Queridos Amigos escrita por Mithrandir127


Capítulo 16
Capitulo 16: Guerra e Amor II


Notas iniciais do capítulo

Oi! Fico feliz em alegar que finalmente consegui me adiantar um pouquinho e publicar o capítulo no dia que queria!



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Soluço estava sentado ao sofá sem seus agasalhos, a cabeça baixa, os cabelos castanhos caídos, a mão segurando o rosto ainda vermelho. Cercado pelos amigos que agora se cobriam com cobertores. Rapunzel houvera lhe oferecido água em um fino e alto copo de vidro limpo, agora pousado na mesa, com alguns goles a menos.

— Eles são filhos dos funcionários dos meu pais. Não gostam de mim porque eu sou... Bem, eu.

— E por que você não se defende deles? – questionou Merida, indignada.

— Meu pai acha que um bom chefe não deve abusar de seus funcionários, por isso ele não me deixa fazer nada contra os filhos deles quando esse tipo de coisa acontece.

— Isso já aconteceu antes? – perguntou a loira.

— Conheço eles desde que eu era pequeno – respondeu olhando-a.

Os outros três se olharam, notando uma situação insustentável.

Então, a escocesa ergueu a voz: “Ai! Eu juro por Deus que da próxima vez eu acabo com a raça deles!”.

— Merida, a violência nunca é a solução.

— Pra algumas coisas ela é! – respondeu e gesticulou para Jack, que ainda transparecia as lembranças de alguns golpes.

— Nisso eu concordo com a Merida – respondeu o russo.

— Pessoal, já chega! Eles foram embora, e dificilmente encontraremos eles de novo enquanto estivermos aqui na vizinhança! – disse o norueguês se levantando, erguendo as mãos e voltando-se aos amigos – Até porque se eu fizer algo contra aquele pessoal eles vão falar pro meu pai mesmo, e isso vai se voltar pra mim! Que tal se dessa vez só evitarmos o confronto?

Os demais se olharam franzindo o cenho sobre os olhos claros, puxando os cobertores. Sentiam-se responsáveis por lidar com aquilo, queriam proteger o amigo, mas haviam de fato mais coisas contra do que a favor, então talvez fosse melhor deixar para tentar resolver isso no futuro, por enquanto, seguiriam o pedido do escandinavo.

Assim, passaram o resto do dia juntos, conversando trivialidades divertidas, afastando da mente o problema com os arruaceiros. Pediram comida e não se seguraram e avançaram sobre ela.

Em um certo momento, Merida estava afastada, sentada à mesa, em silêncio, sorridente, brincando com o telefone, o mesmo de repente tocou. O contato que aparecia era seu prestigiado professor de artes marciais.

— Alô, boa noite professor!

— Boa noite Merida! Estará livre amanhã à tarde?

— Acho que sim. Por quê? – perguntou franzindo o cenho.

— É que marcamos uma pequena competição amigável com os alunos de uma outra escola, e eu gostaria que a minha melhor lutadora estivesse aqui para representar a nossa.

A cacheada riu pelo telefone, não se negou a aceitar o elogio.

— Pode deixar! No mesmo horário que o de costume?

— Sim!

— Então nos vemos lá! – disse e logo depois desligou o telefone, ainda mantendo um grande sorriso no rosto.

No dia seguinte a celta acordou antes de todos na casa. Estava frio como de costume, as nuvens de inverno cobriam o sol, então estava sombrio e pálido dentro do casarão.

Merida estava vestida com as mesmas roupas que usava quando chegou molhada à casa de Norte, pedindo abrigo. Sobre o ombro direito estava uma bolsa jovem, que lhe jurava lealdade, onde carregava suas vestes de luta novas, que também havia feito o voto de servi-la tão bem quanto suas coisas antigas que arderam nas chamas.

Bateu em uma porta de madeira que protegia seu hóspede, logo depois entrou sem esperar resposta.

Sobre a confortável cama macia estava uma Rapunzel sonolenta, deitada disforme sobre os brancos lençóis bagunçados da cama. Os louros cabelos compridos estavam levemente desfiados.

A escocesa caminhou até a amiga sorrindo no meio da escuridão parcial do quarto.

— Rapunzel – chamou agitando-a delicadamente.

— Hã?! Oi! – disse sem recato, mais voltada para o mundo dos sonhos.

— Eu vou sair para participar de uma disputa amigável na minha escola de artes marciais, por isso nós duas não vamos treinar hoje. Eu me esqueci de te dizer isso ontem, então estou dizendo hoje!

— Tá, tá bom, obrigada, eu te amo – falou virando-se na cama.

A ruiva sorriu de novo e depois saiu fechando a porta.

Caminhou em silêncio pelo chão de madeira até a saída da casa escura. Caminhou pelas calçadas de Filótes que agora estava com menos neve, pois havia passado na cidade servidores públicos que jogaram sal para a mesma derreter. Seguiu caminhando até encontrar um táxi que a deixasse onde queria.

A escola estava iluminada por luzes brancas, os alunos vestindo seus quimonos brancos com faixas coloridas, os mais experientes na frente e os menos atrás. Todos bem posicionados para lutar. A cacheada estava na frente, tal qual uma líder, e o instrutor falava aos aprendizes, e à celta.

— Muito bem, os alunos da outra escola estão quase chegando. Deem tudo de si e se esforcem para vencer, mas acima de tudo, lembrem-se, esta é uma competição amigável, sem apelações, nem brigas, entenderam?

Responderam com um grito uniforme.

Passados alguns instantes, ouviu-se o som de um veículo do lado de fora do prédio, os adversários haviam chegado. Merida endureceu um pouco o rosto, sabendo que eventualmente seria convidada a um combate, por mais amigável que fosse, não iria se deixar ser derrotada.

Um curto e baixo monólogo distante e abafado ouviu-se do lado de fora, o professor de seus oponentes instruindo seus alunos. Logo depois entraram em fila atrás do mestre, que foi logo saudar o professor daquele lugar, sorrindo e apertando-lhe a mão.

Os olhos da escocesa, apesar de sérios, sorriram de forma amigável para os outros alunos, mas de repente, os mesmos perderam o brilho e tornaram-se sombrios.

Pois entre seus oponentes estavam seus mais novos inimigos. Entraram ali, Astrid, Melequento, Heather, Perna de Peixe, Cabeça Dura e Cabeça Quente. Todos com quimonos brancos e faixas coloridas. A loira que havia agredido Soluço tinha uma maligna baixa preta na cintura magra.

A gangue olhava uns para os outros, em meio a uma aparente conversa, com sorrisos desdenhosos, mas que desapareceram assim que viram a cacheada ruiva os olhando com o rosto fechado.

Quais eram as chances daquilo acontecer?

Então, os alunos foram colocados defronte uns para os outros, os professores estavam diante dos pupilos, frente a frente também, e entre os grupos estavam os grossos tapetes azuis, a área onde os alunos iriam lutar.

Os mestres sorriam um para o outro enquanto conversavam, a maioria dos adolescentes ali eram alheios à camaradagem entre ambos e se viam focados nas lutas iminentes que teriam pela frente.

A gangue da loira escandinava olhavam a celta com sorrisos malignos e desdenhosos, afinal, Merida estava sozinha, e eles como sempre, em maior número.

Mas a escocesa não manifestava uma gota de intimidação, nem aparentava buscar evitar o confronto. Seus olhos azuis se direcionavam raivosos à Astrid, mais violentos do que de costume, e uma sombra de ódio pairava sobre eles.

— ...muito bem, agora vamos escolher os oponentes... – dizia o professor da ruiva, mas foi interrompido pela aluna que ergueu o braço magro e apontou o dedo fino na direção de sua inimiga loira.

— Eu quero lutar com ela! – falou mantendo o braço esticado.

A voz raivosa da cacheada surpreendeu os colegas e o mestre, que se entreolharam assustados. A gangue reprimiu uma risada zombeteira, trocando olhares questionadores. Que tipo de pessoa em sã consciência iria se atrever a desafiar um deles?! Afinal, quem mexia com um, mexia com todos.

O professor demorou a assimilar os eventos.

— Ora, parece que já temos um primeiro combate, Astrid nunca recusou uma luta, não é Astrid?

— É sim, professor! E não vou recusar agora! – falou saindo de junto dos amigos e caminhando até a área azul, esperando de pé, o olhar hostil como uma jura de morte.

Os demais alunos se sentaram para assistir, os professores seguiram de pé a frente de seus pupilos.

A celta manteve o olhar raivoso, caminhando até a mesma, o mestre de Merida não ficou feliz com aquilo.

Parou na frente da adversária e se encararam mortalmente.

— Muito bem! Uma luta amigável, quem cair primeiro perde! – falou o professor de Astrid.

As duas ficaram defronte uma a outra, mais próximas do que o esporte exigia, os olharem mantinham-se fixos, então, posicionaram-se para lutar, esperando que lhe dessem permissão para se atracarem.

— E... Já!

Mais rápido do que se esperava, as duas se agarraram. Os professores, os amigos da loira e os demais alunos saltaram os ombros.

Os olhos claros das lutadoras brilhavam em violência enquanto os dentes brancos rangiam. Puxavam os humildes e inocentes quimonos uma da outra com as mãos femininas que agora assumiam aspectos gravemente hostis.

Dançaram pela área de luta, tentando derrubar uma à outra com as pernas, tentando fazer a outra tropeçar. Chegaram a se chutar nas canelas, mas ninguém soube dizer se o primeiro golpe foi acidental, os outros não foram.

A disputa estava acirrada, e todos os espectadores arregalavam os olhos diante da luta, as bocas abertas, amedrontados com o que poderia acontecer ali, parecia que as duas queriam de fato se matar.

A escocesa gemia de raiva diante da loira, e assim, conseguiu agarrar-lhe o braço e atirar a inimiga contra o chão através de um Ippon Seoi Nage. Gritou quando aplicou o golpe.

Os amigos de Astrid arregalaram os olhos se erguendo bruscamente diante do ocorrido. Astrid perder uma luta, talvez para eles aquilo fosse impossível. Depois trocaram apertados olhares preocupados enquanto mostravam os dentes. Sabiam que a partir daquele momento as coisas ficariam terrivelmente sérias.

A garota caída arregalou os olhos azuis, não acreditando no ocorrido. Um segundo depois reagiu.

A ruiva sorria vitoriosa quando de repente sentiu um golpe no estômago, que fez seu corpo se inclinar. Logo depois um soco lhe atingiu o rosto, fazendo-a se erguer e cambalear para trás. Então mais dois socos, um direito e outro esquerdo, a atingiram no rosto guiando-o de um lado a outro até que finalmente erguesse os braços protegendo-se de repetidos golpes que sua inimiga lhe desferia com os punhos.

A cacheada logo adequou-se à situação. Escondeu o rosto com os antebraços e logo respondeu. Baixou o corpo quando levava um soco direto, passando por debaixo do braço da adversária e revidando com o mesmo golpe, acertou-lhe a face alva e limpa com o punho cerrado, fazendo a mesma curvar-se brevemente para trás e logo depois cambalear gemendo.

Astrid afastou-se de olhos fechados, segurando o nariz vermelho com os dedos femininos, sentiu algo quente e molhado escorrendo do mesmo, se enfureceu quando descobriu que era sangue.

A celta a olhava com o rosto ferido e o cenho franzido, cuspiu um pouco de vermelho e a encarou, expressando em seus azuis olhos hostis que estava disposta a lutar pra valer.

Aproximaram-se de novo para brigar, mas de repente os mestres de ambas surgiram, abraçando-as por trás, segurando-lhe os braços, tentando afasta-las.

— Parem! As duas! Dissemos que era para ser um competição amigável, não uma luta até a morte!

Antes de serem agarradas, a loira tentou acertar um soco em Merida, que desviou e depois que ambas foram detidas pelos professores, a ruiva ainda acertou um chute na face da oponente.

Talvez Astrid estivesse disposta a parar a briga por ali, mas não se levasse o último golpe. Uma gota de seiva carmesim escorreu pelo canto esquerdo de seu lábio grosso, logo depois rangeu os dentes até que dessem um estalo e decidiu seguir lutando.

Conseguiu soltar um dos braços do aperto forte do professor, e com um golpe rápido acertou-lhe uma cotovelada de costas, atingindo-lhe o nariz, que fez um desagradável barulho, e assim se viu livre do mesmo, que agora gemia de olhos fechados colocando as mãos sobre a área atingida.

Mas não parou ali, acertou-o com as pontas dos dedos a traqueia em um golpe perigoso e mortal entre os antebraços erguidos. A vítima do ataque tirou as mãos da face vermelha e suja de sangue, colocando-as no pescoço, estando sem ar. Por fim, Astrid pulou, acertando-lhe o peito com os dois pés brancos e descalços, fazendo-o cair para trás, fora da área de luta, incapacitado em meio ao seu trauma respiratório.

A ruiva viu o ocorrido, sabia que a loira iria atrás dela depois daquilo, e queria enfrentar aquele desafio, mas não poderia com o professor ali, e também sabia que sua inimiga atacaria qualquer um de forma imprudente, até mesmo outro professor.

No fundo sabia que aquela garota não derrotaria seu professor sem um elemento surpresa, mas se convenceu por um segundo de que aquilo era possível, então decidiu agir.

— Desculpa por isso professor!

