Paradise: A Carlesme Fic escrita por daylightsx


Capítulo 1
Paradise


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Espero que vocês gostem dessa história que eu escrevi com tanto carinho sobre esses dois perfeitos ♥



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Eu estava há três dias, sete horas e vinte e cinco minutos sem dormir. Como eu sabia disso? Ah. Essa informação foi relativamente simples de contabilizar. Eu estava esse tempo todo pensando em como eu fui enganado por Ambra, minha noiva. Ou ex. Agora, aquela informação não fazia mais diferença. 

O sol da Itália me convidava para sair do quarto, andar pelas ruas e aproveitar o resto da viagem, mas a única coisa que eu conseguia era ficar deitado, olhando pela janela. 

Olhei o relógio. Eu tinha exatas três horas para chegar ao aeroporto e iniciar meu embarque. Estava tudo arrumado. Meu hotel ficava há quinze minutos do local. Eu não precisava correr, mas não aguentava mais ficar preso naquele quarto. A verdade era que eu não aguentava mais ficar naquele país. Tudo me lembrava ela, toda a situação. Sabia que a Itália não tinha a mínima culpa dos incidentes que aconteciam em seu território e que eu não deveria tomar ódio de um país tão lindo, mas eu simplesmente não sabia mais controlar meus sentimentos. 

Eu estava cansado. Meu corpo pedia desesperadamente por descanso, mas eu não conseguia fornecer a ele o que ele pedia. Eu nunca tinha me sentido assim, nem nos meus piores plantões. A diferença era que minha cabeça não estava cheia. Eu não conseguia desligar. Estava há três dias completamente ligado, ansioso. 

Tomei um banho rápido, pois sabia que o famoso ritual do banho que "tira suas preocupações" definitivamente não funcionava para mim. Além disso, eu queria sair daquele quarto o mais rápido que eu pudesse. 

Terminei de me vestir e me olhei no espelho. Eu estava pálido, com o cabelo despenteado. Parecia um cara fantasiado de vampiro para o Halloween, mas de muito mau gosto, com olheiras arroxeadas profundas. 

— Por Deus, Carlisle – falei com a imagem no espelho, e soltei um bocejo. Seria perfeito se eu conseguisse dormir como um ser humano normal. 

Peguei minhas malas e fui conferir os documentos, inscrição e minha passagem para o Congresso Internacional de Medicina, que aconteceria no Brasil. Foi nesse momento que Eleazar passou pela minha cabeça. 

Peguei meu celular e disquei seu número. Enquanto chamava, pensei que ele poderia não atender por conta da diferença de fuso, mas depois do terceiro toque ele atendeu. 

— Eleazar? Você pode falar agora? – perguntei. 

— Carlisle? O que você quer uma hora dessas? – perguntou Eleazar, com voz de sono. 

— Ah, me desculpe – lamentei, tentando lembrar a diferença do fuso horário da Itália para o Brasil. – Eu ligo mais tarde. 

— Agora que você já me acordou… – ele riu. – Pode falar. 

— Bem, é uma história longa, que eu pretendo contar só quando eu chegar no Brasil – comecei. 

— Ah, pelo amor de Deus – resmungou do outro lado da linha. 

— Mas o que eu preciso é importante – garanti. – Eu preciso de algo que me ajude a dormir. Eu não durmo há três dias. E vou fazer uma viagem longa, e eu estou exausto. 

— Espera, você… Eu não estou entendendo nada – falou, confuso. – Por que você não está dormindo? Não era para você estar com a Ambra? 

— É sobre isso que falaremos no Brasil — enfatizei. – Eleazar, eu só preciso de algo que me faça relaxar pelo período do vôo. Pode ser até remédio para enjôo, tanto faz. Eu só quero dormir! 

— Você sabe que essa não é a melhor maneira, não é? – disse, sério. – E sabe também que eu não concordo com isso, principalmente não sabendo das condições em que você se encontra. 

— Eu sei que não, Eleazar – respondi. – Mas você também sabe que eu poderia fazer isso sem você, simplesmente escrevendo uma receita com o primeiro remédio que me vier a memória. 

— Ok, ok – ele disse. – Não vá fazer merda. Até onde eu sei, você não é psiquiatra. 

— Mas você é – respondi. 

— Olha, eu vou te passar alguns nomes. Esses são bem leves, você compra até sem receita. Vou passar por mensagem. Tem alguns naturais também, se puder, prefira esses – explicou. 

— Claro – concordei. Só queria algo que me ajudasse. 

— Carlisle? – perguntou Eleazar. 

— Eu espero que você tenha uma explicação para isso – começou. – Na verdade, eu espero que você esteja bem. Quero meu amigo inteiro aqui. 

— Eu vou estar, Eleazar – falei. – Prometo. 

Me despedi do meu amigo enquanto fechava minhas malas. Eu finalmente ia embora daquele lugar. 

Fiz o checkout no hotel e peguei um táxi até o aeroporto. Roma parecia feliz demais, viva demais para alguém que estava quebrado por dentro. O taxista falava um italiano rápido, e comentava alegre sobre um festival que aconteceria daqui há algumas horas na cidade, e que seria uma pena que eu estava indo embora, pois assim não poderia aproveitá-lo. 

— É realmente uma pena – falei apenas, num italiano muito enrolado. Sempre achei essa língua muito difícil, e mesmo depois de anos me relacionando com Ambra, não tinha aprendido muita coisa. 

Eu não estava triste por não ter a oportunidade de não ir ao festival. Eu pouco ligava para isso. Eu estava mal por ter perdido anos da minha vida com alguém que eu achava que me amava de verdade. 

Quando chegamos ao aeroporto, ele continuava a falar, e eu apenas concordava com a cabeça. Eu já tinha parado de entender o que ele falava há alguns minutos. 

— Ok, hm… Grazie* – falei, meio sem jeito, entregando o dinheiro ao homem alegre.

*Obrigado

Ele se despediu de mim e me ajudou a tirar a bagagem do porta-malas. Eu ainda tinha duas horas. Fui fazer o check-in e despachar minhas malas, o que não demorou mais que vinte minutos. Passar pela imigração também foi relativamente fácil, e não me tomou muito tempo. Cerca de uma hora depois, eu estava sentado na sala de embarque, olhando os aviões pousarem, apenas esperando meu voo ser chamado. 

Meu celular vibrou com uma mensagem. A primeira pessoa que me passou pela cabeça foi Ambra, mas recordei-me que tinha a bloqueado de todas as redes sociais. Pensar nela era força do hábito, um que eu precisava desesperadamente mudar. Abri o aplicativo de mensagens e vi que era Eleazar, me recomendando os medicamentos que eu tinha pedido. 

Digitei uma mensagem de agradecimento a ele, e fiquei olhando aquela lista por um tempo. Olhei para a farmácia que estava do outro lado da sala de embarque, bem do lado de uma livraria e de uma loja de perfumes. Bloqueei o celular, me levantei e andei até a frente da farmácia, mas desisti de comprar qualquer coisa. 

Desejava me distrair, tirar Ambra da minha cabeça. Para isso, eu tinha certeza que um livro poderia me ajudar. Eles sempre foram os meus melhores amigos e certamente não iriam me abandonar agora. 

Para uma livraria de aeroporto, essa era bem abastecida, e não tão cara. Havia uma grande quantia de livros em italiano, mas muitos em inglês. Calculei meu tempo de voo. Eu tinha cerca de treze horas até chegar ao Rio de Janeiro. Precisava de um livro bom, ou até dois.

Depois de muita procura, escolhi dois títulos. Para combinar com meu estado de espírito deplorável representado pelas minhas olheiras – que eu mantinha plenamente cobertas com óculos escuros –, escolhi "Drácula", de Bram Stoker. Sempre adorei histórias de vampiros, de todos os jeitos. E o outro, chamado "Midnight Sun". Eu não sabia sobre o que falava, mas ele estava exposto numa pilha enorme, com uma placa preta, que sinalizava "O mais vendido". Enquanto eu estava dentro da loja, vi pelo menos cinco pessoas indo até a pilha e pegando o livro sem pestanejar. Aquilo me chamou tanto a atenção que me enfiei no meio daquelas pessoas e peguei um exemplar. A sinopse me chamou atenção, pois contava a história de um vampiro que se apaixonou por uma humana. A capa era bem bonita, fazendo com que eu ficasse com mais vontade de comprar. 

Assim que saí da loja, anunciaram o início do embarque do meu voo, e fui direto para a fila formada no portão de saída. 

Eu finalmente deixaria a Itália para trás, mas nem todas as lembranças e sentimentos. Esses, demorariam um pouco para ir embora. 

 

Durante as excruciantes horas passadas no trajeto Itália-Brasil, o livro do vampiro apaixonado me fez companhia. A história dele era muito envolvente, e me conectei muito com o personagem. Ele, coincidentemente possuía o nome que eu sempre quis dar a um filho meu, caso eu um dia o tivesse: Edward. Mas agora, esses planos estavam cada vez mais distantes para mim. Muito, muito distantes. 

Eu não parei de ler o livro por um minuto sequer, até terminá-lo. Quando finalmente o fiz, me senti mal. Não queria ter abandonado a atmosfera tão bem criada pela autora. 

Olhei para a mini tv que fornecia o tempo de voo e trajeto. Ainda estávamos um pouco distantes, mais umas cinco horas. Eu, ainda sem sono. Levantei-me para ativar a circulação sanguínea, e fui até o banheiro. Ao me olhar no espelho, mais uma vez me assustei comigo mesmo. O cansaço era notável. Lavei meu rosto, na esperança que a água melhorasse alguma coisa. 

Saí do banheiro e encontrei a comissária de bordo no corredor. Rapidamente, ela me perguntou se eu desejava comer algo, mas neguei. A única coisa que eu queria era dormir, mas isso parecia impossível. Bom, pelo menos nisso eu me identificava com Edward. Ele era um cara legal. 

Sentei-me novamente na minha poltrona, e peguei o outro livro. A leitura daquele foi um pouco mais complicada, mas tão boa quanto. Mas em uma competição, eu ainda preferia o primeiro livro. 

Faltavam cerca de dez páginas para o fim da minha leitura, eu já estava nas curiosidades e estudos sobre o autor quando anunciaram o pouso. 

 

Cerca de uma hora depois do pouso, eu estava esperando minhas malas na sala de desembarque. Aproveitava o Wi-Fi do aeroporto para tentar me comunicar com Eleazar, para saber aonde deveria ir, mas o maldito não me respondia. 

Fazia muito calor no Rio, e eu já estava fritando por dentro, mesmo com o ar condicionado do aeroporto. Assim que peguei minhas malas, saí da sala de desembarque, ainda meio perdido, mas a primeira pessoa que vi assim que cruzei a porta automática que separava a esteira de bagagem da área comum do aeroporto foi Eleazar. 

Ele estava de braços cruzados e sorriso no rosto, como sempre. Nunca era um tempo ruim para meu amigo. Ele sempre tentava ver o lado bom das coisas, mesmo quando elas pareciam não ter. 

— Custava você responder a droga das mensagens? – falei para ele, assim que estava mais perto. 

— É bom de ver também, Cullen – ele me abraçou. – Quanto tempo, não? 

— Eleazar, nós nos vimos semana passada – ri, devolvendo o abraço.  

— Muito tempo! – exclamou. – Para quem se vê todos os dias desde o primário, fez a escola, ensino médio e faculdade juntos… Uma semana é tempo demais, meu amigo. 

— Ok, ok – falei. – Só não deixe a Carmen saber que você sente mais saudades de mim do que dela. 

— Com ela é diferente – ele riu. – Ah, tome, antes que eu esqueça. 

Ele me entregou um chip de celular, enquanto andávamos para o estacionamento. 

— Ah, obrigado. Estava mesmo preocupado com como ia me comunicar aqui. 

— Não há de quê – respondeu Eleazar. 

— E como está Carmen? – perguntei. 

— Ótima, mandou um abraço – respondeu, me ajudando a colocar a bagagem no porta malas do carro. – Está na praia. 

— Ah, ótimo. Infelizmente acho que não vou ter tempo de me render a esse prazer – lamentei. 

— Nem vem, Cullen – Eleazar fechou o porta malas com força. – Você acha que eu esqueci, né? Nós vamos conversar. 

— Tava demorando – murmurei, entrando no carona. 

Eleazar entrou no carro logo atrás de mim e deu partida. 

— Cara, o que aconteceu? Eu nunca te vi assim – começou. – Você foi para a Itália para encontrar com aquele seu amigo cirurgião, o Volturi. Aí depois ia ficar com a Ambra uns dias. Em que parte a merda aconteceu? 

Eu realmente não queria ter que lembrar tudo aquilo de novo, mas não tinha muita escolha. Além disso, Eleazar era meu melhor amigo. Não escondia nada dele. 

Então, expliquei tudo o que aconteceu na Itália, em detalhes. 

— Meu Deus – exclamou. – Cara, isso é meio inacreditável. Eu achava que vocês iriam se casar. Sei lá, vocês estavam juntos há mais tempo que eu e Carmen. 

Foi só isso o que ele conseguiu dizer, parado como um bobo, de boca aberta, com o carro estacionado no estacionamento do hotel. 

— Agora você entende o porquê de eu ter perdido meu sono? – perguntei, irônico. 

— Sim, entendo – respondeu. – É, Carlisle, você tem um problema. 

— Jura? – ri, saindo do carro. 

Pelo menos eu ainda conseguia rir da minha desgraça. 

— Mas olha, as coisas vão melhorar – ele falou. 

— Eu estou tentando pensar positivo, mas é difícil. Eu estou cansado, isso passa pela minha cabeça o tempo todo. É como se eu não desligasse, mesmo precisando muito. 

— Eu entendo – disse ele, enquanto me acompanhava até a recepção. 

Fiz meu check-in rapidamente, pois o hotel já tinha todas as informações necessárias. 

No elevador, eu e meu amigo continuamos a conversa. 

— Eu estou realmente desanimado – voltei a falar. – Queria ir para casa. 

