Queridos Amigos escrita por Mithrandir127


Capítulo 18
Capitulo 18: Soluço




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Era mais uma manhã fria em Filótes. Jack estava deitado confortavelmente em sua cama de lençóis brancos, os braços sob a cabeça de cabelos alvos, servindo de travesseiro, observando o teto com a face calma.

Aquela manhã estava diferente de todas as outras. Estava frio, mas ao invés de estar pálido e escuro, a casa estava perfeitamente iluminada por confortáveis luzes brancas matutinas.

Estava silencioso, e o platinado seguia olhando para cima.

De repente sentiu tédio, e olhou para uma bolinha vermelha de borracha sobre a mesa perto da cama, e decidiu brincar com ela.

Sentou-se e começou a atirar ela repetidas vezes no chão, fazendo-a acertar a parede e voltar para sua mão.

Mas de repente, errou o jeito ou a força de atirar, e ela saiu de seu controle, acertando uma outra estante encostada em outra parede de antigo papel florido. Derrubando uma caixinha no chão.

O russo saltou os ombros ao notar aquilo, esqueceu-se totalmente do brinquedo, deixando-o sair quicando para longe pelo chão de madeira.

— Droga – sussurrou enquanto se levantava, indo na direção daquilo que havia derrubado.

Só se deu conta do que era quando pegou. Era o presente que seu avô havia lhe dado, a caixinha pequena com laços azuis.

Agachado sobre um joelho a ergueu diante do rosto, olhando a mesma com certo desdém, girando o pulso para vê-la de todos os ângulos.

Aquele presente não solicitado só servia para lembra-lo da mãe, que já havia o telefonado naquele dia, e com quem mantinha todo tipo de distância possível. Lembrava-o também do avô, a expressão perfeita de sua inconveniência, um presente de natal entregue bem antes do natal, feito para ser aberto na específica data, um peso irritante a ser carregado.

Mas apesar de tudo, aquela porcaria destrancou boas memórias distantes de sua mente jovem, olhou para o lado pensativo e tomou uma decisão.

Guardou a caixa de volta sobre a estante, e pegou um casaco, junto de botas azuis específicas para sair na neve.

Saiu do quarto fechando o zíper do agasalho.

Caminhou pelo corredor iluminado e caminhou para uma sala serena e cheia de enfeites de natal. Esperava encontrar alguém ali, mas estava cedo demais para isso.

Porém, olhou de relance pela janela e notou alguém do lado de fora.

Caminhou até a mesma e viu que era Soluço. Estava com um casaco verde e grande com o capuz abaixando, usando confortáveis calças moletom e botas de neve. Estava tirando a neve da calçada.

O céu sobre o castanho estava absurdamente belo, branco, com alguns raios de sol aparecendo dentre as nuvens junto de alguns agradáveis tons de rosa.

O eslavo sorriu maravilhado ao ver a paisagem, com brilho nas íris azuis, e olhou para o amigo antes de partir em direção à porta da frente.

O norueguês acabou sendo recebido com uma bola de neve pelas costas.

Virou-se assustado, sem entender, arrumando os óculos.

— Bom dia, Soluço! – disse Jack sorrindo.

Após perceber o ocorrido, o escandinavo sorriu dizendo: “Ah, oi Jack! Bom dia!”

E voltou a tirar neve.

O platinado colocou as mãos nos bolsos do agasalho, ficando parado de pé à esquerda do de óculos, que seguia fiel em seu serviço. Olhou para o belo céu, sorrindo.

— Que bom que realizou o seu serviço logo pela manhã! Se quiser ficar aqui tem que trabalhar!

Soluço sorriu, de forma debochada.

— Aposto que seu avô diz a mesma coisa pra você! – respondeu ainda trabalhando.

Um breve instante de silêncio se seguiu. O russo encarando o céu com as mãos guardadas nos bolsos e o castanho trabalhando.

— E aí, como está a situação com seu pai?

O norueguês o olhou de relance enquanto tirava a neve.

— Bom, por um lado ele não está mais me ligando pra brigar comigo. Por outro, ele não está mais me ligando.

— E você acha isso bom?

— Eu sei lá. Por um lado é bom não ter mais que ouvir a voz raivosa dele, por outro a sensação de que ele me rejeitou de vez também não é agradável. Ele não faz ideia de como isso é desagradável, ou talvez faça, e decidiu me punir dessa maneira.

