Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 5
Nostalgia Fúnebre


Notas iniciais do capítulo

Esse foi um dos capítulos que eu mais gostei de fazer. Tem uma cena nele que eu demorei um pouco pra terminar já que nunca fiz algo do tipo antes, mas não vou falar sobre aqui! Então com vocês: Nostalgia Fúnebre...



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Elaine caminhou até o Parque Blindwood. Novamente a neblina era densa pela cidade, ocultando até mesmo a calçada do outro lado da rua, resultando em uma visão imperfeita. Ao caminhar, ela sentia como se estivesse completamente sozinha naquele vale, mas ao mesmo tempo sentia como se estivesse sendo observada. Era algo constante.
Ao entrar no parque, ela foi diretamente até a estátua de Elisabeth Lee, parando frente a mesma e a encarando cinicamente. O rosto deformado lhe passava uma sensação medonha; novamente ela sentiu um frio na espinha dentro daquele parque.
Por mais que gastasse a pensar sobre, Elaine não conseguia imaginar que tipo de mensagem tentavam passar com aquele "rosto de manequim"; se realmente era uma mensagem ou simplesmente fizeram ela daquele jeito por vontade própria, o que não fazia sentido. Elaine não compreendia o motivo, apenas tinha a certeza de que aquilo lhe causava arrepios.
Elisabeth Lee... Uma garota que se suicidou naquele lago. Os motivos que a levaram a fazer isso e como sua família está nos dias de hoje são perguntas que Elaine não podia nem ao menos imaginar as respostas. Por mais que tentasse, sabia que não poderia saber com precisão até ir atrás de informações sobre. Talvez ela faria isso depois, visto que Blindwood não era tão grande assim e Sarah Bove parecia conhecer a garota.
Elaine se deu conta de onde estava e sentiu um frio na espinha. Ela permaneceu imóvel e tensa, movendo apenas os olhos e não a cabeça; olhando de soslaio para tudo que estava ao seu redor. Um completo silêncio reinava no parque, exatamente igual a espécie de sonho que teve quando escutava a música de Agatha. Foi nesse momento que ela se virou e... A garota estava ali. Lhe encarando ao pé do ouvido. Elaine se virou rapidamente dando um passo para trás e graças aos céus, não havia mais ninguém ali.
Ela caminhou próxima ao lago e observou a água antes de olhar à sua volta procurando outras pessoas por ali. Elaine então escutou algo na água, era como se tivessem arremessado uma pedra no lago. Ela cerrou seus olhos o bastante para conseguir ver uma silhueta do outro lado do lago: havia uma pessoa ali.
Ela acenou para aquela pessoa, tentando chamar sua atenção, mas a silhueta permanecia imóvel.
Elaine correu até o outro lado, dando a volta no lago, e percebeu que aquele parque não era tão pequeno quanto imaginava. Quando chegou ao outro lado, para sua surpresa, não havia ninguém ali. Ela estava sozinha novamente. Ao ver a silhueta da estátua do outro lado do lago, Elaine soube que estava no lugar certo, mas a pessoa que estava ali havia desaparecido.
Ela estava ofegante e conforme respirava, conseguia ver o ar quente que saía de sua respiração; estava frio. Sem parar para descansar, ela olhou em volta e viu uma nova silhueta próxima ao muro, como se saísse do parque. Elaine a seguiu.
— Ei, você!
Elaine chamou quando não conseguiu mais ver aquela silhueta e mesmo sem uma resposta, continuou procurando.
Ela se aproximou do muro e viu uma mulher com roupas simples, agachada próxima a uma vegetação que havia ali. A mulher tinha o cabelo preso e Elaine viu que era curto. Ela tentou anunciar sua chegada dizendo um olá para a mulher, mas a mesma continuava mexendo ali, ignorando completamente a mulher desconhecida que estava atrás dela, parada.
A estranha se levantou com algo em suas mãos e começou a caminhar no sentido contrário, olhando para baixo; era como se Elaine não estivesse ali. Em silêncio, a mulher deu a volta no lago com algo em suas mãos. Elaine estava atrás dela e durante todo o trajeto nenhuma das duas disse uma única palavra.
A mulher parou próxima a estátua e após agachar, colocou frente à mesma o que havia em suas mãos: eram três folhas de mato; Da vegetação que ela estava minutos antes.
— ...Todos os dias eu venho até aqui e deixo flores... O jardim já não é como antes, elas não florescem mais. Pelo menos não nessa época do ano, então trago o que consigo encontrar. Você vê? Você acha que ela gosta disso?
— Eu não sei... Não a conheci... Mas imagino que ela aprecia sua ação. Se parece importante para mim, uma desconhecida, certamente é para ela também.
— Assim ela não se sente sozinha... Dizem que ela ainda está aqui no lago. Que sua alma não foi para o outro mundo.
— Você acredita nisso?
— Talvez sim. Na verdade não me faz diferença. Penso nela não importa o tempo em que estamos ou o que eles dizem. Veja os dois lados comigo: se ela realmente está aqui, eu faço companhia e lhe mostro importância. Se ela não estiver, lhe presto homenagens e reverência, pois sinto que isso me vale de algo. Você pensa que sou maluca por isso?
— Você se acha maluca por isso?
— Não! Mas... Eles acham! ... Eu não sei... Me largaram para trás, não posso sair daqui.
— De Blindwood?
A mulher se levantou.
— Deste lugar! ...Não posso sair deste lugar. Mas você... Você pode, eu sei que pode! Por quê está aqui? Você quer saber sobre Elisabeth Lee?
