Haunted escrita por muffin paradise


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

ATENÇÃO: essa fanfic contém temas que envolvem distúrbios mentais de uma maneira que NÃO corresponde a realidade e nem tem caráter informativo. Tentei ao máximo possível ser respeitoso e cuidadoso com o tema que exige seriedade. Portanto, estejam avisados disso.

Completamente baseado em um trecho específico de “O Sol da Meia-Noite”, mas com um twist mais angst, trágico e dúbio.



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HAUNTED

 

Não era exagero dizer que o Centro Meyer de Saúde Mental era a melhor clínica de tratamento psiquiátrico de todo o estado de Washington e quem sabe até de toda a região noroeste dos Estados Unidos.

Localizado em uma área afastada de Seattle e rodeada por um belo jardim arborizado (delimitados por uma cerca alta e eletrificada, com câmeras de segurança e vigias), o Centro Meyer proporcionava diversas atividades psicoterapêuticas e físicas aos seus pacientes ali internados, tendo uma equipe multiprofissional de ponta liderados pela Dra. Jaymes Stewart, uma renomada psiquiatra formada em Harvard e com uma série de doutorados e especializações da área.

— Muito bem, Ashley, quem é o próximo da lista de hoje? – Dra. Stewart perguntou a enfermeira após terminar uma de suas visitas no quarto de um dos pacientes, ambas caminhando no corredor naquela tranquila manhã de terça-feira.

Ashley, que a acompanhava como um cãozinho obediente, de imediato verificou a prancheta em sua mão, olhos percorrendo a longa fileira de números de quartos e nomes de seus ocupantes.

— Quarto... Quarto... Quarto 80. – Ashley disse com prontidão, avançando as folhas até puxar o prontuário e entregar para a médica, vendo-a sorrir.

— Ah, sim, sim... – ela respondeu ao reconhecer de quem se tratava, olhando para a ficha entregue e a foto nela anexada – Como ela está hoje? Está bem disposta?

— Parece bem, eu acho. Ela arrumou a cama, fez a higiene pessoal sozinha, como sempre, assim como respondeu nossas perguntas. Tomou os medicamentos da manhã também, apesar de ainda protestar quando entregamos para ela. – Ashley informou, dando de ombros – Enfim, me parece okay, apesar de novo ter dito que “sonhou” com “ele”.

Dra. Stewart franziu levemente a testa, encarando a foto 3x4 enquanto era encarada de volta pela imagem estática da jovem de olhos escuros de corça, um sentimento de compaixão quase maternal a enchendo por um instante.

“Pobre menina...”, ela pensou, caminhando em direção ao quarto indicado.

 

Isabella Marie Swan – ou Bella, como gostava de ser chamada por todos – era naquele momento a paciente mais jovem internada no Centro Meyer: tinha apenas 18 anos, não tendo nem mesmo completado o colegial quando chegara ali meses antes.

Bella, a primeira vista, parecia uma adolescente normal: descrita como uma leitora voraz e aluna dedicada, com boas notas e uma mente afiada, uma filha de comportamento exemplar e obediente, nunca dando trabalho; Era tímida, retraída, possuía poucos amigos, mas nenhum deles tendo sido capazes de conhecê-la com profundidade, apenas “arranhando” a superfície da barreira no qual ela mesma impunha, preferindo seu próprio mundo interior.

Filha de pais separados, Bella morou em Phoenix com a mãe durante quase a vida inteira, tendo se mudado para Forks (uma cidade no qual pouco visitava e que muito detestava) a fim de morar com seu pai, o xerife Charlie Swan, um homem igualmente tímido, introspectivo, porém gentil e amoroso com a filha única.

Tudo parecia bem, e então...

Então não mais estava: de acordo com Charlie Swan, dois meses após a mudança, Bella o informou que estava saindo com um rapaz.

A notícia foi recebida por ele com um misto de apreciação e descontentamento, afinal era sua menina, mas ele aceitou, acreditando que era algo bom já que ela era muito solitária a seu ver.

Mas passado tempo, Charlie começou a notar sinais incomuns: ele ouvia Bella falar sozinha de madrugada, ouvia seus passos frenéticos fazerem a madeira do piso ranger assim como o guinchado metálico da janela de seu quarto sendo aberta mesmo nas noites chuvosas; “Eu não sabia como agir...” Charlie confessou a Dra. Stewart meses depois em uma consulta somente com os pais, seu olhos fixos ao relembrar, “...Eu apenas... Apenas achei que era algo que os jovens poderiam fazer nessa fase, entende?”

