Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 10
Culpa




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Marco levantou em um pulo só. Ele ainda tremia muito.

Ele soltou a faca no chão e levou as mãos a cabeça, deslizando as costas na parede até cair sentado no chão. Ele não podia acreditar. Ele realmente não acreditava. 

Ele chamou duas vezes pelo tio, mas o silêncio continuava reinando naquela casa. Havia um corpo sem vida em sua frente; seu tio estava morto.

Uma aura maligna apossuiu Marco e o forçou a fazer isso, era essa a certeza que ele tinha em sua mente. Esse foi o clarão que teve, que fatalmente atendeu o seu último desejo: a morte de seu tio.

Ele teve que parar seu tio, teve que se defender. Ele precisava (mesmo sem saber o motivo) continuar vivo. Era matar ou morrer.

Um crime. Ele cometeu algo errôneo, um grande, grande pecado. Ele havia matado sua única família. Agora ele era o único dos seus. 

Neste momento, Marco se sentiu um deus mesmo enquanto suas mãos tremiam. Essa era a sensação de matar um outro ser humano; matar um semelhante. Essa adrenalina, a respiração ofegante. A idéia de poder passou por sua mente, mas ao olhar para suas mãos que tremiam muito ele tinha a certeza de que não havia nada de extraordinário naquilo. Não, ele não passava de um humano normal que cometeu algo. Uma grande, terrível situação. Só havia algo nesse momento e não era divino: Era a culpa.

Marco era culpado.

Ele nunca se sentiu tão só como agora. Ele era apenas um; um único ser em harmonia com a solidão que o rondava. Ele nunca esteve tão sozinho quanto agora, afundando nesse vazio. Em sua mente não havia nem ao menos Sarah Bove. Ele não poderia se aproximar dela novamente. Havia apenas o terror. Seu último ato marcou seu destino. Ele estava contaminado; estava sujo. E do outro lado, Sarah Bove sempre foi branca e pura. Se ele a tocasse agora, ela se tingiria e acabaria morrendo. Ela desfaleceria como uma flor desabrochada em um jardim florido, algo completamente contrário ao clima nebuloso de Blindwood; Ela se desmancharia pétala por pétala até não sobrar mais nada, e ele sabia que já não havia muita coisa. Ele não poderia tocá-la nunca mais. Neste momento ela estava inalcançável para ele. Seu último ato marcou o seu destino e o afastou de tudo que ele tinha. "Eu não sou capaz de fazê-la feliz."

Ele sentiu pavor em imaginar Bove entrando por sua porta neste momento, ele fantasiou com a situação e imaginou como fugiria disto. O que ele iria dizer para ela, as respostas que ela daria para ele e como os dois juntos fugiriam dessa situação. Mas como ele poderia fugir? Havia sangue em suas mãos. Havia um corpo morto no chão. Havia uma faca, a arma do crime, entre eles. Ela acreditaria nele? Acreditaria em um assassino? Mas o que ele diria? Ele realmente matou seu tio.

Não fora ele! O diabo fez isso! Foi ele! Foram eles! Ele sabia que havia sido eles. Ele sabia que havia sido... Ele se aproximou da janela e olhou através de uma fresta já que a mesma estava fechada. Ele procurava a pessoa que o seguiu lá fora, mas não havia ninguém ali. Havia apenas ele dentro daquela casa com o corpo morto de seu tio. Marco subiu as escadas para seu quarto.

Ele entrou no banheiro e se olhou no espelho. Dessa vez gostava ainda menos da visão que tinha ali; Estava ofegante, realmente cansado. Marco limpou o corte que havia em seu braço e amarrou um pedaço de pano ali. Aquilo ardia, o corte não foi tão superficial assim. Havia um pouco de sangue em sua testa, fruto da hora em que levou as mãos até a cabeça: havia sangue em suas mãos também. Ele se lavou na torneira da pia, tentando tirar todo aquele vermelho que parecia estar impregnado em sua pele da mesma forma que estava em sua mente. A visão que tinha sobre si agora era totalmente contrária a que teve uma hora antes, quando chegou em casa. Marco nem ao menos conseguia chorar.

Ele vestiu seu sobretudo e desceu as escadas novamente. 