— Pelo quê?

Com os braços ainda presos, mordeu o dedo do mesmo e o puxou com os dentes, o mesmo gritou de dor, soltando-a. Ainda de costas para o mesmo, a cacheada chutou-lhe com força entre as pernas, fazendo-o se curvar e acertou-lhe ainda uma joelhada no nariz, fazendo-o desabar de costas, fora do lugar de luta, onde rolava para trás.

Quando voltou-se para Astrid. Viu que a mesma já havia levantado, e estava ali, a pouco menos de um metro, tentando acertar-lhe o rosto com um chute alto.

A escocesa afastou-se, protegendo-se do golpe com as mãos e correndo para o meio das almofadas azuis.

Agora, de longe uma para a outra, encararam-se, com raiva nos olhos, o rosto já meio ferido e ensanguentado.

— Você queria me deixar irritada?! Pois parabéns, você conseguiu! – disse a loira, então voltou-se à gangue e falou – Pessoal! Fiquem fora dessa luta, ela é minha! Mas podem esmagar qualquer aluno bom samaritano que tentar interferir.

Seus amigos se sentaram sorrindo, agora estavam amenos, e queriam ver aquela luta.

Merida não respondeu nada, apenas fez um discreto sinal da cruz com o rosto sério e beijou os dedos. Algo que fazia sempre que ia brigar sério.

Astrid sorriu com desdém.

— Você é esperta! Já começou a rezar pela sua vida!

— Estou rezando pela sua alma! Você pode estar bem próxima de encontrar Deus.

— Uma cavaleira de Cristo. Eu sou da Noruega, tenho origens escandinavas, meus antepassados eram vikings! Sabe o que os vikings faziam com os cristãos?! É o mesmo que eu vou fazer com você!

— O que tem de tão especial no vikings?! “Ui! Olha só pra mim! Eu invado vilas mal protegidas, saqueio igrejas, incendeio casas humildes e catedrais, mato gente inocente e indefesa e violento mulheres! A maioria das minhas vítimas eram pessoas que nem sequer sabiam usar uma arma! Como eu sou forte e corajoso!”.

— É isso o que você acha? Os vikings eram guerreiros tão habilidosos que seus amados reis cristãos contratavam eles para lutar em seu exército! Nós fizemos exércitos inteiros de cristãos pedirem arrego nas nossas mãos!

— É... Mas ainda assim os vikings deixaram de existir! Nós não! Existimos até os dias de hoje. É que nem a história de São Bonifácio e a Árvore de Natal. Ele derrubou um pinheiro que os escandinavos consideravam sagrado em homenagem à Thor e plantou um pinheiro no lugar porque ele apontava para o céu. Os vikings mataram ele depois, mas a árvore continuou no chão.

— A Era Viking está voltando! – falou Astrid posicionando-se para lutar.

— E vai acabar outra vez! – respondeu Merida posicionando-se também.

Se encararam. Sentiam em seus ouvidos as batidas fortes do coração, atuando na situação como tambores de guerra.

Os alunos e a gangue da loira observavam o que estava prestes a acontecer. Os professores agredidos jaziam caídos inocentes sobre o chão, tentando reaver as capacidades de seus corpos com terríveis traumas físicos, mas ainda assim, distintamente prestavam atenção nas lutadoras.

A ruiva e sua inimiga se olhavam com dureza nos rostos e violência no olhar. Esperavam para ver quem daria o primeiro golpe. No fundo, ambas relutavam em começar. Aquela briga já não era apenas por Soluço, mas pela honra de ambas.

A escandinava de repente sentiu sabor de sangue na boca, foi o suficiente para reacender sua ira, assim desferiu o ataque que iniciou a luta.

Tentou atingir a cacheada com outro chute alto, mas a escocesa defendeu com facilidade com os antebraços, que suportaram a violência, a celta revidou então com o mesmo golpe, mas a norueguesa defendeu também.

Começaram a tentar se acertar sem escrúpulos, mas os reflexos de ambas eram precisamente apurados, e mesmo a uma curta distância conseguiam se proteger, embora os membros começassem a doer. Chegaram a se acertar algumas vezes, mas ambas reprimiram os gemidos.

De repente, Merida agarrou Astrid pelas roupas rangendo os dentes, uma gota de sangue escorrendo de sua testa e uma pequena mancha vermelha no canto esquerdo dos lábios. Começou a empurrar a adversária, tentando colocar o pé atrás das pernas da loira para assim derruba-la novamente.

A escandinava não demorou muito a entender tal tentativa enquanto recuava, logo reagiu.

Pulou, agarrando o braço direito da escocesa com as mãos e as pernas, uma delas encaixada no pescoço da ruiva, caiu no chão, fazendo sua adversária passar por cima de seu corpo e cair de costas nas almofadas gemendo, realizando assim uma ude hishiji juji gatame quase perfeita.

Quase porque a cacheada segurou o braço por tempo o suficiente para reagir. Se não o tivesse feito Astrid teria lhe quebrado o mesmo sem hesitar.

Com as mãos da inimiga ainda ao seu alcance, a celta agarrou-lhe os dedos e torceu com toda a força, libertando-se parcialmente, pois a loira ainda lhe agarrava o pulso com firmeza com a outra mão.

Merida aproveitou o segundo que teve, puxou ainda o braço e empurrou a perna da norueguesa de seu pescoço, assim, se libertando e lançando-se sobre o corpo da mesma, entre suas pernas, pressionando-lhe o tórax com o cotovelo. A face de ambas ficaram a uma curta proximidade.

A escandinava reprimiu novamente um gemido enquanto tentava empurrar o osso duro de suas costelas com as duas mãos, mas não tinha força o suficiente naquela posição para empurrar o corpo da inimiga.

Melequento olhou preocupado para a namorada, assim como os demais membros do grupo e dos alunos da escola de Astrid.

A loira sentiu a respiração falhar um pouco, e assim decidiu reagir da maneira que podia. Ainda empurrando com a mão direita, usou a esquerda para esmurrar a ruiva de mal jeito. Acertando-lhe o corpo magro, exatamente nas costelas, nos lugares mais sensíveis.

A cacheada novamente segurou um soluçado e seguiu empurrando o cotovelo sobre os ossos da norueguesa.

A escandinava tentou outro plano desesperado, agarrou-lhe a orelha direita e a puxou com toda a força para o lado. A celta tentou resistir, mas cedeu à dor, sabia que Astrid não hesitaria em mutila-la.

Merida acabou rolando para o lado, libertando-a, segurando o pulso da mão que ainda lhe puxava a cartilagem.

A loira ajoelhou-se tendo a escocesa deitada presa em sua mão e começou a revidar a dor de suas costelas, socando seu rosto repetidas vezes, enquanto a ruiva tentava se ajoelhar também, ao mesmo tempo que buscava de maneira não muito bem sucedida proteger-se dos socos com o antebraço esquerdo.

Então a cacheada puxou a pele da norueguesa para mais perto de seus dentes, e mordeu seu braço com toda a força.

A escandinava dessa vez gritou alto e começou a puxar com mais força. E ambas se encontraram em um impasse, Astrid tinha vantagem ao puxar a orelha da celta, e Merida tinha vantagem em morder a inimiga, mas se ambas continuassem iriam continuar se ferindo.

A loira acabou cedendo primeiro, soltando a orelha da escocesa e tentando recuar o braço, a ruiva afastou-se da mesma assim que se libertou.

Massagearam as partes vermelhas de seus corpos, um segundo depois se olharam, encarando-se ofegantes e suadas, com os quimonos brancos amassados.

Os espectadores estavam assustados, não esperavam tamanha violência, pela face das lutadoras, nem elas mesmas esperavam.

Assim como Jack e Hans, assumiram um acordo não verbal de dar um tempo, começaram a arrumar as roupas.

Enquanto refazia o nó na faixa, a cacheada começou a sussurrar para si mesma: “No dia mais claro, na noite mais densa...”.

— O que você está falando?! – questionou a norueguesa com tom de voz elevado.

— Não é da sua conta! – gritou a celta.

— Eu já vi o Soluço dizendo algo parecido! Qual é?! Gostou mesmo daquele inútil?!

— O Soluço não é inútil!

— Então você é a única que pensa assim!

— Consigo pensar em mais pessoas que pensam assim sem fazer esforço!

— Então são uma minoria de nada!

— É, e essa minoria está te dando uma surra!

— E como vai a sua orelha?!

— Bem melhor do que as suas costelas!

Pararam em silêncio se observando com os cenhos franzidos.

— Essa é uma daquelas babaquices de super herói que aquele idiota gosta não é?!

— E se for?!

— Eu acho que qualquer um é melhor do que isso! Melhor do que aquele idiota!

— Normalmente eu ameaçaria você por chamar ele assim. Diria que quebraria seus dentes, mas essa é uma realidade bastante próxima então não vou dizer.

— Qual é o seu problema?! Como pode gostar tanto daquele estúpido?!

— Como posso gostar dele?! Por que vocês não gostam dele?! Por que o odeiam tanto?!

— Não o odiamos, apenas o tratamos como ele é! Um estorvo inútil!

— Para de falar assim dele!

— Por quê?! Se você não viu ele não se incomoda, eu chamo ele assim desde sempre, especialmente quando ele se declarou pra mim! Eu já chamei ele de coisa pior e ele nunca disse nada!

O coração nobre da celta parou por um instante, enfureceu-se e começou a se incendiar de raiva. Jurou uma justa vingança naquele segundo. Os olhos claros de Merida refletiram a decisão de seu coração sublime que buscaria por justiça.

— Vou fazer você se desculpar!

— Eu quero ver você tentar! – respondeu sorrindo e se posicionando novamente para lutar.

A escocesa correu de volta para a batalha, mais ávida do que jamais esteve. Os olhos azuis furiosos e os dentes brancos rangendo em sua face ferida com marcas de sangue.

Tentou acertar um soco, mas a escandinava desviou, o mesmo passou raspando em seu antebraço erguido. Revidou, mas a ruiva também desviou, e assim seguiram lutando. Trocaram socos furiosos e desordenados.

Astrid encontrou uma brecha e atingiu novamente a face da adversária, fazendo-a gemer, acertou ainda outra vez. A cacheada virou o corpo como se fosse cair, mas na verdade ergueu o pé em um arco veloz, acertando em cheio a face da loira, que rodopiou cambaleando para trás.

A celta sorriu ao ver seu feito, correu de novo na direção da inimiga e tentou acertar outro golpe, a norueguesa conseguiu segurar-lhe o pulso, mas Merida teve uma reação rápida, pulou e a chutou com os dois pés, fazendo-a cair para trás, rolando no chão e caindo sentada, gemendo. A escocesa também caiu com o traseiro no chão, mas se ergueu no mesmo instante e correu de volta para lutar.

Quando a escandinava se ergueu foi recebida com um soco rápido e firme no peito, acertando em cheio suas costelas. Gemeu alto quando sentiu a dor lancinante. Lembrou-se no mesmo instante de erguer os punhos, e partiu para a guerra.

Com golpes rápidos, avançou em direção à ruiva, fazendo-a recuar, tendo dificuldades em acompanhar sua investida veloz.

A cacheada sentiu algumas bordoadas na face, sentiu o nariz sangrar, e de repente sentiu uma terrível joelhada em suas costelas.

Não reprimiu o gemido dessa vez. Seu corpo magro contorceu-se para o lado que fora atingido. Mas logo depois reagiu com um soco no queixo da mesma.

Astrid recuou cambaleando e gemendo, sentindo dor e segurando o mesmo.

A celta também recuou gemendo colocando a mão esquerda sobre as costelas de sua destra.

Nenhuma delas podia negar que estavam enfrentando oponentes de peso.

— No dia mais claro, na noite mais densa, o mal sucumbirá ante a minha presença...

— Para de dizer isso!

— Cuida da sua vida!

— Qual é o seu problema?! Por que você fica repetindo essa besteira?!

Merida a olhou em silêncio, franzindo o cenho, sua face alva manchada de sangue e o suor lhe escorrendo pela têmpora.

A loira bufou com desprezo, sorrindo com desdém.

— Fala sério! Você precisa ficar recitando um poeminha patético e idiota pra se achar forte?! Isso é ridículo! Mas até que eu não te julgo, se eu não tivesse origens escandinavas eu também iria me sentir fraca ao ponto de precisar disso...

— Como é que é?!

— Pelo menos eu tenho em quem me inspirar! A mulheres nórdicas eram duras na queda e até podiam participar das expedições marítimas! Já ouviu falar das skjaldmö?!

— Já ouvi falar sim! Guerreiras fictícias da mitologia nórdica, encontradas em contos épicos!

— Não são fictícias! – gritou a escandinava raivosa, os cabelos dourados e suados balançando raivosos.

A escocesa sorriu com os lábios feridos ao notar a fúria da inimiga.

— Não, tem razão, são reais, tão reais quanto Lagertha e Brunhild e as valquírias que buscavam os espíritos dos mortos no campo de batalha e os levavam até o cobiçado Valhalla!

— Eu vou matar você! – gritou correndo até a mesma e tentou acertar-lhe um soco, porém, a ruiva desviou e conseguiu abraça-la por trás pela cintura magra, e assim ergue-a derrubando a oponente atrás de si, jogando-se no chão com a mesma.

