Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 35
Cupidos, irmãs e concessões


Notas iniciais do capítulo

Oie ♥ como vão vocês? Aproveitaram bastante o feriado?
Venho comunicar que já terminei de escrever a fic! Tudo deu 39 capítulos + um epílogo, contabilizando ao todo 40 capítulos. Ou seja, contando com o próximo, temos mais quatro pela frente ♥



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Meu papel de cupido deveria se limitar a apenas dar dicas aqui e ali, fornecer uns mimos – conte com as flores – e apoio moral. Mas eu fiz um pouco mais e elaborei um jantar caprichado. Quer dizer, eu não iria servir os dois. Ainda assim, um jantarzinho à luz de velas eu poderia providenciar. Para isso, eu contei com a ajuda da minha mais nova funcionária.

— E que tal quiche? — Angie sugeriu, olhando as prateleiras do supermercado comigo. — É fácil.

Um arrepio subiu por minha espinha. Da última vez que eu tinha feito quiche...

— Quem sabe algo mais... Chique?

— Só porque é ao contrário? Saquei. Cogumelo recheado?

— Boa — elogiei. — Uma porção de cogumelos e outra de batatas. De acordo?

— Sim. Muito romântico, os cogumelos. Você também tem ervas na sua estufa, não tem?

Gargalhei de seu comentário bobo. Depois de San Francisco, Angie curiosamente havia se aproximado de mim. Então, quando comentei sobre a vaga da Nona, fiz questão de lhe dar uma piscadela nada sugestiva. Como era dinheiro “fácil” – foi o que ela disse –, Angie aceitou primeiro com muita empolgação e, posteriormente, mais comedida após pedir a permissão da mãe. Desde segunda-feira eu estava notando que Angie era muito esperta. E divertida, quando queria.

— Haha, engraçadinha — franzi o nariz para ela. — Vamos rapidinho antes que fique tarde para começar.

— Sim, senhora.

Senhora?

— É, você prefere chefa?

— Não é dia de expediente, Angie... Mas pode usar o “chefa” quando estivermos trabalhando. Só... Não na frente dos clientes, por favor.

— Fechado, chefa. Vamos em frente.

Compramos os ingredientes e voltamos para casa em paz. As outras meninas já nos aguardavam, cada uma delas com uma atribuição. Sarah varria o excesso de folhas com um ancinho. Walt observava-a com as orelhinhas erguidas, deitado no banco da varanda. Eu só não via May e Nona no meu campo de visão. Minha dúvida só durou um minuto.

— May está lá dentro fazendo um makeover na senhorita Mendez. Já tomou banho e agora está lá, toda fofa — Sarah se apoiou no ancinho. Parecia uma roceira, com as duas trancinhas e o macacão jeans. — Bem... Fofa, eu não sei. É... Difícil categorizar a senhorita Mendez como “fofa”, não é? Ah, meu Deus... Já estou tagarelando, não estou?

— Não fique nervosa, Sarah — segurei a risada, indo abraçá-la de lado. — Vai dar tudo certo.

Sarah suspirou.

— É, eu estou nervosa. Desculpe. Vou continuar varrendo.

— Quando terminar, a sobremesa é toda sua — Angie piscou para ela, entrando em casa feito um vendaval. Mal deu tempo de escutar o protesto da pobre Sarah. No espírito da coisa, Angie já saiu arrumando toda a pia para começarmos a adiantar as coisas para o jantar. — Quer que eu vá esquentando as sobras do almoço?

— Por favor, Angie. Tem hambúrguer de grão-de-bico na geladeira, só colocar um fio de azeite e dar uma douradinha nele. E eu acho que ainda tem pão no armário.

— Sim, senhora, chefa.

Ri sozinha e coloquei a mão na massa. Melhor dizendo, coloquei as mãos no YouTube, uma vez que eu não tinha lá muita noção de como se fazia cogumelo recheado. Prossegui fazendo tudo com muito capricho, mas todo o meu autodomínio foi embora quando eu vi a Nona toda arrumadinha. Larguei tudo e olhei para ela com um beiço digno da mãe olhando a filha indo ao baile de formatura. Nos filmes, ao menos, era assim. Porque meio que eu não fui ao meu baile de formatura para saber como era.

Voilà — May anunciou sua entrada num tom convencido. — Aí está a obra de arte que me pediram!