Seu tio ainda estava ali, morto. Ele teve enjôo, sentiu suas pernas ficarem fracas. Ainda estava meio febril, mas agora precisava fazer algo.

Ele era realmente culpado. O único culpado da morte de seu tio. Seu tio. Sua única família. A única pessoa que o acolheu quando seus pais morreram naquele acidente. Seus pais o largaram para trás mas o arrependimento os fez retornar. Marco sabia de algo: se o arrependimento não existisse, seus pais não teriam voltado para buscá-lo. Eles não voltaram por amor, voltaram pelo arrependimento. Marco também sabia de outra coisa: se o arrependimento não existisse, sua estaria em paz agora.

Ele estava arrependido de ter matado a única pessoa que lhe estendeu a mão no começo. Marco se sentiu um ingrato por pensar nisso já que teve Ivan e Sarah Bove em sua vida também, mas eles não eram sangue do seu sangue. Ivan... O que diria para ele? O pequeno mecânico, pequeno ajudante que sempre sujara suas mãos no trabalho pesado dessa vez sujou as mãos em algo maior. E Sarah Bove... Como se aproximar dela novamente? Ela não pode ficar perto de um assassino. Ela não deve andar com esse tipo de gente.

Marco só tinha uma coisa que poderia fazer; ele só poderia pedir ajuda para uma pessoa nesse momento. Elaine Campbell? Não, ele não poderia ir até ela.

Elaine era uma estranha e embora ele confiasse nela, sabe que ela veio de fora. Ela sempre se manteve calma e Marco não conseguia imaginar uma maneira de vê-la irritada, mas lá fora as coisas não funcionam como em Blindwood; ela veria este crime com outros olhos. Ela parece ser pura, ele não pode vê-la agora também; não pode chateá-la com essa situação. Ele ainda precisa contar sobre todo o resto para ela, mas primeiro, acima de tudo, ele precisa resolver isso. Ele contaria tudo para ela. Tudo.

Marco caminhou para um determinado lugar e sua cabeça estava cheia, completamente cheia. Ele sentia dor de cabeça pela situação, pelos pensamentos e pela febre. Aquilo tudo era um inferno e ele estava queimando.

Marco pensou em algo. Ele pensou que, se foram eles que fizeram aquilo, então ele não poderia ir para onde estava indo. Neste caso só havia uma pessoa que ele poderia falar. Ele não poderia ficar longe dela, ele precisava... Ele só pode contar com ela agora e para o resto de sua vida. Fatalmente ele sempre soube mas agora tinha a certeza de que não pode fazê-la feliz. Ele nunca mais poderá fazer Sarah Bove feliz. Sobre seu olhar ele seria um monstro e um assassino e a todo momento ela o temeria e teria pensamentos negativos olhando para ele. Ela desconfiaria de todos os seus pensamentos e duvidaria de cada palavra que ele falasse. Mas agora ele precisava aceitar e viver com isso. Com essa sina. Este era o seu destino.

Quando Marco reparou, ele já estava frente ao estabelecimento que Sarah Bove trabalhava, mas já era noite então ele imaginou que ela não estava ali. Ele foi até o beco onde deixou o carro de Elaine Campbell e subiu as escadas no final do mesmo, parando na frente da porta cinzenta que dava para a pequena casa onde Sarah Bove vivia. Ele bateu na porta.

Após alguns instantes a porta foi aberta.

— Marco? O que faz aqui?

Marco entrou. Ele procurava palavras, mas não sabia o que dizer. Ele andou de um lado para o outro e se aproximou da janela, espiando o lado de fora, mas não via nada além da neblina.

— Eu fiz algo... Por favor, não se aproxime.

— Marco. O que aconteceu?

— Eu... Eu não tive escolha! Veja, ele iria fazer aquilo comigo. Ele estava ruim novamente e me disse coisas horríveis. Mas desta vez ele também fez...

— Seu tio? Querido, o que ele fez?

Marco respirava alto. Ele quase ficou sem ar. Estava ansioso e mostrou para Sarah Bove suas mãos que ainda estavam um pouco sujas. Sarah Bove levou as mãos a boca, incrédula.

— Marco! O que aconteceu?!