Astrid notou o que ia acontecer um segundo antes, e ágil, conseguiu se proteger da queda com os antebraços brancos.

O golpe certeiro e surpreendente não a feriu, uma vez que estava sendo protegida pelas almofadas azuis, mas sentiu-se um tanto atordoada, aquilo jamais lhe havia acontecido antes.

— Eu tenho origem celta! Nós sim tínhamos guerreiras impressionantes! – falou se levantando do chão, olhando-a diretamente nos olhos azuis confusos, um sorriso no rosto sujo – Já ouviu falar de Boudica?! Ela destruiu duas colônias romanas!

— É, já ouvi falar, também ouvi falar que ela perdeu para os romanos que se reagruparam à tempo! – disse ofegante, suada, se levantando, colocando-se em posição de luta – Eu também ouvi falar que ela ficou viúva e que ela, junto das filhas também foram violadas antes disso tudo. E que no final, ou ela se matou, ou morreu doente! Grande heroína!

A cacheada sentiu uma terrível fúria mortal crescer dentro de si ao ouvir aquilo.

— Nós aterrorizamos Roma! – contra argumentou.

— É, mas isso foi antes dela se tornar um império, e quando se tornou os celtas foram exterminados!

— Mas ainda assim, tivemos Boudica, Viriato, Vercingetórix! Guerreiros que deram dor de cabeça à Roma.

— Sim! Mas todos morreram no final! Se os vikings tivessem enfrentado Roma, nós teríamos feito ela cair mais cedo!

— Fala sério! Se nem os celtas conseguiram derrotar os romanos, como os vikings fariam isso?! Roma mal caiu por causa dos bárbaros, e sim por causa de vários problemas internos e externos que estavam muito difíceis de acompanhar.

— Os celtas eram só uns doidos que penteavam os cabelos para trás descoloridos, pintavam a pele de azul enquanto lutavam peladões! Os vikings sim eram guerreiros de verdade! Aliás, não deveria estar lutando nua e pintada de azul com o cabelo para trás descoloridos?!

A celta corou o rosto branco e sujo por um segundo arregalando os olhos azuis.

— Nem todos eles lutavam nus! E eu sou mais fã da era medieval do que dos celtas!

— Piorou! A mulher medieval não tinha tanta liberdade do que a mulher celta! E só pra você saber Roma enfrentou civilizações muito mais primitivas do que eles, que nem os celtas, enquanto os vikings eram bem mais sofisticados com navios avançadíssimos, espadas lendárias e guerreiros que destruiriam qualquer falange romana! Nós derrotamos seus amados reinos cristãos cheios de castelos e armas mais sofisticadas do que de Roma!

— É, mas não sabiam manusear o metal que nem os celtas sabiam, e se rederam quando foram pegos pelo Rei Alberto! E só pra você saber, a Idade Média tem a minha querida Santa Joana d’Ark, que é mais do que qualquer soldadinho de brinquedo do norte da Europa!

— E no final ela foi capturada pelos ingleses! E foi...

— Mas não antes conquistar vários feitos militares, reconquistando vários territórios e virar o jogo! Quantas pessoas conhecem Lagertha e Brunhild?! Nenhuma donzela escandinava se compara à ela!

A loira franziu o cenho alvo e ferido sobre os claros olhos azuis e a correu na direção da mesma gritando!

Merida repetiu o gesto, mas de repente, foi agarrada pelas pernas, sendo erguida do chão, logo depois sendo atirada de volta ao mesmo. Não foi capaz de fazer muita coisa diante de tal investida.

A escandinava posicionou-se sobre a inimiga, uma perna de cada lado e começou a agredi-la com socos em sua face, mas a ruiva protegeu-se com os antebraços.

Vez ou outra era atingida na face, que era direcionada de um lado a outro, raivosa, rangendo os dentes e começando a sangrar pela testa.

Então, a cacheada realizou um movimento inesperado, colocou os antebraços no chão, nos lados de sua cabeça e ergueu o corpo para o lado gemendo, fazendo a oponente sair de cima da mesma, logo depois a atacou com um cotovelada que acertou em cheio a têmpora de Astrid, e a fez gemer alto enquanto se erguia e afastava com os punhos erguidos.

Sua inimiga se levantou, com a mão na têmpora, cansada e ofegante.

A celta parou por um instante, baixando as mãos, a olhando serenamente, pensando que talvez dariam um tempo novamente, mas vacilou e foi atacada pela loira que a agarrou pelos ombros e acertou-lhe uma cabeçada na testa.

Ambas gemeram, cambaleando para trás com as mãos sobre as áreas doloridas.

— Sua idiota! Você está mesmo fazendo tudo isso por causa do idiota do Soluço?! – gritou a escandinava, sentindo a cabeça latejar e com uma gota de sangue escorrendo pelo seu rosto.

— O Soluço não é idiota! Ele é uma boa pessoa! Um cara inteligente, honesto, gentil e honrado! E você vai se desculpar por tratar ele daquele jeito!

De repente Astrid sorriu, mostrou os dentes sujos de sangue, que conferiram à ela uma aparência que já não refletia sua beleza. Decidiu provocar.

— Ohw... Vai chorar bebê?! Então você está com raivinha? Tá com raivinha?

— É! Estou com raivinha sim! – respondeu a ruiva visivelmente furiosa e com o rosto sujo de sangue – Da mesma forma que sua mãe ficou com raivinha quando os marinheiros não pagaram pelos serviços dela!

A escandinava não esperava por aquela resposta. Seus olhos azuis se arregalaram em espanto. Os demais alunos atiçaram sua raiva ao rirem da resposta da escocesa.

— Vai pagar por isso! – disse a loira, então partiu para o ataque.

Ambas correram na direção uma da outra, ardendo em chamas, prontas a arrancar a espinha da oponente pela boca.

Astrid pulou tentando dar um chute alto, Merida tentou acertar um chute baixo, de forma involuntária acabaram desviando do golpe uma da outra.

Puseram-se de pé e tentaram acertar um chute alto, ambas acertaram a face uma da outra e caíram atordoadas no chão, mas se ergueram no mesmo instante.

Começaram a disparar socos violentos, mas ambas reagiam de forma ágil, então estavam com dificuldades para se acertar, desviavam dos golpes, defendiam, chegavam a acertas os pulsos uma da outra ou os punhos dezenas de vezes.

De repente conseguiram atingir um soco uma na outra, ambos os rostos ficaram desviados para a direção oposta de sua oponente, embora os olhos permanecessem fixos.

Afastaram-se, cambaleando, gemendo e ofegando, os ossos das mãos de ambas doíam, mas não o suficiente para que alguma delas desistisse.

Respiraram por um instante, mas logo voltaram a se atracar.

Começaram a atacar com chutes, altos, baixos, na região do tronco. Conseguiam se proteger com agilidade. Então, a partir de certo momento, começaram a se chutar repetidas vezes nas canelas, machucava as duas, mas não parariam tão cedo, tal qual uma competição para ver quem aguentava a dor por mais tempo.

Talvez a cacheada tivesse ganho, pois no meio da disputa fora enganada e levara outro chute certeiro no conjunto de costelas esquerdo, que estava intacto. Gemeu, mas revidou no mesmo segundo, chutando a escandinava na cintura com a sola de seu pé branco, fazendo-a cair para trás.

Merida colocou a mão sobre a dor do último golpe que levou e curvou o corpo magro.

Astrid caiu de costas, se não estivesse sentindo tanta dor, talvez houvesse colocado as mãos no chão e com o movimento das pernas impulsionado o corpo para frente, colocando-se de pé, mas não fez, ao invés disso, teve que virar o corpo para se empurrar de volta de pé.

Olhou a inimiga com a face suada e suja de sangue, os olhos azuis estavam furiosos e os dentes brancos rangiam.

A escocesa retribuiu o olhar, embora permanecesse com o corpo encolhido e segurando as costelas.

A loira correu até a ruiva, a cacheada ergueu o pé para repetir o chute, e a escandinava fez o mesmo.

Acertaram uma a outra na região da cintura, e ambas caíram para trás gemendo.

A plateia por um momento se compadeceu das dores da moças, inclusive a gangue de Astrid.

Por um instante ficaram assim, as duas lutadoras vestidas de alvos quimonos inocentes com perigosas faixas pretas na cintura, deitadas sobre o grande quadrado azul feito de almofadas, defronte uma para a outra, sem se encarar, olhando o teto cinzento enquanto se contorciam em meio a fraqueza e a dor de seus vários traumas físicos. Nos cantos os colegas observavam com empatia.

Merida e Astrid estavam fracas e ofegantes, começavam a limpar o sangue e o suor em suas roupas alvas, mas não importava o quanto limpassem a boca ou o nariz, o sangue não parava de escorrer.

Lentamente tentaram se erguer, mas ficaram de joelhos, sem fôlego. Embora a força de seus corpos tivesse se esvaído, a luta não havia acabado, e elas ainda tinham motivação para continuar, e assim fizeram.

Aproximaram-se e começaram a se bater, a força não era a mesma que antes, mas a resistência também não era, então não fazia muita diferença, acertaram socos uma na outra repetidas vezes, o esforço necessário fazia seus músculos queimarem e as bordoadas as deixavam cada vez mais atordoadas.

De repente, quando ambas ainda permaneciam de joelhos, a escandinava puxou a celta pelas roupas, derrubando-a no chão de bruços, que caiu gemendo, lançou-se sobre a mesma, deitou-se de costas sob ela e assim começou a sufoca-la com um mata-leão, ao mesmo tempo que prendia os braços de Merida ao tronco com um apertado abraço de pernas, que também lhe feria a pélvis.

A gangue de Astrid sorriu diante daquilo, esperançosos pela vitória.

A escocesa começou a sufocar, ficando vermelha, o sangue que escorria de sua boca e nariz não ajudava em nada, tentava se soltar, talvez se suas mãos estivessem livres conseguiria, mas não estavam.

— Hora de desistir ruivinha! – sussurrou a loira no ouvido da oponente – Devia ter ficado fora do meu caminho! E fala pro idiota do Soluço, que ele merece tudo o que a gente faz com ele e que ele é só um estorvo inútil que nem devia ter nascido!

Os olhos azuis da ruiva se arregalaram diante daquela terrível e injusta alegação. Brilharam em fúria e a cacheada finalmente encontrou forças para fazer algo que não cogitava antes. Forçou o corpo para o lado, tentando ficar de bruços sobre o chão, conseguiu, mas a loira não a soltou nem por um segundo, só o faria se sua oponente desistisse ou desmaiasse.

A celta conseguiu colocar um dos joelhos sobre o chão, mas seu corpo estava curvado e sua testa estava colada às almofadas. Se debatia para tentar se levantar, mas o peso de Astrid a desequilibrava, gemia, mas estava difícil, se encharcava cada vez mais em seu próprio suor e sufocava cada vez mais.

Melequento e seus amigos riram diante da cena, enquanto os outros alunos mal conseguiam olhar, outros pediam para que Merida desistisse, mas a escocesa recusou.

— Joana me dê forças! – rezou baixinho.

A ruiva conseguiu colocar o outro pé sobre o chão, e lentamente tentou levantar, enquanto fazia decidiu afirmar sua amizade com Soluço.

— No dia mais claro, na noite mais densa, o mal sucumbirá ante a minha presença... – a cacheada se erguia lentamente enquanto citava o poema, os alunos arregalaram os olhos diante daquilo, espantados, inclusive Astrid e seus amigos – Todo aquele que venera o mal há de penar, quando o poder da Merida Dun Broch enfrentar! – gritou o último verso quando finalmente conseguiu ficar de pé.

Os alunos da escola da celta aplaudiram-na quando viram a cena.

Merida agarrou os pés de sua inimiga, garantindo que não se soltariam, e pulou, lançando-se para trás, garantindo que seu corpo com pouco mais de cinquenta quilos caísse sobre a escandinava.

Astrid não esperava por aquilo, embora tivesse as almofadas para protege-la do chão duro, o impacto em seu dorso magro a fez perder o ar, da mesma o peso da escocesa sobre seu tronco e o impacto do mesmo sobre seus seios.

Foi mais do que suficiente para que a ruiva se libertasse e começasse a recuperar o fôlego, enquanto sua inimiga o perdia.

A cacheada ficou de joelhos, cuspindo sangue e puxando o ar com força, preenchendo os pulmões, com a mão sobre o peito, enquanto a loira estava deitada, inerte, tentando lidar com a dor e a falta de ar.

Passados alguns instantes, a celta achou que a luta havia acabado, mas para sua surpresa, foi atacada novamente, porém, desta vez, não baixou a guarda e conseguiu reagir de forma adequada, de maneira a jogar Astrid no chão e domina-la, estrangulando-a com as pernas e ameaçando quebrar-lhe o braço.

A escandinava se debateu e tentou, uma de suas mãos tentava soltar uma das pernas da inimiga através de puxões e socos, mas não conseguia fazer nada. A luta havia finalmente acabado, e Merida era a vencedora.

Melequento e os amigos da loira impeliram-se a erguer-se e ajuda-la, mas os demais alunos os cercaram e impediram, alguns por malícia, outros por reconhecer que a luta era justa e limpa.

A escocesa suada sorriu ao ver aquilo, também ficou satisfeita e aliviada quando notou que havia vencido.