Pouco depois, Charlie pediu a Bella para trazer para casa o rapaz que ela estava vendo, o seu então “namorado” no qual ela dizia sair com. Houve apenas uma resposta evasiva vinda dela, mas um nome pronunciado que se repetiria ao longo dos meses e que, ainda naquele momento, continuava a ser dito.

Edward Cullen.

Ele ficou confuso ao ouvir o nome: Forks era uma cidade minúscula com pouco mais de 3 mil habitantes, e uma população ainda menor de adolescentes que frequentavam Forks High School. Ele conhecia todos os jovens, de vez em quando os dava um sermão aos que passavam da linha, conhecia seus pais e por aí vai.

Contudo, ele nunca ouvira falar de algum Edward Cullen, nem mesmo de seus supostos irmãos, Alice, Emmett, Jasper e Rosalie, e nem de seus pais, Carlisle e Esme; de início, Charlie pensou (ou preferiu pensar) que Bella escondia a identidade do rapaz, mas ficou claro nos meses seguintes que não se tratava disso.

Na semana em que Bella completou 18 anos em Setembro, ocorreu o primeiro episódio daquele que seria seu declínio mental: ela havia desaparecido por horas sem deixar um aviso ou sinal, sem que ninguém soubesse onde estava. O xerife de imediato mobilizou seus oficiais e contou com a ajuda de civis voluntários, e após horas de procura, Bella foi encontrada na floresta, sozinha, encolhida sobre o chão de terra, encharcada pela chuva fria enquanto repetia apenas uma única frase em um sussurro quebrado: “Ele se foi!”.

Os meses seguintes foram mais difíceis e sombrios: choro imotivado, pesadelos em noites mal dormidas, crescente falta de apetite, silêncio prolongado. Xerife Swan, cada vez mais preocupado, cogitou em mandá-la de volta para a casa de sua ex-esposa, Renée, agora morando em Jacksonville.

Seria bom para ela, ele pensou. Era uma cidade ensolarada, como Bella tanto amava, uma cidade grande, com mais opções para ela do que a pequena e chuvosa Forks. Mas e o que se seguiu foi uma reação explosiva dela: gritos de raiva seguidos dos de desespero, e por fim, lágrimas com a súplica de que ele a deixasse ficar, pois “Edward iria voltar!”.

Charlie então fez o que achou que era melhor: ele mostrou a Bella que em Forks High School, não havia nenhum Edward Cullen matriculado, assim como seus ditos irmãos. No hospital da comunidade, nunca houve um Dr. Carlisle Cullen, assim como também a suposta moradia deles: Bella havia descrito uma linda mansão branca com paredes de vidro, mas tudo o que havia no local era um casarão decrépito e em ruínas, não tendo sido habitado há décadas.

“Eu sabia que ela não estava bem...” Charlie confessou a doutora em privado uma vez, chorando de cabeça baixa, “Eu sabia bem antes, mas não queria reconhecer. Talvez eu pudesse... Pudesse ter evitado que ela chegasse onde chegou.”

O episódio do pulo no penhasco ainda assombrava o xerife. Após ter sido socorrida por Jacob Black, um dos garotos da reserva, Bella negou o que parecia óbvio, tendo por fim dito que fizera aquilo para “ouvir a voz dele pedindo para ela parar”. Se antes a cidade já fofocava sobre a “filha louca do xerife Swan”, agora eles tinham certeza disso.

Foi a gota d’água.

No mês seguinte, Charlie levou sua filha à Seattle, tendo conseguido receber uma vaga ofertada no Centro Meyer graças a um generoso benfeitor anônimo que ouviu sobre o infeliz caso da jovem filha do xerife, disposto a arcar com os dispendiosos custos da internação. Não demorou muito para que palavras como “esquizofrenia”, “quadros de depressão”, “tendências masoquistas” e “episódios de alucinações” preenchessem a ficha da adolescente, que mesmo tendo progresso, ainda permanecia fechada em si.

 

— Bella...? – Dra. Stewart anunciou com suavidade após ter batido na porta aberta do quarto.

Bella estava de costas, sentada em uma cadeira de frente para o cavalete de desenho perto da janela, vestida com modéstia e com um rabo-de-cavalo prendendo sua cabeleira escura; Aos poucos se virou, sua face cor de porcelana realçando os olhos castanhos límpidos que agora fitavam o rosto familiar da médica.