— Shhh... Fale baixo, por favor. Ele tentou me atacar, ele me acertou com a faca... Quando o empurrei para trás ele bateu a cabeça na mesa da sala e caiu desacordado.

— Ele está...

— Sim, está.

Desta vez Sarah Bove foi quem deu as voltas no quarto, inquieta. Ela estava muito, muito preocupada. Ela precisava dar uma solução, já que Marco havia vindo até ela e procurava por respostas. Ele havia contado o que aconteceu e agora ela precisava dizer algo, mas não conseguia pensar em nada naquele momento então pensou que até chegar lá ou na hora que visse a cena, ela teria uma idéia.

— Vamos até lá.

Sarah Bove olhou com tal olhar para Marco que ele não ousou contrariar a idéia.

No caminho, Marco pediu desculpas para Bove inúmeras vezes e manteve uma certa distância dela, pedindo para ela continuar assim mas sem explicar o motivo. Sarah Bove não conseguia entender o motivo de tanta inquietação; era como se algo mais incomodasse Marco além do assassinato de seu tio. Ela não conseguia compreender tal situação.

Quando chegaram na casa, Marco entrou logo e acendeu as luzes. Sarah entrou logo em seguida já que estava a certa distância de Marco, mas não conseguia entender por quê ele andava para lá e para cá. Marco subiu as escadas enquanto Sarah Bove o seguia. Quando chegou lá em cima, viu o homem saindo de seu próprio quarto e abrindo a porta do quarto de seu tio. Ele entrou lá mas logo saiu, então desceu as escadas, Bove o seguiu sem entender nada do que estava acontecendo. Eles pararam na sala. Marco estava ainda mais inquieto do que antes.

— Marco!

— Vê a mesa de centro aqui? Ele estava aqui! Bem aqui! Onde ele pode estar agora?

Sarah estava perplexa.

— Sarah, ele estava bem aqui! Caído bem aqui... Eu me lembro perfeitamente! Sua cabeça sangrando, seu corpo sem vida! Eu o matei, não esqueceria jamais onde larguei o corpo. A cena deste crime! Ele estava aqui!

Marco voltou a caminhar enquanto Sarah Bove se agachou no local onde Marco apontou, o pequeno espaço entre a mesa de centro e o sofá, realmente cabia um corpo ali, mas o chão estava limpo. Sarah virou a mesa de centro de ponta cabeça e viu algo em uma de suas pernas: era um pouco de sangue.

— Foram eles! Eu sabia! Eles fizeram isso. Droga... Sarah, me perdoe. Me perdoe novamente. Eu sou um assassino.

— O que aconteceu?

Marco narrou toda a cena para Sarah Bove sem esconder nada. Ao final ele se sentou na poltrona e balançava sua perna rapidamente, sem conseguir esconder sua ansiedade.

— Eu acredito em você.

— Como? Você acredita?

— Sim, Marco. Lhe conheço desde que me entendo por gente. Você sempre esteve ao meu lado e sempre se abriu para mim. Eu não acredito, em hipótese alguma, que você matou seu tio por livre e espontânea vontade, portanto acredito em você! Esse clarão que você mencionou... Tenho certeza! Eles estão fazendo aquilo novamente.

— Oh, Sarah! Sarah! Você acredita em mim?! Oh, Sarah. – Marco se levantou.– Eu precisava tanto ouvir isso! Tive tanto medo, mais do que tive quando vi meu tio caído neste lugar... Sim, eu também acho que eles estão fazendo isso novamente. Por favor, vamos fugir daqui!

— Fugir...? Marco! Não podemos fazer isso.

— Ora, por quê não? Vamos! Eu e você!

— Como vamos fazer isso? Não podemos...

— O carro! Temos o carro de Elaine Campbell!

— Marco! Escute suas próprias palavras! Suas idéias! Que horrível! Quem é você agora?

Marco caiu no sofá novamente. Ele estava perplexo com o que acabara de dizer. Sarah Bove tinha razão.

— Eu sou alguém terrível... Me perdoe, eu não deveria ter dito isso. Não podemos pegar o carro de Elaine. Não podemos deixá-la para trás e também não podemos, em hipótese alguma, deixá-la continuar aqui.

