavier? Confesso que é um grande salto para a sua redenção sem dúvida. O conheci assim que cruzou a minha porta. Eu já havia visto sua foto estampada em cartazes de procurados ao lado de fotos do meu marido quando morávamos no Líbano.

— Estou surpreso! — Respondeu Erik olhando para Roberto que quase engasgou com o chá! — Minha reputação me precede, sem dúvida, mas acredite quando eu digo que quero o melhor para os meus alunos. Minha carreira vilanesca ficou no passado, minha cara!

— E o que o Professor Xavier acha disso tudo?

— Charles partiu em uma missão de cunho pessoal há alguns meses, contudo, ele mesmo me convidou para assumir a escola em sua ausência. Garanto-lhe que não formamos terroristas e sim cidadãos e mutantes conscientes do seu papel na sociedade, Sr.ª Khassan.

— É verdade senhora Khassan. — Interrompe Roberto da Costa — O professor X jamais confiaria a nossa escola ao Sr. Lehnsherr se ele ainda fosse um vilão. Meus amigos e eu somos alunos na escola. Aprendemos a controlar os nossos poderes e não deixar que eles nos controlem.

— De que papel se refere “professor”? — Pergunta Thamine, parecendo ignorar a fala de Roberto — O de vítima em constante perseguição? Acuado por uma sociedade opressora e com medo? Os vídeos que me mostrou apenas provam que meu filho não estará seguro onde quer que vá.

(Magneto se aproxima de Thamine com serenidade no rosto e olhar fixo na anfitriã) — Serei sincero, Srª Khassan. Prefere esperar os militares invadirem sua casa, ou pior, vocês viverem fugindo pelo resto de suas vidas? Estou dando a oportunidade de seu filho poder obter o controle pleno sobre seus poderes, parar de viver com medo e conviver de maneira pacífica com os humanos como meu amigo Charles sempre ansiou aos seus alunos e nisso em uma das melhores instituições de ensino norte-americanas.

— Talvez esse mundo pacífico não exista Sr. Lehnsherr!

A fala de todos é interrompida quando Basco chega até a sala. A conversa chamou sua atenção, afinal de contas era o seu futuro que estava sendo colocado à mesa. Roberto se apresentou a ele e estendia a mão em cumprimento. O garoto parecia contente e deveria mesmo estar, afinal de contas o número de mutantes brasileiros estava decaindo em decorrência da perseguição. Roberto sentia orgulho a cada mutante brasileiro que encontrava, mas até o momento nenhuma das famílias havia permitido que seus filhos seguissem com Magneto e ele para os Estados Unidos. Por mais que não concordasse com os métodos de Magneto, Thamine já havia ouvido falar na reputação acolhedora do Professor Charles Xavier e se este confiou sua escola ao Mestre do Magnetismo, possuía uma boa razão para fazê-lo. Thamine também estava ciente das “matações de aula” de Basco que a cada dia se tornavam mais frequentes. Ela também temia que Basco pudesse ferir a si mesmo ou a alguém em um momento de fúria. Pensando na segurança de seu filho, ela permite que Basco siga com Magneto e Roberto da Costa. Magneto explica a Basco um resumo do que o futuro lhe reservava, mas caberia apenas ao garoto tomar esta decisão!


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