Prelúdio escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
Prelúdio




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'Cause it's some kind of sin
To live your whole life
On a might've been

Fazia algumas horas que, do porão vazio, fixamente estudava o teto de pé direito alto da sede dos Vingadores, que terminava ao final da espaçosa escada em espiral dezoito andares acima. Lá no alto, uma claraboia de vidro cobria todo o espaço do hall principal, iluminando e tornando o ambiente o mais moderno possível. Ali embaixo, contudo, as sombras já começavam a tomar conta - em nome do fim de tarde, em nome de sua habitante mais costumeira. 

Felizmente, todos utilizavam os elevadores para se locomover entre os andares, deixando a escada e a porta de emergência de lado, o que lhe conferia alguma privacidade e paz em detrimento de todo o movimento que os novos heróis causavam. Estes não eram como eles, Wanda notou assim que retornou ao conglomerado de construções Stark nos arredores de Nova York, não carregavam muito peso em suas almas jovens e pouco conflituosas. 

Enquanto isso, ela se arrastava em silêncio pelos corredores de paredes gritantes e opressivas daquele lugar, vontade alguma de se abrir àquelas pessoas. Depois de tudo, não desejava cultivar laços novamente, fossem os antigos, fossem os novos. Os Vingadores precisavam dela e ali estava, isso era tudo. 

Sabia que todos encaravam a mulher ruiva muito fechada com alguma desconfiança e receio. A maioria conhecia sua história pelos jornais e tabloides, desde muito tempo antes de Thanos e do Estalo, por isso conseguia ouvir os sussurros em suas mentes, sentir a animosidade crescente sempre que se fazia presente em algum ambiente, assim como os questionamentos daqueles que não a compreendiam. Bem, não via qualquer necessidade de ser compreendida por qualquer um que fosse. Não mais, ao menos - não realmente. 

— O que está fazendo? 

A voz a tirou de seus devaneios sem que tivesse percebido a aproximação sempre cautelosa e discreta de seu dono. Com ele, havia certo tipo de paradoxo: às vezes, se via consciente demais de sua presença por toda a sede; outras, mal conseguia notá-lo, o que a perturbava em algum nível.

Deitada na escada sem se incomodar com a dureza dos degraus às suas costas, voltou apenas os olhos ao soldado apoiado no corrimão em suas costumeiras vestes pretas e botas de solado tratorado, parecendo pronto para começar a subir o lance onde Wanda se mantinha inerte. Bucky Barnes, num geral, a deixava ansiosa. Entrelaçou os dedos sobre o próprio abdômen e encarou novamente a claraboia ainda sentindo os olhos claros tranquilos sobre ela, apenas a medindo em curiosidade.  

— Estou imaginando formas de destruir a torre de Stark para deixar seu espírito furioso. 

O viu olhar para cima pensativamente e soltar um riso baixo ante o humor ácido, como que numa piada interna, antes de lentamente subir os degraus, se sentando sem muita cerimônia ao seu lado para encará-la de cima, involuntariamente tirando toda a sua atenção do teto iluminado da sede. 

Bucky também tentava compreendê-la, sabia, mas um tanto hesitante, à distância; podia, literalmente, sentir sempre que o pegava a encarando do outro lado de uma sala ou durante os treinos, como se soubesse de algo, como se também pudesse notar algo vindo dela. Gostaria que ele soubesse que não se incomodava quando isso partia dele - diferente dos estranhos -, pois não conseguia levantar muitas resistências aos olhos azuis examinando cada traço de seu rosto. 

— É… É uma boa forma de acertar as contas. 

O observou deliberadamente voltar a fitar o longínquo teto iluminado por um instante, pouco preocupado com o passado dela com Stark, pois também tinha um histórico bastante contestável com o Homem-de-Ferro e sua família. Ou, ao menos, o Soldado Invernal tinha. 

— Você conseguiu? - Bucky se voltou à ela em questionamento visível e Wanda suspirou, quase não conseguindo evitar de se encolher contra si mesma. Falar de tudo o que aconteceu sempre a resignava, tornando seu sotaque ainda mais pesado e os dedos ainda mais apertados uns nos outros. - Fazer as pazes com o passado? 

Com muita facilidade, podia vasculhar todo o interior do soldado em um piscar de olhos, mas sabia como a mente dele havia sido traumatizada por anos de invasão não consentida, a tortura da HYDRA que o transformara no homem sucinto e silencioso que via agora. Wanda não tinha o direito de brincar com a mente de ninguém, mas quando se tratava de Bucky sempre hesitava mais. 