— Isso me interessa... Você a conhecia bem?
— Ela morava na rua A*****, 25. Você pode ir até lá. Eu preciso continuar aqui... Aqui... Não posso sair daqui... Mas você! Você tem algo a fazer. Vá, saia daqui.
Elaine acordou em seu quarto.
Sua cabeça doía. Ela se lembrava claramente de ter saído de seu quarto. Do encontro com Annabel e principalmente, sua ida até o parque Blindwood. Tudo isso fora um sonho?
Ela se levantou ainda atordoada por toda a situação que não conseguia entender. Logo teve uma idéia que revelaria se tudo aquilo fora fruto de sua imaginação. Seu divã. Ele seria a resposta. Embaixo do mesmo, quando Agatha bateu em sua porta, Elaine havia deixado aquele caderno escuro. Sim, o diário de Annabel.
Elaine se abaixou próxima ao divã e para seu completo espanto lá estava ele. O diário. O que havia acontecido aqui? Qual parte fora real e qual parte fora um sonho? Sua cabeça ainda doía.
Através da janela ela conseguia ver que a noite se aproximava e consequentemente se aproximava a hora de encontrar Agatha: a apresentação em Yoru.
Sua tarde toda se passou em algo que Elaine não conseguia entender ou ao menos explicar. Ela estava com o diário em mãos, o que claramente indicava que ela havia conhecido Annabel. Mas e quanto a todo o resto? O que fora real e o que fora um sonho? E se caso tudo aquilo fora real, como ela retornou ao hotel?
Sua cabeça doía. Ela se sentia febril e colocou a culpa na cidade, dizendo para si mesma que os efeitos colaterais não são apenas os arrepios. Talvez ela esteja delirando.
Elaine pegou sua agenda e fez uma nova anotação enquanto a informação ainda estava fresca em sua mente: "Rua A*****, 25"; O possível endereço de Elisabeth Lee. Mas por quê ela deveria ir até lá?
Assim como a pergunta do por quê veio até o vale, Elaine não tinha essa resposta. O que possuía era uma grande vontade de estar ali e da mesma forma, saber mais sobre tudo isso. Ela se sentia muito atraída por tudo que envolvia aquele local e seus sonhos estranhos confirmaram isso em sua mente, com seu subconsciente revelando tal desejo que a assombrava não só aos dias, mas também durante as noites, em seu descanso.
Não só o local e as situações, mas as pessoas também atraiam Elaine. Já estava na hora de ir até Agatha.
Enquanto seguia o caminho mostrado em seu mapa de Blindwood, que era um guia para turistas, Elaine se lembrou de seu celular no bolso do casaco (ela realmente não o utilizava) e tentou ligar para Johny, mas ainda estava sem sinal. Essa ação fez Elaine se sentir mais estranha do que já estava se sentindo. Isso era saudade?
Após chegar no local, Elaine entrou.
Embora do lado de fora não houvesse uma placa, uma fila de pessoas ou um cartaz do show, Elaine sabia que estava no lugar certo.
Yoru era um típico pub pequeno. Após entrar no mesmo, era necessário descer uma escada e atravessar um pequeno corredor para chegar no lugar que realmente importava. Após passar por ali, havia um balcão com algumas bebidas à mostra na estante atrás do mesmo e mesas. Mais a frente, no final do estabelecimento e após todas as mesas, havia um pequeno palco com um microfone, um pequeno piano e uma grande cortina escura. Era ali onde Agatha se apresentaria. Nas paredes do local haviam alguns quadros e máscaras artísticas que representavam rostos e emoções. Alguns causavam certa estranheza em Elaine, já que ela não conseguia explicar ao certo que tipo de emoção cada obra tentava passar: até mesmo uma simples máscara de sorriso (Ela deduziu que fosse), causava certo horror na jornalista. Mas era bonito, isso ela admitia sem pensar duas vezes. As cores predominante em todo o salão eram escuras, mais voltadas pro preto. As máscaras eram brancas e as luzes eram poucas, dando um ar mais adulto ao lugar, mas também certo aconchego. Por toda a análise visual, Elaine gostou do que viu. Embora fosse um local sinistro, era belo.
Haviam algumas pessoas no local, mas Elaine poderia facilmente escolher onde sentar, já que o número de mesas vazias era maior do que as ocupadas. Elaine seguiu rumo à sua direita, próxima as paredes do local. Havia uma mesa ali, vazia.
Neste lugar ela conseguia ter uma visão completa de toda a área. Desde as pessoas que poderiam entrar quanto as que já estavam lá. Ela conseguia ver tudo. E foi assim que viu quando Sarah Bove entrou ali e seus olhares se cruzaram. A garota acenou para Elaine e veio em sua direção, se sentando ali.
— Elaine. Como foi o caminho?
— Graças ao mapa que você me deu eu não tive problemas... Por um momento me esqueci de passar no seu trabalho e ver se você estava por lá. Apenas saí de casa e vim direto para este lugar.
— Oh, não se preocupe.
As luzes ficaram mais fracas e o lugar ficou mais escuro, então uma luz se acendeu próxima ao palco e lá estava ela, usando um vestido escuro que ia até a altura de seus joelhos. Era Agatha, pronta para sua apresentação.
Após uma pequena intro melódica, ela parou por algum momento antes de voltar a tocar. Ela cantava ao microfone enquanto tocava a próxima música. As pessoas presentes não pareciam se importar tanto com a figura que estava no palco, mas ela não se preocupava com isso. Agatha cantava, de olhos fechados, enquanto Elaine prestava total atenção.