O eslavo riu e disse: “Já não bastava tomar o cachecol que você tricotou?!”.

O castanho parou, sorrindo, apoiando-se na pá velha, de pé em sua frente.

— Imagina só o que se passou na cabeça dele “Hum, esse cachecol bonito aqui é bom demais pro meu filho! Vou tirar dele e deixa-lo com esse cachecol feioso!” – falou engrossando a voz e logo depois caindo na gargalhada.

O de óculos seguiu sorrindo, se fosse com outra pessoa, aquela brincadeira não teria graça, mas como vinha de Jack, sabia que não era por mal.

Mesmo assim balançou a cabeça sorrindo e dizendo: “Eu te odeio, Jack!”.

— Ah, é por isso que eu sou seu amigo, magricela!

— Você não deve ter muitos quilos a mais do que eu!

— Detalhes não mudam os fatos! E tá reclamando do quê?! Você é uma espinha de peixe falante e ainda assim conquistou a Merida!

— É, a Merida pode ser muita areia pro meu caminhão, mas a Elsa também é pro seu!

— Ah, então você aprendeu com o mestre aqui! – falou o platinado pondo a mão sobre o peito magro, com verniz de orgulho.

— Aprendi como não me aproximar de uma garota! – disse quase rindo.

— Aham! Sei! Mas mesmo assim eu vi você e a Merida imitando o que a Elsa e eu fizemos e estão tricotando um cachecol um pro outro! Um todo vermelho, fofo, mas não é original!

O norueguês fez careta para o amigo.

— Eu contei pra ela sobre aquela lenda chinesa, a Akai Ito, ela gostou e decidimos fazer um par de cachecóis ambos totalmente vermelhos, inspirados na lenda.

— Ah, meus parabéns! Então você encontrou a parceira ideal pra você! Não fique tão chateado por causa do seu pai, você tem a Merida para te consolar!

O escandinavo finalmente terminou de tirar a neve, atirou a pá para longe, que atingiu a calçada, fazendo um som metálico. Parecia estar com raiva. Mas seu rosto seguia sereno.

O russo olhou da pá distante ao amigo próximo com seus olhos azuis, sem mexer o rosto, ainda mantendo um sorriso.

Em uma situação normal brincaria dizendo “Espero que guarde aquela pá no lugar”, mas notou que Soluço parecia triste, então se conteve.

O castanho ficou ao lado do eslavo, olhando para o belo céu rosado através de seus óculos embaçados, o rosto alvo com tons quentes de vermelho, e mexas de cabelos lisos caídos em sua testa.

Suspirou pesadamente.

— Eu gostaria de não estar nessa situação com o meu pai. Eu não me arrependo de ter ido falar com ele naquele dia! Claro que não, e não só porque aquilo fez com que Merida e eu nos aproximássemos mais. Mas se eu pudesse simplesmente passar uma borracha nesses momentos tensos entre nós, eu passava,

O eslavo o olhou com o rosto sereno e cheio de empatia, aproximou-se do mesmo colocando a mão em seu ombro.

O norueguês olhou-o sem muita surpresa, o rosto ficou insolúvel por um tempo, mas logo depois sorriu e deu alguns tapas na mão do amigo, agradecendo pelo apoio.

Depois voltaram-se para contemplar o céu, em silêncio, Jack à direita, Soluço à esquerda,

Passaram alguns frios e agradáveis instantes assim.

— Sabia que na Rússia o natal é comemorado no dia 07 de Janeiro? – perguntou o platinado.

— É, já tinha ouvido algo a respeito. Por que isso hein?!

— É que houve muita confusão quando trocaram o Calendário Juliano para o Calendário Gregoriano, e algumas regiões não o adotaram simultaneamente.

— É, faz sentido, naquela época não havia impressa, nem os meios de comunicação que dispomos hoje, não tinha como o Papa mandar uma mensagem para os reinos cristãos da Europa e chegar em todos eles no mesmo ano.

Conversavam sem sequer olhar um para o outro.

— Verdade, todo ano meu avô reúne brinquedos, comida, bebida, lençóis e faz um mega evento distribuindo essas coisas para as criancinhas pobres de Moscou.

— É, seu avô é muito legal, não foi à toa que a gente foi pedir a ajuda dele quando a Merida e eu fugimos de casa.

