Para aquelas que não puderam escrever escrita por maluhza


Capítulo 1
Notas de 1 a 21


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Primeira fic de outro shipp além de KakaSaku, socorro! Então, relevem a viagem kkkkkkkk.

Esta fic nasceu por causa do amigo oculto do projeto KakaSaku lá no Spirit. Minha amiga oculta foi a @hatakinha_ (usuária do Spirit). Minha beta foi a @agatha_lis e minha capista foi a @Diabolicat (ambas do Spirit também)! Decidi postar a fic aqui porque achei boa, mesmo estando insegura. Enfim, essa fic é o reflexo de muitas autoras incríveis que li pro último semestre da faculdade.

Foi muito interessante escrever uma NaruSaku, e aparentemente eu não consigo escrever qualquer relacionamento entre eles de forma saudável (alô Pet Sematary). ENFIM, aqui não vou comentar muito porque se não é spoiler! Um beijo pra @hatakinha_, que foi paciente à beça pq pensa numa pessoa enrolada! (eu).

Acho que não preciso botar a fic como +18 por causa dos temas abordados, mas vou dar alguns alertas como: gravidez acidental, pensamentos um tanto pesados relacionados a aborto e acho que só! Qualquer possível gatilho, favor avisar que atualizarei com as tags! Ela está completa!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805418/chapter/1

 

1

Era uma casa tão bonita aquela que eu via no topo do pequeno morro da esquina. Branca, mas não branca, branca; era uma cor… pérola, sabe?! Uma cor que eu só havia visto naquele livro esquisito que ficava no balcão da casa de tinta. Aquele livro não era feito de papel, ao menos não do mesmo papel que era feito meu caderno surrado, onde eu anotava meus poemas; e também não era o mesmo papel do meu livro favorito: O Pequeno Príncipe; era, na verdade, feito de um material duro e cada página era grossa, e os pequenos cubículos coloridos que mostravam as cores disponíveis para compra eram lisos, quase como porcelana.

Naquele livro da casa de tinta não havia texto — prosa, aprendi na escola. Havia apenas pequenas frases espaçadas debaixo de cada cubículo de cor, dizendo assim o nome e código de cada uma. Havia tantas tonalidades, das mais claras às mais escuras. Havia cores chamativas e outras nem tanto. Havia o pêssego suave que tingia as paredes de minha casa — que eu só descobri se chamar assim quando vi no livro, porque para mim era um bege sem graça e sem vida. Por mim, cada parede seria de uma cor, e meu quarto seria a mistura de todas elas. Naquele livro havia o verde primavera, que era o tom dos meus olhos — segundo o atendente que ficava atrás do balcão. Havia o púrpura, que era minha cor favorita de todas, e havia até o tom rosa-aguado do meu cabelo.

Em minha defesa, diário, eu não nasci com essa cor de cabelo. Veja bem: há uma lojinha na esquina da casa da Ino que vende de tudo. Tudo mesmo. Imagine qualquer coisa, diário, e lá você achará. Nessa lojinha, que apesar de ter de tudo é estranhamente pequena, Ino e eu entramos dois dias após a inauguração. Rondamos o lugar durante esses dois dias antes de entrar, perambulando do lado de fora, olhando com olhos curiosos para dentro. Os donos são novos na cidade, disse mamãe; eles estão construindo aquela casa no topo do morro, completou papai; compraram a loja que antes era dos Namikaze, acrescentou a mãe da Ino; não! O filho distante do senhor Namikaze decidiu se mudar para cá com o filho, pontuou o pai de Ino, parecendo chateado com as ideias mirabolantes dos outros adultos, Minato e Naruto Uzumaki, finalizou. Uzumaki?! perguntou a mãe de Ino, parecendo escandalizada, ele abandonou o nome dos Namikazes e adotou o nome da falecida esposa? Eu e Ino nos entreolhamos, não compreendendo o porquê da surpresa e até mesmo reprovação presente no tom de voz da mãe dela. Afinal, era só um sobrenome, não é mesmo?! Ora, mulher, largue disso, argumentou o pai da Ino, o senhor Namikaze está velho demais para manter aquela loja igualmente velha, então passou para o filho. E Minato está certo de reformar, de mudar… as coisas estão mudando.

A mãe de Ino franziu o nariz e mudou de assunto, não antes de resmungar que esperava que o Naruto fosse um menino comportado, e não os trombadinhas que andavam por aí. Quando eu e Ino ouvimos toda aquela conversa, nos entreolhamos e decidimos que visitaríamos a nova loja e também ficaríamos de olho nesse Naruto — não porque garantiríamos que ele andasse na linha caso fosse mesmo um trombadinha, mas sim porque aquela cidade era tão pequena. Não havia nada, ou alguém, novo há milênios — e só tínhamos onze anos cada. 

 Então, diário, quando entramos naquela lojinha, fomos bombardeadas com coisas novas e diversas que só havíamos visto na cidade grande, pela televisão. O moço loiro que lá estava apenas sorriu para nós e não disse nada — provavelmente nos conhecia de alguma forma, dado que todos se conheciam naquela cidade, e se ele era o tal Minato, filho do senhor Namikaze, estaria bem informado, já que seu pai era o maior fofoqueiro existente. A confiança em que não faríamos nada aparentemente era enorme, uma vez que ele sumiu nos fundos da loja e não nos vigiou — como o senhor Namikaze costumava fazer. Sendo assim, não demorou muito para eu e Ino acharmos algo que nos fascinasse muito.

Tinta de cabelo. Não aquela pasta preta, espessa e mal cheirosa que minha mãe usava para manter os fios escuros, mas sim tinta de cabelo colorida.

Ino e eu nos entreolhamos ansiosas, curiosas e animadas. Nas várias embalagens havia promessa de inúmeras cores vivas: vermelho, azul, roxo e rosa. Obviamente, eu já me via de cabelo roxo — na época eu ainda não conhecia púrpura, diário. Então, enfiei minha mão na bolsinha de moedas que carregava e contei todas elas. Um e setenta e cinco, era o que eu tinha de dinheiro. Bem longe do valor total que a tinta custava. Fiz bico. Olhei para as moedas com olhos já turvos de lágrimas, olhei para o preço fixado na prateleira bem abaixo da tinta, e olhei para Ino.

Pode-se considerar que a trama do meu cabelo rosa-aguado começou com a mudança dos Uzumaki para a cidade, ou então quando os adultos começaram a murmurar sobre eles por aí, talvez até mesmo quando o senhor Namikaze passou a loja para o senhor Uzumaki, mas eu tenho certeza que começou mesmo quando Ino olhou para mim daquele jeito. Aquele jeito, diário, que diz: estou prestes a fazer algo que não deveria, e você vem comigo. Vem e ponto. Sem escolha. Sem escolha porque ela tirou as moedas da minha mão, soltou no balcão onde supostamente pagaríamos a compra, agarrou uma caixa qualquer de tinta, agarrou minha mão, e me puxou para a saída; obrigando-me a correr com tudo de mim.

Corremos por alguns metros, tomando distância da loja. Quando Ino se deu por satisfeita, paramos e olhamos para trás; os olhos arregalados e os peitos subindo e descendo pela adrenalina. Nada denunciou nosso furto — ou três quartos de furto, já que foi o equivalente do valor da tinta em moedas deixadas para trás sobre o balcão pela Ino. Creio que o senhor Uzumaki demorou para voltar dos fundos da loja; demorou mais ainda para se dar conta do produto que faltava, e talvez nem tenha se dado conta, afinal. Deve ter encarado as moedas no balcão em confusão, para só então ligá-las a nós e tentar descobrir o que aconteceu, e em um dar de ombros recolhê-las e soltá-las na caixa registradora. Só sei que após isso, meu cabelo se tornou rosa-aguado, e não saiu durante um banho, nem dois, nem três… nem vinte. E assim ficou por um bom tempo. No começo odiei. Me deixava mais branquela ainda, em uma cor de lagartixa. Fora o sermão de minha mãe, que quase — segundo as palavras dela — infartou quando viu o que meu cabelo havia se tornado. Mas eu gostei depois de um tempo. Era diferente. Eu era a única pessoa com cabelo colorido que eu conhecia, então eu passei a gostar de verdade — mas preferia que não fosse rosa-aguado.

Não muito depois de virar a Sakura da cidade, e devo dizer literalmente e não só mais no nome, a casa que estava sendo construída no topo do pequeno morro da esquina cresceu, tomou forma e foi pintada na cor pérola. Eu fiquei fascinada por aquela cor, diário. Porque não era branco e nem cinza. Não era branco claro e muito menos branco escuro, se é que existe essa diferenciação, era pérola. Minha nova cor favorita. Naquele livro da casa de tinta, que eu sempre corria para ver quando que minha mãe ia até lá, eu admirava todas as cores, mas principalmente a cor pérola. Porque quem poderia dizer que havia uma variação de branco? Branco! Que sempre é branco. Havia tantas cores naquele livro, diário. Havia tantas tonalidades. Das mais claras às mais escuras. Havia cores chamativas e outras nem tanto. Havia pêssego suave, verde primavera, rosa-aguado... E eu me apaixonei pela cor pérola.