Até Sarah veio do lado de fora, com Walt no colo, para curiar. Nona usava sua melhor calça de algodão verde, uma regata creme e um cinto elegante que combinava com os sapatos sem salto. Derreti-me toda. May tinha lavado seus cabelos e fez várias ondas elegantes, que emolduravam seu rosto e realçavam seus olhos escuros. Agora, com os fios grisalhos, eles também contrastavam com a sua pele amendoada.

— Você está linda, Nona — sorri, indo abraçá-la com cuidado para não desmanchar as ondas do cabelo. — Você é linda, mas agora está linda e embonecada.

— Eu me sinto mesmo uma princesinha — Nona sorriu de lado, envergonhada. — Não está muito exagerado?

— Claro que não! Está muito natural!

May colocou as mãos na cintura, fingindo revolta.

— Dona Noelle, a senhora sabe que está natural. A senhora me pediu pra ficar natural.

— Uma segunda opinião é bem-vinda...

— Está linda, madame — Sarah sorriu, com o gato derramado em seu colo. — Não está, Walt?

O safado miou, solícito. Gato esperto.

— Tem agora todas as opiniões positivas, Nona. Se a sua preocupação é a beleza, a senhora já a tem.

— E o jantar — Angie acrescentou com mais uma piscadela. — A receita do sucesso, senhorita Mendez.

Nona soltou um risinho tímido, olhando para May. Aguardando uma ordem. Era engraçado, porque as duas eram mandonas – o natural era que se engalfinhassem – e estavam se dando muito bem. Permiti que elas se amigassem à vontade.

— Bem... Agora vou fazer uma manicure e pedicure. Se precisarem da gente, estaremos lá em cima!

— Ok — sorri. — Cuidado com a escada!

May assentiu, tomando o braço da idosa e levando-a para o andar de cima tranquilamente. Eu e Angie trocamos um olhar cúmplice, ao passo que Sarah deixou o gramado de lado para brincar com o gatinho. O resto do dia foi de trabalho em equipe; até a senhorita Georgette me ligou para perguntar sobre o andar da carruagem. Foi muito fofo.

Eu estava absurdamente feliz.

Deixamos as batatas e os cogumelos pré-prontos, não nos importando de dar os créditos à Nona pelo jantar. Só dessa vez, para fazer bonito. Quando tudo estava devidamente ajeitado, nós debandamos para o parque fazer um piquenique.

Cumprindo minha parte de casal, fotografei a cena e mandei-a para Matt com a legenda “para melhorar, só faltou você aqui”. Recebi como resposta um ousado “para melhorar ainda mais, faltou só nós dois num encontro noturno”. Fiquei vermelha de imaginar a situação, mas mais pela adrenalina. Digitei o final com uma mordida no lábio: “acho que eu não optaria pelo parque num encontro noturno, querido”. Acabei rindo sozinha, o que não passou despercebido pelas meninas.

— Essa primavera foi mesmo cheia de romance — Angie riu com seu jeito debochado e amigável de sempre. — A primavera e o verão!

— E o verão está só começando — Sarah sorriu, romântica. — O meu último antes da universidade...

O nosso — May resmungou, esticando as pernas na grama. — Espero que não seja um desastre.

Gargalhei de todos os comentários, avançando à toalha para resgatar uma bolachinha. Em tempos de felicidade e desespero, comida é uma prioridade.

— Não vai ser um desastre, May... Olhe, eu não sei como é fazer faculdade, mas tenho certeza de que não é um bicho de sete cabeças...

— É, May — Sarah me apoiou com um sorriso. — Tenho a impressão de que o ensino médio é bem mais traumático. Quer dizer, foi terrível.

— Foi mesmo. Na formatura eu vou dar o dedo pra aquele bando de filhos da...

Pigarreei antes que ela se exaltasse.

— Foi mal. E esfregar o diploma na cara de todos que disseram que eu não iria conseguir. É. É esse o plano.

— É um bom plano, querida — sorri. — Embora eu ache um pouco excessivo.

May riu com maldade, arrancando umas graminhas do chão. Angie e Sarah trocaram um olhar que eu não soube ler. Pelo menos, não até Sarah sorrir timidamente.

— A gente... A gente queria convidar você e o Matt pra nossa formatura... Seria muito legal.

Senti meu coração contrair-se em seu peito. Quase como se quisesse sair do peito e abraçá-las sem a minha intervenção. Coloquei as mãos ali para ver se me acalmava.

— Sério...? Todas vocês?

— Mas é claro! Se você não tivesse me cobrado pra estudar Química, provavelmente eu não teria passado de ano... — Sarah riu de nervoso, brincando com a alça da jardineira. — Aí eu teria que sumir de Healdsburg de tanta vergonha.