"Abel, do que você tem tanto medo?
Você está chorando? Você está rindo?
Você ficou louco naquele dia.
Você está sonhando? Você está dormindo?"

"(...)Vinho transbordando
Cain está lamentando
Estamos bêbados
você e eu
À meia-noite..."

"(...)Esta noite, com a cruz nas costas
Corra até morrer, correndo o risco de sua vida
Esta noite, eu me torno você
Dance até morrer, Cain sofredor."

Após encerrar sua canção com seu último verso, Agatha parou por mais um minuto inteiro antes de voltar a tocar. Após uma nova introdução, ela começou a tocar uma nova sequência de acordes seguindo uma escala que Elaine conhecia. A escala dórica.
A artista disse ao microfone que essa era sua nova obra, denominada "Nostalgia Fúnebre" e então começou a tocar. A música que Agatha reproduzia era melódica e suavemente melancólica. Suas notas eram menores, seu som era suave. Algo muito agradável aos ouvidos de Elaine. O som tomou conta de todo o ambiente e não havia uma pessoa naquela sala que não pudesse escutar aquilo. Era algo lento, doce, mas de certa forma... Sombrio. Como reação ao som, Elaine começou a refletir sobre o que estava sentindo naquele momento. Era essa melancolia sombria, mas havia algo a mais. Coisas de seu passado vieram em sua mente. Ela se lembrava de algo. Não era Johny. Não era Annabel ou Elisabeth Lee. Era outro tipo de coisa. Era algo que ela não conseguia explicar, mas sentia que não devia ir mais a fundo; ela apenas estava prestigiando sua vizinha e admirava muito esse tipo de música que, somada com o ambiente escuro e a decoração deveras medonha, alimentava o clima do pub e o deixava como todo o externo dali, como o vale de Blindwood. Era algo sombrio. Algo... Estranho. Ela não sabia explicar, mas sentia isso. Era um som triste e emocional, do jeito que Elaine sempre admirou. Ela gostava de refletir em seu próprio mundo e a música sempre ajudou nisso. Neste momento havia mais uma chance.
Era como se pudesse escutar sua própria tristeza. Como um afago em sua própria nostalgia melancólica. Uma nostalgia fúnebre.
Pouco antes do término desta, Sarah Bove, que estava inquieta e não conseguira se concentrar, disse próxima à Elaine que precisava sair daquele local. Ela disse que estava preocupada com Marco, que não havia chego ainda, e iria até ele ver se algo aconteceu. Disse também que a jornalista não precisava se preocupar em abandonar aquele lugar, já que estava ali por conta de Agatha e a mesma poderia ficar aborrecida se mesmo após o convite, sua convidada não ficasse até o final. Elaine concordou com a cabeça e disse que ficaria ali. Quando Sarah Bove saiu, foi como se tivesse acordado Elaine de um sonho em que ela se colocou após começar a escutar aquela melodia; era como se estivesse em um transe.
Após mais duas ou três melodias, Agatha terminou sua apresentação se levantando e olhando calmamente para todos que estavam presentes. Ela agradeceu com um simples obrigado ao microfone e desceu do palco ao som de algumas palmas aqui e ali. Elaine pensou que, no geral, foi uma ótima apresentação. A mesma durou cerca de meia hora para acabar. Elaine acompanhou Agatha com seus olhos quando a mesma foi até o bar enquanto o único som presente ali eram alguns murmúrios que ecoavam, até que o homem que estava por trás do balcão mexeu em uma jukebox e colocou um som ambiente. Agatha pegou uma bebida e caminhou na direção de Elaine, sentando-se ao seu lado e sorrindo para a mulher.