Quando eu crescer, meu primeiro livro de poesias publicado será sobre a beleza das cores. E a capa será da cor pérola, diferente de cada página, que será apenas branco.

2

Mesmo com o burburinho sobre os Uzumaki, burburinho esse que rondou todas as casas dessa pequena cidade durante semanas a fio, só fui conhecer o Uzumaki número dois pouco mais de um ano depois do meu três quartos de furto na loja do Uzumaki número um, diário. E antes de eu lhe contar como o conheci, preciso lhe contar o que aconteceu durante esse pouco mais de um ano. Preciso lhe contar o que aconteceu dos meus onze anos e cinco meses de vida até meus doze anos e sete meses de vida.

Porque foi chocante, na verdade, ainda é. Eu tento, tento e tento, mas não consigo entender.

Veja bem, há uma coisa da qual, aparentemente, todas as mulheres passam, segundo minha mãe. E eu me pergunto: se todas as mulheres passam, por que eu só ouvi falar disso no dia, no exato momento, no exato minuto em que aconteceu comigo? Se acontece com todas as mulheres, por que eu preciso sussurrar sobre isso? Não é natural?! Não é algo que não podemos evitar? Então por que preciso agir como se fosse um crime? E, pior ainda, diário: agir como se eu fosse uma mulher adulta pronta para me casar e ter vários bebês.

Não quero me casar e ter bebês só porque menstruei.

Foi chocante, diário. Estava saindo sangue da minha vagina! E era normal! Quando choraminguei, desesperada, para minha mãe, os olhos dela encheram-se d’água e ela sorriu de forma trêmula para mim. Confusa, estática, apavorada e com dor, assisti ela me abraçar e murmurar contra meu cabelo coisas que não entendi. Em seguida, ela me empurrou para o banheiro, disse-me para tomar banho enquanto ela pegava absorventes. 

Obviamente, não sou burra, diário. Já havia visto absorventes nos mercados e na lojinha do senhor Uzumaki, a qual eu sempre estava visitando. Porém, nunca me preocupei em saber para o que servia, e deixo claro que se eu soubesse que eu precisaria deles mais cedo ou mais tarde, teria me empenhado em ao menos ler o rótulo.

Quando meu banho acabou, desajeitada saí do banheiro e fui até meu quarto. Ao parar na porta, olhei para trás e chocada percebi poucas gotinhas de sangue no meu caminho atrás de mim. Minha mãe, que vinha afobada de seu próprio quarto, disse-me para não me preocupar e me empurrou para dentro com um pacote em mãos. Foi aterrorizante, diário. Enquanto ela estava tão feliz, eu estava tão estressada com aquela ladainha toda. Vou ligar para suas tias, ela comentava, alheia ao coçar de testa nervoso que eu fazia a todo momento; você virou mocinha! Uma mulher… o dia que Kizashi temia. Arregalei os olhos. Ela contaria para ele? Eu não queria que ninguém soubesse que eu estava sangrando pela vagina! Era tão esquisito que alguém olhasse para mim e pensasse: olha! Ela está menstruada. Por que alguém olharia para mim e me imaginaria menstruando? Era como me imaginar nua com sangue escorrendo pelas pernas! E se tivessem que saber, que fosse porque eu, a pessoa menstruando, queria!

Naquele momento neguei em desespero. Eu disse: mãe, para com isso! Não quero que conte a ninguém. E, brava, ela respondeu: deixe de besteira, Sakura. É importante, ora essa. O momento mais precioso de uma mulher, ou talvez o segundo momento mais precioso. Sinceramente, nem perguntei o que vinha em primeiro lugar, porque se o segundo já era doloroso, estressante, e me fazia querer chorar, o primeiro me mataria! Não era especial, era confuso. Era enervante e me deixava com raiva; indignada. Quando minha mãe explicou que eu não deveria falar abertamente, que discretamente eu deveria ir ao banheiro trocar os absorventes, que deveria escondê-los das vistas, que deveria ser discreta sobre tudo o que envolvia menstruação — e sobre o meu corpo também, porque ele começaria a mudar e chamaria atenção —, respondi-lhe: se preciso ser discreta sobre isso tudo, por que todos da nossa família têm que saber? E a resposta que obtive foi: é diferente, ela me repreendeu com o olhar, família é família. E ironicamente emendou dizendo que contaria também às amigas próximas.

Caramba, diário! O que tinha a ver? Não era só porque éramos família que na ceia do natal eu anunciaria que fiz cocô quatro vezes na última semana, mas, aparentemente, falar sobre menstruação era algo digno de ser dito no primeiro encontro familiar mais importante que ocorreu logo em seguida.

Enquanto eu ficava lá, sentada à mesa, sentindo-me humilhada enquanto os olhares de todos os meus familiares, homens e mulheres, estavam sobre mim, prometi a mim mesma que caso eu tivesse filhos, ensinaria sobre menstruação para eles desde sempre; independente se fossem homens ou mulheres. Enquanto eu estava sentada ali, com olhos marejados e engolindo o aperto na garganta, decidi que jamais faria isso com minhas filhas; que eu respeitaria o momento delas e elas teriam liberdade para apenas ficar em silêncio sobre aquilo.

Naquela noite, após chorar no meu quarto, escrevi meu primeiro poema sobre como não tenho controle sobre o sangue que sai de mim — biologicamente e socialmente.

3

A menstruação me transformou, diário, mas não porque eu queria.

Eu ainda me sentia a mesma Sakura, mesmo que tivesse que me acostumar com as mudanças do meu corpo. Mas ok. Eu conseguiria fazer isso porque eu não esperava que eu fosse a mesma para sempre. Eu sabia que eu, meu corpo, mudaria até atingir a fase adulta, não era difícil de deduzir, era só olhar ao redor, para as mulheres do meu convívio. Contudo, essa mudança eu lidaria sozinha, no meu ritmo, mas aparentemente não era eu quem decidia isso.

Eu queria brincar, diário. Queria correr pelos passeios, ir até o pequeno barranco no fim da rua e descer nele sentada sobre um papelão. Brincar com meus amigos, voltar para a casa toda suja e ficar com aquele sorriso no rosto até a hora de dormir, mas eu não podia mais porque, segundo a minha mãe, eu era uma mocinha agora. Precisava me comportar como tal, ser fina, educada, feminina.

Aparentemente, ser isso tudo significava ser triste, porque eu não sorri mais desde o bendito dia em que fiquei menstruada. Foram dias de puro tédio e um gosto amargo na boca, onde eu observava meus amigos — os amigos meninos, percebi, o que fez eu me perguntar se minhas amigas meninas estavam passando pelo mesmo que eu — saírem para brincar. Eu queria brincar. Não queria ser adulta. Eu tinha doze anos, caramba! Queria brincar, correr, me sujar, e não me sentar e observar o dia passar, esperando sabe-se lá o que. 

Foi aí que conheci o Uzumaki número dois, diário.

Eu não ia me render tão fácil a isso de não brincar mais, mocinha, e blá, blá, blá. Então, nos dias em que minha mãe saía e ficava algum tempo considerável fora, eu saía escondida. Algumas vezes, quando ela não saía, era fácil mentir, dizendo ir ali ou acolá para fazer algo; e então eu saía para brincar, mas, nesses dias, tinha que ser tudo mais escondido, não podia me sujar, fazer barulho e nem nada, com medo de ela aparecer do nada ou então me flagrar quando eu voltasse para casa. E o medo de alguém me ver e contar, diário? Eu já podia ouvir os sussurros ao longe na minha cabeça: sabe a filha da dona Mebuki? É, casada com o Kizashi, que é filho do falecido Hiroki… ‘tava brincando igual machinho no barranco que vai ser o prédio dos Uchiha… Então, nos dias em que ela saía, era mais fácil, porque eu saía dez minutos após ela e voltava para casa dez minutos antes, e ela sempre ia à direção contrária do barranco, então não passava lá perto.

Só que como tudo andava dando errado na minha vida ultimamente, neste dia também deu.

