Fearless escrita por Tahii


Capítulo 1
Chapter I — once upon a time


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, oi! ❤

Red, fiquei muito feliz quando tirei você porque (1) sou sua fã e (2) seria uma boa oportunidade de retribuir o presente que você já me deu. Como disse na thread do twitter, eu tive uma ideia gigantesca, mas devido à vida real não consegui terminá-la, e isso me chateou bastante, masssssssss essa ideia caiu do céu e eu achei que você poderia gostar. Espero que se divirta lendo ❤

✻ Estamos num universo alternativo que envolve realeza e magia. O reino mágico é dividido em quatro: o reino de St. Godric, Wiltshire, Badger e Ravenclaw [e eles nunca estão na mesma estação]





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CHAPTER I 

Once upon a time, a non-princess and non-wizard girl

got into troubles with a prince and a king... [...]

REINO MÁGICO DE ST. GODRIC

15 de Fevereiro, terça-feira, 08:30 pm 

— Se eu estou com medo? Eu estou com muito medo — o sorriso após o grunhido baixinho foi ligeiramente medonho, mas não é como se toda a situação não fosse, no mínimo, horrorosa. Violet soltou um longo suspiro, acariciando o ombro de Rose antes de lhe envolver num abraço meio desajeitado. — Quer dizer, não é como se algo fosse acontecer agora à noite e, bem, as coisas estão ótimas, não estão? 

As coisas estavam longe de estarem ótimas e, dentro de alguns minutos, ela estaria bem longe do adorável palácio de onde nunca saiu — o que era um pouco preocupante e um tanto quanto tosco para uma jovem jovem-adulta de quase vinte e dois anos, porém não relevante o suficiente para levar o nobre título de “maior preocupação da protagonista” na atual tragédia. 

Todo esse enredo seria uma típica história de princesa caso Rose fosse uma, e isso sim poderia ser considerado preocupante, afinal, contos de fadas têm finais felizes, enquanto que tragédias envolvem desfechos fatais.  

— Pense pelo lado positivo, Rouse — o timbre doce de Camille não apenas dissipou o silêncio que havia se instalado na biblioteca com a pergunta retórica anterior, mas também fez com que Violet gargalhasse sonoramente com o sotaque do vocativo —, você vai ficar numa carruagem durante oito horas com o rei de Wiltshire, que é, por um acaso, muito charmoso e virá pessoalmente buscar você. 

— Porque eu não consigo aparatar na divisa dos reinos, e isso não é nem de longe algo que pode ser considerado como meramente positivo — desvencilhando-se de Violet, andou até a janela para olhar os jardins mal iluminados do palácio e tentar se sentir mais encorajada a seguir em frente com o que estava prestes a desenrolar. 

No entanto, pelo pouco que via, o cenário não parecia nem um pouco agradável para uma fuga noturna. O chão estava coberto de neve, as luzes amarelas mal funcionavam e o vidro embaçado indicava que fazia muito frio lá fora. Três problemas que estariam resolvidos caso ela tivesse um cobertor encantado, uma varinha que iluminasse o caminho ou, simplesmente, a capacidade de se deslocar com mágica. Rose sentiu o coração apertar de medo ao se deparar com aquela vista melancólica e pensar que estava prestes a se colocar em risco e que não haveria ninguém para aparecer do além com raios coloridos para lhe salvar (não que isso já tivesse acontecido antes) caso fosse necessário. 

— Não pense que é melhor ficar — Violet interveio num sussurro ao lado dela, começando a desenhar um coração no vidro. 

— Legilimência a essa altura da noite? — resmungou ao cruzar os braços. Violet era boa adivinhando pensamentos mesmo sem mágica, algo que espantava e maravilhava Rose, que custava a acreditar em suas desculpas esfarrapadas sobre como era fácil saber o que ela sentia. 

— Eu entendo que possa parecer assustador porque, de fato, é, mas, se te consola, ir atrás do que desejamos é amedrontador na maioria das vezes. Sentir medo não necessariamente significa que estamos errando.

— Você diz como se eu pudesse realmente ter o que eu quero — puxando a cortina para cobrir a vidraça, soltou um longo suspiro. — Mas isso não importa. Não vou voltar atrás porque… Porque não dá mais tempo.

— Sua coragem é inspiradora, lady Rose. 

— Mais um tópico que me distingue dos demais — segurando o vestido, a ruiva fez uma pequena reverência. — Posso tomar a poção e acabar logo com isso?

Esse início da história pode soar familiar quando comparado ao quase-fim de tragédias, tipo Romeo e Julieta, em que o personagem principal toma uma poção esperando um determinado efeito e é surpreendido quando tudo dá errado. Foi justamente por conta dessa insignificante semelhança que o coração de Rose quase saiu pela boca ao vislumbrar o pequeno frasco de poção polissuco bem na frente de seus olhos. 

O líquido parecia uma lama espessa e escura. Talvez em outras épocas, ela diria que Albus simplesmente havia coletado um pouco de água podre de algum pântano para pregar uma peça, mas como os tempos eram mais sombrios e requeriam medidas mais sérias, Rose logo afastou a possibilidade de seus pensamentos e não postergou em abrir o frasco, colocar um fio de cabelo castanho de Violet e assistir a mudança que começava a acontecer: o verde escuro amenizou para um tom mais claro e o aspecto de lama se tornou, na melhor das hipóteses, algo semelhante a um chá. 