— E rever todas as suas lembranças com ela? – ele perguntou. – Vai ser pior ainda. Vocês têm fotos espalhadas pela sua casa, ela tem roupas no seu closet. 

— É verdade – murmurei, coçando a cabeça. – Bem, me lembre de mandá-las de volta quando voltarmos. 

— Claro – concordou. – Não que eu ache que você vá esquecer. 

— Na verdade, eu não queria nem ter que olhar para as coisas dela – falei. – Seria bom ter alguém para poder correr quando essas coisas acontecem, sabe. Além de vocês, é claro. 

— Você sente falta deles, né? – perguntou meu amigo, e eu sabia que ele falava dos meus pais, falecidos há algum tempo. 

— Sim – falei, apenas, e refleti por um tempo sobre a saudade. 

 

— Carlisle – chamou Eleazar. Estávamos na porta do meu quarto, que era ao lado do dele e da esposa. 

— Sim? 

— Tente descansar – falou. – Por um momento, tire Ambra da sua cabeça. Finja que ela não existe, que nunca existiu. Concentre sua imaginação em outra coisa, vá ouvir uma música nova, um podcast, ver um filme ruim. Aos poucos, você vai superar isso. 

— Eu espero – falei, com a mão na maçaneta da porta. – Obrigado, amigo. 

— Não há de quê – ele disse. – Se precisar, é só chamar. 

 

Meu quarto era maior do que eu pensava. A organização do Congresso havia nos hospedado muito bem. O local era amplo, com uma enorme cama de casal, com lençóis perfeitamente brancos e passados. Do outro lado, as cortinas que saiam do alto da parede e iam até o chão escondiam a porta de vidro que dava para a varanda do quarto, que me presenteava com uma bela visão da praia de Copacabana. 

Eu realmente não tinha motivos para reclamar. 

Tomei um banho e desarrumei a mala. Meu corpo dava altos sinais de cansaço, mas de fome também. Porém, eu não queria sair do quarto e ter que socializar com qualquer pessoa que não fosse Eleazar ou Carmen, por isso, resolvi pedir comida no quarto. 

Poucos minutos depois, meu pedido chegou. Havia pedido apenas um sanduíche e um suco de laranja. 

Assim que comi, resolvi seguir o conselho de Eleazar. Minha vida não poderia girar ao redor de Ambra, pois ela mesma já seguia a dela sem mim. Liguei a tv e comecei a ver um filme qualquer que passava no canal, mas logo desisti, pois ele estava em Português. 

Peguei meu celular, e comecei a ouvir um pouco de música clássica. Ali, olhando para o céu do Rio de Janeiro, consegui esquecer um pouco dos meus problemas. Pensei que talvez eu precisasse daquilo. De um novo começo. Não tão longe de casa, mas de qualquer forma, de uma nova maneira de ver a vida. Então, eu finalmente adormeci. 

 

Quando finalmente acordei, estava totalmente perdido. Não me lembrava mais onde estava, que dia nem que horas eram. O céu estava escuro lá fora. Peguei meu celular, e as letras se embaralhavam na tela. Eu parecia um bêbado, mas me sentia mais revigorado. Joguei o aparelho na cama e me levantei, meio tonto, e fui até o banheiro. Joguei água fria no rosto, e dei uma olhada no espelho. Eu estava menos pior do que antes: a aparência de vampiro tinha ido embora, depois das horas de sono, mas eu estava completamente amarrotado. 

Voltei para o quarto e peguei o celular, enquanto soltava um bocejo. Ah, como era bom dormir. Quando finalmente vi o dia e o horário, me assustei. Dormi por quase um dia inteiro, mas eu não me culpei. Realmente estava precisando colocar o sono em dia. 

Depois de um tempo rodando pelas redes sociais – que eu mantinha apenas por conveniência, não gostava de nenhuma e não as alimentava – resolvi abrir meus emails de trabalho e mensagens. Vi algumas mensagens de amigos perguntando o porquê do sumiço repentino, outras de Eleazar brigando comigo por não acordar nunca e de Carmen dizendo para eu dormir mais. No fim, mesmo sem saber, segui o conselho da minha amiga. 



Os dias de Congresso foram corridos. Mal tive tempo para conversar com meus amigos sobre algo que não fosse trabalho. A parte boa era que esses encontros eram os locais perfeitos para fazer bons negócios. 

Durante os dias, conheci potenciais investidores para minha clínica de obstetrícia no meu país natal, os Estados Unidos. Pelo menos esse âmbito da minha vida ia bem. 

 

No penúltimo dia de viagem, eu, Carmen e Eleazar almoçavamos juntos em um restaurante na orla da praia de Copacabana quando eles me fizeram uma proposta… inesperada. 

— Carlisle – chamou Carmen. – Eu e Eleazar estávamos pensando em ficar mais um tempo aqui no Brasil. 

— Estender a estadia, sabe – completou meu amigo. 

— Sei… – falei, meio incerto, esperando que eles continuassem a falar. 

— E nós queremos saber se você quer ficar também – continuou Carmen.

— Acreditamos que vai ser muito bom para você – Eleazar voltou a falar. – Depois de tudo. 

Parei um tempo para pensar. Eu realmente precisava de um tempo para mim. Depois de tudo o que aconteceu, precisava pensar em tudo e colocar a cabeça no lugar. Queria recomeçar. 

— É… – comecei, depois de um tempo. – Eu nunca pensei nisso, para ser sincero, nunca tirei férias, vocês sabem. Mas acho que pode ser uma boa. 

— É sério? – perguntou Eleazar. 

— É ué – confirmei. 

— Meu Deus! – gargalhou, alto – Vai nevar no Rio! 

  – Deixe de ser exagerado, homem – falou Carmen, rindo do marido. – Vai ser incrível, Carlisle. Tomei a liberdade de escolher o destino da viagem, mas é aqui perto, e eu acho que você vai gostar muito. 

— Não vamos ficar aqui? – perguntei, confuso. 

— Bem, vamos ficar no Rio, mas vamos para uma ilha – explicou ela. – É perfeita, você não vai se arrepender. 

— Bem, se fosse o Eleazar que tivesse escolhido o destino, eu teria desistido, mas como eu confio em você, vou até de olhos fechados – disse, pegando sua mão e depositando um beijo nela. 

— Você é um palhaço – falou meu amigo, do outro lado da mesa, fazendo sua esposa rir. 

— Bem, se não vamos voltar para os EUA, quando vamos para a tal ilha? – perguntei ansioso. Eu não estava esperando nada daquilo, mas agora que eu sabia sobre a viagem, havia criado expectativas. Minha mãe sempre falava que eu parecia uma criança quando se tratava de viagens. 

— Iremos amanhã de manhã – respondeu Carmen. 

— Ótimo, mal posso esperar! – falei, animado. 

— Olha o que a palavra "férias" faz com um homem – Eleazar brincou, fazendo todos nós rirmos. 

Para mim, aquela viagem era mais do que sinônimo de férias. Era como um recomeço. Eu sabia que provavelmente nada mudaria, mas eu faria de tudo para sair nem que seja um pouco diferente daquela ilha. 



A saída do hotel e a chegada até a ilha foi um borrão para mim. Eu estava com tanto sono que não consegui assimilar direito as coisas que aconteceram naquele período de tempo. 

Acordei – de verdade – com Carmen me chamando. 

— Carlisle – chamou. – Já chegamos. 

— Acorda, bela adormecida – falou Eleazar, do banco da frente. 

— Cara, você é insuportável – falei. 

Olhei pela janela do carro, e eu não tinha nem palavras para descrever a beleza daquele lugar. Estávamos parados em uma ruazinha, de frente para a praia – que diga-se de passagem, era a praia mais linda que eu já tinha visto. O céu e o mar azul pareciam uma coisa só, e o Sol brilhava forte. Do outro lado, havia uma espécie de pousada, gigantesca. O estilo da casa era moderno, todo construído com madeira e vidro, mas de certa forma combinava bem com o todo. 

— Uau – foi a única coisa que eu consegui dizer, ao sair do carro. A visão de fora era ainda mais espetacular. 

— Bem vindo à Ilha de Esme – Carmen disse, passando o braço pelos meus ombros. – Você vai amar esse lugar, pode acreditar. 

— Eu já estou gostando – falei. – Olha para isso, tem como não gostar? 

Ela riu. 

— É desse jeito que eu gosto! – falou, e me deu três tapinhas nas costas. – Vai ficar tudo bem, meu amigo. 

— Vai, Carmen – falei, querendo muito acreditar naquilo. – Sei que vai. 

— Vamos – ela chamou. – Vamos tirar as bagagens, precisamos fazer o check-in. Você vai adorar os donos daqui. 

 

Dentro da pousada, a grandiosidade continuava. Era tudo muito bem organizado, e bem bonito, muito bem decorado. 

As paredes tinham vários quadros de alguns pintores famosos que reconheci, mas alguns que não fazia ideia de quem eram, por mais que as obras fossem magníficas. 

— Carlisle! – chamou Eleazar, me dando um leve susto. Assim que me virei, vi que ele e Carmen estavam acompanhados por um casal, provavelmente os donos da pousada. 

A mulher era baixa, e tinha o rosto redondo, cabelos pretos lisos e olhos castanhos que pareciam alegres. Ela tinha um sorriso no rosto. A tal Esme, imaginei. O homem tinha o cabelo loiro, era tão alto quanto eu e também tinha olhos castanhos. 

— Carlisle, estes são Lucille e Franklin Platt, os donos da pousada e da ilha— disse Eleazar. Refleti por um instante. Se ela não era Esme, quem era? 

— Muito prazer – respondeu Franklin, seguido por sua mulher. 

— É um prazer conhecer vocês, e a ilha também – falei. – É um belo lugar. 

— Obrigada, cuidamos daqui com todo carinho – falou Lucille, ainda sorrindo. Ela era daquelas pessoas que sorria com os lábios e os olhos. 

Passamos um tempo conversando, e descobri que Lucille e Franklin eram americanos, e que em uma viagem de trabalho para o Brasil conheceram o país e acabaram se mudando. Eles contaram também toda a história da compra da ilha, que envolvia toda uma questão de cuidado ambiental com o lugar. Eles eram biólogos, e mantinham aqui um trabalho de cuidado e manutenção de várias espécies de animais e plantas. 

— Bem, acho que vocês devem aproveitar o dia de vocês – falou Franklin. – Nós vamos pedir para nossos funcionários os levarem aos seus quartos. 

— Se pudermos sugerir um passeio, está acontecendo uma feira aqui perto – falou Lucille. – Vocês podem levar o amigo de vocês para conhecer mais a comida, as pessoas. Acho que ele vai gostar. 

— Eu vou adorar! – falei, animado com a ideia, e olhei para meus amigos, esperando uma resposta. 

— Tô dentro – Eleazar concordou na hora, e Carmen também.

Nós despedimos do casal Platt e passamos rapidamente em nossos quartos, somente para trocar de roupa. 

Depois de alguns minutos, já estávamos na feira da ilha. 

 

— Bem, aqui tem todo tipo de coisa – Carmen começou a falar. – Desde comida, roupas, presentes… É aqui que as coisas acontecem durante o dia, tirando os passeios, claro. 

Pelo jeito que ela falava, parecia que conhecia muito bem o lugar, e me senti seguro de estar ali com eles. Nós continuamos a conversar enquanto meus amigos me mostravam a feira. Era tudo muito interessante, alegre, aberto. Por incrível que pareça, nos momentos em que eu estava ali, na presença deles, os fantasmas de Ambra não me fizeram companhia. 

Enquanto Carmen olhava algumas roupas em uma loja do lado, eu e Eleazar conversávamos sentados num bar, tomando algumas cervejas. Se olhássemos para trás, veríamos o mar perfeitamente azul do Rio de Janeiro. Eu, pessoalmente, sempre fui fascinado pela natureza. Ficar em um lugar daquele me trazia uma paz sem tamanho. 

Eleazar falava sobre alguma coisa que devíamos fazer quando voltássemos aos Estados Unidos, e eu concordava, mas simplesmente parei de ouvir, entender e absorver qualquer coisa que meu amigo falava assim que eu bati os olhos em uma mulher. 

Ela estava escolhendo algumas frutas na barraca de Hortifruti que tinha do outro lado da rua. A mulher tinha o rosto em formato de coração, os cabelos cor de mel, perfeitamente caído em ondas pelos seus ombros, e vestia um vestido florido azul claro. Eu não conseguia ver a cor dos seus olhos, mas podia jurar que eram castanhos. Ou talvez eu tivesse vendo coisas. Já tinha bebido cervejas demais. A única coisa que tinha certeza era que seu sorriso era encantador. 

— Carlisle? – chamou Eleazar, me cutucando. – O que foi? 

— Nada, é que… – respondi, não terminando de concluir a ideia. Eu simplesmente não conseguia parar de olhar para aquela mulher! 

Definitivamente aquilo nunca tinha acontecido comigo, nunca tinha ficado vidrado em alguém assim. Até que ela olhou para mim, e deu mais uma vez aquele sorriso maravilhoso. Ela atravessou a rua, vindo na minha direção. Pisquei forte, para ter certeza que estava enxergando realmente a coisa certa. A mulher do rosto de coração e sorriso encantador continuava a andar, mas assim que chegou perto o bastante, abraçou alguém que estava atrás de mim, que nem me virei para ver quem era. 

Senti meu rosto queimar, bem na hora que Carmen se juntou à nós. 

— O que aconteceu? – perguntou, rindo, tentando entender. 

— Sei lá, ele não fala coisa com coisa – respondeu o marido. 

— Eu, é… – tentei, sem saber por onde começar. 

— Vou simplificar – Eleazar se intrometeu, depois de entender o que estava acontecendo. – Ele viu aquela mulher ali, a de vestido azul. Ficou uns bons minutos babando por ela, e ela atravessou a rua. Aposto que o galã achou que ela vinha falar com ele, mas ela passou direto, agora ele está morto de vergonha. 