— Posso entrar? – esta perguntou com um sorriso e um gesto com a cabeça.

A garota acenou em positivo, permanecendo imóvel.

Dra. Stewart entrou no quarto pequeno, pintado em um tom azul pacífico e escasso de móveis, com exceção da cama coberta por uma colcha roxa, uma pequena estante com livros surrados, uma cadeira de balanço e cavalete de desenhos. Não havia objetos que pudessem oferecer perigo, e até mesmo a janela era revestida com um vidro blindado, garantindo a segurança e proteção dos internos.

— Como está nessa manhã, Bella? – Jaymes indagou, sentando-se no braço da poltrona de frente para ela, colocando a prancheta no colo. – Se sente bem?

Bella considerou a pergunta e suspirou.

— Bem. Eu... Eu estou bem. – ela disse em uma voz baixa e calma, voltando sua atenção para o cavalete em sua frente.

— Isso é muito bom de ouvir e saber. – a mulher respondeu, ainda sorrindo calma, olhando para o cavalete – Ah... Vejo que está inspirada hoje... O que está desenhando?

O giz-de-cera preto marcava o papel branco em um ruído agradável, rabiscos formando imagens no qual a psiquiatra levou um tempo para reconhecer, se surpreendendo pois era a primeira vez que Bella desenha algo que não era um rosto humano.

— É um leão… E um cordeiro. – ela respondeu tímida, seus dedos delicados segurando o giz ao rabiscar a juba do felino.

A médica inclinou a cabeça, instigada pela curiosidade.

— Oh… E... E há alguma história por trás deles? – ela perguntou com leveza.

Bella parou de desenhar, encarando o papel com a imagem dos dois animais por algum tempo: o leão estava deitado, e entre suas patas e abaixo de sua cabeça estava o pequeno cordeiro, aninhado nele. Não era uma imagem de um predador e sua presa, mas sim, de algo que invocava outro sentimento.

— Eles estão apaixonados. – Bella respondeu melancólica.

— Apaixonados?

Bella confirmou a cabeça.

— Sim. Eles... Eles se amam muito, mas… Mas não podem ficar juntos… Nunca poderão. O cordeiro é idiota… O leão é masoquista e doentio. – ela murmurou, o giz voltando a rabiscar a folha. – Não há lugar no mundo para os dois.

Dra. Stewart observou o desenho, franzindo a testa.

— Mas há lugar para eles graças a você. Você os deu um lugar para existirem juntos. – ela respondeu de maneira terna.

Bella largou o giz e respirou fundo, seus ombros magros se curvando em si, sua mão passando sobre o rosto e pousando na nuca, uma postura de cansaço.

— Bella… Me disseram que você sonhou novamente com Edward. –  a doutora disse com cautela, sua voz segura e afirmadora – Gostaria de compartilhar comigo?

— Eu não sonhei. Ele me visitou! – ela corrigiu, sua voz com um tom de energia, mas aos poucos esfriou ao ver a expressão empática porém descrente da médica.

A jovem olhou para baixo, seu olhar vago e perdido.

— Qual o sentido de compartilhar, quando no fim você me dirá que tudo é mentira, que tudo é fruto da minha cabeça, doutora? – ela disse, seu tom cansado e triste. – É só mais uma maneira de afirmar que sou louca… É só mais uma justificativa para me manterem aqui.

A médica se inclinou para frente, pousando a mão sobre a dela em sinal de conforto.

— Todos nós nos preocupamos com você, Bella. Todos queremos o seu bem, queremos que você consiga sair daqui, consiga levar uma vida normal… Que consiga estudar Literatura, como sempre quis, que consiga ser professora como desejou. Queremos que você saia daqui e que consiga fechar esse capítulo que agora está aberto, até que se torne apenas um momento ruim a ser esquecido.

Bella negou com a cabeça, olhando para o chão.

— Eu não posso esquecer. – ela sussurrou. – Nunca poderia!

— Porque não?

Ela hesitou, mordendo o lábio inferior.

— Porque se eu esquecer… Estaria admitindo que ele não existe. Estaria negando que o que eu sinto não é real, quando na verdade é. – Bella olhou para a Dra. Stewart e depois para a parede no qual prendia desenhos variados de um mesmo rosto: Edward Cullen.