Sua mente enevoada e entorpecida, que aos poucos voltava a ganhar luz recordou-se de algo indispensável, suas sobrancelhas alaranjadas saltaram quando seus olhos azuis arregalaram-se por um instante.

Voltou-se para os colegas de sua escola, que ainda assistiam sentados, alguns abraçando as pernas com os rostos um tanto assustado.

— Alguém pode por favor pegar a minha bolsa e trazer até aqui? – pediu de forma educada, como sua austera mãe houvera rigidamente ensinado.

— Ei! O que pretende fazer?! Solta ela! – gritou o namorado musculoso da derrotada, era alto e forte, mas nada que pudesse fazer contra os vários outros colegas que cercavam ele e seus amigos.

Alguns dos telespectadores atenderam ao pedido da ruiva, que os orientou com precisão a localização de sua bolsa nova e trouxeram de forma subserviente.

— Pega meu celular e encosta a tela no meu dedo! A senha é a minha digital – uma garota bem jovem, com cerca de doze anos, com os cabelos presos atendeu de forma obediente – Agora vai nos meus contatos e liga para um nome chamado “Soluço”.

— O que acha que vai fazer sua vadia burra?! – questionou Astrid ao escutar aquela outra orientação gentil.

Em resposta a cacheada apenas apertou um pouco as pernas atléticas, fazendo sua inimiga derrotada gemer.

— Larga ela! – gritou um namorado raivoso ao longe, mas sem ser atendido, e sendo ignorado.

A aluna que estava auxiliando a celta telefonou e o colocou no vivo a voz, diante dos lábios vermelhos de Merida.

Soluço estava só em seu quarto, usando uma camiseta verde escura e uma triste calça moletom cinzenta, às vezes tinha recaídas e sentia a dor da humilhação. No fundo queria que alguém fizesse algo a respeito daqueles jovens que viviam o difamando, para os outros e para si mesmo.

Estava sentando sobre a cama com os brancos lençóis disformes, o dorso magro apoiado na parede fria, lia um livro de fantasia, o papel branco e as letras negras refletiam em seus óculos limpos.

De repente, seu telefone tocou. Odiava quando isso acontecia, pois sempre havia o risco de ser seu pai, e sua criação o houvera impedido de rejeitar suas ligações.

Suspirou em silêncio enquanto puxava o aparelho vibrando de seu bolso folgado.

“Primeiro eles, agora meu pai...”, pensou praguejando.

Franziu o cenho quando viu a foto de sua bela amiga ruiva escocesa na tela acesa do celular. Talvez fosse engano, ela nunca o havia ligado, não precisava, mas também não tinha porque não atender.

— Oi, Merida?! Tudo bem?!

De repente ouviu gemidos de força vindo de vozes femininas, e estranhos gritos distantes, alguns bem familiares.

— Oi Soluço! Eu quero que você escute uma coisa! – disse ela com a voz sofrida e fazendo força – Coloca pra ela falar.

— Oi?!

— Fala! – disse Merida, agora com a voz mais distante, mas perceptível.

— Merida, o que está acontecendo?!

— Nunca! – disse uma voz sofrida.

O escandinavo demorou a reconhecer aquela voz familiar.

— Astrid?! – disse após alguns instantes de silenciosa investigação, estava chocado, jamais havia ouvido a voz daquela loira em tal tom – O que está acontecendo?! O que está fazendo junto com a Merida?

— Soluço! Você é um estorvo idiota e inútil!

— O quê?!

— Pede desculpas pra ele! Por tudo! – era a voz distante da ruiva outra vez.

— Prefiro morrer!

— Pede!

— Não!

— Pede!

— Não!

— Pede!

— N...

Ia negar novamente, mas sentiu seu braço quebrar, e no lugar de repetir, gritou de dor!

— Meninas! O que está acontecendo?!

— Não! Fique longe dela! – gritou outra voz distante, porém esta era masculina.

— É o Melequento?!

— Soluço! – disse a voz da escandinava sofrendo, metade pela dor, metade por aquilo estar ferindo seu ego – Me... Desculpa!

O castanho franziu o cenho diante daquilo, quem lhe fez o mal pedia seu perdão. Ansiava por aquele momento, mas não daquela maneira, na verdade, nem sequer imaginava que aconteceria algum dia. No fundo, aquilo o satisfez.

— “Me desculpa por tudo”! – advertiu a celta.

— Me... Desculpa... Por tudo! – gritou Astrid.

— Me coloca de volta na linha! Ouviu Soluço?! – perguntou Merida.

Tentou não sorrir ao responder.

— Ouvi, mas Merida, o que está acontecendo? Onde vocês estão?

— Pode desligar – disse a escocesa.

A linha havia sido desligada do outro lado.

O norueguês olhou para a tela do telefone após o fim da ligação. Seu cenho seguiu franzido e seus olhos verdes assumiram um verniz de preocupação.

+Deixou o livro de lado e saiu correndo do quarto. Não sabia do que se tratava a curiosa situação com as duas, mas sabia que não devia ser algo bom. Seu coração havia começado a acelerar;

Encontrou Rapunzel sentada no sofá da sala, brincando com Banguela.

— Punzie! Aconteceu alguma coisa com a Merida! Sabe onde está?

A loira voltou-se para o amigo, seus olhos verdes pacíficos perderam a paz ao ouvi-lo.

— O quê?! Por que acha que tem algo errado? – falou ajoelhando-se sobre a mobília, voltando-se totalmente para o escandinavo, as mãos alvas de dedos delicados sobre o dorso do mesmo, ao seu lado, o gato norueguês da floresta imitando-a.

— Ela me ligou! Está com a Astrid! Elas duas pareciam estar exaustas, talvez estivessem brigando – falou aproximando-se da mesma.

— Tem certeza?! – perguntou a alemã.

— Só sei que ouvi a Astrid gritando de dor!

— Ah, minha nossa! – levou a mão à boca.

— Sabe onde ela está?

— Ela entrou no meu quarto hoje cedo, eu me lembro dela me dizer que não íamos treinar hoje porque ela ia participar de uma espécie de competição na escola de artes márcias que ela frequenta!

Soluço se tranquilizou ao ouvir aquilo, significaria que apesar de tudo, ainda assim devia ter pessoas responsáveis regendo uma possível briga.

— Eu preciso ir até ela! Não posso deixar que a Merida se machuque minha causa, ou por causa dos meus problemas! – falou se virando.

— Soluço! Espera! Eu vou com você! Chama o Jack também! – falou já saindo do sofá e caminhando para o quarto.

— Não! Rapunzel! Isso é algo que eu tenho que fazer sozinho! – falou voltando-se para ela, e ficaram cara a cara, em pé, defronte um para o outro.

— O quê?! – franziu o cenho sobre os olhos claros.

— É uma questão de honra! E outra! Se elas realmente saíram no braço, e virem você e o Jack comigo, o que acha que vão querer fazer? Podem pensar que eu estou com medo de me aproximar deles sozinho, ou que como nossa amiga ruiva já iniciou uma briga, nós vamos lá pra tentar terminar! É a solução mais pacífica!

A alemã suspirou fazendo careta, mas tinha que reconhecer que seu amigo de óculos tinha razão.

— Tá! Mas eu vou te ligar! E ai de você se não atender!

O castanho sorriu para amiga.

— Vai se trocar! Eu vou explicar a situação pro Jack e pegar o cartão dele pra você pagar um táxi, ou um ônibus.

— Valeu, Punzie! – o norueguês respondeu sorrindo e caminhando até o quarto.

A germânica foi até Jack, explicou o ocorrido, e o russo aceitou de prontidão emprestar o cartão de seu avô para o amigo, não seria a primeira vez, e também, confiava nele.

O escandinavo vestiu uma jaqueta de frio verde escuro, calças jeans pretas e botas marrons, colocou seus óculos sobre os olhos claros e saiu despedindo-se de seus amigos e seu gato, enquanto pegava da mão do platinado um cartão azul escuro.

A primeira opção que apareceu para Soluço foi um ônibus lotado, então agarrou-se no apoio, e se pôs a pensar sobre o que de fato estaria acontecendo do outro lado da linha naquele momento.

No fundo, sabia que Merida era uma ótima lutadora, tão boa ou até melhor do que Astrid, mas longe de ser capaz de derrotar toda a gangue sozinha com as mãos nuas, afinal, alguns ali eram maiores e mais fortes do que ela, e tinham ótimo treinamento.

Um frio doentio e temeroso começou a se alastrar dentro de seu corpo magro, temia pela segurança e bem estar da amiga ruiva, e uma culpa avassaladora começou a pesar sobre seus ombros.

Passou quase toda a viagem com o olhar voltado para baixo, mesmo enquanto seu corpo jovem balançava de forma involuntária por causa dos leves solavancos do veículo.

A escocesa havia discutido com o exército de zombeteiros privilegiados pela posição de intocável que possuíam diante do castanho, ainda que aquilo pudesse lhe oferecer sérios riscos à saúde física, psicológica ou até mesmo mental. Provavelmente havia acertado um soco naquela que mais feriu seu coração, apenas por sua honra.

Chegou a se questionar o que ele havia feito por ela até aquele momento. Então as recordações de ver as curvas da cacheada no banho e depois na foto lhe veio à mente, sentiu-se abruptamente envergonhado e esmorecido. Devia retribuir.

De repente, seus olhos verdes lentamente se ergueram por baixo das lentes limpas dos óculos, refletindo a decisão de sua alma.

No colégio não houveram muitas lutas após a batalha mortal de Merida e Astrid, apenas algumas desavenças.

Os professores aos poucos se recuperaram dos traumas físicos e respiratórios, e foram auxiliados por seus fiéis alunos, que também fizeram questão de segurar os amigos e o namorado da loira derrotada quando partiram em direção à ruiva vencedora, que por mais que fosse a vitoriosa, não estava em condições de lutar.

A escocesa ficou por um tempo ficou ajoelhada, as mãos alvas e suadas apoiadas no chão, entre suas pernas, a cabeça baixa, recuperando o fôlego, os olhos fechados em exaustão.

Astrid acabou sendo acolhida por Melequento, estava silenciosa e encolhida, segurando o braço quebrado, o rosto envergonhado e esmorecido no peito do namorado, e os amigos a cercando.

Quando finalmente conseguiu se levantar, foi aos frangalhos até seu mestre e fez mesura, se desculpando pelo que havia feito. Sentiu-se mal ao notar que escorria sangue de seu nariz.

Os professores de ambas disseram que teriam que falar com seus pais a respeito de todo o ocorrido. A loira baixou a cabeça envergonhada e abatida, sua inimiga não ligou muito.

Então, a celta foi tomar banho, limpou o sangue e o suor de seu corpo, depois vestiu de volta suas roupas comuns. A escandinava fez o mesmo, mas precisou da ajuda de Heather e Cabeça-Quente para se banhar e se vestir.

No final, os professores trancaram a escola e foram para casa em seus carros, os alunos ficaram todos do lado de fora conversando sobre tudo o que aconteceu, aos poucos seus pais iam busca-los, outros estavam esperando um táxi ou um ônibus passar.

Era fim de tarde, e por alguma estranha razão o dourado sol poente estava perfeitamente visível no céu, iluminando a todos com o belo brilho de seu ouro naquela cidade invernal, fazendo longas sombras no chão frio e claro.

Naquele momento, todos os alunos foram embora, exceto Astrid, seus amigos, e sua inimiga.

A gangue observava Merida com a face totalmente fechada, apenas sua oponente demonstrava um rosto mais ameno, pois se sentia desmoralizada enquanto segurava o braço pendurado. Melequento liderava aquela comitiva raivosa, o peito forte estufado e o rosto erguido, sentia a vontade ardente de se vingar. Seus punhos fortes se fechavam provocando estalos.

A ruiva estava com o dorso magro curvado para frente, segurava suas costelas do lado esquerdo ao mesmo tempo que encarava a gangue com olhar venenoso e afiado. Mesmo depois de tudo, ainda escorria linhas vermelhas de seu nariz e do canto de sua boca, aquilo poderia quebrar sua pose de firmeza, mas na verdade, apenas lhe deu um ar maior de perigo.

Apesar de tudo, o instinto iria os impelir a brigar ali mesmo.

— Merida?! – chamou uma voz familiar.

Todos voltaram-se em direção à ela, ficaram surpreso ao notar parado em pé ali, um Soluço confuso, com o pôr do sol refletido em seus óculos.

A cacheada ficou de frente para ele. O castanho olhou silencioso em direção à escocesa, cujo corpo magro estava escuro por causa penumbra, curvava-se por conta de suas dores enquanto mantinha a mão esquerda nas costelas destras. Escorria sangue de seu nariz e boca, e seu olhar cansado expressava seu sofrimento, porém, sorria, e este era genuíno. Enquanto isso, o grande sol dourado se punho em suas costas.

— Oi Soluço!

— Merida! Ai meu Deus! O que aconteceu?! – perguntou aproximando-se da mesma, erguendo os braços agasalhados para tentar socorre-la.

— Soluço! – chamou Melequento, chamando a atenção do primo que observava o estado da celta.

O rapaz de óculos olhou-o assustado. O musculoso continuou.

— Sua amiga bateu na minha namorada!

O filho de Stoico olhou Astrid, que estava escondida entre os amigos, havia uma grande nuvem de vergonha sobre seus cabelos louros. Olhou para Soluço por um momento, mas desviou o rosto logo depois.