Carmen começou a rir descontroladamente, e acompanhei sua risada. Eu não tinha o que fazer, afinal. Eleazar tinha sido cirúrgico em sua explicação. 

— É, Carmen – eu disse, depois de um tempo rindo. – Foi mais ou menos isso. 

Me virei um pouco para trás, e vi que a mulher já estava longe, andando com um homem pela feira. Voltei-me para meus amigos. 

— Olhe – sussurrou Eleazar para a esposa. – Agora ele murchou, pois viu que ele perdeu o poder de sedução. 

Carmen riu, e eu ri junto. 

— Na verdade, Eleazar – me juntei à brincadeira. – Estou triste porque nunca mais vou vê-la. E para o seu governo, meu poder de sedução vai bem, obrigado. 

— Nós sabemos disso, Carlisle, não se preocupe – Carmen tentou levantar minha autoestima. – Mas olha… Você não sabe se nunca mais vai vê-la. 

Ela deu uma piscadinha com o olho e logo emendou outro assunto. 

 

Assim que anoiteceu, eu já estava em meu quarto, sozinho, olhando a noite estrelada pela varanda do quarto. O clima estava fresco, e um vento leve batia nas cortinas das janelas. Mesmo com quase tudo escuro, eu ainda ficava observando a praia, do outro lado. O barulho do mar era música para os meus ouvidos, e me trazia uma sensação de paz. Inevitavelmente, lembrei-me de Ambra. Como seria se ela estivesse aqui, ao meu lado? Eu nunca iria saber, e nem queria. 

Ouvi duas batidas na minha porta, e fui rapidamente atender. Eleazar estava parado do outro lado, ao lado de Carmen. 

— Os Platt vão dar uma festa – anunciou Carmen. – E nós vamos, queremos saber se você quer ir. 

— Bem, eu disse que era só para vir te buscar, mas ela insistiu em fazer o convite, sabe como é, educadamente – Eleazar completou. 

— E aí, Carlisle? – Carmen perguntou, apoiada na porta. 

— Claro – confirmei. Se eu estava lá, era para viver tudo o que a ilha tinha a me oferecer, certo? – Por que não? 

— Eu disse – Eleazar gesticulou para a mulher. 

— Preciso distrair minha cabeça – falei, apenas, ainda com o rosto de Ambra na memória. 

Eu havia pensado nela a tarde toda. Era mais difícil controlar meus pensamentos quando eu estava sozinho. Eu ia e voltava para aquela situação, e ficava remoendo tudo aquilo. 

Tentei me animar enquanto acompanhava meus amigos até a praia. O clima estava ameno e haviam algumas pessoas, provavelmente hóspedes, sentadas conversando na areia e outras perto do bar. Ali do lado, um homem tocava violão e cantava uma canção que, apesar de animada, eu não entendia nenhuma palavra. 

Meus amigos e eu iniciamos uma conversa animada com os Platt, que estavam próximos do bar. Ali, eles contaram mais sobre a vida deles, e consequentemente nós sobre a nossa. Eles realmente eram boas pessoas de se ter por perto. 

Depois de um tempo, eles nos deixaram e foram andar pela festa, para se enturmar com os outros. 

— O que você está achando, Carlisle? – Carmen perguntou, enquanto bebia a marguerita de Eleazar que dava sopa enquanto ele ia no banheiro. 

— Gosto daqui – respondi, apenas. Minha cabeça não parava. Ela não saía, não me deixava em paz. 

— Você está triste, não é? – observou. Perspicaz, minha amiga. – Olha, eu sei que eu não sou tão próxima de você quanto o Eleazar, mas sempre que quiser conversar eu estou disponível. Nem que seja só para ter um ombro amigo para sei lá… Chorar. 

Eu ri. Ela era demais. 

— Obrigado, Carmen – respondi, sorrindo. – Você é a melhor. 

— Agora abra seu coração – continuou ela. 

— Ah, as mesmas coisas de sempre – murmurei, enquanto bebia o fim da minha cerveja. – Sinto falta dela, mas ao mesmo tempo sinto raiva. Eu não consigo esquecer o que ela fez comigo. Foi demais para mim. Eu sinto que nunca vou confiar em ninguém novamente. 

— Ah, Carlisle… eu entendo. Mas você não pode se fechar dessa forma – ela começou a falar, quando fomos interrompidos por Eleazar. 

— Querida, acho que comi algo que não me fez bem – avisou. Ele estava branco, como um papel. Eu e Carmen nos levantamos dos bancos, preocupados. 

— Vamos embora – anunciei. – Cuidamos disso na pousada. 

— Não, eu cuido disso – Carmen disse. – Carlisle, você fica, não tem necessidade de irmos os três. Pode aproveitar a festa. 

— Mas… – comecei a tentar argumentar, mas foi em vão, pois eles já tinham saído. 

Voltei a me sentar no bar, olhando para o nada, pensando no que Carmen havia me dito. Seria muito difícil colocar aquilo em prática, depois de ser apunhalado pelas costas. Estava totalmente alheio, quando ouvi alguém falar algo para mim, mas que eu não entendi. 

O que faz aí, sozinho?— perguntou a mulher de trás do balcão do bar. Eu não tinha entendido uma mísera palavra que ela havia pronunciado, pois ela certamente falara em português, mas eu não escondi meu choque quando me dei conta que estava bem na frente da mulher da feira, do rosto de coração e sorriso encantador. 

Ela ainda sorria daquela forma, agora eu tinha plena certeza. E era para mim. E sim, seus olhos eram castanhos. 

— Eu não falo português, desculpe – falei, torcendo para que ela entendesse. 

— Ah, eu devia ter percebido quando você ficou me olhando com essa cara estranha – falou, rindo, agora em inglês. – Mas então, o que você faz aqui, sozinho? 

— Afogando minhas mágoas? – falei, apontando para a garrafa de cerveja vazia e rindo. – Ok, brincadeira. Estava com meus amigos, mas eles foram embora. 

— Mas não é possível afogar mágoas com um copo vazio – disse a mulher, encostada no balcão. Ela continuava a sorrir. Era incrível, ela nunca parava de sorrir. – Você já experimentou caipirinha? 

— Não, o que é isso? – perguntei, curioso. 

— Ah… – riu. – Bem, é um drink famoso daqui, tipicamente brasileiro. É bem gostoso. Posso fazer um para você? 

— Vai em frente – encorajei-a. 

Ela começou a preparar a bebida, com destreza, o que me gerou certa curiosidade, que não fui capaz de conter. 

— Você trabalha aqui? – perguntei. 

— Tecnicamente sim – ela riu e me entregou o drink. – Prove. 

O drink realmente era muito bom. A partir dali, o meu favorito, provavelmente. 

— Eu não sei o seu nome – perguntei. Todos os funcionários tinham uma plaquinha de metal com o nome, mas ela não. 

Anne — respondeu, somente. – E o seu? 

— Carlisle Cullen – retruquei. 

Nesse momento, o barman que anteriormente estava no bar chegou, e começou a conversar com Anne. 

Eu não entendi muito bem – na verdade, quase nada – mas se fosse chutar algo, diria que ela o dispensou do turno de trabalho, pois ele tirou o avental e voltou por onde veio. 

— Bem, Carlisle – começou Anne. – Posso te chamar assim, certo? Sei que vocês estrangeiros gostam de ser tratados pelo sobrenome. 

— Pode, está tudo bem – eu ri, mas ela não estava mentindo. – E eu estou te chamando pelo seu primeiro nome também, já que você não me falou o último. 

— Não é necessário – ela disse, dando um tapa no ar. – Aqui no Brasil não fazemos questão disso… Continuando, você estava meio para baixo quando eu cheguei, disse que estava afogando suas mágoas… Se quiser se abrir, conversar, os barmans são especialistas em ouvir casos. Bargirl, no meu caso. 

Sorri com a explicação. Durante nossa conversa, fomos interrompidos algumas vezes por clientes querendo bebidas, e ela sempre permanecia com aquele sorriso lindo no rosto. 

Assim que Anne perguntou sobre o motivo de eu estar ali, foi inevitável eu não recordar-me de tudo o que tinha acontecido até então. Em algumas semanas minha vida havia mudado completamente. Eu havia perdido a mulher que eu achava que era o amor da minha vida, havia cruzado o oceano e agora estava conversando com uma estranha extremamente simpática em uma ilha que eu não fazia ideia que existia no Rio de Janeiro. 

— Bem, eu não vou pressionar você a contar nada, se você não quiser, mas saiba que eu estou aqui – ela disse, parecendo verdadeira nas palavras. Seus olhos transmitiam verdade. – Mas ah, eu sou curiosa!  

Gargalhei, e ela me acompanhou. 

— Bem, você guarda segredo? – perguntei, me aproximando um pouco dela, me debruçando no balcão. Ela riu. 

— Carlisle, eu disse que sou curiosa, não fofoqueira. 

— Você deve ter ouvido muitas histórias, presumo – soltei. 

— Você não está errado – contou. – Mas elas estão todas bem guardadas. Sou uma boa ouvinte. E boa conselheira, pelo que dizem. 

— Bom saber – conclui. 

Anne era uma boa pessoa, divertida. Continuamos a conversar, e acabei contando para ela o motivo da minha estadia na ilha de Esme. 

— Bem, resumindo muito, eu tinha alguém – comecei. – Você já deve ter percebido, mas eu sou americano, e não sei se eu comentei, mas eu sou médico. Enfim. Ela era, é, na verdade, uma modelo italiana. Conheci ela durante um congresso que participei na Itália. 

Anne ouvia atentamente, olhando nos meus olhos, mesmo quando fazia drinks para outros hóspedes. 

— Tínhamos um relacionamento bom. Por causa do meu trabalho, eu não podia me ausentar muito da minha cidade, então ela sempre se dividia entre as viagens dela, a Itália e os Estados Unidos. Bem, nós íamos nos casar, pelo menos era a intenção – continuei. – Foi nesse momento que as coisas começaram a dar errado. 

— Como? – perguntou, interessada. Nesse momento, a festa estava começando a esvaziar, e ela tinha pegado um banco e se sentado, ficando de frente para mim, do outro lado do balcão do bar. 

— Eu fui à Itália a trabalho. Nisso, ia aproveitar e fazer uma surpresa para ela, ia pedi-la em casamento. Já tinha tudo em mente… Daí, em uma determinada noite, eu fui até o nosso restaurante favorito na cidade. Queria fazer uma reserva, e ninguém atendia o telefone que eu havia achado na internet. Foi aí que eu a vi lá com outro cara. 

— Meu Deus – sussurrou Anne, colocando a mão na boca. 

— E isso não é tudo. Ela não estava com qualquer um, ela estava com o meu amigo, o cara com quem eu fui tratar de negócios lá.

— Não acredito – ela disse, e sua boca formou um "o" perfeito, devida surpresa.

 Se eu visse a situação de fora, ficaria surpreso também, mas a única coisa que conseguia sentir era raiva. A cada vez que eu lembrava de Ambra nos braços de Aro Volturi, um dos "amigos" que eu mais tinha admiração, tinha vontade de cometer uma loucura. Eles riam, se abraçavam e se beijavam como um casal. E eu estava ali, sendo perfeitamente enganado. 

— E o que você fez? – perguntou Anne, me tirando da minha espiral de raiva e lembranças. 

— Eu saí de lá – contei. – Não consegui confrontá-los, por mais que eu quisesse. Simplesmente sumi. Bloqueei ambos em todas as redes sociais, troquei de hotel e depois de três dias, vim para o Brasil. 

— E eu posso perguntar o porquê você veio para cá? – perguntou ela, enquanto mais pessoas iam embora. O cantor já juntava seus aparelhos de som, bem fim de festa. 

— A trabalho – ri fracamente. – Eu tinha um congresso aqui. Mas meus amigos, os que estavam comigo antes de voltarem para a pousada, me falaram da ilha e decidi ficar. Eu não tirava férias há anos. Eu definitivamente preciso de um tempo para digerir tudo. 

— Entendo – ela disse, compadecendo da minha situação. – Então você não conhece a ilha? 

— Não, cheguei hoje, na verdade – contei, lembrando-me do momento em que a vi na feira mais cedo. 

— Mas seus amigos já conhecem a ilha, não? 

— Sim, eles já vieram aqui antes – expliquei. 

— Bem, você já tem um guia? – perguntou Anne. 

— Guia tipo guia turístico? – perguntei de volta. 

— É – ela riu. 

— Pra ser sincero, eu não pensei nisso – revelei. – Se você souber de algum para me indicar, ficarei feliz. 

— Bem, se você quiser, eu posso ser sua guia. Eu conheço essa ilha como a palma das minhas mãos – ela sorriu. 

— Uau – falei. – Por essa eu não esperava. Mas você não trabalha na pousada? 

Ela me olhou curiosa e levantou uma sobrancelha. 

— Vai querer? – perguntou, decidida a não estender o assunto. 

— Tudo bem – falei. Eu realmente tinha gostado de passar um tempo com ela. – Anne, eu não quero te prejudicar...

—  Carlisle, não se preocupe – ela falou, organizando os copos limpos do bar meticulosamente. – Amanhã te espero às 10 da manhã para nosso primeiro passeio. Vamos fazer uma trilha. Leve roupas de banho. 

— Ok, mas onde você… – comecei a perguntar, e ela deu a volta no bar, parando ao meu lado. 

— Vá descansar. Amanhã o dia será cheio – sorriu. – Boa noite, doutor Cullen. 

Ela falou e saiu, sorrindo. Eu continuei parado ali, sentado por pelo menos uns dois minutos, pensando sobre o que tinha acontecido, até que finalmente segui o conselho de Anne e fui descansar. 

 

No dia seguinte, Anne me esperava perto da recepção. Ela conversava animadamente com outra mulher, que estava dentro do lobby. 

Assim que me viu, elas se despediram e Anne veio até mim. 

— Bom dia – saudou-me, animada. Ela estava tão bonita quanto no dia anterior, só que agora com roupas apropriadas para fazer uma trilha. – Animado para conhecer a ilha? 