O céu estava pretinho, pretinho, diário. Ia cair um toró. Era óbvio, mas eu ignorei. Ah, havia dias em que eu ficava ansiosa pelo som reconfortante da chuva, dias em que meio dia parecia ser meia noite de tão escuro e carregado de nuvens que o céu ficava, e não caía uma gota sequer! Sendo assim, saí para brincar, e o que antes era terra — e suor — grudando minhas roupas ao meu corpo, se tornou barro. E o que estava preto das nuvens se tornou branco a um palmo do meu rosto, fazendo-me não enxergar nada. E aí eu escorreguei, torci o tornozelo, e despenquei do topo do pequeno barranco soltando um grito agudo e chiado. E enquanto eu chorava, pensando no pior cenário possível (morrer porque me afoguei na chuva ou numa poça de lama com o tornozelo quebrado X; morrer porque estou indefesa em um lugar ligeiramente deserto, debaixo de uma tempestade e um maníaco passou e me matou X; morrer porque minha mãe me mataria caso me pegasse aqui neste estado, e não porque me machuquei, mas sim porque me machuquei aqui, obviamente brincando na terra igual ao que ela chama de “machinho” V) um menino magricela, loiro e com a voz que mais tarde descobri ser estridente, me achou e me puxou desajeitadamente para cima, e pulando em um pé só, mais ou menos corremos em direção à casa cor pérola, que ficava no topo do pequeno morro daquela rua, na esquina logo em frente ao barranco que ficava no fim dela.

A casa era tão… branca pérola que hesitei por um momento antes de entrar, como se minha simples presença suja e machucada fosse manchar toda a grandiosidade imaculada de sua pintura. Mas o menino magricela, loiro e com a voz estridente percebeu minha hesitação e deu um tranco no meu corpo, e não tive escolha a não ser acompanhá-lo. Lá dentro, olhei com todo o cuidado ao redor, observando cada detalhe da casa que, assim como era belíssima por fora, era igualmente belíssima por dentro. Me dividi também entre continuar pulando sem cair em direção aonde quer que ele me levasse, e entre tentar olhar para ele, que estava ensopado assim como eu, mas sem toda a sujeira do barro.

Senta aqui, ele disse e obedeci. Então ele me olhou e, uau! Os olhos deles eram tão azuis. Eu considerava os olhos de Ino os mais lindos do mundo, mas os dele eram mais lindos ainda! Um tom de azul tão… tão… Eu precisava saber qual o nome daquele tom. No dia seguinte eu passaria na casa de tinta e investigaria todos os azuis, até achar o dos olhos dele, e aí seria a minha nova cor favorita.

O que eu faço agora, ‘ttebayo…, ele coçou a nuca, nervoso e desviando o olhar do meu. Sua voz era estranhamente estridente mesmo quando ele murmurava daquele jeito. E ele parecia agitado mesmo que sua linguagem corporal apontasse que ele estava tenso. Uma toalha! Isso mesmo, vou buscar uma toalha, exclamou e sumiu no cômodo seguinte, deixando-me perdida com o jeito dele.

Enquanto ele sumia, eu finalmente tive tempo de encarar a casa — ou ao menos aquele cômodo que eu me encontrava — abertamente. Surpreendeu-me que o interior tivesse cores mais escuras. Azul escuro. Bem mais escuro que o tom dos olhos do Uzumaki 1 e 2, mas não tão escuro a ponto de obscurecer a casa. Pensando no exterior dela, eu esperava tons como o… pêssego suave da minha casa, ou um rosa-aguado como o meu cabelo, mas lá estava um azul escuro. E era bonito. Mas não como a cor pérola, muito menos como a cor dos olhos do Uzumaki 2, que eu sabia chamar Naruto, mas que na minha cabeça não fazia sentido chamá-lo — ou pensar nele — assim, sem nos apresentarmos direito, só porque ouvi falar.

Eu estava tão cansada de ouvir falar.

Trouxe pra você, três toalhas. Pro cabelo, pro corpo, e então pro cabelo e pro corpo, porque as duas primeiras sempre tiram apenas o excesso e aí ainda ficamos molhados… no banho, sempre levo duas toalhas…, ele se interrompeu, parecendo se recriminar por falar demais, e estendeu para mim três toalhas amarelas. Sequei-me afobadamente, e ficou claro que eu não ficaria completamente seca nem que houvesse mil toalhas a minha disposição. Deixa eu ver seu tornozelo, ele disse quando estendi as toalhas de volta e agradeci baixinho. Franzi as sobrancelhas para ele e o olhei de cima a baixo, e de baixo a cima. Ele era tão magro quanto eu — senão mais. Parecia mais novo que eu e era pouca coisa mais baixo. Ele veria meu tornozelo exatamente para quê? Eu gosto de brincar fazendo várias coisas que testam o coração do meu pai, ele sorriu. Um sorriso de dentes tortos e espaçados que fez meu coração falhar uma batida.

Pode parecer dramático, diário, mas realmente falhou uma batida. Juro.

Então, precisei me virar com meus machucados, por mais que meu pai não seja muito chato com isso, ele continuou e foi como se uma lâmpada se acendesse sobre minha cabeça. Era tudo o que eu precisava. Alguém que soubesse cuidar dos meus machucados porque, às vezes, eu ralava aqui e ali enquanto brincava e tinha que esconder de minha mãe, porque ela não podia descobrir a origem dos machucados. Teve uma vez que desloquei meu joelho, deu de ombros como se não fosse nada, e coloquei de volta no lugar sozinho, mas gritei igual um condenado. Fiz uma careta, mas ao mesmo tempo um o de admiração se abriu em minha boca. Deve ter doído, mas deve ter sido um máximo, o que ele teria feito para isso acontecer? Seria tão legal brincar com ele. Ele parecia destemido e espirituoso. Disposto a qualquer coisa, e eu já não tinha mais ninguém para brincar. Ino estava ocupada estudando em um lugar muito caro e o dia todo, algo relacionado a família dela. As outras meninas estavam fadadas ao mesmo problema que eu: menstruação e ser mocinha — não que Ino se excluísse disso também —; e os outros meninos que eu costumava brincar antes, estavam intimados pela minha mãe a contar para ela caso me pegassem brincando por aí, porque ela sabia que eu tentaria em algum momento. Mas ele não.

Os Uzumaki não eram realmente próximos de ninguém. Tinham um convívio saudável, mas não era como minha família com a família Yamanaka, por exemplo. Então, não tinham muito contato com as outras pessoas em um nível além do profissional e conhecidos-de-rua. Então… o Uzumaki 2 não estaria sob influência de minha mãe — sob influência do medo que costumam ter dela, mais especificamente.

Tudo bem, eu disse baixo, observando-o atenta. A pequena caixa que ele trouxe junto das toalhas, foi repousada no chão assim que ele ajoelhou à minha frente. Para alguém que parecia agitado o tempo todo, ele se concentrou de forma muito intensa, dado ao vinco entre suas sobrancelhas. Cuidadosamente ele envolveu meu tornozelo com aqueles dedos finos, tão magros quanto os meus. Apertou aqui e ali, murmurou coisas que não entendi, e enrolou um… pano branco uma gaze ao redor. Vai ficar novo em folha, sério, ele disse com a seriedade de um médico com quarenta e cinco anos de carreira, a gente só precisa botar gelo agora. E ficou lá, me encarando com aqueles olhos azuis vívidos.

Não consegui sustentar seu olhar por muito tempo. Ele parecia me dizer e mostrar coisas que eu nem sabia que eu escondia; que eu nem sabia que queria descobrir. Aquilo que eu sentia… aquelas coisas estranhas, pareciam as mesmas coisas narradas em alguns dos poucos livros de romance que eu lia escondida no meu quarto à noite e… Você quer brincar comigo? perguntei em uma voz aguda e alta que assustou a nós dois. Eu não tenho ninguém para brincar. Minha mãe diz que agora que menstruei… você sabe o que é menstruação? Ele não respondeu, e nem olhei para ele para saber se tinha assentido ou algo assim…, por causa disso não posso brincar. Que tenho que ser adulta. Só porque tem sangue saindo da minha vagina!!! Tagarelei, nervosa. E você é um menino, nem deve saber disso ou querer saber disso. Mas quero brincar. Eu não estou pronta pra ser adulta, não quero ter bebês. O olhei de soslaio; eu estava sentada ali, onde ele me colocou desde o começo. Meus dedos apertavam o estofado de forma intensa; os nós dos dedos brancos, brancos. Minha cabeça estava levemente virada para o lado, eu estava cheirando e parecendo um cachorro molhado. Mas, mesmo assim, mesmo nervosa e mortificada depois de tudo que disse a ele, o olhei de soslaio. Meninos eram arrogantes. Por causa de uma construção tirada não sei de onde pela sociedade, se achavam superiores. Quantas vezes não briguei com eles, vários deles, de cair no soco, para tentar me impor porque apenas minhas palavras não eram suficientes, mesmo que gritadas. E eu esperava essa arrogância nele, no Naruto. Todavia, quando esse meu olhar de soslaio o captou, tudo o que vi foi uma coisa que eu ainda não havia descoberto, mas era admiração. O brilho nos olhos azuis dele era diferente do já habitual, que eu havia captado quando chegamos aqui, na casa pérola que ficava no topo do pequeno morro da esquina. Era um brilho que eu já havia visto descrito em diversos poemas por aí. Era um brilho nunca antes direcionado a mim, que me deixou...