— Ele diz que se inspira em São Nicolau. Por causa disso, nem sempre ele passa o natal aqui com a gente no dia 25, porque organizar tudo isso dá muito trabalho. Na maioria das vezes meu pai ajudava. Passávamos o dia 06 inteiro distribuindo presentes, comida, bebida e cobertores para as famílias mais pobres, em especial as crianças. Depois nós dormíamos e quando acordávamos fazíamos um banquete e trocávamos presentes.

O escandinavo ouvia sorrindo, mas de repente baixou a cabeça, franziu o cenho e voltando-se para o russo, questionou: “Espera aí, então você e sua família tem dois natais no ano?!”.

O eslavo surpreendeu-se e riu.

— Espera, não é bem assim!

— Ah, é assim sim! Vocês comemoram o natal uma vez no início do ano e depois no final! Mais do que isso! Vocês comemoram dois natais dentro de três semanas!

Jack seguiu rindo.

— Já faz um tempo que não vamos pra Rússia! – disse ainda sorrindo, mas logo depois o mesmo se desfez gradativamente – Depois que meu pai morreu, minha mãe não quis mais viajar pra lá, a minha irmã mais velha nunca foi porque quis, eu era muito jovem e minha mãe não me confiaria sozinho ao meu avô, e a Emma mal se lembra dessa época, ela era muito pequena. E minha mãe tinha muito medo de leva-la na viagem de avião. Ela vive dizendo nessa época do ano que gostaria de ir pra lá, mas minha mãe não deixa.

Após mais um instante de silêncio, o de óculos o olhou e disse: “Sinto muito.”.

Mais alguns segundos de silêncio se seguiram, e o platinado continuou: “Ah, relaxa, a verdade é que eu já posso viajar pra lá com meu avô se eu quiser, já sou mais independente e minha mãe não liga, mas até hoje eu nunca tive vontade ir pra Rússia de novo.”.

— Hum... – respondeu o castanho, lamentando a história.

Os dois seguiram de lado um para o outro, sem se olhar.

De repente, o russo voltou-se para o amigo e perguntou: “E aí, o que acha de ter dois natais no ano?”.

O norueguês levou um tempinho para compreender a mensagem, quando o fez, voltou-se bruscamente para o eslavo franzindo o cenho, surpreso.

— Está me convidando pra ir pra Rússia com você?!

Jack revirou os olhos sorrindo enquanto dava de ombros.

— Bem, se quiser encarar a coisa assim, fique à vontade, na verdade estou tentando fazer você dar o fora da minha casa.

O escandinavo ficou de frente para o mesmo, enquanto cruzava os braços, notando a desconversa do amigo, o cenho ainda levemente franzido.

— Jura?!

— É sim! Eu já estou até pensando em te largar lá no Kremlin num passeio turístico e te deixar lá à mercê do General Inverno. Talvez seja melhor te deixar em algum deserto de neve mesmo, aí ninguém ia achar seu corpo e era garantido que você nunca mais iria incomodar de novo.

— Eu sou da Noruega, Jack, estou acostumado com o frio, poderia sobreviver tempo o bastante pra dar um jeito de voltar pra cá e me vingar.

— E daí?! O inverno russo não é o mesmo que o inverno escandinavo. Nem o Império Sueco conseguiu resistir ao inverno russo, e os suecos também eram da Escandinávia que nem você!

— Tá, mas vocês usavam a estratégia da Terra Arrasada em favor de vocês!

— Sabíamos usar o inverno em nosso favor, pergunte a Napoleão e aos alemães na Segunda Guerra!

— Os russos não vão fazer isso hoje!

— Ah, mas eu posso suborna-los!

Soluço riu descruzando os braços, pondo um fim no diálogo.

— Você até pode se livrar de mim, mas ainda vão ter as meninas – disse sorrindo.

— E quem disse que eu não vou convida-las também?!

Então, ambos se olharam calados, com sorrisos fracos em seu rostos alvos e vermelhos, com os olhos claros brilhando. Os dois amigos estavam alegres com aquele momento, o de óculos feliz por estar sendo convidado para algo de tal magnitude, era a primeira vez que aquilo acontecia.

— E aí, vai querer ir?

O castanho suspirou olhando para baixo, e logo depois respondeu: “Eu aceito o convite! Certamente eu não vou precisar pedir permissão pro meu pai.”.

O russo o olhou sorrindo por mais um tempo, logo depois se virou, entrando na casa, deixando o norueguês sozinho na calçada, que ficaria ali ainda por um tempo para contemplar o belo céu rosado.

 

 

 

 


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