— Olá, Anne – sorri para a mulher baixinha na minha frente. Eu não conseguia não sorrir ao olhar para ela, era quase instantâneo, como um campo magnético. – Sim, estou. Para onde vamos? 

— Você verá quando chegarmos – ela disse, apenas. Anne era uma mulher muito instigante. Eu sabia pouco sobre ela, e suas atitudes despertavam em mim cada vez mais curiosidade. 

— Tudo bem, então – falei, e comecei a segui-la, andando para a saída da pousada. 

Enquanto andávamos juntos, quase perdi as contas de quantas pessoas a pararam para cumprimentar. Ela era muito querida aqui, pelo visto. 

— Você é famosa aqui – brinquei, enquanto entrávamos em um jipe da pousada, que era destinado aos passeios dos hóspedes, segundo o que Anne havia me explicado. 

— Aqui todo mundo conhece todo mundo – ela riu. – Estamos em uma ilha, Carlisle, não se esqueça. 

— Bom ponto – concordei, e aproveitei o caminho para admirar a paisagem da ilha, enquanto ela me contava algumas coisas sobre o lugar. 

— Bem, os Platt moram aqui há trinta anos. No Brasil, há mais tempo, mas na ilha mesmo são trinta – começou. – Eles têm um projeto de conservação da Mata Atlântica junto com o Governo Brasileiro. São milhares de hectares de áreas de conservação, e aqui nós só praticamos o turismo sustentável. 

— Parece interessante – falei. – Eles comentaram que eram biólogos, chegamos a conversar sobre algumas coisas ontem a noite, mas nada de mais. Eles estavam mais interessados em ouvir a minha história.

Anne riu alto, balançando a cabeça e murmurando algo em português.  

É bem a cara deles, adoram uma história. 

— O que? – perguntei, curioso. 

— Nada – ela disse. – É que você é carne nova aqui. Vai gerar essa curiosidade mesmo. 

Ela estacionou o jipe na entrada de um tipo de bosque. Imaginei que a partir dali, seguiríamos a pé.

 Enquanto andávamos mata a dentro, eu a observava. Ela parecia extremamente segura de si, claramente sabia o que estava fazendo. Ela continuava a falar sobre a trilha e a mata, sobre o projeto de conservação como uma especialista. Não contive minha curiosidade. 

— Mas então, Anne – puxei assunto. – Me fale sobre você. Até então só eu me expus aqui. 

Ela olhou para mim de soslaio, e continuou a andar. 

— O que quer saber? 

— Ah… vamos ver… Você parece saber bem o que faz. Nasceu aqui? – perguntei. 

— Sim, nasci – ela respondeu, sem meias palavras. – O que mais? 

Tentei procurar mais perguntas na minha mente. Haviam tantas, mas ao mesmo tempo parecia que não existia nenhuma. 

— Como conseguiu sair da pousada hoje? – perguntei, e ela olhou para mim como se não entendesse. 

— Saindo – ela riu. – Disse que iria levar um hóspede para fazer turismo. 

— E eles simplesmente deixaram? – perguntei, embasbacado. 

— Sim. 

— Nossa. Deve ser bom trabalhar aqui – eu ri. 

— As coisas são diferentes aqui na ilha, Carlisle – ela disse. Não tive muito tempo para pensar no que ela disse, pois ouvi o som de água corrente, e logo à nossa frente, ela já tinha apontado a queda d'água. – Olhe. 

— Uau. 

— Essa é a Cachoeira do Crepúsculo – ela falou, e começou a andar até as pedras mais próximas da água. Eu estava parado, olhando a beleza da cachoeira, quando ela me puxou pelo braço. – Vamos! 

— Isso é lindo – falei, enquanto deixávamos nossas coisas perto da água. 

— É, eu sei. É o meu lugar favorito – Anne disse, sorrindo para mim. Ela não sustentou o olhar por muito tempo, e logo voltou-se para a cachoeira. 

Depois de um tempo, ela virou-se para mim. 

— Espero que você não tenha medo de água gelada – riu, e tirou a blusa. Logo depois, o tênis e a calça, ficando apenas de maiô. 

Fiquei uns minutos a encarando. Não era a minha intenção, mas eu não conseguia desviar meus olhos dela. Era como se Michelangelo tivesse esculpido-a em mármore, uma deusa, perfeita. 

— Você vai ficar aí feito um idiota? – perguntou-me, rindo, enquanto entrava na água. – Anda! 

Despi minhas roupas e entrei junto com ela na água extremamente gelada da cachoeira. Anne parecia não se incomodar com a temperatura, e simplesmente estava tranquila, boiando nas águas que agora estavam mais calmas na borda, perto das pedras. Continuei minha sessão de perguntas, pois queria muito saber mais sobre aquela mulher que me gerava tanta curiosidade. 

— Anne – chamei, enquanto boiava ao seu lado, olhando o céu. 

— Sim? 

— Você parece conhecer bem sobre a natureza daqui – comecei. 

— Eu sou bióloga – ela falou, antes mesmo que eu perguntasse algo. 

Saí da minha posição e voltei a ficar em pé, dentro da água. Ela permanecia intocável, como se nada a abalasse. 

— Mas então você é guia? Eu não estou entendendo nada, Anne – falei, rindo. 

— Mais ou menos – ela falou. – Sou muitas coisas na pousada. Uma faz tudo. É isso. 

— Entendi – eu disse, ainda refletindo. Voltei a boiar do lado dela. – Você fez faculdade onde? 

— No Rio – respondeu. – Na capital, quero dizer. 

— Legal – respondi. – Mas você não pensa em sei lá, ir para lá, tentar outra coisa? 

— Não – ela disse. – Eu só saí dessa ilha para estudar, e voltei quando tive oportunidade. Eu realmente gosto daqui. 

— Eu também estou gostando daqui – revelei. – Se eu não tivesse toda uma vida nos Estados Unidos, juro que poderia morar aqui. Você… 

Ela riu. 

— Vamos parar de falar de mim? – ela falou. – Me fale agora sobre você. 

— O que quer saber, então? – perguntei. 

— Sempre quis ser médico? – perguntou Anne. – Qual sua especialidade? 

— Ah, sim. Acho que nasci para isso, sabe, cuidar das pessoas. Eu realmente gosto do que eu faço – contei. – E sou obstetra, aliás. 

Anne suspirou e sorriu. 

— Eu adoro bebês – disse. – Sempre quis… enfim – ela cortou a si própria. – Pretende ficar muito tempo aqui? 

— Eu não sei – revelei. – Simplesmente vim, eu nunca fiz isso na minha vida, sabe? 

— Nunca fez o que? – perguntou, antes que eu terminasse. Ela realmente era curiosa. 

— Fazer algo para mim, que eu realmente quisesse. Só cancelei meu voo, liguei para minha secretária e avisei que iria ficar um tempo a mais no Brasil – expliquei. – Há muito precisava de férias, e tudo o que aconteceu… Acho que foi o momento perfeito. 

— Acho que entendo – disse, olhando para o céu perfeitamente azul. 

— É difícil quando se mora no paraíso – ri. 

— Sem dúvidas – concordou. – E seus amigos? Não notaram sua saída? 

— Na verdade eles nem sabem que eu estou aqui – contei. – Acredito que estavam dormindo quando saímos. Mas como você mesma disse, vão saber onde estamos. 

— Aqui todo mundo sabe de tudo – falamos, juntos. – Você aprende rápido – completou Anne, sorrindo. 

Ela saiu de sua posição serena, boiando, e mergulhou ao meu lado. Fiz o mesmo, porém, me mantive em pé, e conseguia vê-la nadando por baixo da lâmina d'água cristalina. A alguns metros de mim, ela emergiu. 

— Não vem? – perguntou, sorrindo. 

Devagar, me aproximei dela. Era difícil explicá-la. Algo em Anne me tirava o fôlego, me deixava intrigado, curioso. 

— O que? – ela perguntou. 

— Não sei – respondi. De alguma forma, ela me desconcertava. 

— Hm – sussurrou, dando de ombros. – Quer comer alguma coisa? Estou começando a ficar com fome – falou Anne, enquanto dava braçadas na água. 

— Acho que sim – concordei, um pouco perdido no horário. – De qualquer forma, eu estou com fome também. 

Saímos da água e nos acomodamos na sombra das árvores perto da margem. Anne, curiosa, ainda queria saber sobre minha vida. 

— Filme preferido? – perguntou, enquanto comíamos alguns pães, bolos e frutas que ela trouxera.. 

— Promete que não vai me julgar? – questionei de volta. 

— Juro – respondeu Anne, cruzando os dedos e os beijando. 

— Orgulho e Preconceito. 

— Que fofo! Você é romântico – ela riu. 

— É, eu sou. E veja só no que deu – falei, sem animação nenhuma na voz. Durante todo o dia, eu nem sequer tinha me lembrado de Ambra, mas foi só uma menção… 

— Ei, esqueça – ela disse, pegando meu braço. Meu coração bateu um pouco mais rápido naquele momento, não nego. – Vamos voltar aos filmes. O meu filme favorito é brasileiro, você não vai conhecer. Mas internacional… Acho que é Os Miseráveis. 

— O musical? 

— Sim! Eu amo musicais – ela respondeu, sorrindo. – Falando em música, artista favorito!

— Ah, eu não sei – respondi. – Eu gosto de muita coisa, desde música clássica a hard rock, pop. 

— Você é difícil – ela riu. – Livro favorito? 

— Ah, esse eu posso te responder! – quase gritei de animação, pois finalmente poderia falar do livro que tinha lido durante minha viagem. Expliquei brevemente o contexto do livro para Anne, que pareceu muito interessada. 

— Ah, meu Deus, Carlisle! – exclamou. – Você me deixou com vontade de ler. Que droga!

Ela gargalhou, e eu fui levado por ela. Era difícil não ser levado por Anne. 

— Ele está na pousada. Você pode pegar ele – disse. 

— Obrigada – agradeceu, guardando os restos de comida na cesta. – Quais os melhores lugares que você já visitou? 

— Ah, difícil dizer – refleti. – Eu gostei muito da Inglaterra. Os EUA não contam, nasci lá, mas é legal. Bem, você sabe que eu não tenho boas lembranças da Itália, por mais que seja um belo país… Mas sem dúvidas, o melhor até hoje é o Brasil. 

Pra cima de mim? – murmurou Anne, rindo, em português. 

— O que? – perguntei. 

— Fico feliz em saber – sorriu de volta. Desconfiei que não era aquilo, mas deixei passar. Continuamos conversando até que o Sol não estivesse tão alto no céu. Assim, conseguiríamos andar tranquilamente. 

Por mais que eu quisesse saber sobre Anne, ela era esquiva. Falava pouco sobre si, e quase sempre devolvia minhas perguntas com outras, me deixando ainda mais curioso. 

Quando chegamos de volta à pousada, ela me acompanhou até a recepção. 

— Está entregue – disse, enquanto entrava no lobby e pegava as chaves do meu quarto. – Aqui está. 

— Obrigado – falei, pegando as chaves de suas mãos pequenas. Nossas mãos se tocaram por um instante, e minha respiração falhou. – Por tudo, desde ontem você tem sido ótima. Não sei como posso retribuir. 

Ela ficou me olhando por uns instantes. Eu gostaria de saber o que se passava em sua cabeça naquele momento. 

— Não há de quê, Carlisle – falou Anne, finalmente. – E não se preocupe. Não precisa retribuir nada. Você já me retribuí sendo um cara legal. 

— Se você diz – suspirei, balançando a cabeça. – Bem, eu vou deixar você trabalhar. Ocupei demais seu dia. 

— Pare com isso – Anne disse. – Foi ótimo. Estou pensando em outros lugares para te levar, inclusive. Te aviso quando eu arrumar tudo. 

— Anne, não quero que isso atrapalhe seu trabalho aqui – soltei. – Seus chefes podem, sei lá, demiti-la. Eu odiaria ser o responsável por isso. 

Anne! – chamou Lucille Platt, vindo em nossa direção com seu característico sorriso no rosto. – Olá, Sr. Cullen, como vai? 

A senhora Platt parou ao nosso lado. 

— Ótimo, e a senhora? 

— Tudo bem também – disse, sorrindo. Ela se voltou para Anne. Vendo as duas mulheres lado a lado, tive a impressão de ver traços de uma em outra, mas ignorei completamente a linha de pensamento. – Te procurei o dia todo, querida. Preciso da sua ajuda com algumas coisas da administração, mas vou deixar você terminar. — Lucille completou em português. 

Já vou – respondeu Anne, e Lucille se despediu de mim rapidamente, nos deixando a sós. 

— Anne – chamei. – Ela não te deu uma dura, né? Por favor, me diga que você não está em maus lençóis. 

— Você se preocupa demais, Carlisle – Anne riu. – Está tudo bem, mas eu realmente preciso ir. Nós nos falamos depois. Ligo no seu quarto, se não te encontrar por aí. 

— Está tudo bem, então – falei. – Mas por favor, não quero que isso atrapalhe seu trabalho. 

— Não atrapalha – sorriu. – Até mais, Carlisle. 

— Até, Anne – falei, enquanto ela saía à procura de Lucille. 

 

Mais tarde, estava em meu quarto arrumando minhas coisas quando bateram em minha porta. Incrivelmente, a primeira pessoa que veio à minha mente foi Anne. Assim que abri a porta, encontrei Eleazar e Carmen. 

— Sumiu hoje, galã – falou Eleazar, se encostando no batente da porta. – Se eu tivesse morrido hoje, você não saberia. 

— Credo, Eleazar – repreendeu Carmen, com seu jeito risonho. – Mas nós sentimos sua falta hoje, Carlisle. 

— Bom saber que você sobreviveu, Eleazar – disse, rindo. – Mas sim, eu dei uma saída, fui conhecer um pouco da ilha. Ah, vocês não querem entrar? 

— Estávamos indo no restaurante, na verdade – explicou meu amigo. – Não quer nos acompanhar? Pela sua cara eu sei que esse passeio rendeu. 