Eu adoraria brincar com você, ele disse meio que… sem fôlego?! E eu, para minha surpresa, respondi igualmente sem fôlego: ok; balancei com a cabeça diversas vezes, enfatizando minha fala, mas eu decido as brincadeiras. Ele sorriu para mim e, ao mesmo tempo que coisas aconteciam em meu interior, percebi que a chuva havia cessado. Não perdi tempo e corri para fora, murmurando um obrigada; meu tornozelo reclamando sob a pressão dos meus passos, mas não parei ou tampouco olhei para trás.

Quando cheguei em casa, meu primeiro poema sobre amor romântico foi escrito. Decidi que a capa do livro em que ele seria incluído, seria azul.

E aquilo nada a ver tinha com o Naruto.

4

Naruto era uma pessoa interessante, logo percebi. Ele era bem diferente de Ino — obviamente, já que ele era um menino. Mas esse não era o meu foco quando estava com ele. Meu foco era em como os dias com Naruto me fizeram esquecer tudo o que eu estava passando até aquele momento. Era como se eu nunca tivesse deixado de brincar antes, e os dias em que não posso ir encontrá-lo no barranco, parecem na verdade meses! Se arrastam longa e dolorosamente.

Você está gostando dele, observou Ino, gosta tipo… nossas mães com nossos pais, ou então como a Tema com o Shika. Eu me encolhi quando ela disse isso. A puberdade havia chegado, mas eu ignorava firmemente o formigamento que Naruto provocava em mim. É que…, eu sussurrei, você sabe como minha mãe é… ela fala sobre ser mocinha e que não é pra eu arrumar bebês agora. Ino sorriu, aparentemente divertida com meu receio que já estava ficando chato sobre bebês. Sakura, ela disse, você só tem doze anos, a gente só tem doze anos. E eu respondi: eu sei, suspirei, mas você não tem vontade de, sabe… não que não seja uma vida boa, honesta, né?! Gaguejei, lançando meu olhar para todas as direções rapidamente, mas você não quer… mais?!

Ino recuou, levando suas costas de encontro a cadeira de madeira da velha sorveteria que estávamos sentadas. Mais?, repetiu. Sim, mais, concordei, balançando a cabeça, somos as mesmas meninas que nossas mães foram, assim como elas estão sendo as mesmas mulheres que nossas avós foram, e nossas avós foram as mulheres que as mães delas foram… você não tem vontade de ser… diferente? Os meus olhos brilharam ao vomitar meus sonhos para fora, diário. De sair daqui, de ver o mundo, de mudar um pouco esse planeta enorme… de fazer diferente, de não ser a próxima geração de nossas mães para nossas filhas?

Ino era a pessoa que mais me apoiava e entendia no mundo todinho. Ela era destemida, confiante, auto suficiente, mas… até ela tinha seus limites.

Todos nós temos nossas limitações.

Não compreendi naquele exato momento o que o olhar dela significava, afinal, eu era tão jovem e não compreendia tanta coisa. Sakura, ela falou calmamente, eu não tenho dúvidas de que você vai conquistar muitas coisas, mas... a gente precisa começar a colocar o pé no chão. Sonhar baixo. Franzi a testa, e ela continuou: acho seus poemas incríveis, e todas as outras coisas que você escreve também, mas…, ela mordeu o lábio, você precisa de um plano B. Algo que seja… estável. Franzi a testa, procurando entendê-la melhor. Conquistar o mundo é um passo muito grande. Precisa começar devagar. Recuei, alarmada com seu tom que começava a se assemelhar ao de minha mãe. O que isso tem a ver com Naruto?, perguntei. Tem a ver que você não admite gostar dele porque tem medo de acabar como… nossas mães, ela rebateu certeiramente. Eu não quis dizer desse jeito, bradei entredentes. Quis, mas não é esse o ponto, ela respondeu tranquilamente, e a frustração por ela parecer já esperar por todas as minhas respostas, aumentava mais e mais; a questão é: pare com algumas paranoias sem sentido por causa de bebês, e comece a ficar paranoica com algumas outras coisas, como estudar… faculdade, um futuro… estável. Bufei, você mesma disse que temos apenas doze anos, e vem com esses papos? Isso é ridículo! Fora que meu sonho é estável, cruzei os braços, fazendo bico e desviando o olhar, emburrada, enquanto ouvia o suspiro dela que dizia: desisto, teimosa.

A Ino é tão… tão!, exclamei, pisando duro enquanto andava para lá e pra cá com raiva, em frente ao Naruto, que estava sentado no meio fio do passeio que ficava do outro lado da rua do barranco. Meu sonho é “estável”, fiz aspas com os dedos, imitando o tom de voz da Ino de forma cínica, depois que ela entrou naquela escola de gente rica, ela só sabe falar sobre ser médica, sobre ser engenheira, sobre ser estável, mas e o sonho? Não quero acabar… morrendo de tristeza porque vivi minha vida para ser… estável, bufei, cruzando os braços e parando no lugar, de frente ao Naruto; você entende, não entende?, minha voz começou a embargar, não me vejo fazendo outra coisa a não ser sendo uma escritora bem sucedida.

Ninguém entendia. Nem Ino, nem meus pais, nem Naruto. Ninguém entendia. Só eu entendia.

Eu entendo, a voz estranhamente suave de Naruto chegou até meus ouvidos e o olhei de soslaio — parecia que eu olhava muito para ele dessa forma. Ele sempre parecia me pegar de surpresa, porque eu sempre esperava coisas diferentes dele; coisas que ele me surpreendia de uma forma boa ao me mostrar o contrário. Meu pai diz pra eu ir bem na escola, porque um dia ele não vai ‘tá aqui e eu vou precisar viver por mim mesmo, ele deu de ombros como se não ligasse muito para aquilo, é estranho pensar que um dia vamos ter que trabalhar e pagar nossas próprias contas… O interrompi, resmungando quase que amargamente: você já trabalha com seu pai na loja, mas ele continuou, já acostumado com meus resmungos de uma pessoa idosa: mas eu te ajudo.

Ajudar?! Eu não queria ser ajudada. Queria provar que conseguia. E sozinha.

Eu sei que você quer fazer tudo sozinha, Sakura, ele disse, como se lesse meus pensamentos, e balançou a cabeça, deixando bem claro que sabia bem sobre aquilo, mas lembra de quando você meio que pediu minha ajuda pra poder brincar… pra ajudar com seus machucados?! Então, é a mesma coisa. Ele se levantou, chegando perto de mim e, ainda de pé, plantada igual uma árvore, de braços cruzados e bico no rosto, apenas me inclinei para trás sem me mover muito; buscando uma distância segura para diminuir as palpitações que começavam sempre que ele chegava muito perto. Você não precisa fazer tudo sozinha, eu posso te ajudar. Aqueles olhos azuis, que descobri serem azul capri, me encararam com tanta certeza, com tanta força, que não tive escolha a não ser soltar o ar pela boca e balançar a cabeça minimamente em concordância. ‘Tá, murmurei, não me dando conta de que tinha concordado com muita coisa. Mas que mal havia? Só tínhamos doze anos, afinal. E o peso daquela ajuda nem se passava pela minha cabeça, porque à medida que eu ia me inclinando para trás, ele ia se inclinando para frente, e ia chegando mais perto, e a palpitação ia aumentando, o que me fazia balbuciar: mas, eu, você… dei um pulo para trás, arregalando os olhos. Preciso ir, quase gritei e Naruto apenas… sorriu! Por que ele estava sorrindo? Irritada, mirei um soco no ombro esquerdo dele, mas ele nem se mexeu — na verdade, seu sorriso pareceu aumentar mais. Até mais, eu balbuciei novamente. Uma voz fraca que vinha surgindo mais vezes do que eu gostaria, e sempre na presença dele.

Ao correr para casa naquele dia, várias imagens se formaram em minha cabeça. Um futuro, um novo caminho se clareava, onde meu sonho permanecia intacto porque Naruto estaria lá para me ajudar com o estável que todos ao meu redor falavam. Naruto, mais uma vez, me dava a oportunidade de ver além dos muros que eu via sendo erguidos em minha frente. E era por isso que ele sempre estava presente nas coisas que eu escrevia — dos meus poemas aos rabiscos com nossas iniciais em corações em meus cadernos.

Então não foi surpresa quando, mais uma vez, escrevi outro poema sobre ele. E já eram tantos que eu nem sabia mais onde publicaria, e que cor seria a capa do livro. Provavelmente, eu teria que fazer um compilado apenas dele. Apenas para ele. Com Naruto escrito na capa cor azul capri.

5

Línguas. Lábios. Saliva. Dentes. Narizes. Olhos abertos. Não foi ruim, foi terrível.

Mas gostei. E faria de novo.