Depois olhou Merida e respondeu: “Eu acho que elas lutaram, e não que uma simplesmente bateu na outra.”.

— Não importa! Eu vou acabar com ela! –

Melequento começou a se aproximar dos dois amigos, mas o castanho reagiu rapidamente, correndo e se colocando na frente de da ruiva, erguendo as mãos de dedos magros, fazendo o primo parar.

A cacheada arregalou os olhos ruborizando diante daquilo, afinal, jamais se viu em tal condição, tão indefesa, e jamais imaginou outra pessoa se colocando diante de si para protege-la.

O garoto de cabelos negros era mais alto e mais forte do que seu amigo de óculos, e mesmo assim, se colocara à frente dele por ela. Tentou não ficar feliz, nem se alivia por aquilo, mas seu instinto humano era mais forte.

— Espera! A Merida também está machucada! E a Astrid também é muito bem treinada! E as duas têm basicamente o mesmo peso! Tenho certeza de que foi uma luta justa!

— É isso aí Nojento, dá o fora! – falou a cacheada atrás do filho de Stoico.

— Cala a boca ruiva! E Soluço! Sai da minha frente! – falou aproximando-se do mesmo, olhando-o de cima com olhar ameaçador em seus olhos azuis.

— Sabe que não posso fazer isso! – ergueu a face para olha-lo nos olhos.

— Mas também não pode se opor à mim, à qualquer um de nós! – Soluço esmoreceu ao ouvir aquilo, era verdade – Não quer que a gente fale de você para o seu pai! Quer?! Sabe, hoje os pais brigam com os professores ao invés de brigar com os filhos por causa de notas baixas, mas Stoico é da velha guarda, ele vai chamar é a sua atenção, não importa o que ele ouça de quem! Não importa nem se é verdade! Você quer mesmo lidar com isso?! É claro que não quer! Então saia da minha frente! Um cara não pode fazer nada contra alguém que machuca a namorada dele!

A escocesa ouviu o monólogo de Melequento, não havia percebido como o que fez iria se refletir em Soluço, baixou os olhos azuis raivosos se sentindo culpada.

— Bateria em uma garota?! Uma garota que já está machucada?!

— Essa garota quebrou o braço da Astrid! Isso não vai ficar assim! – voltou-se para gangue que assistia em silêncio – Aliás, não quero que ninguém interfira!

— Foi assim que chegamos à isso – comentou Cabeça-Quente cruzando os braços.

— É, mas agora é diferente! Não tem a menor chance do Melequento perder pro Soluço! – censurou Cabeça-Dura.

O garoto de óculos os ignorou e respondeu.

— Era uma luta justa! E homem não bate em mulher! O que sua mãe acharia...

— Soluço deixa ele! – interrompeu a celta.

O castanho arregalou os olhos verdes sob as lentes claras ao ouvir aquilo, voltou-se para a mesma, dando as costas ao primo.

— O quê?! Do que você está falando?! Eles vão te matar!

— Na verdade só eu vou matar ela! – corrigiu Melequento cruzando os braços.

— Você mal consegue ficar de pé! Não está em condições de se defender!

— Tá tudo bem! – Merida sorriu – Eu sei como é ter problemas com um pai, e eu sei como quer evitar isso! Eu não o julgo, e faço o que for necessário para evitar outro episódio de show de horrores com o seu pai! Eu não imaginava que brigar com eles iria dar outro problema, me desculpe...

— Merida...

— E também, relaxa, ele não vai me matar de verdade, vai só me bater um pouquinho, não é nada que eu não possa aguentar!

O filho caçula de Stoico passou um instante em silêncio, uma insegurança nítida havia se instalado em seus olhos verdes. Por um lado, não queria que a amiga se ferisse ainda mais, por outro, não queria ter que lidar com o pai.

A ruiva o olhava sorrindo e de forma serena, nitidamente não ligaria de sofrer por um amigo.

Soluço olhou dela ao primo repetidas vezes, indeciso e ansioso. Até que finalmente o rapaz mais alto perguntou com os fortes braços cruzados e voz ameaçadora: “E então Soluço, vai sair da frente ou não?!”.

Foi o golpe de realidade que precisava. Imediatamente sua mente ficou branca e recobrou a razão. Parou, franziu o cenho algo e jovem e seus olhos claros ficaram extremamente sérios! Encarou Melequento de maneira nunca havia encarado ninguém.

— Não! – respondeu em tom firme.

Todos arregalaram os olhos diante da resposta do magro e baixo Soluço. A cacheada corou como jamais havia feito. O garoto de cabelos negros franziu o cenho, estranhando aquela postura. A gangue trocou alguns olhares.

Um instante de silêncio se seguiu, ouviram apenas o som do vento.

— O quê?! – perguntou o mais alto.

— Se quiser ela, você vai ter que passar por mim!

— Soluço! – chamou a escocesa em tom de aviso, tentando puxa-lo pelo braço, para fazê-lo mudar de ideia, mas o mesmo puxou o membro de volta e seguiu encarando a gangue.

O grupo se olhou, e de repente riu. Os dois amigos viram aquilo sem achar graça.

Após o fim das risadas, Melequento fez um movimento rápido, acertando a face do mais baixo com um soco, que caiu no chão rapidamente com um baque na calçada.

— Soluço! – chamou a ruiva, tentando socorre-lo.

A gangue riu de novo. Astrid sorriu de leve ao vê-lo caído no chão, e sua amiga o chamando.

O garoto de cabelos negros aproximou-se da mesma, que se preparou para lutar ao vê-lo se aproximando, antes não pretendia, mas aquela cena fora o suficiente para faze-la mudar de ideia. Ergueu o punho enquanto rangia os dentes parcialmente manchados de sangue.

Mas para a surpresa de todos, o castanho se ergueu novamente, meio atordoado e com o rosto alvo ferido, empurrou o primo para longe batendo as duas mãos magras em seu peito forte, e ficou de novo entre eles.

— Soluço, por favor! – implorou a cacheada, mas o garoto de óculos não a atendeu.

Após recuar, Melequento sorriu com desdém. Toda a gangue estava impressionada com sua determinação incomum.

— Soluço! Você não é homem o bastante para me enfrentar!

— Ah é?! E por quê?! Porque eu gosto de super heróis?! De quadrinhos?! De animes?! De mangás?! De mitologia?!

— Não, na verdade teria a ver com o fato de que você é um fraco peso morto, em todos os sentidos da palavra.

— Na sua opinião!

— E na da Astrid, na do seu pai, na do Nolan, e de todo mundo aqui, talvez exceto essa ruiva e a sua mãe, mas elas duas são estranhas mesmo, e Bocão, mas nós sabemos que ele é exceção à regra.

— E o que eu teria que fazer para mudar a sua opinião a meu respeito?! – perguntou o caçula de Stoico com tom raivoso e zombeteiro – Abrir os links daqueles vídeos nojentos que você me mandava daqueles sites eróticos?!

A escocesa arregalou os olhos azuis diante daquela alegação.

A gangue inteira se silenciou diante daquilo.

Soluço olhou para Astrid, cujo rosto estava já bem esmorecido, perguntou com o rosto sério: “Você sabia?!”.

A namorada de Melequento baixou o olhar, um tanto envergonhada.

— Vocês deviam se envergonhar! Aposto que ele ainda consome esse tipo de coisa, e que você deixa! Ele olha outras mulheres nuas e você age como se isso fosse natural! Ainda mais em um relacionamento!

— Mas e você Soluço?! Quem sabe se você fosse um pouco mais como eu seu pai não iria ter um pouco mais de consideração pela sua pessoa?! Talvez por isso ele te ache tão estranho e diferente! Ele te acha é uma bichinha! E olha, as idiotices que você gosta tem um material bem interessante nesse sentido, e mesmo assim você rejeita! Não é à toa que ele te rejeita também!

O castanho aproximou-se do primo, e olhando no fundo de seus olhos prosseguiu: “Eu não sou você! E eu não ligo para o que vocês ou o meu pai pensa a meu respeito! Eu não vendi a minha honra em troca de um vício barato! Eu pelo menos posso morrer sem sentir culpa, mas e você?!”.

— Acha que eu ligo pra isso?!

— Eu não sei! Mas de uma coisa eu sei, posso não se homem o bastante, mas mesmo assim, sou mais homem que você!

A celta que seguia atrás de Soluço sorriu ruborizando ao ouvir aquilo. Ter conhecimento de que o garoto de óculos rejeitava conteúdo erótico, embora tivesse vários estímulos, provocou na mesma uma admiração. Esqueceu-se definitivamente do episódio do banheiro. Aquele se tornaria apenas um momento engraçado de sua vida.

Melequento e sua gangue arregalaram os olhos e ficaram de boca aberta. O filho de Stoico afastou-se do garoto de cabelos negros e agarrou Merida pelos ombros femininos, conduzindo-a para longe dali, salvando-a de qualquer outro ato de violência.

— Você quer mesmo lutar comigo Soluço?!

— Não vou brigar com você! – gritou enquanto caminhava de volta para a casa de Norte.

— Eu te deixo dar o primeiro golpe!

— Não! – a ruiva observava o amigo ficar com o rosto furioso.

— Anda! Me bate! Você está louquinho pra isso!

— Cala a boca Melequento! – apressou o passo.

— Ah, vai fugir?! Estão vendo isso?! Vou falar pro Stoico que o filho dele é um covarde!

Aquela fora a gota que fez o copo transbordar. Soluço parou, largou os ombros da cacheada que seguiu o observando em silêncio, não pretendia intervir sabia que aquela era uma questão de honra. Voltou-se para o garoto alto e caminhou na direção do mesmo.

O rapaz de cabelos negros sorriu diante daquilo com olhar provocativo.

— Ótimo! Mas lembre-se! Você que pediu! – falou o castanho, acertando-lhe o peito com o dedo indicador.

Melequento fechou os olhos sorrindo, erguendo os braços musculosos para os lados, abrindo o peito forte.

O punho magro do garoto de óculos acertou o queixo largo do primo, que não esperava por tamanha força.

A gangue se encolheu fazendo careta ao ver aquilo.

A cacheada vendo de longe saltou os ombros arregalando os olhos e abrindo a boca enquanto seguia curvada com a mão sobre as costelas doloridas. Lentamente sorriu.

O garoto de cabelos negros caiu para trás, acertando o chão, fazendo um baque.

No chão, o rapaz golpeado e de olhos fechados ainda falou: “Ai! Por que você fez isso?!”.

O filho de Stoico o olhou de cima com seus olhos verdes, agora mais apascentados em sua alva face ferida, contemplando seu feito. Derrotar pela primeira um antigo rival em sua vida, e de maneira tão significativa.

O grupo que assistia também o viu inconsciente sobre o chão frio e iluminado pela luz dourada do sol.

Um instante de silêncio surpreendente e aterrorizante se seguiu. Os amigos de Melequento estavam incrédulos com o que havia acontecido.

Até que de repente, comentários surgiram.

— Isso foi incrível! – disse Cabeça Quente pulando e sorrido.

— Quem diria que esse magricela quatro olhos tinha isso dentro dele! – complementou Cabeça Dura, compartilhando da alegria da irmã – Queria ter desfrutado desse momento, alguém estava filmando?! – perguntou voltando-se para os amigos.

Ainda no chão, Melequento, em meio aos gemidos conseguiu proferir: “Mãe, pai, o Soluço me bateu! Estou com sede!”.

E desmaiou definitivamente.

A gangue olhou Soluço com os olhos arregalados e as bocas abertas.

O castanho respondeu com seus pacíficos olhos azuis, com uma face mais aliviada, firmando uma silenciosa trégua.

Merida seguia observando de longe, aos poucos sorria, por um instante se esqueceu de suas dores. Estava feliz pelo amigo.

O garoto de óculos moveu o rosto ainda algumas poucas vezes, olhando para sua vítima caída e inconsciente no chão, e para os amigos da mesma, surpresos.

De repente agiu de forma indiferente, se afastando de vagar, balançando as mãos e dando leves palmas, até finalmente dar as costas para todos e voltar para junto de sua amiga ruiva.

Afastou-se em silêncio, e esperava que o mesmo permanecesse, mas para sua surpresa, Cabeça Quente gritou: “Aí Soluço! Você é um verdadeiro líder! Estamos prontos pra te seguir!”.

— Eu já vi alguns daqueles filmes que você assiste! E o seu punho é o martelo de Thor!

O filho de Stoico virou levemente o rosto para o lado, como se fosse olhar sobre seu ombro, mas não o fez, apenas seguiu caminhando para longe da gangue e perto da cacheada. Lentamente sorriu, pois sabia que pelo menos havia conquistado o respeito de seus rivais e a admiração dos gêmeos.

Assim, Soluço abandonou seus conterrâneos debaixo da agradável luz dourada do sol poente, onde os corpos jovens formavam sombras longas e claras sobre o chão.

A escocesa ainda encarou Astrid, que não manifestava simpatia. Quando o castanho se aproximou para lhe auxiliar a voltar caminhar, a celta de forma recatada recusou a ajuda, e caminhou como se nada houvesse lhe acontecido. Seu amigo norueguês não entendeu a princípio, mas permitiu que assim fizesse.

Assim a gangue sofreu uma grande derrota para os dois amigos, que cercados pela própria ruína, observava ambos partirem vitoriosos, embora feridos.