— Não podemos? Por quê?

Marco contou tudo que antes havia escondido de Bove. Ele contou sobre Elaine no terceiro andar e sobre o contato com o espírito. Sarah caiu no sofá de tal forma que Marco acreditou que, se não houvesse o sofá ali, ela cairia no chão. Aquilo foi um baque para ela.

— Então... Ela está envolvida.

— Fatalmente envolvida. Infeliz! Uma infelicidade! Devemos tirá-la disso.

— E existe uma forma de fazer isso? Marco... Eu temia por isso. Ela teve sonhos com Blindwood e veio até aqui. Ela tinha um bom emprego e uma boa vida e largou tudo para vir até aqui. Creio que ela já está envolvida antes mesmo de vir para cá. Não sei se podemos ou temos o direito de mandá-la embora, mas podemos orientá-la! Podemos lhe dizer toda a verdade. Sabe? Eu temo que mesmo indo embora algo aconteça com ela. Isso sim seria estar fatalmente envolvida, você sabe do que falo. É errado, mas creio que ela deva continuar aqui conosco. Aqui podemos protegê-la e uma hora ou outra ela vai saber de tudo. Se ela já está envolvida, ela não pode sair daqui.

O silêncio se manteve por um minuto inteiro.

— Eu irei tomar um banho e ficarei no Chariotte, lá posso observá-la melhor. Não posso ficar aqui, essa casa me trará mais lembranças do que já me trás. Estou doente, Sarah, doente. Preciso descansar.

Marco subiu as escadas e tomou um banho, Sarah Bove o aguardou ali mesmo no andar de baixo. Ela foi até a cozinha e ficou caminhando para lá e para cá, se aproximando das janelas e olhando por elas, mas não via ninguém. Ela não sabia o que pensar agora, seus maiores medos haviam se concretizado. Ela temia muito por Elaine Campbell, sua nova grande amiga. Ela a protegeria de todo jeito. Nada aconteceria com ela.

Quando Marco desceu, Sarah Bove estava encostada na pia.

— Esse sobretudo...

Os dois caminharam até a rua do Chariotte juntos. Já estava de noite e as ruas estavam vazias. Os dois estavam em um completo silêncio até então.

— Marco, vamos fazer um trato. Um juramento por tudo. Por tudo que aconteceu, pelo seu tio! Sim, usarei ele como jura... Vamos proteger Elaine. Vamos mantê-la em segurança. Não podemos impedir que ela conheça a verdade, a verdade vai ajudá-la. Sem a verdade ela caminhará cegamente por tudo isso, então a verdade pode protegê-la. Agora ela já está a caminho de descobrir então não precisa de nós para isso. Sobre todo o resto... Vamos protegê-la! Você no Chariotte pode observá-la como você mesmo diz e eu continuarei fazendo o que posso de onde estou. Mas agora cuide-se! Você está doente e eu posso ver isso. Durma essa noite, mantenha sua saúde como prioridade neste momento. Amanhã é um novo dia e nele poderemos continuar de onde paramos.

Marco concordou com a cabeça. Sobre seu tio ele já tinha a certeza que precisava ter. Eles o pegaram. Neste momento ele não poderia ir atrás e nem contar a ninguém sobre isso. Ele apenas precisava seguir em frente de alguma forma, então se ocuparia mantendo sua vida como sempre, mas agora ele olharia mais para Elaine Campbell. Ele seria como um anjo sem asas que a rondaria no intuito de mantê-la a salvo e viva, mas ele não era nenhum tipo de herói.

Sarah Bove seguiu para sua casa e Marco virou na rua do Chariotte. Os dois prometeram que manteriam contato e no momento certo, falariam com Elaine. Até lá eles ficariam observando de perto e protegendo-a de qualquer perigo. Marco se sentiu aliviado por Sarah não mudar com ele, mas sabia que nada mais seria como antes. Não havia como voltar agora. Marco fez algo errado. Um assassino. Marco era o culpado e essa culpa sempre o perseguiria não importa o que ele fizesse de agora em diante.

Ao menos agora ele tinha mais um motivo pra continuar vivo.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês gostem desses dois capítulos protagonizado pelo Marco tanto quanto eu gostei de fazê-los!!



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