Ambos éramos desajeitados, nossos dentes bateram tantas vezes. Nós rimos no meio da coisa, nos olhamos e nossas bochechas estavam tão, mas tão coradas… 

E mesmo assim tudo estava lá: as borboletas no estômago, o suor nas palmas das mãos, o formigamento pelo corpo, o arrepio na nuca… o sorriso bobo me acompanhando até em casa quando fui embora.

Foi estranho, sussurrei. A ponta dos meus dedos tocava meus lábios e eu olhava de forma abobalhada para Naruto, que me encarava da mesma forma. Foi, ele sussurrou de volta, porém mais estridente. Mas gostei, além de sussurrar, minha voz também falhou. Pigarreei. Naruto pigarreou. E nossas bocas se encostaram novamente. Ainda desajeitados, porém, diferente da primeira vez mais afoita, essa foi suave. Como um roçar de penas em minha pele. Em meus lábios.

O salto foi grande. No dia anterior, eu pensava sobre mãos dadas, passeios à luz do luar e conversas sob as estrelas. 

No dia seguinte, eu pensava sobre mãos dadas, passeios à luz do luar e beijos sob as estrelas.

Com Naruto. Apenas Naruto.

6

Não é o que eu esperava, eu disse de forma baixa para Naruto. Nós estávamos sentados em um dos bancos velhos de madeira descascada em frente a minha casa. Eu estava em um vestido rosa florido ridículo; cheio de babados e perequetés. Em meu rosto, uma maquiagem leve se encontrava, fora minhas sobrancelhas que, pela primeira vez na vida, haviam sido feitas — o que foi um momento e tanto para minha mãe. Porque, segundo ela, os quinze anos de uma mulher são [insira aqui um texto chato sobre tradições, transições e não-sei-mais-o-que, diário]. Jesus! Eu tinha quinze anos, mas me sentia tão cansada. Acho que sempre me senti cansada em um nível que nunca compreendi muito bem; mas sei que é de dentro da minha cabeça. Cansada porque eu não queria ser uma boneca nas mãos de ninguém — nem nas mãos de minha mãe.

Minha mãe, minha mãe, minha mãe, é tudo sempre pra ela!, tentei bradar, mas saiu algo falho e embargado. Ela queria uma festa grandiosa, mas não temos dinheiro pra isso, funguei, ainda bem. E agora faz esse jantar ridículo, onde tudo o que faz é me vender como um troféu, eu encarava o chão, sentindo-me tão invadida, cansada… usada. Olhe as notas de Sakura, disse minha mãe a fulano, olhe as medalhas das competições de redação, disse ela a ciclano, uma menina tão boa!, ela disse a não-sei-quem. É óbvio que sou uma menina boa! Tive que viver dentro da bolha cuidadosamente assoprada por ela, caramba!, eu disse entredentes, a festa não é sobre mim, é sobre o que ela quer que saibam e vejam sobre mim.

Funguei novamente, olhando para as folhas secas no chão de pedra a minha frente. Eu estava tão curvada sobre mim mesma, apoiando os cotovelos em meus joelhos e segurando minha cabeça com minhas mãos, que quando senti as mãos cuidadosas de Naruto ajeitando minha postura, soltei um pequeno suspiro de alívio que eu nem sabia que estava ali e o olhei.

Ele estava tão bonito que saiu de mim sem passar pelo filtro que — deveria existir — exisitia entre meu cérebro e minha boca: você está tão bonito, falei ao mesmo tempo que ele chegava ao fim de seu discurso: não gosto de te ver assim, encurvada. Você é a pessoa com a postura mais correta que já vi. Afinal, tem aquilo de quem lê muito tem uma postura muito boa e… oh!

É, oh!

Elogios, risadinhas e sussurros eram muito comuns entre nós desde aquela tarde há três anos — quando tínhamos doze anos cada. E tinham os beijos também, muitos deles, mas nada além disso. E nada além em nosso status de relacionamento, também. Estávamos namorando? Eu não sabia. Eu queria? Muito. Então, por que eu não o pedia? Porque são os meninos que pedem a gente em namoro, dã, veio a voz de Karin em minha mente. Mas Naruto é tão, lembro de tê-la respondido, lentinho. Mas nunca me preocupei com isso de status, ou sobre Naruto ser lentinho, porque era só eu e ele, ele e eu. Quer dizer… estávamos sempre juntos, e quando não, estávamos com nossos pais, principalmente ele, que trabalhava…

Você está maravilhosamente linda, Sakura, ele disse, sem fôlego, e eu pisquei algumas vezes, voltando a focar minha atenção nele e em sua fala, e eu queria… quer dizer, já faz um tempo que, bom, eu… ele pigarreou e soltou de uma só vez, em sua voz que andava muito engraçada, indo de aguda à grossa rapidamente: seiquesuamãevaificarmaisaindanonossopémasvocêgostariadeserminhanamorada?, ele sugou ar pela boca de uma forma muito deselegante, e então continuou: prometoseromelhornamoradodomundoeapromessaquefizaindatádepé, outra pausa para pegar fôlego e: semprevouestaraquiparacuidardeseusmachucadosevouteamarerespeitarmaisdoquejáamoerespeitoesemprevouteapoiareentãovocêvaiseramaiorescritoraqueessemundojáviuevocênuncavaiterquesepreocuparcommaisnadaalémdeserumaescritoraincrível e…, eu o beijei. Beijei porque já não estava entendendo mais nada do que ele dizia, o beijei porque sim, eu disse rente aos seus lábios, quero ser sua namorada; e o beijei porque, como sempre, ele levava minha mente para longe; me fazia enxergar além dos muros que eu via se levantando a minha frente e me fazia sonhar, como se eu estivesse pisando em nuvens feitas de algodão doce.

Ainda era como se eu nunca tivesse deixado de brincar.

7

Aquele formigamento, aqueles hormônios que surgiram aos doze anos, que eu tentei tanto ignorar, simplesmente explodiram aos meus dezesseis. Era um conjunto de fatores: a idade, os hormônios — mais deles —, a pressão do círculo de amigos, a vontade, o desconhecido, o desafio, e, o principal, Naruto.

Aos quinze anos havia aquela tristeza em mim, aquela vontade de sumir como fumaça porque eu ainda não sabia quem eu era. Agora, eu também não sei. Sei um pouco mais do que antes, com certeza, mas os dezesseis anos pareciam iniciar um processo que aparentava ser longo e desgastante em busca de alguma identidade que estava em algum lugar invisível aos olhos — ao mesmo tempo que bem debaixo do meu nariz — e que seria muito bom encontrar, de forma rápida, de preferência. E como isso é estressante, válvulas de escapes tiveram que ser encontradas.

E tinha os hormônios, o formigamento, Naruto…

Meus pais não estão em casa, sussurrei contra os lábios de Naruto, eles… não estão…!, perdi meu raciocínio ao sentir os lábios dele contra um ponto particularmente gostoso em meu pescoço — eu não sabia que eu era tão sensível ali, mas Naruto sabia. Ele sabia de tanta coisa, me mostrava tanta coisa… Eu sei, Sakura, ele riu baixo, ainda sugando minha pele, você já disse isso umas cinco vezes. Eu disse? Provavelmente. Perder o fio da meada quando ele estava perto, quando ele estava me tocando desta forma, tornou-se mais comum do que eu jamais imaginaria. Logo eu, que dava tantos sacodes nele para prestar atenção, para não se perder porque ele vivia fazendo isso, e então eu estava lá, repetindo mais uma vez que: meus pais não estão em casa, arfei baixinho quando ele desceu a mão esquerda dele para a parte inferior de minhas costas. A mão dele que ultimamente andava me atraindo de uma forma tão… esquisita. E… eu quero, completei com o que, provavelmente, eu estava tentando falar nas últimas cinco vezes que repeti aquela frase.

Naruto paralisou, e foi até engraçado, tanto é que aquele humor se misturou com meu cérebro tomado pela luxúria em uma distorção divertida e um som meioestrangulado-meiogemido-meiorisonho saiu pelos meus lábios. Mas esse som foi cortado bruscamente quando ele levantou o rosto para me olhar. Uau.

Uau. Uau. Uau. Uau…!!!

Já tínhamos nos visto em várias situações. Engraçadas, constrangedoras, sensuais. Mas, entrando na última situação, nunca havia sido demais. Sensual demais. Era sempre apenas o suficiente. O suficiente para ambos nos afastarmos vermelhos e trêmulos e irmos embora para resolvermos sozinhos o que havíamos começado juntos. Mas agora… agora eu queria resolver junto com ele. Juntos no ponto máximo permitido pela física. E ele me olhou daquela forma, dessa forma. Naruto era tão… ele. O cabelo loiro, que era mais escuro perto da raíz, bagunçado daquela forma por causa das minhas mãos, os olhos azuis nublados com um sentimento que era novo para ele assim como era para mim, o rubor nas bochechas por causa do calor causado pelo atrito de nossos corpos, as narinas dilatadas por causa da intensidade dos nossos amassos, os lábios vermelhos e inchados por causa dos nossos beijos e mordidas; por causa dos beijos e mordidas que eu dei nele.