Num reflexo dela, o viu apertar os lábios de maneira contrariada e também se acomodar contra a escada, a cabeça apoiada no mesmo nível que a sua, logo ao seu lado, tão próxima que pode acompanhar os músculos saltarem tensos na altura do pescoço tal era a forma como sempre acompanhava com ansiedade cada movimento dele. Não precisava de mais nada para saber a resposta, mas gostava de conversar com ele, embora isso nunca tivesse ficado muito claro - achava. 

— Não. 

Eles sustentaram o silêncio sem muitos problemas, mas era como se um ímã captasse sua atenção diretamente para o perfil bem desenhado e os fios escuros de aparência macia, cortados de forma mais parecida a quando era somente um soldado leal à Steve Rogers nos anos 40.

Molhou os lábios, desejando poder fechar os olhos e lamentar por si mesma naquele bolo conhecido tensionando em sua garganta sempre que se deixava cair na espiral em que Bucky, sem saber, a colocava. Culpa involuntária, recordações doces e sentimentos conflitantes. Wanda não deveria ser tão atenta a tudo aquilo, mas era incapaz de sufocar tanto dentro de si quando tinha consciência de tanto sobre ele, sem que ele sequer soubesse disso. 

Então, Bucky se virou, parecendo pronto a dizer algo a julgar pelo brilho determinado nos olhos diretamente presos nos dela. O instante foi tão longo, ou ao menos assim soou, que Wanda se perguntou se havia algum resquício dela no fundo da mente traumatizada dele, nem que fosse pouco, uma mera impressão, um vislumbre difuso ou algo do tipo. Notou que prendeu a respiração apenas pela possibilidade de algo tão improvável, não conseguindo evitar a própria tolice. 

Antes que o soldado pudesse continuar, contudo, o ruído do elevador se abrindo um andar acima soou alto e ambos se voltaram sem pressa à figura ofegante e desastrada se debruçando contra o guarda-corpo da escada para avistá-los em animação pouco contida.

— Ei, estranhos! - A garota do arco, que aparentemente idolatrava Clint, Kate Bishop cumprimentou alheia à qualquer coisa que acontecia ali. O que acontecia ali? - O Capitão pediu para avisar que não vai tolerar mais faltas de vocês às reuniões quinzenais do QG.

Não se esforçou para pensar em uma resposta adequada e simplesmente a mirou, sem se importar com a pouca educação que vinha demonstrando com todos e esperando que Bucky se pronunciasse, mas ele também não o fez, o que levou a arqueira a arregalar levemente os olhos em seu jeito espevitado antes de anunciar, sem graça, que os esperaria na reunião. 

Ouviu o longo e pesado suspiro vindo dele, aparentemente cansado de toda a burocracia governamental envolvendo a sede e os Vingadores, além do eterno jogo de vontades políticas ao qual eram submetidos. Conhecia bem o sentimento, conseguia também identificar a chama rebelde crescendo nele para fazer a coisa certa, apesar da lealdade inquestionável à Sam. 

Então, Bucky tomou impulso para se sentar, juntando as mãos sobre os joelhos antes de fitá-la denovo. O brilho diferente que a aquecera momentos antes havia se perdido em nome da constatação, mas ela apenas aguardou em quietude, permitindo que o sargento organizasse suas ideias. Eles eram bons em respeitar os silêncios um do outro. 

— Desde que voltou, você parece mais… Solitária. - Ele franziu o cenho para si mesmo quando Wanda engoliu em seco. - Mais do que o comum, ao menos. 

Se Wanda pudesse voltar no tempo, corrigiria aquela bagunça sentimental que havia se tornado sobre Bucky Barnes. Mas aprendera da pior forma como utilizar seus poderes para atender a interesses pessoais questionáveis não resultava em consequências agradáveis. Ali estava em apenas mais uma dessas vezes e ele jamais imaginaria como havia se internalizado sob cada poro dela. 

— Sempre serei solitária. - Murmurou, cortando o peso que os olhos dele tinham sobre os dela ao dar de ombros e torcer os dedos uns nos outros, pensativa ao estreitar a visão para a claraboia cada vez mais escura metros acima. - É o meu fardo, eu acho. 

— Não tem que ser assim. 

Bucky declarou com mais convicção do que esperava e ela só pode discordar com um meneio de cabeça, embora perseguisse a própria certeza. Já havia feito escolhas o bastante para que voltasse atrás por causa do contato inesperado que vinham tendo. Não era justo, nem com ela e nem com ele, que o fizesse enxergá-la nos recônditos perdidos de sua psique depois de todo aquele tempo. Wanda era a mulher com um passado trágico, poderes incompreensíveis e escolhas questionáveis com quem os Vingadores trabalhavam, isso era tudo que os restava. Tinha que ser. 