Foi aí que ele me quebrou. Aquele cara me conhecia até do avesso. Sorri, sem graça. 

— Tudo bem, vamos – concordei, e os acompanhei até um restaurante na mesma rua onde vi Anne pela primeira vez. 

A rua estava cheia de gente, os bares lotados. As pessoas daqui eram bem animadas, e a música acompanhava o clima do ambiente. Assim que nos acomodamos em uma mesa e o garçom saiu com nossos pedidos, o interrogatório começou. 

— Mas então, Cullen – enfatizou Eleazar, rindo. – Nos conte mais sobre esse passeio, no qual nós não fomos convidados e só descobrimos onde você foi depois que quase arrombamos a porta do seu quarto. 

— É sério isso? – perguntei, chocado, para Carmen. 

— Você sabe como ele é, né? – ela riu.

— Meu Deus, Eleazar… – gargalhei. – Se eu soubesse, teria avisado. Mas espera, como você está? Melhorou depois de ontem? 

— Novo em folha – falou meu amigo. – Agora conta! 

— Mas como você é curioso, Denali! – falei, rindo com a insistência de Eleazar. – Vou contar. 

Expliquei rapidamente meu encontro com Anne na noite de ontem e o passeio de hoje. 

— Para quem achava que nunca mais iria vê-la, hein? – Carmen disse. 

— Agora eu entendi o porquê ele está com essa carinha feliz – disse Eleazar. – Será que eu vou ter meu amigo de volta? Já podemos marcar encontros de casais?

— Eu sempre estive aqui, idiota – falei, rindo. – Mas não. Ela é uma amiga, só isso. E além do mais, vocês sabem que eu não estou aberto a isso agora. Já fui feito de otário demais. 

— Carlisle – chamou Carmen, com sua melhor voz amorosa. – Ignore o Eleazar, ele só está enchendo seu saco. Mas… você não deve se fechar dessa forma. 

— Eu sei, minha amiga – falei, pegando suas mãos. – Mas é difícil. Está tudo muito recente. 

— Entendo – Carmen disse, balançando a cabeça. – Tome o seu tempo. As coisas vão se acertar. 

— Ouça ela – Eleazar falou, depois de ficar apenas nos ouvindo. – Carmen é a parte sensata da relação. 

— E você acha que eu não sei disso? – eu disse, rindo. – Te conheço desde que eu me entendo por gente, você é um maluco. 

— Obrigado – disse, levantando o copo de cerveja, orgulhoso. 

— Mas então, Carlisle – chamou Carmen, enquanto degustava um drink. – Primeiras impressões da Ilha de Esme? 

— As melhores possíveis – sorri. 

 

Passei alguns dias sem notícias de Anne. Eu andava pela pousada, mas meu caminho nunca cruzava com o dela, nem com o dos Platt. Enquanto isso, aproveitava o tempo com meus amigos. 

Nós estávamos na praia, durante a tarde. O Sol estava quase se pondo, nos dando uma visão privilegiada de suas cores no céu. Enquanto Eleazar e Carmen conversavam, eu refletia. Durante o tempo que eu estava na ilha, eu quase não tinha pensado mais em Ambra. Eu ainda estava muito machucado, obviamente, mas agora parecia que havia sido há um tempo maior do que realmente foi. Eu não sabia se ela havia tentado entrar em contato – de algum jeito que ainda dava –, pois estava realmente desligado de tudo. Parecia que os ares do Rio e aquele tempo tinham me feito bem. Inevitavelmente, lembrei-me de Anne. Por mais que eu tivesse passado pouco tempo com ela, considerava-a parte importante disso tudo. 

Enquanto eu devaneava, olhando o céu meio laranja e rosa, Carmen chamou, baixo. 

— Carlisle. 

— Ãn? – perguntei, meio perdido. Eleazar apenas acenou com a cabeça na direção de uma mulher que vinha em nossa direção. Senti um arrepio na pele, e um frio no estômago, de repente. 

— Olá, pessoal – Anne disse, parando bem ao nosso lado. 

— Oi – Carmen a cumprimentou, alegre, e o marido fez a mesma coisa. Fiz as devidas apresentações de ambos, enquanto Anne se juntava a nós. 

— Nós vamos deixar vocês um pouco – anunciou Eleazar, baixo, e saiu seguido pela esposa logo depois que Anne se sentou ao meu lado. 

Ela estava linda, assim como em todas as vezes que eu a havia visto. Especialmente hoje, mais. Não sabia se era efeito das cores do céu, contrastando com seus cabelos cor de mel e seus olhos castanhos. 

— E então – Anne começou a falar. – Como você está? Não nos vemos há uns dias. 

Sorri, e inevitavelmente pensei: será que ela sentiu minha falta? 

— Bem, bem – falei. Era verdade. Desde que eu tinha colocado meus pés nesse lugar muita coisa havia mudado. – E você? Sumiu. 

Ela riu. 

— Estou bem também, um pouco cansada – contou, desviando seus olhos dos meus para o mar, que se aproximava de nós e se afastava. – Estava trabalhando. Tive que ir ao Rio para resolver algumas coisas. 

— Ah – murmurei. – Entendi. E você chegou há pouco? 

— Sim, eu literalmente acabei de chegar – ela riu, voltando seu olhar para o meu. – Estava indo para casa e resolvi parar um pouco na praia, daí vi vocês.

— Você realmente gosta daqui – disse para ela. – Para sair do Rio de Janeiro, enfrentar todo o trajeto e não ir direto para a casa… 

— Sim, eu gosto. Mais que gostar, eu amo esse lugar. Esse é o meu lugar — disse a mulher, olhando para o céu laranja e o mar calmo. Eu podia sentir intensidade em seu olhar e em sua voz. Tinha plena certeza que esse lugar era uma extensão dela. 

— Gosto de ver você falando daqui, dá para ver seu amor. É palpável – falei para ela, que sorriu. 

— Mas me conte – Anne disse, depois de um tempo em silêncio, admirando a paisagem. Quase ninguém estava mais na praia. – O que você fez durante esses dias? 

— Ah, bem… Saí com meus amigos, basicamente – gargalhei. – Conheci um ou dois restaurantes, mas na maior parte do tempo eu fiquei na pousada. Ou vim até a praia. Agora já sei chegar aqui sem me perder. 

Anne gargalhou. 

— Como você pode se perder em uma ilha? Meu Deus. 

— Eu estava sem minha guia turística – disse, dando uma cotovelada de leve no braço dela. – Esqueceu que é só você que conhece essa ilha como a palma da sua mão? 

— Boa desculpa. 

— Falando em conhecer tudo sobre a ilha… tem uma coisa que sempre me deixou curioso sobre esse lugar – revelei, e ela me olhou com curiosidade. 

— Que é? 

— Quem é Esme? – perguntei. – A princípio, quando cheguei aqui, achei que fosse Lucille, mas estava enganado. Depois, ninguém mais mencionou-a. Tenho curiosidade em saber quem é a mulher que deu nome a esse lugar tão esplêndido. 

— Ah… é… Esme – Anne começou a falar, gaguejando um pouco. – Bem, Esme é a filha dos Platt. Ela inspirou o nome da ilha. 

— Nossa – murmurei, surpreso. – Eu não sabia que eles tinham uma filha. Não mencionaram esse fato. Ela mora aqui? Você a conhece? Ou eu a conheço? 

— É que eles são reservados. Só isso – ela disse, desviando seu olhar para o céu. Senti que era hora de encerrar aquele assunto, dado que ela não respondeu todas as minhas perguntas. Mesmo assim, fiquei com uma certa curiosidade acerca daquela história. 

— Você quer comer alguma coisa? – perguntei, tentando mudar de assunto, mas mesmo assim passar algum tempo a mais com ela. 

— Ah… Eu já comi na estrada, parei perto do fim da viagem – explicou Anne. – Se você não se importa, eu preciso ir. Amanhã tenho que fazer algumas coisas para Lucille, e estou um pouco cansada. 

— Claro – eu disse. 

Nós dois nos levantamos e começamos a andar juntos até o local onde o carro dela estava estacionado. 

— Entra, eu te dou uma carona – Anne falou. 

— Não precisa, Anne – rebati. – Você está cansada, deve ir pra casa. Vai passar na pousada, mudar seu caminho sem necessidade? Não mesmo. Eu posso voltar a pé, são só sete minutos daqui. 

— Carlisle, eu estou indo para a pousada – ela disse, veemente. – Entra. 

Entrei no carro, e sentado no banco do passageiro ao lado de Anne, minha cabeça tentava encaixar as peças soltas do quebra cabeças complicado que era aquela mulher. 

— Espera, o que você vai fazer na pousada? – perguntei, esperando não ser invasivo. – Achei que você fosse para casa. 

Anne começou a rir e murmurar coisas que eu não entendia em português. Ela fazia muito isso. 

Ai meu Deus, era só o que me faltava — falou, rindo. Eu olhava para ela, como se ela fosse um ET. Eu deveria estar parecendo um palhaço, pois ela me olhava e ria. 

— Ok, vamos lá – começou Anne. – Eu estou indo para a pousada porque eu moro lá. Eu te disse que eu era uma faz tudo, certo? Então. É por isso e só. Mais ou menos — explicou, e tudo começou a ficar um pouco mais claro para mim. 

— Ah, claro! – exclamei. – Agora as coisas fazem mais sentido. 

Senti vontade de perguntar mais, mas suas últimas palavras demonstraram que ela não iria falar mais do que ela desejava. 

Nós continuamos a conversar durante o curto trajeto. Anne me contou sobre as coisas que fizera na capital a trabalho, e que não teve tempo para nada além das burocracias, a não ser no momento em que encontrou um antigo amigo da faculdade, durante o almoço. Animada, ela falava sobre a época em que eles estudavam juntos e eram praticamente inseparáveis. Eu não sabia muito bem o motivo, nem mesmo entendia, mas aquilo me causou um desconforto. Não sabia explicar o que eu estava sentindo, só sei que eu não estava gostando de ouvir Anne falar daquele cara. Apenas balançava a cabeça, demonstrando que estava ouvindo e prestando atenção. 

Eu não era uma pessoa ciumenta. Nunca fui, nem mesmo com Ambra. Eu realmente não sabia lidar com meu desconforto. Tentei disfarçar o máximo o possível, mas quando estávamos já chegando à entrada da pousada, próximos à recepção, ela soltou:

— Eu falei demais, né? 

Merda, Carlisle. 

— Não, de forma alguma – eu disse, em resposta. – Eu gosto de te ouvir. 

Mesmo quando você está falando de outro. 

Ela sorriu para mim, com aquele mesmo sorriso que eu vi pela primeira vez na rua da praia. Anne entrou no lobby e pegou minha chave. 

— Aqui – entregou-me as chaves. – Eu ficaria falando mais, já que você diz que gosta, mas eu realmente preciso descansar. Amanhã eu tenho coisas para fazer aqui, e… você vai estar livre depois do almoço, à tarde? 

Meu coração começou a bater mais forte, e minhas mãos começaram a formigar. 

— Sim, claro – respondi. – Eu estou de férias, lembra? 

— Ah, é verdade – riu. – Bem, se você quiser, posso te levar para conhecer outro lugar. 

— Eu adoraria – falei, de prontidão. – Posso saber onde é? 

— Não – sorriu. – Não vamos estragar a surpresa. 



— Você tem bom gosto hein – falou Carmen, encostada no batente da porta do meu quarto. 

— Eu disse que ela era bonita – Eleazar confirmou. 

— Para você qualquer um é bonito, Eleazar – Carmen riu.

— Vocês estão aqui há muito tempo? – perguntei, enquanto abria a porta do meu quarto e eles entravam. Eleazar se jogou na cama, enquanto Carmen se acomodou na poltrona de leitura. 

— Na verdade não – Eleazar falou. – Deixamos você na praia e viemos para cá, mas… – ele parou de falar e olhou para a esposa, que apenas balançou a cabeça em afirmativo. 

Eu já estava começando a ficar nervoso. 

— Carlisle – recomeçou meu amigo. – A Ambra entrou em contato comigo. Ela disse que você não respondia as mensagens dela, então achou que eu fosse uma forma de chegar até você. 

Minha cabeça rodou um pouco, mas tudo fazia sentido. Eu tinha desaparecido sem dar explicações, e ela não era burra. Era só juntar as peças. 

— O que ela quer? – perguntei. 

— Ela não disse explicitamente – Carmen explicou. – Ela só disse que queria muito falar com você, explicar as coisas. 

— Eu não preciso de explicações – falei, com raiva. – O que eu vi já foi uma ótima explicação. 

— Bem, isso é com você, meu amigo – Eleazar disse. – Você precisa fazer o que acha que deve ser feito. 

— Nós vamos deixar você pensar um pouco, acredito que você precise disso – Carmen anunciou, se levantando da poltrona. O marido fez o mesmo. 

— Nós estamos há um quarto de distância, se precisar – Eleazar disse, batendo em minhas costas, e depois ele e Carmen saíram em silêncio. 

Fiquei um tempo refletindo. Há pelo menos quatro dias eu não ligava meu computador. Por mais que estivesse com raiva, estava de certa forma curioso. Queria saber o que Ambra tinha para falar. Peguei o notebook dentro da mala e o liguei. Assim que conectou à internet, vários e-mails começaram a chegar. Alguns de trabalho, outros de Ambra. Comecei a lê-los por ordem cronológica. 

 

De: ambrariva@email.com

Para: carlislecullen@email.com 

Assunto: Nós precisamos conversar. 

 

Carlisle, essa foi a única forma que eu consegui de falar com você, dado que fui bloqueada em todas as outras redes sociais e ligações. Sei que você já está fora da Itália, provavelmente já deve estar indo embora do Brasil. Mas por favor, deixe-me explicar. Eu não sei o que você sabe, o que você viu ou etc, mas quero que ouça meu lado. Por favor. 

Ambra. 