E agora o sorriso, que ele abria por minha causa. Para mim. Por mim.

Tem certeza?, ele perguntou, e ele havia descongelado também. Seu rosto estava concentrado em mim, mas suas mãos voltaram a se mexer pelo meu corpo, arrastando-se em uma provocação que estava me fazendo contorcer contra ele e, ali, pressionada na parede ao lado da porta da minha casa, decidi me esquecer completamente dos sermões de minha mãe sobre sexo depois do casamento, sobre meu medo de escorregar e me tornar a minha própria mãe… Decidi me permitir viver. Eu era jovem. Irresponsável — ou ao menos tinha o direito de ser assim, nem que fosse apenas uma vez na vida. E ali, olhando para Naruto, meu namorado, a pessoa que eu mais confiava no mundo, decidi que queria começar aventuras com ele — na verdade, minhas aventuras sempre foram com ele. Agora, seria apenas um novo patamar. E eu sabia o que fazer. Tudo estava planejado: sexo seguro, camisinha, prevenção… Naruto…

Tenho certeza, eu respondi após minutos o olhando. Naruto não me pressionava. Ele sabia me esperar; sabia que eu olhava de todos os ângulos, de todas as possibilidades, para só então dar uma resposta. E era por isso que havíamos esperado tanto para esse… passo em especial. Absoluta, complementei com meus olhos cerrados já caídos em seus lábios, e a partir daí, minhas mãos estavam em sua blusa, uma na gola e a outra na barra, puxando-o para dentro após ele mesmo abrir a porta de forma atrapalhada. Chegarmos ao meu quarto foi um mistério e uma surpresa, já que não conseguíamos nos desgrudar para ao menos olhar para o caminho, mas o importante é que chegamos; e que as roupas saíram, e que… que aconteceu e foi estranho, foi… divertido, foi esclarecedor, foi tudo e nada do que eu imaginava ou esperava. Foi com Naruto.

E espero também que não tenha sido um erro,

Não, não foi. Não tem como ter sido.

Não tem.

8

Às vezes sinto como se eu vivesse minha vida de uma forma diferente. Observando-me como naqueles clipes musicais, onde a cantora está em uma crise existencial e ela vive a vida em uma velocidade acelerada e, por vezes, em câmera lenta; assistindo a, principalmente, seus erros; suas oportunidades perdidas. Suas chances de ter ficado calada ou de simplesmente não ter feito algo, porque seria melhor do que ter feito com a desculpa de que só se vive uma vez; ou: ah… não vai dar nada!

E isso é extremamente sufocante. É como estar em uma caixa que se fecha mais e mais. Não há saída. Não há.

Não há, não há, não há. E o desespero só aumenta.

Aquela transição entre os dezessete e dezoito anos implicou em muitas coisas. Último ano escolar, faculdade possivelmente eminente, crises existenciais, novos gostos por quase tudo, stress, responsabilidades novas…

Deslizes.

Muitos deles.

Estourou…, ele disse, ainda sem fôlego pelo que havia acontecido minutos antes. Porra, foi minha resposta, ainda perdida em sensações tão boas, sensações essas que me fizeram esquecer completamente daquilo, e a vida seguiu seu curso. Seguiu por milésimos de segundos, por segundos inteiros, por minutos, meias horas e horas inteiras; até se arrastar por dias, semanas, meses e então era Natal, e depois ano novo, e aí eu tinha dezoito, e aí…

Aprovadas!, ela comemorou. Faculdade, eu nem acredito… vamos pra faculdade! Pode imaginar? Até ontem éramos pirralhas no Ensino Médio, e agora somos universitá…, ela parou, olhando-me com aquele olhar que, bem, mesmo um tanto distantes uma da outra, mesmo voltando a nos alinhar recentemente, mesmo só depois de tempo retomando aquela amizade gostosa de antes, ainda era o mesmo; era como se nada tivesse mudado entre a gente; o que aconteceu?, ela perguntou, desconfiada, tentando aquele jeito dela de ler minha alma.

Um dar de ombros indiferente foi minha resposta. Eu deveria estar animada, em êxtase, pulando, berrando aos quatro ventos que uhul!, a faculdade vinha logo ali, mas… será que vinha mesmo? Vinha. Mas não para mim. Não para pessoas como eu. Eu estava presa, e sabia que não havia como… eu não queria falar. Não queria. E as pessoas só queriam falar sobre aquilo. Minha mãe, mesmo que de uma forma torta: ela passou naquela faculdade referência na área dela… não é lá medicina, mas já é alguma coisa, não é?! Meu pai: ela sempre foi estudiosa, minha menina, sempre lendo aqueles livros complicados e grossos. Todas as minhas tias, principalmente as maternas: nossa coisinha cresceu e virou uma mocinha que entrou para faculdade! Que orgulho. Meus vizinhos: sempre foi estudiosa, esforçada… achamos que ia acabar grávida nova, mas olha aí, entrou pra faculdade…

Todos queriam falar sobre minha aprovação em uma faculdade. Todos me tratavam com carinho e amor. Todos ressaltavam meus acertos e todos os meus erros até aquele momento pareciam insignificantes; nulos. Em minha cabeça, no único caminho possível em que não era um desastre total, eu via acolhimento, compreensão e ajuda. Contudo, eu me lembrava dos apontamentos e julgamentos que haviam quando outras acabaram por cometer o mesmo deslize que eu. E havia tantas possibilidades. E não havia paz ou silêncio. Não havia para onde fugir, e minha mãe continuava a falar, e Ino planejava com ela. Meu pai, que não era disso, comentava junto, e havia Naruto ali, e havia tantas outras pessoas, tantas vozes, e meus dedos não paravam de esfregar meu couro cabeludo, e aquele latejar insistente não cessava, e meus olhos doíam pelas noites mal dormidas, e meus dentes rangiam, e…

Para, para, para!, gritei, calando a todos, que me olharam assustados pela interrupção. Estou grávida. Estou grávida, estou grávida. Não há faculdade para mim, não há mais nada…, e, finalmente, chorei. Porque desde que aquele teste deu positivo, dois dias antes do resultado da faculdade chegar, eu não chorei. Apenas entrei em um estado constante de agonia, paranoia, e choque. Mas, naquele momento, finalmente chorei. Solucei curvada em minha própria miséria enquanto o silêncio surpreso passava para um barulho caótico. Acho que minha mãe desmaiou e meu pai foi socorrê-la; Ino, pela primeira vez, estava sem palavras; pessoas sussurravam e, Naruto, bem…, eu não fazia a mínima ideia.

Mas eu chorei. 

Porque os elogios cessaram, aquele orgulho morreu, não havia compreensão e nem aquela ajuda direcionada ao meu futuro. Porque meu futuro era outro. Era amargo. Era errado. Era inseguro. Não era o planejado pela minha mãe, pelas pessoas ali e, pior: nem por mim mesma.

Tudo havia começado com um sonho, e ali, em meio as minhas lágrimas, percebi que tinha altas chances de acabar como um.

Intangível. Inalcançável. Inexistente.

Apenas em minha imaginação.

9

Não é o fim do mundo, Ino sussurrou para mim de mansinho. Porque era desse jeito que as pessoas passaram a falar comigo — aquelas que ainda faziam isso. Eu não estava grávida, não. Eu estava com alguma doença altamente contagiosa. Tragicamente contagiosa. Uma vez que Ino teve que lutar muito para poder ao menos chegar perto de mim após o fatídico dia, onde gritei sobre minha condição, onde minha mãe desmaiou e, quando acordou, me expulsou de casa e eu saí sem nada — apenas com a roupa do corpo. A partir desse dia, minha nova morada foi a casa pérola que eu tanto gostava, que ficava no topo daquele pequeno morro da esquina… mas já não tinha mais o mesmo gosto de quando eu tinha doze anos.

Não é o fim do mundo, murmurei de volta, com o olhar perdido no chão imaculado da casa também antes imaculada, mas que era manchada pela minha presença; por mim. Eu andava apenas perdida, sem olhar para nada direito, nem para os olhos azuis de Naruto. Não é o fim do mundo, com certeza não. Mas só para você, Ino abriu a boca para replicar, notei, mas a cortei: não tente dizer que entende. Porque não entende. Admiro sua empatia, ou o que quer que seja, mas não é a mesma coisa, suspirei superficialmente, não é. Mas ela me ignorou, lógico que sim, ou não seria, bem, Ino: gravidez não planejada não é o fim do mundo. Bufei: para pessoas que podem arcar, em todos os sentidos, não é mesmo. Mas ela continuou, ignorando-me novamente: há mulheres que, sozinhas, conquistam muito e isso com muito mais que uma gravidez na bagagem, Sakura. Não é o fim do mundo, reforçou, você tem Naruto. Tem a mim. Tem a Minato que, bem, ficou sim bravo e puxou a orelha de vocês… mas mesmo assim vai te amparar. Você não está sozinha, não está.