A loira ajoelhou-se com dificuldade para socorrer o namorado. Encarou Merida uma última vez.

O castanho e a ruiva caminharam para bem longe, até virarem pontos minúsculos sobre a calçada, até que a escuridão que surgia sobre a grande cidade pudesse aos poucos os esconder.

Porém, assim que viraram a primeira esquina, a cacheada desabou, exausta e ferida na parede.

— Droga! Vamos parar um pouco Soluço! Por favor! – falou inclinada com as mãos sobre os joelhos trêmulos – Ai que droga! – reclamou ao sentir novamente a dor nas costelas, voltando a tocar as mesmas.

— Desculpa Merida! Eu não queria que você se envolvesse nisso!

— Se toca Soluço! Nada disso é culpa sua! Eu escolhi chamar ela pra briga!

O escandinavo a observou em silêncio, por mais que soubesse que aquilo era verdade, não conseguia deixar de se sentir responsável.

— Sobe nas minhas costas. Eu te carrego – falou posicionando-se na frente da cacheada.

— Soluço! Tá tudo bem, eu só preciso parar um pouco para descansar! E outra, eu sou mais alta que você! Devo ser mais pesada também! Nada no mundo garante que nós não vamos cair!

Soluço voltou-se na direção da mesma, fechou o rosto e cruzou os braços.

— Eu vou relevar a insinuação de que eu não sou forte o bastante por causa da situação, mas só pra você saber, em outra circunstância eu teria me ofendido!

A escocesa fez uma careta sorridente para o castanho.

— Eu só vou te carregar até chegarmos ao ponto ônibus! Se a gente cair até lá você vai andando, mas eu juro que não vou deixar isso acontecer!

A celta seguiu o observando com receio.

— Para de ser orgulhosa! Você está muito machucada pra caminhar! E eu tenho certeza que estão carregando a Astrid também! E você quebrou o braço dela! Isso não faz ela melhor do que você!

Merida pensou um pouco diante do argumento, seus olhos azuis para cima e para o lado, então gesticulou a cabeça para o lado e o reconheceu como legítimo.

O norueguês posicionou-se novamente, a ruiva montou em suas costas, apoiando as mãos em seus ombros magros, o escandinavo manteve o corpo curvado e agarrou-lhe as pernas. Por um instante pareceu que ia perder o equilíbrio, mas manteve-se de pé. Começou a caminhar.

— Pode relaxar Merida! – disse enquanto andava.

— Tá bom! Se você insiste! – e assim deitou-se em suas costas, abraçando seu pescoço.

Soluço corou um pouco ao sentir os seios de uma moça bonita em seu dorso jovem.

A cacheada estava de olhos fechados, e pareceu não importar.

O céu voltava a ganhar um terrível aspecto cinzento enquanto escurecia, e as luzes brancas da cidade, começavam aos poucos se acender nos postes de luz pretos de metal, iluminando-os.

Enquanto caminhava, o castanho de repente chamou pela amiga, que abriu os olhos, fungando em resposta.

— Eu agradeço muito pelo que você fez, mas por favor, não faça isso de novo, eu não gosto te ver machucada desse jeito.

— Eu fico com seu agradecimento, mas respeitosamente rejeito sua recomendação. Eu nunca vou deixar ninguém tratar meus amigos daquele jeito, até porque fui eu quem venceu a luta.

O norueguês sorriu.

— Eu também queria agradecer por ter me protegido naquela hora, ninguém nunca fez aquilo por mim antes. Eu também devia me desculpar com você Soluço. O que eu fiz hoje com a Astrid e o que você fez com o Melequento em decorrência disso certamente vai te trazer muito problema com seu pai e muita dor de cabeça. Aliás, mandou muito bem naquele soco!

O garoto riu dessa vez.

— Obrigado! E relaxa, seja lá o que aconteça por causa disso entre mim e meu pai, valeu a pena, só pra proteger você!

A garota ruborizou e sorriu. Recordou-se das palavras do escandinavo, de suas decisões e atitudes, como a protegeu, manifestou-se contra coisas desonrosas. Apesar da estatura, Soluço de fato tinha honra, seria facilmente um cavaleiro.

O castanho também ruborizou, ao imaginar o quanto a escocesa havia sofrido apenas para defender sua dignidade.

— Soluço – chamou, o norueguês virou o rosto para a direção de seu lábios – Escuta, quando eu vi você com eles da primeira vez, você tirou os óculos e fingiu ser outra pessoa. Eu não gostei de ver aquilo. Nós gostamos de você do jeito que é, e eu não quero ver você fingindo nunca mais. Entendeu?

O escandinavo sorriu novamente, não se recordava se alguém já havia lhe dito aquilo antes, parecia uma ode ao seu jeito de ser.

— Entendi.

Seguiram caminhando sozinhos no meio do frio da noite de Filótes. Merida sendo carregada, machucada, mas confortável.

Uh huh, a vida é assim

Uh huh, life's like this

Uh huh, uh huh, é assim que ela é

Uh huh, uh huh, that's the way it is

Porque a vida é assim

'Cause life's like this

Uh huh, uh huh, é assim que ela é

Uh huh, uh huh, that's the way it is

Fica frio, por que você está gritando?

Chill out, what ya yellin' for?

Relaxe, tudo isso já foi feito antes

Lay back, it's all been done before

E se você apenas deixasse rolar, você veria

And if, you could only let it be, you will see

Eu gosto de você do jeito que você é

I like you the way you are

Quando estamos dirigindo seu carro

When we're driving in your car

E você está falando comigo cara a cara, mas você se torna

And you're talking to me one on one, but you become

Outra pessoa

Somebody else

Quando está perto dos outros

'Round everyone else

Você está se protegendo

You're watching your back

Como se você não pudesse relaxar

Like you can't relax

Você está tentando ser legal

You try to be cool

Você parece um idiota para mim

You look like a fool to me

Diga-me

Tell me

Por que você tem que ir e fazer coisas tão complicadas?

Why'd you have to go and make things so complicated?

Eu vejo a maneira como você está agindo como se fosse outra pessoa

I see the way you're acting like you're somebody else

Isso me deixa frustrada

Gets me frustrated

A vida é assim, você

Life's like this, you

E você cai, rasteja e quebra

And you fall, and you crawl, and you break

E você pega o que consegue e transforma em

And you take what you get, and you turn it into

Honestidade e me prometa que nunca vou te encontrar fingindo

Honesty and promise me I'm never gonna find you faking

Não, não, não

No, no, no

Você vem sem avisar

You come over unannounced

Vestido como se fosse diferente

Dressed up like you're somethin' else

Onde você está não é onde você vê

Where you are and where it's at you see

Você está me fazendo

You're making me

Rir quando faz sua pose

Laugh out when you strike your pose

Tire todas as suas roupas de mauricinho

Take off all your preppy clothes

Você sabe que não está enganando ninguém

You know you're not fooling anyone

Quando você se torna

When you become

Outra pessoa

Somebody else

Quando está perto dos outros

'Round everyone else

Você está se protegendo

You're watching your back

Como se você não pudesse relaxar

Like you can't relax

Você está tentando ser legal

You try to be cool

Você parece um idiota para mim

You look like a fool to me

Diga-me

Tell me

Por que você tem que ir e fazer coisas tão complicadas?

Why'd you have to go and make things so complicated?

Eu vejo a maneira como você está agindo como se fosse outra pessoa

I see the way you're acting like you're somebody else

Isso me deixa frustrada

Gets me frustrated

A vida é assim, você

Life's like this, you

E você cai, rasteja e quebra

And you fall, and you crawl, and you break

E você pega o que consegue e transforma em

And you take what you get, and you turn it into

Honestidade e me prometa que nunca vou te encontrar fingindo

Honesty and promise me I'm never gonna find you faking

Não, não, não

No, no, no

Não, não, não

No, no, no

Não, não, não

No, no, no

Não, não, não

No, no, no

Não, não, não (não, não)

No, no, no (no, no)

Fica frio, por que você está gritando?

Chill out, what ya yellin' for?

Relaxe, tudo já foi feito antes

Lay back, it's all been done before

E se você pudesse apenas deixar rolar

And if you could only let it be

Você veria

You will see

Outra pessoa

Somebody else

Quando está perto dos outros

'Round everyone else

Você está se protegendo

You're watching your back

Como se você não pudesse relaxar

Like you can't relax

Você tenta ser legal

You try to be cool

Você parece um idiota para mim

You look like a fool to me

Diga-me

Tell me

Por que você tem que ir e fazer coisas tão complicadas?

Why'd you have to go and make things so complicated?

Eu vejo a maneira como você está agindo como se fosse outra pessoa

I see the way you're acting like you're somebody else

Isso me deixa frustrada

Gets me frustrated

A vida é assim você

Life's like this, you

E você cai, rasteja e quebra

And you fall, and you crawl, and you break

E você pega o que consegue e transforma em

And you take what you get, and you turn it into

Honestidade e me prometa que nunca vou te encontrar fingindo

Honesty and promise me I'm never gonna find you faking

Não, não

No, no

Por que você tem que ir e fazer coisas tão complicadas?

Why'd you have to go and make things so complicated?

Eu vejo a maneira como você está agindo como se fosse outra pessoa

I see the way you're acting like you're somebody else

Isso me deixa frustrada

Gets me frustrated

A vida é assim você

Life's like this, you

E você cai, rasteja e quebra

And you fall, and you crawl, and you break

E você pega o que consegue e transforma em

And you take what you get, and you turn it into

Honestidade e me prometa que nunca vou te encontrar fingindo

Honesty and promise me I'm never gonna find you faking

Não, não, não

No, no, no

 

Soluço e Merida caminharam até pegarem um táxi gentil, que não se incomodou com o sangue da ruiva. Ao deixá-los na casa de Norte, o castanho pagou a viagem, e auxiliou a cacheada para caminhar até a casa.

Abriu a porta para a garota.

Não havia ninguém ali acordado para recebe-los, Jack e Rapunzel dormiam em seus quartos.

O norueguês conduziu-a até o sofá, onde deixou sua jaqueta e o cachecol que havia tricotado.

Depois caminhou até as decorações de natal e as ligou para serem iluminados pelas calorosas e agradáveis luzes douradas de natal no meio da escuridão da noite iminente.

Caminhou até a cozinha e apanhou um kit de primeiros socorros, depois voltou-se para a escocesa, que seguiu o observando em silêncio enquanto segurava suas partes doloridas, sentada no meio do móvel.

— O que vai fazer? – perguntou a celta, o observando pegar um pedaço de algodão e molha-lo com remédio.

O garoto sentou-se ao seu lado e começou a tratar da ferida em sua testa.

— Não é óbvio?! Eu vou cuidar de você.

Merida gemeu de dor ao sentir a ardência dolorosa em sua ferida aberta.

— Por que não chama logo a Punzie?! Ela faz medicina, pode muito bem tratar disso. Pode dizer até se eu preciso ou não ir ao hospital.

— Eu já vou chamar, mas você se feriu em parte por minha causa, então acho justo tentar te ajudar do jeito que eu puder.

A ruiva sorriu.

— Foi difícil?! – perguntou ele.

— O quê?!

— Derrotar ela. Foi difícil?

— Ela é uma boa lutadora, não posso negar, mas apesar de tudo, eu venci.

— Consideraria essa uma vitória pírrica?

— Nunca! – saltou para trás, sorrindo e franzindo o cenho ferido, mas depois gemeu, então, um segundo depois se recompôs – Pode ter sido uma vitória difícil, mas eu certamente saí mais ganhando do que perdendo, pelo menos eu ganhei mais do que ela. Por exemplo, eu ainda tenho a mobilidade de um braço!

O escandinavo sorriu enquanto seguia a limpar, mas logo depois o mesmo desapareceu.

A escocesa se silenciou por um instante, olhando-o com seus olhos azuis, pensou que talvez Soluço estivesse com pena, e certamente não era isso que queria que sentissem em relação à si.

— Soluço, é sério! Você não precisa fazer isso por mim! Se acha que tem uma dívida a pagar comigo, esqueça, pra mim você já pagou quando se colocou na minha frente pra me proteger do Melequento.

O castanho seguiu em silêncio, cuidando da amiga.

— Aliás –a celta agarrou rapidamente o queixo do mais novo.

— Ai! O que está fazendo?! – perguntou segurando-lhe o pulso alvo e feminino.

— Estou vendo se o soco que aquele idiota te deu não te machucou.

— É claro que não! O murro pegou de mal jeito! – falou empurrando a mão da mesma para longe.

— Ah, tá! Entendi! É verdade! Tinha medo de que talvez sua mandíbula estivesse deslocada, mas é verdade, o soco dele te atingiu de mal jeito.

Então ficaram em silêncio. Cercados pela escuridão da casa, iluminados apenas parcialmente pelos pisca-pisca presos ordenadamente nas altas paredes em volta e nas grandes e gordas árvores de natal. O norueguês seguia limpando o rosto de Merida, e acabavam por de forma involuntária olhar nos olhos e face um do outro. O rosto alvo de ambos estavam parcialmente cobertos pela penumbra, e seus olhos claros refletiam as belas luzes natalinas que piscavam sem parar.