 

Eu nem sabia como reagir àquele pedido. Ela ainda queria que eu a ouvisse? O que mais? A perdoasse e tentasse entender o que ela fez? Ela queria também reatar nosso noivado? Dei um riso debochado e abri o email seguinte, datado do dia seguinte ao primeiro. 

 

De: ambrariva@email.com

Para: carlislecullen@email.com 

Assunto: Por favor, me responda. 

 

Carlisle, 

Estou há um dia sem respostas. Você pode estar ocupado, mas sei que certamente viu meu email. Eu sei que viu. Você nunca sai desse computador. Eu sou sua noiva, e você me deve explicações do porquê sumiu. Estou tentando resolver as coisas como dois adultos. Eu entendi que você não quer me ver, mas pelo menos me responda. Não me faça pegar um avião e ir até sua casa. Eu mereço pelo menos uma resposta ou um término digno. 

Ambra. 

 

Haviam mais e-mails dela, todos com letras em caixa alta e vários tipos de xingamento. Eu podia ouvir a voz de Ambra dentro da minha cabeça, gritando comigo, me pedindo explicações sobre uma coisa que ela mesma havia feito. Aquilo não fazia sentido nenhum. Fechei o computador com força, tomado pela raiva. Pensar nela agora me deixava daquela forma. Respirei fundo, tentando me acalmar. Bebi um pouco de água. 

Fui até o banheiro, joguei um pouco de água no rosto e me olhei no espelho. Quando eu havia descoberto tudo, tinha ficado realmente mal. Mas agora… eu me sentia bem, diferente. Minha pele tinha até um bronzeado que eu nunca havia visto. 

Peguei minhas chaves, meu celular e carteira e saí do quarto. Pensei em chamar Eleazar e Carmen para irem ao bar da pousada comigo, mas desisti. Queria um tempo sozinho para pensar, porém assim que ia me dirigindo para o bar, vi duas pessoas sentadas perto da piscina tocando violão. 

Fui até a piscina e me sentei no lado oposto ao que eles estavam, para não atrapalhá-los, mas ainda assim o clima estava agradável. Deitei em uma espreguiçadeira e fiquei um tempo olhando para as estrelas e a lua no céu. Há muito tempo eu não as via, não parava para observá-las. A última vez… foi quando eu conheci Ambra. 

Eu estava em um jantar de celebração de um noivado de um casal amigo. Recebi um telefonema da clínica, com notícias sobre uma das pacientes que eu havia feito uma cesariana mais cedo, e fui até o jardim. A noite estava estrelada como esta. Assim que terminei de falar ao telefone, Ambra parou ao meu lado e puxou assunto comigo. A princípio, a conexão foi instantânea. Depois, começamos a sair e  a namorar, até que tudo ruiu. 

Lembrei-me dos emails revoltados de Ambra e fiquei com mais raiva ainda. Como pude ser tão idiota? Suspirei pesadamente, fechando os olhos com força e tentando manter a cabeça no lugar. Eu não sabia como respondê-la de uma forma que minha raiva não tomasse conta. 

Nem eu mesmo me entendia. Eu nunca havia sentido aquilo, nunca. Sempre fui um homem calmo, tranquilo, com a cabeça no lugar. Era assim que a mágoa se manifestava? Senti um aperto na garganta, mas não me permiti chorar. Eu não ia chorar por aquilo. 

Fiquei um tempo ouvindo a música que o homem dedilhava no violão, de olhos fechados. Ele já tinha ido de Beatles a Garota de Ipanema. Agora, tocava uma música que eu não conhecia. Eu tentava decifrar que música o homem havia emendado na anterior quando uma voz doce me chamou. 

— Carlisle? 

Abri meus olhos e vi Anne, olhando para mim de cima. Ela parecia achar a situação engraçada. 

— Oi Anne – respondi, sorrindo. Me sentei na espreguiçadeira. – Você não deveria estar descansando? 

Ela riu baixinho e concordou com a cabeça. 

— Tecnicamente sim, mas eu não consegui dormir, eu penso demais – disse. Ela apontou para a espreguiçadeira ao meu lado. – Posso me juntar a você? 

— É claro – falei, e senti um leve arrepio. Agora, eu já nem me sentia mais tão nervoso. 

— É lindo a noite, né? – Anne disse, olhando para as estrelas. Concordei, mas eu não olhava para o céu. Ela voltou-se para mim, sorrindo. – O que você estava fazendo aqui sozinho? 

— Pensando – contei. – Minha cabeça está cheia. 

— Você sabe que se quiser conversar… eu estou aqui – Anne disse. 

— Não quero incomodar. 

— Não é incômodo nenhum, Carlisle – ela falou, colocando a mão no meu braço como um reflexo. Assim que ela percebeu, retirou rapidamente, sem graça. Senti vontade de pegar a mão dela e envolver na minha. – Já falamos sobre isso. Somos amigos. 

— Certo. Somos amigos – falei. 

— Mas se você não quiser falar, está tudo bem também – continuou. – Só quero que saiba que eu estou aqui para o que precisar.

— Obrigado, Anne – eu disse, sorrindo para a mulher à minha frente. Eu não sabia se queria despejar toda a raiva que eu sentia por Ambra nela. Ela não merecia, mas ao mesmo tempo queria tirar aquele sentimento de mim. Odiava me sentir daquela forma. Suspirei pesadamente. – É a minha ex. Ela resolveu aparecer. Quer resolver as coisas, precisa de "explicações", nas palavras dela. 

— Entendi. E você se sentiu mal por isso, por ela ter voltado depois de tudo – supôs Anne. 

— É, mais ou menos isso – concordei. – Acho que mal não é a palavra. Eu estou com raiva. Ela me exigiu explicações do porquê eu sumi, disse que não sabia o que tinha acontecido. Eu sei que devo conversar com ela, mas eu não consigo. Pelo menos não agora. Se eu fizer isso nesse momento, a única coisa que eu vou fazer é despejar minha raiva nela. 

Anne concordou com a cabeça. 

— Eu entendo, mesmo. Acho que você errou em sumir, mas sei que foi uma estratégia de defesa – começou Anne. – Você só não queria se machucar mais. 

— É – falei, cabisbaixo. – Mas ainda assim… 

— Eu sei – ela me cortou. – Essas coisas não melhoram de uma hora para a outra. É preciso tempo. Ela só não sabe que o seu tempo é agora, que você ainda não está pronto para conversar. 

— Eu queria falar tanta coisa – falei, e senti minha garganta queimar de novo. Agora, meus olhos já estavam marejados. Eu não iria aguentar me segurar por muito tempo. – Eu a amava, planejava minha vida com ela. Eu queria ter filhos, Anne. Ela não queria, dizia que como trabalhava com o corpo, não poderia gerar uma criança e ficar tanto tempo parada. Mas eu sempre achei que depois do casamento nós poderíamos adotar. 

— Meu Deus… – sussurrou Anne. – Que horror. 

Agora minhas lágrimas já rolavam pelo meu rosto, sem qualquer cerimônia. 

— Eu não ligava para essas coisas, mas agora, vendo de fora… – falei. 

Essa mulher é completamente louca — Anne sussurrou, em português, baixinho, enquanto secava uma lágrima que escorria em seu rosto. 

— Ei, por que você está chorando? – perguntei, preocupado. 

— Nada, vamos continuar falando sobre você – falou Anne, esquiva como sempre. – Foco em você. 

— Anne – chamei, pegando sua mão que estava em seu colo. – O que aconteceu com aquela coisa de "estamos aqui e somos amigos e amigos conversam um com o outro"?

— É complicado – ela disse. – Mas é que quando você falou sobre sua ex não querer ser mãe… Isso me tocou muito. É que eu sempre quis ser mãe. 

— Mas você… – parei, tentando achar as palavras corretas. – Não consegue gerar um bebê? É alguma questão de saúde? 

Anne riu, e eu encarei aquilo como uma resposta negativa, e confesso que o médico dentro de mim ficou aliviado. 

— Não – ela respondeu, finalmente. – São problemas… do coração. Enfim, um dia eu te conto. 

Eu sabia que ela não iria me contar nada. 

— Você sabe o que eu estou passando, não é? – perguntei, encarando seus olhos castanhos. Ela suspirou. Eu vi tristeza naqueles olhos tão lindos. 

— Sei – falou e deu um leve sorriso. – E eu me sentia exatamente como você. Ficava me perguntando “por que eu?”, “o que eu tinha feito de errado?”. Mas a única resposta que eu cheguei foi a que independente do quão bom você for, ou achar que for, coisas ruins também vão acontecer com você. Elas acontecem com todo mundo. 

Os olhos de Anne estavam brilhantes, resultado das lágrimas que começavam a invadi-los. Ela continuou a falar e eu não a interrompi. Minhas mãos continuavam a envolver as dela. 

— Eu me apaixonei só uma vez na minha vida. Eu achei que eu tinha encontrado o amor de verdade, mas tudo não passou de uma mentira. Ele me usou, da pior forma possível. Ele era americano, e estava de férias aqui. Veio, ficou muito amigo de todo mundo da pousada, dos meus pais… aqui todo mundo conhece todo mundo, você já sabe disso. Todos aqui adoravam ele. E aí, nós nos conhecemos, começamos a sair em encontros… e inevitavelmente aconteceu. Ele me fazia promessas. E eu acreditava em todas. Eu era jovem também, mas fui muito inocente. Meu Deus, como eu me arrependo de ter falado, respondido o primeiro oi desse cara. 

Agora as lágrimas rolavam sem parar pelo seu rosto, mas ela tentava se manter forte. Eu via o quanto aquilo o machucava. Sequei algumas com a ponta dos meus dedos. 

— E aí, depois de várias promessas falsas, ele me levou na conversa e ele conseguiu o queria, que era sexo. Eu era virgem na época. Na mesma noite, ele me deixou dormindo e simplesmente foi embora. Ele voltou para os Estados Unidos, e a única coisa que ele me deixou foi um bilhete, dizendo que a melhor experiência do Brasil havia sido transar com uma brasileira, que ele iria contar para todos os amigos americanos dele e que eu deveria ficar feliz. 

Ela respirou fundo, tentando se controlar, mas não adiantou muito. Ela desabou a chorar copiosamente, como um bebê. Eu a abracei, amaldiçoando até a décima quinta geração desse filho da puta que tinha feito isso com ela.

— Desgraçado… – falei.  

— No dia seguinte, todos já estavam sabendo. As notícias correm rápido demais aqui. E aí eu meio que sumi também. Ninguém me via mais aqui na ilha, não conseguia sair do meu quarto, não comia, não falava com ninguém. Eu só chorava. Eu me sentia completamente usada. Nunca imaginei que isso aconteceria comigo, eu sempre achei que eu iria encontrar uma pessoa boa e ser amada, assim como minha mãe é pelo meu pai. Mas… isso não aconteceu. E aí eu me fechei completamente. Decidi que eu iria me reerguer, mas que ninguém iria me machucar de novo. 

Agora que ela contava sua história, a minha parecia birra de criança. Anne continuou a falar, agora um pouco mais calma. Ela estava deitada com a cabeça em meu ombro. 

— Depois disso eu fui para a faculdade, fiz novos amigos, conheci novas pessoas… Mas não foi a mesma coisa – ela olhou para mim. – E aí eu me acostumei com a casca que eu criei para mim. É uma questão de proteção. Eu nem sei como eu falei isso tudo para você… Sabe, não me leve a mal, mas você me lembra tudo nele. Americano, bacana, trata todo mundo bem, é bonito… É como se a história se repetisse, mas por algum motivo eu sei que você não faria isso. 

— Não, eu não faria – eu disse, e ela se separou de mim, arrumando o vestido e limpando as lágrimas. – Com ninguém, mas principalmente com você. 

— Obrigada – ela sorriu. – Eu também aprendi que as pessoas são diferentes. Existem pessoas boas. Você é uma delas. 

— Obrigado – respondi, e senti que fiquei um pouco vermelho. 

— Desculpa. 

— Por que? 

— Estávamos falando sobre o seu problema, e eu comecei a falar de mim – ela disse. – Vamos voltar a você. Pretende falar com sua ex? 

— Meu problema… – falei, pensando nele. Agora parecia tão menor, tão distante, sem importância. – Eu vou resolver isso. Vou falar com a Ambra. Vou explicar o que aconteceu, o que eu vi, o que senti e espero que ela respeite meus sentimentos e minha decisão. 

— Isso mesmo – encorajou Anne, sorrindo. Eu preferia mil vezes vê-la sorrindo do que às lágrimas. – Mas faça isso no seu tempo. 

— Já esperei tempo demais. Quero resolver isso logo, ficar livre – expliquei. Eu me sentia preso por Ambra. Era como se o seu fantasma me acompanhasse por todos os lados, às vezes mais escondido, às vezes mais aparente, mas sempre ali. – Vou mandar um email hoje mesmo. 

— Bem, então eu vou indo – anunciou Anne e se levantou da espreguiçadeira. – Eu acho que já tive fortes emoções pelo dia de hoje, e eu realmente queria descansar. Carlisle, obrigada por me ouvir. Isso foi… Importante para mim. 

— Anne, eu é que tenho que agradecer – comecei, me levantando. Nós dois fomos andando juntos, para dentro da pousada. – Você desde o princípio me acolheu, me ouviu… O que eu fiz não foi nem um terço do que você fez por mim. Eu preciso correr muito atrás para tentar te retribuir. 

— Imagina – ela riu. – Bem, se você faz tanta questão, amanhã você vai me levar para mergulhar. 

— Mas eu não sei onde… – comecei. 

— Eu sei, idiota – ela riu. – Eu sou sua guia, mas essa vai ser pela sua conta. Finja, Carlisle. Finja. 

— Tudo bem – falei. – Amanhã eu te levarei para mergulhar. 

— Você aprende rápido – ela disse, rindo. – Boa noite. 

— Boa noite, Anne – respondi e nos separamos na recepção da pousada, cada um indo para um lado, em direção aos seus respectivos quartos. 