— É verdade. E você me mostrou aquela série legal de moda... — May sorriu de lado. — A gente gosta muito de você, Cecilia.

— E me deu um emprego — Angie sorriu hesitantemente. Acredito que sua vida inteira seria assim. — Você é tipo nossa irmã mais velha. Claro que a gente quer que você vá. Você vai ver, vai ser legal.

Assenti com a cabeça, me sentindo muito sortuda. Em pouco menos de três meses, eu tinha ganhado quatro irmãos mais novos. Jamais tinha imaginado passar por esse tipo de situação, mas boa parte dessas minhas primeiras experiências tardias era por conta da minha covardia social. Depois de passar por elas que eu vi quanto tempo eu tinha perdido.

— Obrigada, meninas... — sorri muito comovida. — Tenho certeza de que o Matt vai ficar feliz com o convite também... Vou falar com ele ainda hoje.

Sarah beliscou a comida, olhando para mim.

— Sente falta dele, não sente?

— Ah... É um pouco — admiti, franzindo o nariz. — Acho que eu me acostumei com tê-lo aqui, por perto. Agora que ele voltou pra casa ainda estou me adaptando com a nova rotina. Faz sentido?

— Faz sim — Sarah disse num tom gentil. — A saudade deixa a gente desestabilizada.

Angie e May emitiram um “uhum” em apoio a ela. Que diferença de quando nos conhecemos, quando sempre estava presente aquele ar de julgamento. Acho que era o final do “efeito ensino médio”.

— Mas está tudo bem — sorri. — Está tudo certo. Ele está todo ocupado agora, não vou ficar enchendo o saco. Não quero ser a namorada chata e dramática.

— É, não seria legal — Angie concordou, cerrando os olhos. — Dizem que “a saudade é o tempero do amor”.

— Que brega — May torceu o rosto numa careta.

Sarah gargalhou, surpresa com a fala da amiga.

— Amelia Geller, inimigo número 1 do romance!

— Da cafonice — ela corrigiu, empinando o nariz.

— Ah, para, é uma cafonice fofa... — Angie defendeu com um sorriso. — Se precisar, você sabe... Se o Matt não continuar sendo um cara legal...

— A oferta de meter a porrada ainda está de pé — May completou.

Sarah riu outra vez de nervoso, envergonhada pelas falas das amigas. Aproveitei a ocasião para me achegar a ela, deitando a cabeça em seu ombro. Mesmo surpresa com o meu gesto, ela afagou meu cabelo com carinho.

— Vocês também são minhas irmãs mais novas... Por isso mesmo, acho que está na hora de eu ser honesta. Sobretudo o que eu fiz em San Francisco.

As três se entreolharam, provavelmente avaliando a mudança repentina no tom. Agora não tinha mais volta. Eu não podia continuar vivendo com medo.

Respirei fundo e contei a elas tudo sobre os meus pais. Isso, e mais um pouco.

 

Voltei para casa e entrei pela porta dos fundos na ponta dos pés. Entretanto, Nona já me esperava sentada na sala, a coluna perfeitamente ereta. Tive de segurar a vontade de rir.

— Ah, você chegou — a safada ainda se dignou a parecer surpresa. — Estava aqui com o Walt, nem vimos as horas passando... Aliás, que horas são?

Walt não miou de volta. Muito suspeito. Resolvi e entrar no jogo dela. Mais ou menos.

— Entrei quieta porque achei que você já estivesse dormindo. São... — chequei o relógio. — 22h45. Hora de criança ir pra cama.

— Oh, eu já estava mesmo indo dormir.

Ergui uma sobrancelha.

— A senhora não parece estar com sono — comentei despretensiosamente, pendurando as chaves. — Para o horário, eu digo.

Nona respirou fundo, dando-se por vencida.

— Tá bom, tá bom — ela ergueu as mãos em defensiva. — Não estou com sono. Eu e Walt estávamos reflexivos. Fazendo companhia um para o outro.

Dessa vez, Walt miou. A-há! Eu amava aquele gato.

— Sei... Reflexão boa ou ruim?

— Foi uma reflexão... Razoável.

Eu me avizinhei a ela no sofá, e Walt veio para o meu colo instantaneamente. Fiquei escutando o ronronar baixo daquela bolinha de pelos marrons, tentada a dormir ali mesmo. Eu torcia para que ele quisesse dormir comigo naquela noite.

— Correu tudo bem aqui? — indaguei num tom cuidadoso.

— Você nem imagina, Cecilia.