— Eu estou bem, não se preocupe. 

Garantiu mais rapidamente do que deveria, vendo-o sorrir um tanto amargo pela óbvia mentira escapando de seus lábios com facilidade, tantas foram as vezes em que a contara. O viu juntar os dedos enluvados de maneira pensativa, o cenho mais grave do que de costume, como se travasse uma luta interna consigo mesmo. 

Desejou que pudesse mergulhar na mente dele para compreendê-lo perfeitamente, de forma muito além do que as emoções superficiais que captava permitiam. Em Bucky, era raro que não houvesse alguma agonia não identificada abrindo espaço por sua essência e naquele momento não era diferente. 

Não conseguiu evitar que os olhos marejassem diante da aparente impotência com que lidava com aquele tipo de sentimento. Tinha consciência de que era uma constante para ele, mas, dessa vez, conhecia bem demais a origem da dor: era aquela peça que não se encaixava no eterno quebra-cabeças de peças faltantes que em que fora transformado. A sensação que nunca o deixava, mas soava como se quisesse transbordar ali, nos ombros tensos e na mandíbula apertada.  

Teve vontade de passar os braços ao seu redor e descansar o rosto no espaço entre os ombros e o pescoço, mergulhando sem culpa no perfume que a envolvia por inteiro enquanto percebia e prolongava o silêncio crescente, típico deles. Também queria alcançar suas mãos e dizer que não precisava andar com aquelas luvas por todo o lugar, como se precisasse esconder o que era, pois aquela não era uma vergonha que deveria ser sua. 

No entanto, mais do que qualquer coisa, nos momentos em que se cruzavam sem que tivesse previsto, desejava o peso do brilho de reconhecimento nos olhos invernais, por mais irresponsável que pudesse ser. Apesar disso, tudo o que via neles era confusão e frustração. 

— Eu sempre me preocupo com você. Não me pergunte por quê.

Wanda estacou, forçando-se a se manter no lugar enquanto o acompanhava se levantar e a olhar, degraus abaixo na escada, como se buscasse uma resposta, a pressionando sem que soubesse. Quis agradecer, no mínimo, mas no momento em que decidiu abrir a boca, o alarme alto da sede soou por todos os lados quase ensurdecendo-os, denunciando uma provável invasão. 

Apesar disso, não conseguiu se mover, tão concentrada e perdida estava nas feições de Bucky, o qual mirou o teto à distância em um outro suspiro contrariado quando as luzes se apagaram apenas para que as de emergência ligassem, iluminando-o em vermelho. 

— Você vem? - Wanda piscou, a sensação de déjà vu a tomando por completo. 

— Em um minuto.

Sua resposta distraída não pareceu ter chamado a atenção dele, que apenas a estudou por mais um segundo antes de acenar com a cabeça e se voltar rapidamente ao elevador que o levaria até o hall principal, lá em cima, agora mais Soldado do que Bucky. 

Foi apenas quando ouviu o som das portas se fechando que conseguiu respirar novamente, as luzes de emergência mal a preocupando em comparação à sufocante dor permanentemente instalada em seu peito, transbordando na lágrima que insistentemente segurara antes.

Já conseguia notar algum movimento de luta metros acima e, por isso, se colocou de pé, recompondo-se para levitar em magia escarlate até onde Bucky estivesse. Também se preocupava, independente dos caminhos que tomava. Bons ou ruins, tudo que o sempre restava à Wanda eram os destroços de si mesma para lidar. 

FIM


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Notas finais do capítulo

Olá!!!

Mais uma história desse casal/não casal que têm tanto a ver que dói.

Aqui, é uma possibilidade totalmente alternativa, onde Sam está comandando os Vingadores e Wanda faz uma concessão para ajudá-los. Eu gosto muito do que a fase 4 está fazendo com os personagens que nos foram apresentados aos poucos, então explorar essa possibilidade é muito interessante pra mim.

É claro que, em relação à Wanda e Bucky, é apenas um prelúdio de um enredo que eu pensei que envolve os dois no passado. Pode vir a se tornar uma história maior... Mas por enquanto esse tiro de inspiração foi o que me veio à mente e eu adoro quando eles vêm assim, numa tacada só.

Então, se você curtiu essa abordagem, deixe um comentário pra eu saber se agradou ou não ;) É um incentivo muito importante, mas é claro que poder discutir as possibilidades é o que faz tudo mais legal!

Até uma próxima! ♥



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