Antes de dormir, precisava urgentemente resolver uma pendência, com nome e sobrenome italiano. 

Liguei meu computador e abri o email. Comecei a digitar freneticamente. 

 

De: carlislecullen@email.com

Para: ambrariva@email.com 

Assunto: Todas as explicações que você precisa. 

 

Ambra, 

Espero que esse email seja suficiente para suprir sua necessidade de explicações. Eu não me sinto confortável em falar com você depois de tudo o que aconteceu, mas mesmo assim, aqui estou eu. 

Antes de tudo, preciso recapitular algumas coisas, e deixar claro outras. A primeira é que o não, não somos mais um casal. Nós deixamos de ser quando eu descobri que você mantinha um caso com Aro Volturi, o cirurgião com o qual eu mantinha negócios e certa amizade até semanas atrás. Reconheço que deveria ter falado com você antes, e peço desculpas por isso. Mas como uma pessoa muito importante me disse essa noite, meu "sumiço" foi nada mais do que uma estratégia de defesa. Eu precisava de um tempo para assimilar tudo o que tinha acontecido. 

Recapitulando, descobri que você estava com Volturi cerca de três dias antes do meu voo para o Brasil. Eu havia planejado te levar para jantar, naquele restaurante que sempre íamos. Fui pessoalmente fazer uma reserva e os vi lá. Ambra, eu fiquei arrasado. Você não tem a mínima noção de como eu fiquei. Agora, eu já não tenho palavras para explicar. Eu simplesmente não conseguia dormir. A única coisa que eu queria fazer era sair da Itália, procurar algo útil para fazer. Foi quando eu cheguei ao Brasil e as coisas começaram a melhorar. Agora, está tudo melhor. Eu sei que você está melhor sem mim também. Tenho plena noção disso, e não precisamos mentir um para o outro. Não mais. Eu fiquei com muita raiva de você, e ainda estou. Confesso que estou me controlando e parando a cada segundo, respirando fundo para me conter e não perder minha razão aqui. Não preciso disso, nem você. 

Dito isso, acho que você teve suas explicações. Terminamos, ainda que de forma errada, unilateralmente. Já pedi desculpas, pois não foi a forma certa, mas traições também não são certas, então você também me deve desculpas. Quero me sentir livre. Peço que busque suas coisas em minha casa o mais rápido possível. Ligue para minha secretária Charlotte, ela irá te acompanhar. 

Espero que respeite minha decisão, que você seja feliz e que eu nunca mais te veja.

Atenciosamente, 

Carlisle Cullen. 

 

Assim que cliquei no botão de enviar, senti um enorme peso sair das minhas costas. Eu finalmente tinha colocado para fora aquilo que estava me machucando há tempos. Cerca de três minutos depois, uma notificação de um novo email apareceu na minha tela. 

 

De: ambrariva@email.com

Para: carlislecullen@email.com

Assunto: [Re] Todas as explicações que você precisa. 

 

Ok, eu poderia surtar aqui, mas eu realmente cansei de gritar para o vento. Obrigada por ter respondido. Eu já desconfiava que você poderia ter descoberto algo sobre Aro, mas não tinha certeza, então apenas me restava tentar jogar verde.

Carlisle, nós não éramos um casal que iria dar certo. Não combinávamos, nossas ideias de vida eram completamente distintas. Não sei como isso poderia funcionar. Sinceramente, não sei como aguentamos tanto tempo. É uma pena que tenha acabado assim, mas eu realmente sinto que não te devo desculpas. Não me arrependo de nada do que eu fiz, pois estava buscando minha felicidade. Acredite, estou feliz agora. Sinta-se livre. 

Se quiser, mande queimar minhas coisas, doar que seja. Não preciso disso. 

Arrivederci, até nunca mais. 

Ambra Riva. 

 

Quase ri quando li o email de Ambra. Embora aquela situação toda fosse horrível, com ela acabando de assumir que havia me traído sim e que não se arrependia disso, eu não me sentia tão mal mais. Algo havia mudado, era como se eu tivesse colocado uma pedra em cima daquele acontecimento, para marcar que ele havia acabado. A única coisa que restava era lidar com o agora e o futuro. 

Chequei minha agenda e vi que Charlotte não havia remarcado algumas reuniões que eu havia pedido quando avisei que viria para a ilha. Redigi um email rápido a ela, pedindo que fizesse isso o mais rápido possível e para separar as coisas de Ambra para a doação. 

Na manhã seguinte, acordei mais disposto do que nunca. Antes de dormir, na noite passada, pesquisei sobre as práticas de mergulho aqui na ilha, e já estava a par de como funcionava. Bem, dessa vez eu levaria Anne, e não o contrário. 

Fui tomar café da manhã, e encontrei Eleazar saindo do quarto. 

— Caiu da cama, Denali? – perguntei, rindo. Nada abalaria meu bom humor. 

— Eu é que te pergunto – disse Eleazar, meio sonolento. – O que você está fazendo em pé essa hora? 

— Eleazar são oito da manhã – falei, rindo. 

— E nós estamos de férias – ele completou. – Num paraíso. E você acorda às oito da manhã. 

— Eu estou certo, preciso aproveitar – dei de ombros. – E além do mais, você também está acordado. 

— Eu só estou com fome – contou. – Estava indo comer alguma coisa. 

— Vou com você – falei e fomos juntos tomar café da manhã. 

Chegando lá, vi em uma mesa afastada Anne, Frank e Lucille tomando café. Juntos estavam absortos em uma conversa importante, pois em meio às xícaras e pães, haviam papéis e um tablet. Assim que nos viram, os três acenaram animadamente. Eleazar e eu fomos até o buffet nos servir. 

— Eu falei com Ambra ontem – contei para Eleazar, que me olhou assustado. 

— E aí? – perguntou. 

Resumi para ele toda a troca de emails. 

— Meu Deus – exclamou meu amigo. – Eu não esperava isso dela. Ou sim. Não sei, essa situação toda… Muito confusa. 

— Se você está confuso imagina eu – falei, enquanto ia para a mesa. – Mas olha, eu estou me sentindo bem. Sabe, livre. Isso me machucou demais, Eleazar. Não que ainda não machuque, mas ficar com essa história entalada na garganta, mal resolvida… Era péssimo. 

— Eu entendo perfeitamente – disse Eleazar. – Você está certo em ter dado um fim nisso. Não precisamos ficar alimentando as coisas ruins. 

— Exato – concordei e olhei de soslaio para a mesa do outro lado do salão. Anne e os Platt ainda estavam absortos na conversa. 

— É… Carlisle? – chamou Eleazar. Imediatamente voltei minha atenção para ele. – Você e a Anne? 

— O que? Não. – neguei, mas a pergunta dele me deixou pensativo. Desde que eu a vira pela primeira vez me senti atraído por ela. Eu tinha a noção que ela me achava bonito, pelo menos pelo que ela havia dito na noite passada, mas isso não era parâmetro para nada. Nunca falamos nada que desse a entender algo a mais que amizade, até agora. Além disso, eu tecnicamente ainda era um homem comprometido.  – Somos só amigos. 

— Eu também era amigo da Carmen, e veja só! Estamos casados – falou Eleazar, rindo. 

— É que é diferente, Eleazar – eu falei, lembrando de tudo o que ela tinha me contado. – Eu passei por muita coisa e além disso, eu nem sei se ela se interessaria por mim. 

— Eu acho que se ela não estivesse interessada não faria essa coisa toda de guia turística de graça e nem estaria vindo para cá com um sorriso de orelha a orelha. Eu vou deixar vocês – disse meu amigo, baixinho, levantando as sobrancelhas. Ele não me deu nem tempo de pensar direito sobre o que tinha falado, pois Anne foi mais rápida e chegou à nossa mesa. 

— Bom dia, rapazes – disse, alegre, e respondemos em uníssono. Eleazar se despediu rapidamente de nós e disse que iria voltar para o quarto. – Animado para nosso passeio? 

— Não deveria ser eu quem devia te perguntar isso? 

— Ah – riu Anne. – Me pergunte, então. 

— Animada para nosso passeio? – perguntei, rindo. 

— Claro – ela disse. – Eu vim perguntar se você está pronto. Já terminei o que eu tinha para fazer aqui por hoje. 

— Sim – falei. Já tinha saído do quarto preparado. – Você está pronta? 

— Estou – avisou. – Podemos ir? Não é muito longe daqui. 

— Eu sei – falei enquanto levantávamos da mesa. Ela me olhou com uma expressão curiosa. – Eu vou te levar, esqueceu? Pesquisei sobre. Sei até como chegar lá dirigindo. 

— Olha, que graça – ela riu e me levou até seu carro. – Mas não vou te deixar dirigir. Tenho ciúmes do meu carro. 

— Tudo bem – ri. – Sei que você está com medo de ficar perdida comigo. 

— Esse não é o problema – ela disse, e meu coração deu uma leve acelerada. – Mas eu realmente tenho ciúmes do meu carro. Não gosto que dirijam ele. E outra… Não dá pra ficar perdido aqui, estamos numa ilha, Carlisle. 

— Eu esqueço que você sabe o mapa de cor e salteado – falei, enquanto ela saia dirigindo pela rua. Não demorou nem dez minutos para que nós chegássemos ao local onde os mergulhos eram realizados. 

Chegamos lá e eu já sabia como tudo funcionava. Assim que Anne chegou, todos os funcionários do local já a conheciam. Famosa, eu diria. Ela deixou que eu resolvesse todas as pendências para nosso mergulho e estava sendo ajudada por uma mulher a colocar as roupas de proteção. 

Como estão seus pais, querida? – A mulher que ajudava Anne perguntou-a, na língua materna delas. 

Ótimos, mas muito ocupados, como sempre – respondeu Anne. 

Esse homem que está com você é seu namorado? 

— Ah, não. Carlisle é só um amigo – disse Anne. 

Sei. O jeito que ele olha para você… – A mulher olhou para mim e sorriu. O homem veio e começou a me ajudar a colocar a roupa de mergulho. 

É complicado. Mas quem sabe, não é? – Anne respondeu à mulher e olhou para mim, sorrindo. 

 

Depois que os funcionários nos ajudaram, recebemos um treinamento sobre mergulho básico e eles nos deixaram para arrumar a lancha que nos levaria para alto mar, para finalmente mergulharmos. Eu estava morrendo de curiosidade para saber o que Anne tanto falava com aquela mulher. 

— Anne? – chamei. 

— Sim? 

— Posso te fazer uma pergunta um pouco indiscreta? – perguntei e ela gargalhou. 

— Eu já sei o que você vai perguntar. Sim, estávamos falando de você – contou. – Ela me perguntou se você era meu namorado. 

— E o que você disse? 

— Vamos, Carlisle – ela disse, me puxando pela mão, sem efetivamente responder minha pergunta. 

Deixei passar, mas senti um frio no estômago. Eu não tinha sentido aquilo nem quando eu conheci Ambra. As coisas com Anne eram diferentes. 

Eu e ela entramos no barco junto com os mergulhadores, e enquanto saíamos para alto mar, eu não conseguia parar de olhar para ela. Seus cabelos voavam acima da cabeça com o vento forte que soprava contra nós. Anne olhava o mar azul e perfeito com olhos amorosos. Pensei no babaca que a tinha abandonado. Ele era muito burro. Ela virou-se para mim. 

— O que foi? – perguntou, com um sorriso de canto. 

Balancei a cabeça. 

— Nada não, só estou admirando. 

Ela abriu a boca para responder, mas fomos interrompidos pela mulher que tinha conversado com Anne, mais cedo. Ela avisava que já estávamos em um bom lugar para parar e iniciar o mergulho. 

 

Quando cai na água e submergi, demorei um pouco a me acostumar com o ambiente e o peso dos equipamentos de proteção. Alguns minutos depois, eu já conseguia enxergar claramente e fazer os movimentos com um pouco mais de leveza. Ali, vi as mais belas espécies da fauna e flora. É uma beleza indescritível, uma sensação única. Porém, a coisa que mais me chamou atenção foi Anne, que admirava e sempre me apontava o que achava interessante. Eu sentia que ela estava feliz, tipo uma criança que ganhou o brinquedo que queria no aniversário. 

 

Assim que voltamos para terra firme, ela não continha a felicidade. Ela andava praticamente aos pulos, falando em como ela estava maravilhada. 

— Foi incrível, Carlisle! – exclamou. – Você acredita que mesmo nascendo e morando aqui eu nunca tinha mergulhado? Era a única coisa que eu nunca tinha feito. 

— Fico feliz que tenha gostado – falei, enquanto caminhávamos de volta para o carro. – Eu adorei. Nunca vi tanta coisa linda ao mesmo tempo. É incrível. 

— Sim, eu sei – ela riu. Eu tinha conhecido uma Anne muito feliz, até. Mas agora ela estava um pouco diferente, mais solta. Não sabia se era impressão minha ou se algo havia mudado. – Eu sempre gostei muito da vida marinha. Já pensei em fazer uma especialização na área, só por hobby mesmo, sabe?

— E por que você não faz? – perguntei, enquanto íamos para o carro. 

— Eu não sei, na verdade – contou. – Acho que eu nunca cheguei a traçar planos sobre isso. Já cheguei a fazer algumas pesquisas sobre, mas não foi para frente. E além disso… Eu tenho muito o que fazer aqui. 

— Entendo – falei, já pensando no que eu poderia fazer para ajudá-la. Decidi que iria pesquisar mais sobre. 

Nós dois continuamos a conversar animadamente, até chegarmos à pousada. 

Descemos do carro e entramos no local. Como sempre, ela pegou minhas chaves e me entregou, mas continuou andando comigo até a porta do meu quarto. A pousada estava estranhamente vazia. 

— Obrigada, Carlisle – Anne disse. – Eu adorei. Tudo bem que a ideia foi minha mas… A companhia vale muito a pena, e não teria sido tudo isso sem você. 