Eu não estava?, era o que eu me questionava em minha mente, porque eu certamente me sentia, mesmo com Ino ao meu lado, mesmo com Naruto e o senhor Uzumaki pela casa, mesmo com um ser crescendo dentro de mim, eu me sentia muito sozinha. E com frio. 

E isso era tão bizarro. Porque antes, minha própria companhia me bastava. Apenas eu. Mas eu havia me perdido.

Se não quer me deixar entrar, tudo bem, Ino disse em um suspiro que parecia cansado, mas ao menos deixe Naruto entrar. Novamente. Porque sei que ele te ajudou de uma maneira que eu não pude a anos atrás, e agora… ele é o único que pode ajudar novamente.

Deixá-lo entrar novamente. Ele nunca havia saído. A questão é que, ao sair da casa dos meus pais sob os berros de minha mãe, que dizia que deveria ter me proibido de entrosar com aquele trombadinha, uma raiva cresceu dentro de mim. Raiva de mim por ser burra. Raiva do Naruto. Raiva de nós — eu e ele. Então, eu o afastei. O empurrei para longe por dias. Mas, ao passo que esses mesmos dias se passavam, não só o medo aumentava, mas… aquilo dentro da minha barriga também.

Um bebê.

Meu e de Naruto.

Ao ouvir Ino sair do quarto, mais uma vez deixei as lágrimas caírem pelo meu rosto. Era a segunda vez desde o fatídico dia.

Não fazia sentido sentir raiva dele — deles. De Naruto e do… bebê.

Eu não podia odiá-los. Não podia rejeitá-los. Eu havia procurado por aquilo também. Era minha culpa também. Não era aceitável fugir. Não era permitido. Eu tinha que acolhê-los. Amá-los incondicionalmente. Aceitá-los. Abraçá-los. E com um sorriso no rosto.

Não havia outra opção.

Já havia acontecido, não havia como.. me livrar. Não havia como… escapar.

Tudo o que eu podia fazer, diário… era observar meu sonho desmoronar, como um sussurro baixo jogado ao vento forte; inaudível e insignificante.

10

Você não está sozinha, Naruto sussurrou contra meu cabelo, enquanto me embalava na nossa cama. Eu também estou assustado pra caralho, mas sei que tenho você, e preciso que você entenda que você me tem também.

Eu entendia. Mas… já não era a mesma coisa. Parecia a mesma promessa de anos atrás, sim… mas não era a mesma coisa. Eu sabia que não era.

Todavia, enquanto éramos apenas eu e Naruto naquela cama, sem mais ninguém entre nós, parecia fácil. Tão simples.

Eu tinha tempo, diário. Então decidi acreditar nele, novamente. Eu precisava reagir. Fazer algo para tornar as palavras dele uma verdade absoluta para mim. Precisava fazer algo para que eu nunca… deixasse de brincar novamente.

Para que eu nunca deixasse de sonhar.

11

Eu e Naruto sentamos e planejamos. Planejamos por dias a fio. Meu futuro. O dele. O nosso. E o do… bebê. Planejamos que ele cuidaria do bebê para eu estudar, planejamos os horários e encaixamos várias possibilidades de vans e ônibus. Seria cansativo. Cheio. Eu só teria tempo para a faculdade e para o bebê. Mas daria certo. E o senhor Uzumaki ajudaria também, ficando com o bebê sempre que pudesse. E tínhamos a vantagem da loja. Querendo ou não, Naruto seria o próximo dono e, bem, era uma estabilidade necessária. Não era ser rico, mas era ser estável. E, naquele momento, era tudo o que eu precisava.

Naqueles dias após o planejamento, foi fácil… retomar a vida. Eu ainda não saía na rua ou me encarava no espelho. Eu ignorava minha barriga e odiava as mudanças no meu corpo. Eu ainda não queria estar grávida. Eu ainda tinha ataques de raiva por conta da situação. Eu ainda me isolava. Não era perfeito. Mas eu ainda sonhava.

Naruto ainda me permitia ver além dos muros construídos à minha frente e, naquele momento, me bastava.

12

Às vezes, diário, eu desejava… que nada daquilo fosse real. Que fosse intangível, assim como meu sonho. Que eu não existisse. Porque seria cruel demais querer que o… bebê não existisse.

Mas é a realidade, eu queria que ele não existisse. E, por vezes, desejei coisas ruins para ele. Ou ela. Eu ainda não sabia e não queria saber tão cedo.

Porém, ignorei tais pensamentos. Os empurrei para o canto. Os escondi atrás de coisas que poderiam ser piores. Mas eles sempre voltavam à superfície.

Eu era horrível. Uma pessoa horrível. Seria uma mãe horrível. Sou. Sou horrível.

Tão horrível que, depois de um bom tempo sem escrever, depois de tanto tempo deixando meu caderno surrado de poesias de lado, escrevi sobre como eu estava cansada; sobre como eu não via mais a luz do sol e como eu queria ser poeira estelar.

Pela primeira vez, escrevi sobre a morte. E a capa do livro onde essa poesia seria publicada, seria vermelho-sangue.

13

Durante nove meses da minha vida, eu vivi. Não nove meses exatamente. Descobri a gravidez com pouco mais de dois meses, segundo a médica. Então, vivi dois meses da gestação sem saber sobre ela, o que foi uma maravilha. E então, descobri, e me afundei, e não vivi — sobrevivi. Arrastei-me pesarosamente pelos cantos, tentando aceitar o fardo. E aí, aceitei. Aceitei porque estava fácil ignorar. Estava fácil não encarar minha barriga no espelho. Estava fácil ignorar as outras tantas mudanças em meu corpo. Estava fácil porque não tinha ninguém ali, na minha frente. Então vivi por mais uns cinco ou seis meses.

Mas… depois, não vivi mais, porque o alguém na minha frente, finalmente, apareceu.

Começou cedo. Eram oito e pouco da manhã e aquela dor no fundinho do corpo começou: um incômodo que cresceu, e cresceu, cresceu mais, até ser constante, zumbindo e zumbindo, fazendo a base das minhas costas doerem, o vinco em minha testa se intensificar e a cabeça latejar. Eu chorei e chorei, querendo que acabasse. Chorei querendo que nem tivesse começado. Mas fui instruída gentilmente a segurar o choro porque estava bom na hora de fazer, não estava?, murmurou a enfermeira.

É… estava. Mas o que isso tinha a ver com aquela dor dilacerante?

Mordendo os lábios com força, sentindo o gosto acobreado na língua, derramando lágrimas, expelindo sangue pela vagina, ficando as unhas em minhas próprias palmas, respirando forte e gritando internamente — ecoando em minhas próprias bochechas e lábios cerrados —, dei à luz a uma menina saudável, de cabelos claros que, mais tarde, descobri ter belíssimos olhos azuis.

Era a cópia de Naruto. Nem isso era justo. Eu a carreguei.

Quando a peguei nos braços, o choro há muito iniciado, se intensificou. Chorei porque, caramba, dar a luz não era e jamais seria o momento mais lindo do mundo, da vida da mulher, ou qualquer picuinha que fosse. Não era. Jamais seria. Chorei porque, naquele momento, era muito real. Aquele serzinho era muito real, havia saído de meu corpo e não tinha volta, oficialmente. Chorei porque eu me odiava e autoflagelava por não conseguir querê-la perto de mim. Por não amá-la instantaneamente como todas as mães ao meu redor diziam amar assim que pegavam seus recém-nascidos nos braços. Chorei porque eu só queria pegar minhas coisas e ir embora.

14

E na manhã seguinte, foi o que eu fiz.

15

Ao sair daquele hospital, ao deixar tudo para trás, o que senti foi alívio. 

A bebê não ficaria desamparada. Naruto tinha um coração tão bom, ele era tão bom, era perfeito. Eu sabia que ele daria tudo de melhor para nossa… para a filha dele. Sabia que não faltaria nada — de amor a dinheiro. E tinha o senhor Uzumaki. Ele seria um ótimo avô e ajudaria Naruto a criá-la tão bem. Porque Naruto era maravilhoso.

E mesmo sendo maravilhoso, eu havia feito aquilo com ele. Havia o abandonado.

Mas eu senti alívio. Senti alívio. Mas eu chorava toda noite porque o alívio se transformava em culpa, e a culpa se transformava em tristeza, e a tristeza transbordava em lágrimas, e as lágrimas eu transformava em palavras escritas em papéis amassados que eu achava nas gavetas dos quartos baratos que eu passava.

16

Em algumas noites, o alívio me permitia dançar em lugares onde a luz era baixa, a música alta e o ar denso. Em outras, o alívio me permitia trabalhar em lugares duvidosos, mas que me davam dinheiro no fim do dia — ou da noite.