De repente, o escandinavo parou de limpar o rosto da ruiva, chegou a baixar a mão que usava para trabalhar. Encarou seu rosto belo, embora ferido e parcialmente sujo.

A cacheada fez o mesmo.

Seus olhos se encontraram, e de forma quase involuntária, Soluço lentamente aproximou o rosto do da escocesa, preparando seus lábios para beijar algo. Merida fez o mesmo.

Apesar de seus corações estarem acelerados, também possuíam certa calma, como se aquilo fosse natural, como se trouxesse conforto a ambos.

Seus lábios rosados e carnudos estavam a um centímetro de distância, sentiam a respiração quente um do outro.

De repente, o telefone do castanho tocou.

O aparelhou fez ambos se afastarem saltando os ombros, trazendo-os de volta ao mundo real.

O garoto de óculos buscou alcançar o aparelho inconveniente em seu bolso o quanto o antes, mas parecia que a pressa tornava aquilo mais difícil. Praguejava-o mentalmente. Mas esmoreceu assim que viu a foto de seu pai, cujos olhos permaneciam sempre densos e raivosos.

— Eu tenho que atender – falou forçando um sorriso casual para ela, que respondeu com o mesmo gesto.

A ruiva virou-se de costas para o mesmo, baixando a cabeça, arregalando os olhos e ruborizando, pensando em como estava prestes a dar aquele que seria seu primeiro beijo.

— Qual é o seu problema Soluço?! – gritou um furioso Stoico do outro lado da linha.

— Hein?! Ah! Já entendi!

— Adivinha quem está aqui em casa!

— Provavelmente o Melequento e a Astrid.

— Eu mandei que levassem a Astrid para o hospital! Eles disseram que você pagou uma menina mais velha para bater nela! Isso é verdade?!

— Pai, não foi bem assim!

— E que você ainda por cima bateu no Melequento! Isso é verdade?!

— Até que é mas...

— Soluço, o que deu em você?! Você fugiu de casa e agora está agredindo seus amigos?!

— Pai...

— E o pior! Quis que ferissem uma garota inocente!

— Pai, me escuta...

— E é bom você torcer para eu não descobrir quem é essa marginal vagabunda que você chamou para...

Neste momento, o norueguês desligou o telefone, o rosto denso e em fúria, como a face habitual de seu pai. Não gostou de ouvir a amiga sendo xingada.

— Soluço?! Soluço?! Alô?! Alô?! – gritou o pai viking, no conforto de sua poltrona em sua casa luxuosa, o fato do filho ter desligado em sua cara só o encheu de fúria, que o fez atirar seu aparelho para longe, gemendo de raiva.

A cacheada arregalou assustada os olhos azuis quando viu o amigo se erguer abruptamente, cerrando os punhos brancos, que se estalavam, o rosto firme como jamais esteve.

— Soluço?! O que aconteceu?

— Eu vou sair um pouquinho! – falou caminhando em direção ao quarto de Rapunzel, batendo em sua porta.

A loira abriu a mesma esfregando os olhos cansados, seus cabelos longos estavam presos e usava uma confortável blusa cor de rosa com mangas cingidas e cumpridas, que lhe alcançavam os pulsos magros.

— Ah! Oi Soluço! Desculpa! Não vi que tinha chegado! – falou sorrindo, mas depois sua bela face esmoreceu – O que foi? Por que está com essa cara séria?

Havia uma sombra pálida sobre os olhos verdes do escandinavo. Tirou os óculos e esfregou as pálpebras com o pulso.

— Rapunzel, a Merida tá bem machucada e eu vou ter sair agora para fazer algo bem importante. Eu queria te pedir para tomar conta dela enquanto eu vou lá.

— Tudo bem – disse a alemã com o rosto calmo, mas empático.

— Obrigado.

Então Soluço buscou seus agasalhos ao lado da escocesa, que agarrou-lhe o pulso depressa, olhando-o com seus claros olhos brilhantes, o castanho olhou-a de volta, mantendo a face séria.

— Toma cuidado! – disse ela com olhar preocupado, não tinha certeza do que o amigo iria fazer, mas sabia que seria que precisava fazer sozinho e algo que poderia destruí-lo.

O norueguês respondeu com um gesto de cabeça.

Vestiu a jaqueta e enrolou seu longo cachecol cheio de desenhos mitológicos. Caminhou em silêncio até a porta e a abriu como se a mesma estivesse grudada, e tivesse se descolado com a força daquele puxão.

A celta o observava de costas para ela, já não via as cores de suas roupas, apenas sua magra e baixa silhueta escura saindo diante da porta, que mostrava a palidez da tarde e o frio do inverno. Mesmo assim, o jovem escandinavo parecia imponente, suas pernas estavam bem separadas, como se estivesse pronto para lutar contra qualquer coisa.

Soluço saiu pela porta, e Merida seguiu o observando com olhar preocupado, sendo fracamente iluminada pelas luzes douradas de natal.

A alemã estava se aproximando da amiga ruiva para toma conta dela, mas se surpreendeu ao ver seu real estado.

— Ai meu Deus! Merida!

A cacheada não reagiu ao espanto da amiga, seguiu olhando a porta sem mudar a expressão.

— Jack! Acorda! Vem cá! Eu preciso da sua ajuda!

A escocesa ouviu ainda outra porta sendo aberta, a voz de um sonolento Jack Frost saindo dela, caminhando até a sala.

— Tá bem, tá bem já tô aqui! O que aconteceu... Ai meu Deus! Merida!

A celta seguiu sem reagir.

Soluço caminhava pela cidade em silêncio, o rosto violentamente determinado, o ar de suas narinas virando espectro branco e frio. Estava furioso, suas mãos jovem balançavam sem parar, e caminhava de forma extremamente apressada. Não sabia o que ia fazer quando chegasse, mas queria falar tudo o que pensava.

Percorreu um longo caminho assim, em outra circunstância, poderia já se sentir bem cansando, mas naquele momento não estava. Quando pegou o ônibus sentia que poderia caminhar ainda por quilômetros assim.

Dentro do veículo sentou-se encolhido, colocou o capuz e cruzou os braços, se encolhendo, sentindo a raiva corroer suas entranhas, sentia que ia suar com tanta fúria queimando em suas veias.

Do lado de fora da casa de Stoico, Nolan se encontrava do lado de fora da casa, de mãos dadas com sua mais nova namorada, diante da escada que dava para a grande porta da frente.

O casarão estava todo enfeitado com guirlandas, folhagens e luzes quentes e douradas de natal. Havia renas de palha presas na parede e espalhadas pelo quintal.

— Meu amor! Eu te amo mais do que a minha própria vida! – disse ela com o dourado dos enfeites refletindo em seus olhos apaixonados.

— Meu amor! Meu coração bate apenas por você! Você é o único amor da minha vida! Prometa que nunca vai me abandonar! – disse Nolan sorrindo para ela retribuindo o olhar amoroso.

— Eu prometo! – disse a moça, fechando os olhos e esticando os lábios para beijar seu amado.

Nolan fez o mesmo.

— Com licença! – disse Soluço, passando por entre o casal mais alto, empurrando um para cada lado pelas barrigas, abrindo caminho, assustando-os e atrapalhando o beijo.

— Soluço?! Qual é! Não me atrapalha! Espera! Soluço?!

O caçula seguiu caminho, sem responder, nem olhar para trás ou dar satisfação, apenas subiu as escadas e entrou em casa.

Dentro da mesma estava perfeitamente iluminado pelas luzes brancas da casa, também haviam enfeites de natal dentro da casa, com renas de palha muito bem organizadas e pisca-pisca, mas as mesmas estavam apagadas, inclusive as da grande árvore.

Stoico estava em sua sala, assistindo TV, sentado em sua habitual poltrona com os pés descalços apoiados na mesa de centro, usava um velho terno com gravata vermelha que agora estava todo amassado.

O castanho caminhou direto até a televisão, colocando-se diante da mesma, ficando diante do pai, há alguns metros de distância, basicamente do outro lado do cômodo.

— Como pode me dizer uma coisa daquelas?! – gritou.

— Soluço?! – disse o pai, incrédulo.

Observando da cozinha havia uma bela e alta Valka, usando calças e botas marrons, pois havia acabado de chegar do hospital onde havia deixado Astrid, usava também uma cingida e surrada camiseta amarela com mangas cumpridas até os ombros, e possuía amarrada na cintura uma jaqueta com o mesmo tom de suas calças. Estava de pé ao lado de Melequento, enquanto segurava um enorme bloco de gelo para tratar do inchaço no rosto do garoto. Quando ouviu o filho gritar, voltou os serenos olhos verdes na direção do mesmo. Tia e sobrinho assistiam aquilo.

Da porta de entrada emergiam duas cabeças curiosas para observar o que acontecia.

Era como assistir a um duelo mortal.

O homem ruivo sentado na poltrona tirou os pés da mesa, os olhos cinzentos e viris estavam arregalados diante de Soluço, que mantinha seus olhos esmeralda com aspecto hostil e furioso. O dono da casa ficou extremamente surpreso e demorou para se recompor, jamais havia visto o filho manifestar tal comportamento.

Lentamente voltou a franzir o cenho e seus olhos prateados assumiram o mesmo aspecto mortífero de sempre, mas por mais que aquilo o tivesse provocado um arrepio de medo, o castanho não iria recuar.

— Como eu me atrevo?! Como você se atreve a falar assim comigo?! – falou erguendo seu corpo forte e alto – Como você se atreve a chamar uma menina para quebrar o braço da Astrid?! Como você se atreve a agredir seu primo?! – falou apontando para o mesmo, em direção à cozinha.

O caçula olhou para o lado e o viu encolhido tal qual um coelho assustado, mais por causa da situação do que por qualquer outro motivo.

— Você os humilhou na frente dos seus amigos! E ainda me pergunta como eu me atrevo?!

Mais um instante de silêncio se seguiu. E por um segundo ficaram se encarando. De um lado o menino magro e pequeno vestido com roupas casuais, com as pernas flexionadas, como se estivesse pronto para lutar se fosse preciso. Do outro, o homem alto com um corpo vasto e forte, em pé, seguro de si, vestido com um terno bagunçado, olhando o filho de cima. Encaravam-se de longe.

A única coisa que os separava era uma frágil mesa de madeira.

— Pai! Eles não são meus amigos! – respondeu o mais novo finalmente.

— Não é isso que o Melequento e os amigos dele me dizem!

— E por que prefere confiar neles do que em mim?! Acho que é mais fácil pra eles dizer que somos amigos porque é mais fácil gostar de alguém que te trata bem do que de alguém que te maltrata!

— O quê?!

— Eles me humilham e me maltratam desde os quatro anos de idade! E o senhor nunca percebeu isso?!

Stoico olhou Melequento que observava a discussão. O sobrinho olhou levemente para o lado, como se não soubesse do que estava falando.

— Soluço, eu tenho certeza de que isso não é verdade! Talvez você esteja confundindo as coisas...

— Ah, é?! E por que o senhor acha que isso aconteceu?!

O pai não tinha nenhuma resposta.

— Eu não queria que isso tivesse acontecido! Por mim eu suportaria as humilhações, mas eles mexeram com uma pessoa que eu realmente posso chamar de amiga!

O mais velho arregalou os olhos claros, por uma fração de segundo seu lábio pareceu que ia sorrir, mas se conteve.

— Foi a garota que bateu na Astrid? – perguntou de forma serena.

O castanho arregalou os olhos, corou um pouco e logo depois respondeu tentando esconder o rubor: “Foi.”.

O ruivo barbado se sentou, agora bem mais calmo, apoiou o rosto no punho com serenidade.

— Ainda assim Soluço, não deve sair batendo nas pessoas apenas por causa das brincadeiras que elas fazem com você. Eu não esperava que você fosse do tipo que sai resolvendo tudo na violência.

Soluço olhou para o lado, insultado.

— Eu não sou! – disse também mais calmo – O senhor nem ao menos me conhece! Eu sei que o senhor quer que eu seja forte que nem o Melequento ou o Nolan, ou mesmo o senhor! Mas eu não sou como vocês! E nem o senhor pode mudar isso! Não importa o quanto me magoe!

— Magoar?! Soluço, eu passei fome quando criança! Eu servi o meu país e perdi amigos que nunca mais vou ver! Muitas vezes eu achei que não ia mais voltar pra casa por conta de alguma batalha que parecia perdida! Você acha que tem o direito de olhar nos meus olhos e reclamar das vezes que eu te magoei?!

— Eu não tenho a obrigação de comparar a minha vida com a do senhor! – respondeu quase interrompendo, fechando os olhos, psicologicamente exausto, olhou entorpecido – O senhor teve uma vida difícil?! Eu sei disso! Mas quem não teve? E mesmo assim, já existiram pessoas com a vida mais difícil do que a do senhor! Mesmo com tudo o que aconteceu o senhor não teve uma vida pior do que a de um escravo no mundo antigo ou de um africano escravizado no século dezenove! Não teve uma vida mais difícil do que um garotinho inglês na era viking ou um português ou um espanhol durante a conquista da península ibérica que virou garoto de programa de algum sultão por aí! E o senhor também não tem a obrigação de comparar a vida do senhor com a deles com a do senhor também!

— Soluço, não há tanto tempo assim entre a minha vida e a sua!

— Mas esses dramas da vida do senhor aconteceram décadas antes de eu nascer e eu não tenho nada a ver com isso!