— Eu poderia passar horas descrevendo como ele é, doutora… – ela falou baixinho – Sobre como o cabelo dele é parecido com bronze… Sobre seus olhos cor de ouro… Sobre o sorriso torto dele… Sobre seu cheiro doce, que me lembra mel, lilás e sol… Sobre todos os seus detalhes.

Bella olhou para a doutora.

— Eu não posso me esquecer de Edward.

Dra. Stewart olhou para ela de maneira compreensiva, colocando a outra mão por cima das dela. Ela já tinha ouvido Bella contar sobre Edward, seu “passado” e sua “vida”, e até mesmo as circunstâncias no qual fora transformado em um “vampiro”, um eterno adolescente de 17 anos com mais de um século de existência. Bella a havia confidenciado, mas logo se arrependeu, dizendo que não era um segredo dela.

Dra. Stewart assegurou a ela de que aquilo ficaria apenas entre as duas, mas não porque acreditou, óbvio, e sim para dar a ela um pouco de paz.

— Bella… – ela pronunciou com a calma profissional – Por mais vivo e... E presente que Edward possa parecer em sua mente, isso, infelizmente, não o torna mais real. Ele, e tudo o que o acompanha não são reais, entende?

Ela pausou, olhando-a com atenção, vendo os olhos castanhos a fitá-la com atenção.

— A fantasia pode ser linda, vibrante, e irresistível, muito mais do que a realidade. Mas a realidade não deve ser afetada por ela. É perigoso virar as costas para ela. Uma vez que se aprofunda em uma fantasia, é cada vez mais difícil sair dela. – Dra. Stewart explicou.

Bella ficou em silêncio, imóvel, pequena em sua cadeira. Uma lágrima escorreu de sua bochecha corada, olhos castanhos perdidos.

— M-Mesmo que seja uma mentira… Mesmo que seja uma f-fantasia… – ela sussurrou, limpando o rosto com as mangas de seu moletom – É tudo o que me resta. É tudo o que eu tenho.

— Bella…

— Eu não poderia ser capaz de inventar o que sinto, doutora. – Bella sussurrou – E eu a-amo Edward. E... E ele me ama de volta. Eu sei disso. Eu sinto isso…

Jaymes ficou em silêncio, deixando ela se expressar.

— E esse amor é tudo que eu tenho. Então por favor, não tente tirá-lo de mim… Não me peça para esquecê-lo. – ela disse por fim, entregando a ela um desenho em preto-e-branco de Edward Cullen, de seu rosto lindo jovial com nariz esculpido, maçãs do rosto elegantes e maxilar forte.

Dra. Stewart respirou fundo, se levantando com o desenho em mãos junto de sua prancheta; não havia sentindo em prolongar a conversa que apenas levaria a mais lágrimas e sofrimento mental desnecessário a sua paciente. Todos ali sofriam em maior ou menor grau, e não cabia a ela infligir mais sofrimento a eles. Ela estava ali para ser o bálsamo e não o carrasco.

— Tenha um bom dia, Bella. – ela disse por fim, sorrindo ao colocar a mão sobre o ombro da garota – Espero que coma bem seu café-da-manhã. Teremos várias atividades hoje planejadas e espero contar com você, okay?

Bella não respondeu, permanecendo quieta.

Jaymes olhou para ela por alguns segundos antes de sair, novamente sendo acompanhada por Ashley pelo corredor, esta com uma expressão de pena ao ter acompanhado da porta a conversa.

— Pobrezinha... – ela disse mais para si do que para a médica.

Dra. Jaymes suspirou, colocando o desenho de Bella junto de sua ficha, e erguendo a cabeça de maneira assertiva, um mecanismo para manter suas sentimentalidades a parte.

— Quem é o próximo da lista? – ela requeriu, se focando para o próximo atendimento.

...

...

Após o fim da ronda de visitas, Dra. Jaymes retornou para sua sala particular, repassando suas anotações feitas ao longo da manhã para seu notebook assim como acrescentando algumas notas para estudar os casos particulares. Ao ver a ficha da paciente do quarto 80, no entanto, ela parou de digitar, tirando seus óculos e se acomodando na confortável cadeira de couro ao olhar para o prontuário.

Bella Swan não foi a primeira e nem seria a última paciente juvenil que ela havia atendido. Ao longo de seus anos de experiência, Jaymes conheceu casos delicados que envolviam até mesmo crianças em condições que iam de traumas até mesmo psicopatia.

No entanto, ela sentia algo inexplicável quando ela refletia sobre o caso específico de Bella e todas as condições que a levaram ali: era uma história trágica.