— Ora, você veio mesmo.
— Você me viu aqui. Como poderia perder isso?
— E o que achou?
— Nostalgia Fúnebre... É um bom nome. Combina com o som.
— E com a cidade.– ela deu um gole de sua bebida. – eu levei uma noite inteira para terminá-la.
— Algum tipo de inspiração?
— Eu não sei, foi algo de momento. Essa neblina e tudo mais... Você acabou de chegar, não pode negar que a cidade é medonha. Aliás, o que veio fazer aqui?
— A princípio eu queria saber mais sobre o Chariotte, mas... quanto mais tempo passo aqui, mais quero saber sobre todo o resto também.
— Chariotte...
— Eu costumava ter um tipo de sonho. Eu estava no meio de um incêndio dentro de um local desconhecido por mim... Algumas coisas neste sonho mudavam constantemente, mas sua maior parte permanecia a mesma, a parte mais importante era a mesma... O incêndio e o local. Depois de uma grande busca encontrei informações sobre o Chariotte (poucas informações) e resolvi vir até aqui. Eu senti que precisava estar aqui...
— A anos pessoas tentam sair daqui enquanto você, tola, quis entrar... Você procura por coisas estranhas? Coisas típicas de Blindwood?! Você já foi até o... – Agatha se aproximou e sussurrou o restante da frase.– ...terceiro andar?
— O que posso encontrar por lá?
— Vá e veja por si mesma! Vá até o inferno e volte, não me importo com isso. Existem coisas neste vale que eu mesma não sinto vontade de saber e temo sobre as razões de minha intuição. Mas se você pensa em fazê-lo, então faça! Afinal, você trabalha buscando a verdade, não é?
Agatha deu uma piscadela.
Um homem passou a entrada do salão e permaneceu parado próximo a mesma; ele tinha acabado de chegar. Ele estava com um terno cinza claro e seu cabelo loiro estava penteado para o lado. Elaine o reconheceu, era o homem do quadro de avisos. Agatha olhou para trás quando percebeu que Elaine fitava algo e quando viu o homem, se levantou e foi em sua direção. O homem levantou as sobrancelhas quando a viu mas não em sinal de espanto, ele apenas fez esse gesto e começou a dialogar com ela por um momento até que levantou seus olhos e por cima do ombro de Agatha, enxergou Elaine, que olhava para os dois. O homem falou mais um pouco por um breve momento, ainda olhando para Elaine, e saiu dali da mesma forma que entrou. Agatha o seguiu.
Elaine se levantou e foi até a porta do saguão a tempo de ver Agatha terminando de subir as escadas para a porta do local, mas quando chegou na entrada, não encontrou nem Agatha e nem o homem misterioso.
Ela parou por alguns instantes e olhou em volta, mas não conseguia ver nada e nem ninguém; apenas a neblina que preenchia as ruas noturnas de Blindwood.
Elaine então voltou para o Chariotte sem entender muito bem o que havia acontecido e se perguntando por quê as pessoas desaparecem de repente neste lugar.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu estava falando sobre a cena musical!
Espero que você tenha gostado dela :)
"Abel..."



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