Isso era liberdade. Não havia tempo para parar, ou alguém que dependia integralmente de mim.

Eu era livre para ir e vir, e eu ia cada vez mais longe da cidade que eu havia abandonado sem ao menos levar meus documentos. É fácil para tantas pessoas, irem embora e agirem como se não fosse nada demais, sussurrei um dia para meu reflexo em um espelho quebrado de um motel barato, então porque meu corpo parece livre, mas minha mente presa nesse redemoinho?

Às vezes, a liberdade era tanta que me permitia passar tempo demais com meus pensamentos. E eles me aprisionavam. Repetindo e repetindo a possível cena em que eu andava sem olhar para trás, mas, ao mesmo tempo, eu enxergava os olhos de Naruto, observando-me ir embora.

Chegou uma hora, diário, que… eu já não sabia o que era realidade ou apenas meus sonhos.

17

Eu não sabia onde estava — havia me perdido logo após sair do meu estado de origem. Eu não sabia se estavam procurando por mim — no fundo, eu achava que Naruto sabia que eu iria partir. Ele sabia que eu não conseguiria ficar, e eu queria voltar, mas apenas para ele.

O que eu fiz?, às vezes eu me pegava sussurrando para o escuro, oh…, minha filha, eu…, e eu levava as mãos a boca, abafando o choro sofrido, e Naruto… os abandonei.

Mas, tão rápido quanto esses sentimentos vinham, eles partiam. Só que, no lugar da liberdade de antes, estava crescendo um estado letárgico; um sentimento que era tamanho e eu não sabia lidar, ao mesmo tempo que era tamanho… era tão… vazio. E não dava para disfarçar. Não dava para fugir. E isso refletia em meu exterior, o que me fazia correr para meu interior. E sonhar, sonhar, sonhar…

Qual era o meu sonho mesmo?, eu me pegava perguntando para o meu reflexo. Sempre quis muito. Sempre quis tudo. Estava tudo tão certo e definido em minha mente, mas isso enquanto havia algo que poderia atrapalhá-lo. Agora, que eu estava livre do obstáculo, qual era o meu sonho mesmo?

Se eu tivesse negado a ajuda de Naruto, eu o teria realizado? Qual era o meu sonho mesmo?

Se eu nunca tivesse namorado com o Naruto, eu o teria realizado? Qual era o meu sonho mesmo?

Se eu nunca tivesse tido uma filha… que abandonei, eu o teria realizado? Qual era o meu sonho mesmo?

Se eu apenas tivesse aceitado e ficado, lidado melhor com tudo, porque eu tinha opções, certo? Eu o teria realizado? Qual era o meu sonho mesmo?

O que eu fiz? O que eu fiz? O que eu fiz?

18

Eu tentei voltar. Mas eu não sabia onde eu estava. Então fiz o caminho contrário do que me trouxe até aqui, em lugar nenhum.

Eu tentei voltar. Mas eu não sabia qual era o meu sonho. Então reli meus poemas, revisitei pensamentos, mas estavam incompletos e não tinham mais o gosto de antes.

Eu tentei voltar. Mas eu não sabia quem eu era.

Eu tentei voltar. E agora percebo que tentei só porque eu havia perdido algo que era perfeito e inalcançável; mas que me agarrei com tamanha força que se tornou real, mas não era.

Tentei voltar, mas a questão era: para onde?

Para onde? Para onde? Para onde?

19

Aos poucos eu fui definhando, mas eu não enxergava isso. Contudo, havia uma parte inconsciente em mim que via pena e ouvia sussurros das pessoas ao meu redor. Você sabe onde eles estão?, eu perguntava a um, que negava e saía andando. Você sabe onde fica… onde fica… o que mesmo?!, eu tentava explicar, mas eu havia… me esquecido… você sabe… quem eu sou?, e ninguém sabia.

Às vezes, eu vagava pelas ruas e via meu reflexo nos vidros. Meu cabelo estava grande, muito grande. E eu aparentava estar velha, tão velha. E meus olhos estavam perdidos, eu não me reconhecia. Se Naruto estiver procurando por mim, ele não vai me reconhecer. Meu cabelo já não era mais rosa. Meus olhos já não eram mais verdes. Eu já não era mais… quem eu sou mesmo?

E então eu sentava no canto de um beco, me encolhia, abraçando minhas pernas, e sonhava.

Nos meus sonhos, tudo era perfeito e eu encontrava Naruto. E nossa… filha. E meu cabelo era rosa e meus olhos eram verdes. E eu era… eu era…

Quando eu acordava, nada mais me vinha à mente. Aí eu chorava. Porque no sonho era tão perfeito, e na vida real era tão amargo.

Então não acordei mais.

E foi sorrindo,

que dormi para sempre.

20

Casa pérola. No topo do pequeno morro da esquina.

Eu respirava fundo, o ar era fresco e quente ao mesmo tempo.

Uma quentura diferente do calor. Era acolhedor, por isso era quente.

 

Cabelos rosas. Olhos verdes. Vivos. Diferente de mim.

Meu nome era Sakura, eu estava em casa, eu sorria. Me sentia bem.

Ao meu lado, havia uma pequena mesa redonda. Havia tantos livros com capas coloridas. Cores sólidas. Pérola, azul, azul capri, vermelho-sangue. E um nome… um nome familiar estava em todas as capas, em destaque. Uzumaki S.

Cabelos loiros. Pares de olhos azuis. Por que nos deixou?

A pergunta não foi feita por palavras, mas estava no ar. Eu sorri.

Sonhar, respondi, eu precisava sonhar. Mas, no fim, nem sabia sobre o que eu estava sonhando; nem sabia o que era meu sonho, senão um amontoado de expectativas.

 

Éramos felizes. Era isso que eu teria?, perguntei quando deitamos na grama e olhávamos para o céu. Era noite. Havia estrelas. O tempo não passava do jeito certo ali. Em um momento, estávamos em uma cena, em outro, noutra. 

Sim, ele respondeu, mas não aproveitaria, porque estaria infeliz pensando no que poderia ter sido se houvesse partido.

 

Lágrimas escorriam. De mim. Escorriam dos meus olhos. Mas eu não sentia nada, era tão estranho. Estávamos sentados na grama agora, frente a frente, e havia uma criança correndo ao fundo. Uma menina. Por que parece que a culpa é minha?, perguntei com uma voz calma, mas, em minha mente, estava embargada. Desesperada. Por que eu não podia ser apenas mais uma no mundo? As pessoas iam e vinham o tempo todo; abandonavam coisas e começavam outras novas, por que eu tinha que carregar o peso de tudo? Por que era diferente para mim? Por quê?

Ele sorriu para mim. Seu sorriso era brilhante. Então eu sorri também, e as lágrimas cessaram. Ele secou os rastros com as pontas dos dedos. Eu me senti tão acolhida e amada. Ele me entendia. Ele não me culpava. Você foi feita para sonhar, Sakura; então Sakura era meu nome, sonhe agora, vai ficar tudo bem, eu prometo.

Acho que eu podia confiar na promessa dele. Naruto, eu sussurrei, vai ser como se nunca tivéssemos parado de brincar, não é?!

Vai ser como se você nunca tivesse parado de sonhar, ele respondeu e eu fechei os olhos.

—Obs.:-

—21-

Nota final:

Começou como um sonho e terminou como um.

Para aquelas que não puderem escrever, apenas sonhar.

Por Sakura -Uzumaki- Haruno.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

INFELIZMENTE O NYAH NÃO ACEITA PALAVRAS TACHADAS! (riscadas no meio) MATOU O CONCEITO DA FIC, MAS ENFIM.

Em todos os cenários possíveis, eu imaginava um fim trágico. A intenção era fazê-la lentamente definhar, mas sem abandonar o Naruto e a bebê, mas a história caminhou pra esse ponto que ela foge, e me deixei levar. Lembro que em momento algum essa é uma crítica a maternidade ou um julgamento para aquelas pessoas que foram mães cedo ?” meu maior receio com essas notas é alguém ficar ofendido. Então, se for o caso, me chamem pra bater um papo.

Pra mim, essa foi a minha fic mais não-linear. Ela começa estável, subindo, chega ao topo e BOOOM! É como se observássemos o crescimento da Sakura, e então seu declínio. Acho que foi o reflexo de inúmeras autoras que li nesse estilo para o último semestre da faculdade. E foi muito interessante escrever em formas de notas ?” diário ?”, porque deixa lacunas que são preenchidas pela nossa imaginação. E, confesso, DESAPRENDI A ESCREVER EM PRIMEIRA PESSOA! Até TBAH eu só escrevia em 1º e achava super fácil, agora, VISH!

Obrigada por me acompanharem nessa super viagem KKKKK bjsss e até mais! (um dia escrevo uma NaruSaku feliz pra me redimir).



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Para aquelas que não puderam escrever" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.