Ela me puxou para um abraço, e eu confesso que eu não estava esperando por aquilo, mas eu ansiava por estar perto dela. Ela encostou a cabeça no meu peito, passando os braços pelo meu pescoço e tudo pareceu certo. Ela lentamente olhou para mim. Seus olhos castanhos brilhavam com a luz que entrava pelas janelas laterais do corredor dos quartos. Meu coração estava disparado, batia forte como uma bateria. Eu não sei dizer quem se moveu primeiro ou quem tomou a iniciativa, mas arrisco a dizer que estávamos tão conectados que começamos a nos mexer no mesmo instante. 

Os lábios dela encostaram suaves nos meus. A princípio, eles se moviam devagar, como se pedissem permissão. Seu corpo, a cada instante se colava mais ao meu, que implorava por ela. Eu sabia que era impossível contrariar as leis físicas, mas queria que nós dois ocupassemos o mesmo espaço. Anne se agarrava a mim como se sua vida dependesse daquilo, e eu fazia o mesmo. A cada instante que passava, o beijo ficava mais intenso. Chegava a doer nos meus ossos o quanto eu a queria. O calor no meu corpo crescia a cada momento que eu encostava nela, em qualquer parte de sua pele macia. 

Anne arfava cada vez que minha mão deslizava por suas costas e a puxava pela cintura. Eu não sabia muito bem como ela havia feito aquilo, mas em questão de segundos – e sem parar de me beijar – ela abriu a porta do meu quarto e nos jogou para dentro do aposento. Fechei a porta atrás de nós e a levei para a cama, sem nos separar em nenhum momento. Eu não conseguiria fazer isso agora. Ela parecia ter sido feita para mim, mas por um instante, um vislumbre de memória passou pela minha mente. Eu não podia nem iria fazer o que aquele cara havia feito. 

— Anne, você tem certeza que é isso que quer? 

Ela riu, jogando a cabeça para trás. 

— Nunca tive tanta certeza na vida. 

 

Acordei na manhã seguinte me sentindo outra pessoa. A noite anterior havia sido… indescritível. Sentir Anne em meus braços havia sido a melhor coisa que eu tinha sentido em meses. Eu mal podia conter minha felicidade, que se tornou um pouco de tristeza quando eu virei para o lado e não a vi. 

 Me levantei e a primeira coisa que notei era que o cadeado da minha mala, que eu havia deixado em cima da mesa por acidente antes de sair para o mergulho ontem estava bem ao lado do meu computador. Vi que a luz de stand-by do laptop sinalizava que ele estava ligado, mas em modo de descanso, como eu havia deixado. Esbarrei a mão no mouse e a tela ligou. A primeira coisa que eu vi foi um email aberto de Charlotte, minha secretária. 

 

De: charlottepeters@email.com

Para: carlislecullen@email.com

Assunto: Passagem de volta para casa. 

 

Olá Dr. Cullen. 

Imagino que as férias tenham sido bem aproveitadas. Desmarquei os compromissos que me pediu até essa data, assim como marquei sua passagem de volta, anexada aqui, na data que já havíamos conversado anteriormente. 

Quaisquer dúvidas, estarei à disposição. 

Peters. 

 

Não, não, não! Aquilo ali era uma sucessão de erros. Se Anne tivesse visto aquilo, pensaria que eu iria embora como o homem que a deixou anos atrás. E eu não pretendia fazer isso. Não mesmo. Não agora que eu… Argh. Além disso, eu estava tão absorto em ficar aqui e aproveitar os momentos com ela que eu simplesmente não avisei minha secretária que não planejava voltar para casa. Pelo menos não agora. 

Tomei um banho rápido, pensando em como explicar toda a situação para Anne e se ela iria me desculpar depois de tudo. Eu não a culparia se ela não o fizesse. Sai do quarto como um furacão, e trombei com Carmen, Eleazar e o casal Platt na recepção, conversando com os funcionários da recepção. Eles pareciam estar nervosos, preocupados. 

Como assim ela saiu? Ela disse para onde ia? Você disse que ela estava abalada, você sabe muito bem como ela é – Lucille disse para a mulher da recepção, que tentava explicar alguma coisa. Eu não estava entendendo nada o que estava acontecendo. 

— O que está acontecendo? – perguntei para Eleazar e Carmen. Quem respondeu foi Lucille. 

— Nossa filha, Esme, sumiu. Ela não atende o telefone, ninguém sabe para onde ela foi. De novo – ela suspirou, quase chorando. – Vai acontecer tudo de novo. 

— Espera… – falei mais para mim mesmo, ligando os pontos. Depois que Lucille falou, tudo fez sentido. As semelhanças das duas, o carinho que eu já notara quando Anne falava dos Platt. Olhei para Eleazar, chocado. – Elas são a mesma pessoa? 

— Do que você está falando, meu filho? – Frank perguntou. 

— Anne… ela é a filha de vocês? Ela é a Esme? – perguntei. 

— Sim, mas por que… – Lucille me olhava como se eu fosse um lunático. Ela estava desesperada. 

— Por que ela me deu um nome falso? E todos vocês concordaram com isso? – perguntei, me sentindo… eu nem sabia. Quebrado, mas confuso. 

— Você realmente está preocupado com o nome que ela te deu quando ela está por aí, sumida? Pelo amor de Deus, sr. Cullen – Lucille disse. 

— A senhora tem razão – eu disse, meio atônito. – Mas… 

Eu ia falar mais, mas algo me passou pela cabeça. Se ela havia saído, era porque queria ficar sozinha, longe de tudo. Ao mesmo tempo, eu precisava desesperadamente falar com ela, entender toda aquela confusão. Então eu simplesmente saí correndo, sem olhar para trás, ignorando os gritos de Carmen e Eleazar. Confiava no meu amigo para tentar me ajudar nessa. 

Sobre Anne, ou Esme, eu sabia que só havia um lugar onde ela poderia estar, e foi para lá que eu fui. Foi o primeiro lugar que passou pela minha cabeça, e eu nunca corri tanto na minha vida. 

 

Cheguei à entrada da trilha da cachoeira em tempo recorde. Eu não sabia se ela realmente estava lá, mas algo me dizia que sim. Ela tinha me dito que aquele era "seu lugar". Então, só podia ser ali. Torci para que eu não errasse o caminho da trilha e ficasse perdido. Eu conseguia lembrar um pouco o trajeto, mas não todo. No fim, segui meu coração, e por fim consegui ouvir o barulho de água corrente mais à frente. 

Diminuí o passo. Eu não queria assustá-la, chegando de maneira barulhenta. Na verdade, nem sabia se ela estaria lá mesmo. Mas não foi difícil saber. Anne, Esme, ou qualquer que seja o nome dela não parecia estar sozinha, mas ela de fato estava. Eu a via sentada de costas para mim, com os cabelos jogados para trás, com o mesmo vestido de ontem, sentada em uma pedra. Ela estava com os pés dentro da água, e falava como um papagaio, mas eu não entendia. Nada. Ugh. Eu precisava desesperadamente aprender português. 

Eu já deveria saber que isso acabaria assim. Sempre acaba. Eu deveria ter aprendido a lição com aquele babaca do Charles – disse, batendo a perna forte e jogando água para cima. – Não sei porque eu achei que dessa vez fosse diferente. Tudo bem, Carlisle parecia diferente, mas no fim? É sempre a mesma coisa. Deveria ter fechado mais meu coração. Me deixei levar e me enfraquecer, e depois? Ter que lidar com tudo isso de novo — ela olhou para o céu. – É, Esme. Você simplesmente deveria aceitar que será sempre uma diversão momentânea. 

Eu a ouvia falar e sabia que ela chorava. Já tinha ouvido aquele tom de voz antes, e mesmo não vendo seu rosto, sabia que ela estava mal. Ela já havia passado por muita coisa, e não merecia isso. 

Saí das árvores devagar, em silêncio. Eu não queria assustá-la, chegando de repente. Na verdade, eu tentava pensar no que falar. 

— Hey – chamei, baixo. Eu estava a uma distância curta dela. Ela me olhou assustada. 

— O que você está fazendo aqui? – perguntou, na defensiva. 

— Eu… queria conversar. Não encontrei você quando acordei, vi o email, o cadeado da mala, coisa toda da passagem, e aí quando eu saí, a pousada estava uma confusão com seu sumiço… – expliquei. 

— Hm – resmungou, se virando novamente para a água corrente. – Veio se despedir? Finalmente contar que vai voltar para casa hoje, voltar para sua vida?

Respirei fundo. Ela estava magoada, e tinha razão. Me aproximei dela, e me sentei ao seu lado. A água estava extremamente gelada. 

— Anne… eu não sei em que circunstâncias você viu aquele email, mas ele era um engano. Eu nunca pedi para minha secretária, Charlotte, comprar passagens de volta. Na verdade, quando eu avisei que eu viria para cá, eu disse que iria ficar um tempo, e que depois disso iria voltar. Somente para desmarcar todos os meus compromissos – expliquei. – Acho que ela desmarcou todos os que tinham, e entendeu que eu iria voltar depois disso. Definitivamente não. Eu não quero voltar. 

— O que? – perguntou Anne, confusa. 

— Ela se confundiu, achou que… 

— Não. A última parte. Você não quer voltar? Que história é essa? – perguntou, ainda confusa. 

— Ah, isso é… Bem, como eu me sinto – me virei para ela. – Eu não sei explicar muito bem. Eu me sinto bem aqui. E tem você. 

— O que eu tenho a ver com isso? – perguntou, num tom defensivo. 

— Você pode me achar um maluco. Ou que sei lá, eu estou te usando para tapar o buraco que a Ambra deixou. Mas se tem uma coisa que eu tenho certeza é dos meus sentimentos. Eu pensei muito nisso, conversei com meus amigos. Eu definitivamente nunca senti isso pela Ambra. Essa palpitação, frio no estômago, inquietude. Só antes de te ver. Eu não consigo parar de pensar em você. Eu acordo e vou dormir pensando em você. Qualquer lugar dessa ilha me lembra você. Essa ilha me lembra você, e eu realmente estou decidido a não ir embora daqui, a menos que você fale para eu ir. 

— Você quer dizer… 

— Sim, Anne, Esme, sei lá qual é seu nome – eu ri. – Eu estou apaixonado por você. E eu não vou a lugar algum, a menos que você vá comigo. 

— Ah meu Deus – ela suspirou, meio sem ar. – Eu… Ah! 

Ela não falou mais nada além daquele suspiro, e me puxou pela gola da camisa, juntando seus lábios nos meus.

 

Ficamos abraçados olhando a água cair pela cachoeira, mas ainda tínhamos algumas perguntas a fazer ao outro. Ela foi a primeira a quebrar o silêncio. 

— Desculpe ter fugido – falou. – Eu não queria, mas tudo aconteceu muito rápido. Assim que eu acordei, precisava ver as horas, tinha que trabalhar. Meu celular havia descarregado e vi que seu computador estava ligado. Não imaginei que seus e-mails estavam abertos. Não foi a intenção lê-los. Mas quando eu vi, já tinha acontecido. Eu fiquei mal. Achei que tudo iria acontecer de novo. Então eu sai correndo, meio sem rumo. 

— Tudo bem, eu entendo – falei. Eu realmente não a culpava por ter visto meus e-mails. Eu deveria ter resolvido isso antes. – Agora… As coisas lá na pousada ficaram um pouco confusas sem você. Por que não contou que Lucille e Frank são seus pais? E o mais importante, por que diabos você me falou um nome falso? 

— Ah – suspirou, rindo. – Achei que desse para perceber. Todo mundo fala que eu sou a mistura perfeita dos dois. E… eu não te dei um nome falso. Meu nome é realmente Anne. Só não é o primeiro. Na verdade, meu nome é Esme Anne. Eu sou a Esme da ilha. 

Agora tudo fazia sentido. 

— E por que você não usa seu nome? Ele é lindo – perguntei, enquanto brincava com uma mecha do seu cabelo. 

— Ah, é que todo mundo sempre me chamou de Anne, para diferenciar um pouco do nome da ilha. Mas eu sempre gostei de Esme. É o nome da minha casa, né? Mas é meio difícil me chamarem assim aqui, todo mundo é acostumado com Anne – ela explicou. – Até meus pais às vezes me chamam de Anne, principalmente na frente dos funcionários. E também uso isso um pouco para me proteger, depois de tudo. Você entende, não é? 

— Sim, entendo. Bem, eu vou chamar só de Esme então – eu disse, enterrando meu rosto no seu pescoço. 

— Tudo bem, eu gosto – ela sorriu, se contorcendo. – Mas Carlisle, espera. Eu te devo um pedido de desculpas. 

Ela se separou do meu abraço, virando-se de modo a ficar sentada me olhando de frente. 

— Eu não queria ter visto o e-mail, ou mexido nas suas coisas – começou. – Isso não é do meu feitio. Eu já contei o que aconteceu, e quando eu vi, pensei que eu iria viver tudo aquilo de novo. Precisava ficar sozinha e pensar. 

— Eu entendo – falei, passando a mão pelas ondas desfeitas e amassadas do seu cabelo castanho. – Eu sei que não foi por mal, às vezes essas coisas acontecem, mas se acontecer de novo, só… me pergunte, converse comigo. Nós vamos resolver tudo. E… bem, sua mãe ficou preocupada com você. 

— Eu imagino – Esme disse. – Meus pais sempre foram muito protetores e amorosos. Eu não poderia ter pais melhores. Acho que… eu devia voltar. 

Esme olhou para mim. Seus olhos castanhos brilhavam, amorosos como sempre. Desde que eu havia a visto, sabia que ela transmitia amor por onde passava. Agora eu tinha certeza. Ela tinha conseguido curar meu coração machucado e fechado. 

— Você vem? – Esme perguntou, já de pé, com a mão estendida para mim. Envolvi-a na minha, e ela me puxou, me levantando do chão e deixando nossos corpos bem juntos. 

— Eu vou para qualquer lugar, desde que você esteja junto comigo, Esme Anne.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem até aqui! Me digam o que acharam, por favor ♥ Não sou de prometer (rs) mas quem sabe vem uma surpresinha ai...



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