E então ela começou a rir como uma adolescente apaixonada. Fiquei confusa. Difícil ouvir a Nona rindo daquele modo. Olhei para ela com curiosidade.

— Bem, eu fui pedida em casamento — suas bochechas ficaram vermelhas. — Queria que você escutasse antes de dormir... Pra saber em primeira mão...

— Nona! — exclamei num arquejo, morta de felicidade. Praticamente voei em seu pescoço para abraçá-la. Tanto ela quanto Walt reclamaram. — Ah, que maravilha! Espere, você aceitou, não aceitou?

— Eu sei aprender com os meus erros! Mas é claro que eu aceitei!

Soltei um gritinho animado, apertando-a mais um pouco. Ainda assim, não pude deixar de ficar desconfiada.

— Fácil assim? Sem conflito?

— Hum... Talvez não... — ela respirou fundo. — Tiveram acordos e concessões dos dois lados. Nós... Nós nos expusemos muito. Até ficar tranquilo, foram momentos muito tensos.

— É normal — sorri. — Mas vocês se entenderam direitinho? Conseguiram colocar as cartas na mesa? Pacificamente?

Nona tombou a cabeça para o lado, para logo depois voltar para o lugar.

— Tenho que confessar que de início eu não estava lá muito tranquila... Eu fico nervosa quando fico nervosa...

— Para dizer o mínimo — gargalhei de sua falta de traquejo vocabular. — E ele?

— Calmo como um bicho-preguiça. Jamais vi uma pessoa tão calma quanto Victor. Isso ajudou muito. A calma dele me acalmou. Faz sentido?

Assenti com a cabeça, sorrindo com o progresso dela.

— O jeito que uma pessoa ouve é tão importante quanto o jeito que está sendo comunicado. Principalmente quando é algo sério. Mas, enfim! Você aceitou! E aí?

— Bem... Vamos nos casar mês que vem — ela disse assim, como quem não quer nada. — Vou me mudar para a casa dele e deixá-la em paz, aqui.

Meu Deus... Isso que eles levaram cinquenta anos para arrumar essa situação, hein?

— Ah ,Cecilia, não faça essa cara, eu já estou velha para isso — ela riu jovialmente, deixando-me constrangida com os meus próprios pensamentos. — Esses pormenores do casamento são para pessoas mais dispostas. No máximo vamos dormir juntos no sentido virtuoso da palavra. Nada para ver aqui.

— Acredite em mim, Nona, a última coisa que passaria pela minha cabeça é sua vida sexual — gargalhei de nervoso. — Vai ficar bem lá?

Nona voltou-se para mim, com uma expressão surpreendentemente carinhosa no rosto. Resolvi não me apegar tanto às suas tentativas de mudanças e tentar me deixar levar pela ocasião.

— Claro que vou. É o homem que eu amo se esforçando para me amar também... E você, vai ficar bem?

— Depende. Você vai levar o Walt?

— Obviamente.

Suspirei. Bem dramaticamente.

— Então talvez eu não fique bem. Mas eu vou tentar.

— Ah, bobinha — Nona retribuiu o abraço e até mesmo me deu um beijinho na testa. — Eu pisquei e você já cresceu tudo isso? Quando foi que o tempo começou a correr tanto?

— Nona... Acho que fomos nós que congelamos o tempo aqui dentro... O tempo continuou passando lá fora, mas nós só nos lembramos de abrir a porta agora...

Ela ficou me observando em silêncio por um tempo, até que finalmente assentiu com a cabeça em concordância. Ficamos quietas ali até Walt demonstrar que estava faminto.

Confesso que eu já esperava que as mudanças da Nona não viessem da noite para o dia. Uma vez eu li que, quanto mais velho alguém fica, mais difícil para fazer ajustes na personalidade. E eu digo isso com quase trinta anos nas costas e um monte de coisas a ajustar e melhorar. Entretanto, se tinha um ditado em que eu apostava todas as minhas fichas, era o de que “a esperança é a música que morre”. Então, eu exerceria minha fé e paciência.

Talvez sua concessão a mim tenha sido permitir que o Walt dormisse comigo não só aquele dia, mas ao longo do mês. Mesmo no verão, o calorzinho felino era bem-vindo.

Fosse como fosse, Nona poderia estar aposentada, mas a coisa que eu mais a vi fazendo durante aquele mês foi trabalhar no jardim e na estufa. Sorri sozinha, me perguntando se algum dia eu me sentiria assim também. Com a ansiedade da noiva.

De fato. A esperança é a última que morre.


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Notas finais do capítulo

Eu ouvi um amém?



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