Havia uma infância suprimida por conta uma mãe completamente irresponsável e imatura, que a fez filha crescer e ser adulta quando deveria ainda ser criança, cuidada e amada... Havia um pai que mesmo sendo amoroso, foi distante na maior do tempo e que pouco conhecia... Havia uma garota solitária por toda a vida, recolhida em um mundo que criara para si mesmo, um mundo tranquilo, repleto de livros clássicos e junto de um “amor” por aquele que era seu herói romântico perfeito, fruto da mais pura fantasia.

Edward Cullen.

Dra. Jaymes olhou para o desenho feito por Bella: o rosto de um jovem de beleza clássica, o motivo de suspiro de garotas da idade de Bella, o ideal de um namorado perfeito, e era perfeito pois era irreal.

Mas às vezes... Ora, Bella o descrevia com tanta precisão, com tanta riqueza de detalhes, que às vezes, por um curto espaço de segundos, Jaymes acreditava nos relatos que ouvia.

“O que é bastante perigoso, diga-se de passagem.”, ela pensou, se repreendendo mentalmente. Podia ser perigoso deixar se envolver no que o paciente dizia.

Mas era inegável que havia algo hipnótico no que Bella confidenciava, pois ao contrário de muitos pacientes com diagnóstico iguais aos dela, suas fabricações eram concisas, jamais entrando em contradições no que dizia antes. Edward Cullen, nascido em Chicago no início do século anterior, sempre tinha cabelos cor de cobre e olhos dourados, era sempre um pianista talentoso e dono de um Volvo prateado, um vampiro que tomava sangue de animais, de pele pétrea que brilhava como diamantes na luz do sol.

“Se não fosse nessas circunstâncias, daria um excelente material para uma obra de fantasia.” ela pensou, colocando o desenho sobre a mesa.

Alguns minutos se passaram, até que ela se inclinou em direção ao notebook, seus dedos deslizando sobre o teclado com rapidez.

Edward Anthony Masen Jr. Chicago. 1918.

Dra. Jaymes clicou o botão de “estou com sorte” na caixa de pesquisa, a página da Web carregando em um instante, mas antes que pudesse ao menos ler a primeira linha, ela fechou o notebook e balançou a cabeça em negativo.

“Chega. Chega!”, ela se repreendeu, se levantando da cadeira e ajeitando o jaleco branco no reflexo do espelho.

— Tudo têm limite. – ela disse para si, saindo da sala para buscar uma grande xícara de café forte.

Seria um longo dia.

...

...

Bella nunca gostou de chorar.

Ela sempre achou que havia algo de humilhante em se debulhar em lágrimas, mesmo que em situações de estresse, raiva e indignação, seus sentimentos fossem canalizados para os dutos lacrimais. Chorar era admitir que era fraca demais para suportar o peso em seus ombros, que era incompetente em lidar com as situações, e ela não podia se dar ao luxo de ser fraca, indefesa ou incompetente. Ela nunca pôde, para início de conversa.

Mas ao longo dos últimos tempos, chorar era a única coisa que poderia fazer, a única coisa que aliviava a dor em seu peito e o nó na garganta.

Era difícil ser taxada como louca. Era difícil ser alvo dos olhares de piedade, pena ou desconfiança nos olhos de desconhecidos e ainda mais de pessoas que ela conhecia.

Era ainda mais difícil estar sozinha.

Por um curto espaço de tempo, tão ínfimo e fugaz, ela tinha experimentado a alegria de conhecer, de vivenciar o amor e ser amada de volta. Ela tinha provado o gosto do beijo, sentido o cheiro, a textura sob seus dedos...

Doía. Doía estar só, doía ser tratada como louca e doía mais ainda saber poderia mesmo ser louca.

Bella chorou, encolhendo-se na cama que não era dela, de um quarto que não era dela, em um lugar que sempre lhe seria estranho. Ela queria voltar para casa, mas não havia casa para voltar. Não havia ninguém para levá-la para lá.

Shhh... — a familiar voz macia como veludo e doce como mel soou em seus ouvidos, fazendo seu coração pular uma batida e palpitar com força. – Eu estou aqui.

Bella sentiu dedos frios enterrarem em seu cabelo e acariciarem seu couro cabeludo, descendo até a curva do cangote próximo a orelha, provocando um arrepio da cabeça até aos pés. Lábios frios gentis sobre a pele quente de sua testa, selando um beijo tão carinhoso que a fez querer rir e chorar ao mesmo tempo.