— Eu só quero que você entenda que tudo o que eu fiz foi pelo seu bem! E que deveria ser grato por tudo isso! Eu queria dar à você uma vida mais confortável do que a minha! Mas parece que eu cometi um erro...

As palavras de Stoico novamente magoaram Soluço. Sentiu que iria chorar, mas se conteve.

— Por quê?! Porque eu não atendi às suas expectativas?! Porque eu queria coisas diferentes. Porque eu devia te sacrificado a minha liberdade em prol de satisfazer o senhor?! Eu tentei, mas não deu certo. E mesmo com tudo o que aconteceu, eu sinto que o senhor em meio à todas as dificuldades tinha mais liberdade do que eu!

— Soluço, eu comecei a trabalhar cedo para ajudar minha família, e perdi meus pais muito cedo!

— Então o senhor precisa morrer para que eu seja livre?! Bem que às vezes eu queria que isso acontecesse.

 Ao ouvirem aquilo, Valka e Melequento trocaram um olhar surpreso e amedrontado na cozinha. Na porta Nolan fez o mesmo com sua namorada.

O pai arregalou levemente os olhos de luar, mas logo depois conseguiu reaver o olhar de seriedade habitual. Porém todos notaram aquela mudança.

— Magoou não foi?! – comentou o castanho.

O ruivo virou o rosto apoiando o punho no queixo por um breve momento, então voltou a olhar para o filho, mantendo o recato e disse: “Eu nunca te disse nada parecido com isso Soluço! É claro que me magoou!”.

— E o senhor acha que eu não fiquei magoado quando me disse que eu não era o seu filho?

— Nem tudo é sobre você Soluço!

— É pai, eu sei que o senhor não se importa com os meus sentimentos! Mas eu tenho que me importar com os do senhor! Se está feliz ou triste, se está calmo ou com raiva, se está satisfeito ou decepcionado! Tudo isso importa, menos quando é comigo!

— Isso é tudo porque eu queria que você trabalhasse na nossa empresa?!

— Também! Mas também tem a ver com o fato de que o senhor insultou minha amiga que me defendeu!

— Soluço, escuta, sobre essa garota...

— O nome dela é Merida! E eu nunca vi o senhor xingar uma mulher de vagabunda! E tudo o que ela fez foi me defender sem eu nem pedir! E ela se machucou muito enfrentando a Astrid em uma luta limpa, tá?!

Stoico de repente endureceu o rosto, e prosseguiu: “Soluço, um dia você vai herdar a liderança da nossa empresa, e não poderá sair brigando com qualquer um por causa de brincadeiras!”.

— Pro senhor falar é fácil! O senhor é Stoico, o Imenso! Todo mundo o conhece! Sabe o que conquistou! Até os batedores de carteira temem o senhor! Ninguém faria com o senhor o que fazem comigo! Todos o respeitam!

— O mundo não gira em torno de você Soluço! E não devia viver apenas para si mesmo! Um dia terá que viver pelos seus funcionários já que a nossa empresa é a única coisa que mantém centenas de famílias! E agora está sendo egoísta!

— É pai! Talvez eu esteja sim! Talvez eu esteja vivendo apenas para mim! Até porque se eu não fizer isso, quem vai fazer?! O senhor?! O senhor soube viver para todo mundo, menos pra mim! A partir do fato de que não é capaz de me aceitar do jeito que eu sou!

Na cozinha, o sobrinho de Valka sentia um incômodo na boca, seus dedos jovens e fortes tocavam os dentes por cima da pele.

— Filho! Tudo o que eu quero é o seu bem! E que pense nas outras pessoas além de você mesmo! A quem vai ajudar ler histórias em quadrinhos sobre super heróis, ou mangás com personagens japoneses ou ler sobre mitologia?! – de repente o homem alto e forte notou o cachecol no pescoço do filho – E olha! Você poderia pelo menos usar a marca da empresa da sua família para nos apoiar e fazer uma propaganda, mas você decidiu comprar um cachecol em outra loja!

O de óculos pegou o mesmo, olhando para baixo e franzindo o cenho.

— Eu não comprei esse cachecol pai! Eu mesmo o fiz!

O mais velho arregalou os olhos claros.

Na cozinha, Melequento pegava algo em sua boca enquanto a tia o estranhava. Ambos ficaram surpresos quando o mais novo acabou puxando um dente. O garoto comentou: “Meu dente!”.

Por mais errado que soubesse que fosse, Valka achou graça naquilo, mas conseguiu reprimir um sorriso.

— Você mesmo o fez?! – disse Stoico admirado.

— É! Por acaso achou que eu não sabia como tricotar um cachecol?!

Pai e filho ficaram um longo tempo em silêncio. Se encarando com ar mortal.

O caçula havia passado bastante tempo falando, dizendo tudo o que pensava e o que sentia, suas mãos e pernas estavam trêmulas, e sentia que poderia cair a qualquer segundo. O pai estava espantado com tamanha fúria e insatisfação reprimida por parte do filho, sentia que talvez fosse melhor deixar que o filho falasse.

— Sabe pai, eu gosto muito de mitologia, mas eu não sou um neo-pagão que nem o Melequento, a Astrid e os amigos deles. Na verdade eu até cheguei a ler um pouco de teologia, e eu me lembro que uma vez eu li que amor é força que nos impele a fazer o bem, e eu sei que o senhor se preocupou muito em fazer o bem ao próximo, menos a mim, talvez seja porque lá no fundo, o senhor não me ame...

Dizer aquilo foi uma das coisas mais difíceis que Soluço falou, sentiu que depois daquilo, não precisava dizer mais nada.

O mais velho fechou os olhos, suspirando, uma grande sombra pairava sobre seus olhos, mas agia como se aquilo fosse apenas as palavras revoltadas e sem valor de um adolescente pueril, mas no fundo sabia que não era verdade.

— Soluço, escuta, você vai voltar para casa, se desculpar com o seu primo – falou em tom de voz grave, apontando para o garoto na cozinha que ainda segurava o dente em sua mão, perplexo, Soluço o olhou – Vai se desculpar com a Astrid, e vai fazer essa tal de Merida, seja lá quem ela for se desculpar também! Entendeu?!

O filho o olhou em silêncio, abrindo a boca lentamente e arregalando os olhos.

— O senhor não está me ouvindo?!

— Entendeu?! – endureceu e elevou o tom de voz.

— Será que só uma vez na vida dá pra parar e ouvir o que eu estou dizendo?!

— Entendeu?! – disse elevando mais ainda o tom e a dureza em sua voz.

O castanho baixou a cabeça, suspirando em exaustão e fechando os olhos respondendo baixo: “Entendi.”.

— Ótimo! Agora vá para o seu quarto! – respondeu colocando os pés de volta sobre a mesa e pegando o controle – Saia da frente da TV!

— Eu disse que entendi, não disse que ia fazer isso! – ergueu o rosto, manifestando seus furiosos e determinados olhos verdes,

O ruivo arregalou os olhos novamente, tirando também os pés de cima da mesa.

— O que disse?!

— Eu não vou fazer isso! – falou o mais novo e se afastou em direção à porta, dando as costas para o seu pai.

Todos ali olharam perplexos para o garoto de óculos, inclusive Stoico. Acompanhavam-no caminhar pelo chão de madeira em direção à porta.

— Soluço! – chamou o pai, o grito ecoando pela casa em um tom aterrorizante, assustando a todos, inclusive o dono da alcunha.

Soluço parou de repente, seu corpo jovem e baixo duro como pedra, a cabeça baixa e a coluna curva, havia suor frio escorrendo de seu rosto jovem, estava morrendo de medo, mas lembrou-se de uma frase.

“Coragem é ir com medo!”.

Voltou-se para o mais velho, sem tirar a força de sua face, embora fosse evidente quão assustado estivesse.

O mais velho encarava o caçula com a cara fechada. Um instante de silêncio se seguiu, até que de repente, o mesmo se ergueu e começou a caminhar na direção do filho.

— Stoico! – chamou Valka, assustada, temendo que o pior acontecesse.

O castanho via o pai aproximar-se, alto e ameaçador como sempre, posicionou-se como se estivesse pronto para lutar, os punhos erguidos, os dentes rangendo, e os olhos arregalados e alerta. Sabia que a ideia de enfrentar seu pai era ridícula, mas sentiu que estava ficando sem opções.

Quando o mais velho ergueu sua mão grande de dedos fortes na direção do filho, o caçula não foi capaz de conter um recuo abrupto, quase encostando-se na madeira da porta sofisticada.

Mas para a surpresa de todos, o ruivo apenas puxou o cachecol do pescoço do filho, desenrolando-o com certa delicadeza, pegou um longo cachecol verde comum do porta-agasalhos próximo à entrada e o enrolou de mal jeito no pescoço do filho, parte dele caindo sobre seu rosto jovem e suado, cobrindo um de seus claros olhos assustados.

Depois, Stoico apenas deu as costas para o mesmo, e caminhou para longe, subindo as escadas em silêncio enquanto observava aquele agasalho com desenhos curiosos.

O de óculos estava rígido como pedra, demorou um tempo para que seus pulmões jovens e traumatizados se lembrassem de voltar a respirar, quando aconteceu, olhou para a mãe com o olhar ainda assustado e fez um silencioso pedido de desculpas para a mesma.

Após reaver o fôlego perdido, saiu ofegando e cambaleante pela porta. Enquanto saía comentou com a nova namorada do seu irmão: “Quer uma dica? Arranja outro!”.

Depois saiu andando pela calçada em silêncio, abalado com o que havia acabado de acontecer.

De repente, todos os telespectadores daquele trágico espetáculo se olharam chocados. O que foi interrompido quando Melequento cuspiu dois dentes.

— Dois?! – falou assustado.

Do lado de fora, Soluço estava encostado em uma fria parede escura, apoiado nos joelhos, iluminado por um poste negro e antigo, de arquitetura gótica e luz clara. Recuperava-se do trauma, aquela situação realmente havia lhe causado mais estresse do que sua mente entorpecida suportava.

Chegou a sentar-se, apoiado no concreto até que finalmente se recuperasse e suas pernas trêmulas conseguissem voltar a andar.

Quando conseguiu, ergue-se começou a caminhar de volta para a casa com seus amigos.

Caminhava sozinho pelas vastas ruas vazias, o céu negro pois as nuvens sombrias cobriam a glória do firmamento, era iluminado apenas pelas luzes brancas dos postes das cidades, que brilhava inutilmente sobre as ruas de cores mortas por onde teria que passar, e como os postos góticos estavam ordenados pelo horizonte, via também o longo caminho que tinha pela frente.

Apesar de considerar aquilo uma vitória, o mundo parecia ter se tornado mais frio e escuro. A carência de luz parecia ter tornado suas roupas brevemente coloridas e vestes negras e vida. Seu rosto que outrora estava abalado, havia ganhado um aspecto sério violento.

Então, começou a nevar, gelo frio e fino caía lentamente ao redor do castanho. Havia passado por um ponto de ônibus, mas queria caminhar. Até porque assim tinha mais tempo de remoer o acontecido.

Você grita alto

You shout it out

Mas eu não consigo ouvir uma palavra do que você diz

But I can't hear a word you say

Estou falando alto, não dizendo muito

I'm talking loud, not saying much

Eu sou criticado, mas todas suas balas ricocheteiam

I'm criticized, but all your bullets ricochet

Você me derruba, mas eu me levanto

Shoot me down, but I get up

Eu sou a prova de balas, nada a perder

I'm bulletproof, nothing to lose

Atire, atire

Fire away, fire away

Ricocheteia, você mira

Ricochet, you take your aim

Atire, atire

Fire away, fire away

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Me corte

Cut me down

Mas é você quem terá mais para sofrer

But it's you who'll have further to fall

Cidade fantasma e amor assombrado

Ghost town and haunted love

Fale mais alto

Raise your voice

Paus e pedras podem quebrar meus ossos

Sticks and stones may break my bones

Falando alto, não dizendo muito

Talking loud, not saying much

Eu sou a prova de balas, nada a perder

I'm bulletproof, nothing to lose

Atire, atire

Fire away, fire away

Ricocheteia, você mira

Ricochet, you take your aim

Atire, atire

Fire away, fire away

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Eu sou de titânio

I am titanium

Eu sou de titânio

I am titanium

 

Duro como pedra, metralhadora

Stone-hard, machine gun

Atirando contra aqueles que correm

Firing at the ones who run

Duro como uma pedra, como vidro à prova de balas

Stone-hard as bulletproof glass

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Você me atira para baixo, mas eu não vou cair

You shoot me down, but I won't fall

Eu sou de titânio

I am titanium

Eu sou de titânio

I am titanium

Já era quase madrugada quando chegou na casa de Norte. O mundo parecia sombrio e gelado, mas ali parecia haver luz, não uma luz pálida como as dos postes, uma luz mais acolhedora.

Afinal, Jack, Merida e Rapunzel o esperavam acordados.

O norueguês estava cansado daquele dia ruim, mas se sentiu quente e confortável por dentro quando viu o sorriso de sua amiga ruiva.

Sorriu de volta para os seus amigos.


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Notas finais do capítulo

Aí está o capitulo de hoje. Espero que tenham gostado!
Nome da música:
1 Complicated - Avril Lavigne
2 Titanium - Sia



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