Ela não abriu os olhos.

Não poderia, pois tinha medo de que ao abri-los, ele iria desaparecer: ela respirou fundo o perfume doce que cheirava a lilás, mel e sol, deixando o aroma entrar em seu corpo como se fosse a primeira lufada de ar puro que respirou em muito tempo.

— V-Você não vai me d-deixar... N-não vai? – Bella implorou em um sussurro.

Nunca!— ele prometeu, beijando-a mais uma vez, dessa vez no topo de sua cabeça.

Antes que pudesse responder, ela sentiu uma mão em seu ombro, uma mão quente, firme, fazendo-a ela se sobressaltar na cama ao ver quem se tratava.

— Bella? – a enfermeira Ashley murmurou em um tom tranquilizante, fazendo um gesto com a outra mão para que ela não se exaltasse. – Sou eu... Está tudo bem!

Ashley tinha vindo ali para entregar a segunda refeição do dia, vendo a garota chorar de bruços na cama e tentou consolá-la.

Bella olhou em sua volta, vendo que havia apenas as duas no quarto.

As duas, e os inúmeros desenhos de Edward na parede oposta.

Lágrimas silenciosas escorregam em suas bochechas.

...

...

Quando a doutora Jaymes voltou para sua sala particular no fim dia, a primeira coisa que fez fora tirar os sapatos para longe e o jaleco sobre o sofá, esticando os braços e movimentando o pescoço como uma forma de aliviar a tensão. Se estivesse em casa, ela ficaria de molho em uma banheira com espuma acompanhada por uma taça de vinho com dose tripla, saindo de lá só Deus sabe quando.

Mas ela não estava.

Depois de cumprir suas obrigações diárias, cabia a ela responder e-mails pessoais assim como continuar seus trabalhos acadêmicos; olhando para o notebook em cima da mesa, ela gemeu frustrada, cogitando entre duas opções: se afogar em mais uma xícara de café e dormir pouco, ou acordar mais cedo e trabalhar naquilo. A escolha foi fácil – ela odiava acordar cedo.

Arrastando seu corpo em direção a máquina de expresso, ela preparou a cápsula e a xícara, se voltando em direção a cadeira de couro que a esperava junto do notebook.

“E lá vamos nós.”, ela pensou, imaginando a quantidade de trabalho que teria pela frente ao logar em seu computador.

A primeira reação que Dra. Jaymes teve foi confusão ao ver a página ainda aberta em seu navegador.

Obituário Histórico de Chicago (19101920)

 Quando ela rolou a página para baixo, sua segunda reação foi de choque.

Absoluto choque.

Edward Anthony Masen Jr.

Nascido em: 20 de Junho de 1901.

Falecido em: 13 de Setembro de 1918, aos 17 anos em decorrência de Gripe Espanhola.

SOBRE: Filho do advogado Edward Anthony Masen Senior (39) e sua esposa, Elizabeth Masen (35). Ambos padeceram durante a pandemia, não deixando mais descendentes. Para mais informações sobre a Gripe Espanhola em Chicago, clique em [...].

Dra. Jaymes ficou paralisada, completamente assustada. Ignorando os bipes insistentes da máquina de café, seus olhos verdes estavam vítreos sobre a tela do notebook enquanto sua mente implodia ao ler aquela informação, mas incapaz de crer que aquilo era mesmo real. Não era possível. Não podia ser... Mas... Mas...

De maneira abrupta, ela remexeu os documentos acima da mesa, revirando os prontuários até pegar o mais improvável de todos: um desenho feito à mão por giz-de-cera. Sua mão – agora trêmula – aproximou o papel até a tela do computador, onde era exibida a única imagem disposta no site, uma fotografia em preto e branco.

“Minha nossa...”, ela pensou, calafrios subindo e descendo por sua coluna.

Em ambas as imagens, havia a mesma face de maxilar esculpido, nariz elegante e olhos expressivos que a encaravam de volta, um sorriso tímido tanto em uma foto tirada há quase um século antes quanto o desenho feito ainda naquela manhã.

Era Edward.


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Notas finais do capítulo

Como podem ver, sou bem cadelinha de histórias que abrem margem a interpretações (e que tenham easter eggs) hahaha

Se Edward existiu ou não, se Bella e ele se conheceram ou não, a escolha é toda de vocês!

Espero que tenham gostado!

com amor,
muffin_paradise



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