— Talvez sua essência seja de trasgo, Violet — Camille observou com um sorriso travesso enquanto Rose ingeria todo o líquido do frasco. — Mas eu sinceramente espero que esse amarelo que você está tomando seja semelhante a algo melhor do que xixi. 

Antes mesmo que Rose pudesse se defender ou tecer algum comentário sobre o leve gosto de hortelã, seu estômago começou a revirar como se tivesse acabado de engolir dois banquetes estragados e uma sensação de queimação se espalhou da barriga até os dedos dos pés. Empertigou-se no lugar, levando uma mão ao tórax e procurando com a outra o encosto da poltrona para se apoiar conforme sentia um calor intenso como se, de fato, fosse derreter. Sua visão nublou antes que pudesse sentir o quadril se alargando um pouco e as unhas mudando de cor e, mesmo com os pés tropeçando um no outro, cambaleou até o sofá cor de mostarda, onde sentou-se e deu de cara com o corpo — que até então era seu — tentando se levantar do chão.

— Deu certo! — Camille exclamou animada, batendo palminhas enquanto corria ao socorro de Violet, que parecia extremamente zonza e incapaz de se recompor. — Vocês estão bem?

— Mal há vinte e um anos — Rose resmungou, passando a mão pelo vestido azul marinho. — Precisamos ir logo, já passou das oito e dez. 

— Querem rever o plano?

O plano era bem simples, segundo as palavras de Albus. Além do mais, a tarefa mais árdua havia sido aceitá-lo. Decorar, seguir e executar eram apenas itens secundários. Por isso, Rose negou com a cabeça e andou em direção à porta. 

Antes de abri-la, porém, uma certa inquietação fez seu estômago acidificar. Estando no corpo de Violet, conseguiria usar magia?

— Você pode tentar — a sua própria voz reverberou no cômodo, causando uma certa animação. 

Estendendo a mão em direção à maçaneta, Rose verbalizou:

Alohomora — mas nada aconteceu.

— Tente mais uma vez. Não é um feitiço tão fácil se você não tiver uma varinha — Camille prontamente disse tentando dissipar a onda melancólica que já ameaçava inundar aquela noite. — Fala com um pouco mais de… Força.

— Vocês sempre fazem sem varinha — após pigarrear, tocou a maçaneta para, de fato, abrir a porta. — Não sou uma bruxa. Nem estando no corpo de uma bruxa. Simples assim. Vamos!

Não é como se Rose estivesse tentando digerir o fato de que não era uma bruxa como se fosse uma notícia nova. Sempre soube. Ninguém precisou lhe contar ou sequer tocar no assunto de uma forma tão esclarecida para que descobrisse. Seu irmão manifestou magia nos primeiros dias de vida, seus primos faziam artimanhas sem muito esforço para pegarem doces na cozinha ou pelo bel prazer de atentarem um ao outro, enquanto que ela não conseguia fazer uma pena levitar, uma porta se abrir, uma vela se acender sozinha. E não era como se Rose quisesse muita magia... Ela só queria um pouco para sentir o gosto. 

O que mais ouvia das pessoas ao seu redor era que a magia poderia ser bem inútil às vezes. Por que não abrir a porta sozinho, acender a vela com um fósforo e deixar uma pena sobre a mesa? Rose não respondia, afinal, era bem mais confortável permanecer no seu confortável casulo silencioso. No entanto, se magia não fosse tão importante assim, seu pai não lhe manteria presa no palácio por causa dos perigos que existiam do lado de fora dos portões, tampouco faria questão que ela se casasse para ter um marido que lhe protegesse. 

Era evidente que a última guerra contra o reino de Wiltshire havia mexido com seu pai. Primeiro porque ele passou meses longe da sala onde costumava chefiar os comandantes do exército de St. Godric, segundo porque estava mais distante do que nunca. Ronald foi, e para Rose sempre seria, um bom pai, principalmente após a morte de Hermione no parto de Hugo. Esteve presente, era protetor além do que precisava, tentava ser bom para seus dois filhos. As guerras que eclodiram após a Segunda Guerra Bruxa, que englobou os quatro reinos mágicos, pareciam insignificantes perto do que já haviam passado, mas, talvez, ver-se mais suscetível à morte, depois de tantos anos, tenha lhe assustado consideravelmente. Era a única explicação que Rose conseguia encontrar. 

O fato, no entanto, era que quase dois anos tinham se passado e o clima de paz não combinava com a semente da discórdia que ele queria plantar. Casamentos arranjados eram comuns para membros da nobreza, Rose conseguia entender essa parte, apenas não aceitava ter que se casar com um ogro de quase dois metros de altura porque seu pai queria alguém para lhe proteger. Edgar Watson não tinha absolutamente nada em comum com ela e, de uma forma superficial, não era nem um pouco atraente. A barba constantemente sem fazer, o hálito de bacalhau, o rosto sempre brilhante por causa de suor e oleosidade não ajudavam na imagem de futuro marido maravilhoso, mas o problema mesmo era sua risada grotesca, seu desconhecimento dos passos de dança mais tradicionais; ele mal parecia saber ler, não tocava nenhum instrumento e não era um bruxo.

Ele pode vir morar no palácio, se for da sua vontade, querida, mas ainda acredito que uma vida no campo, longe de turbulências, seria a ideal para você — essas foram as exatas palavras de Ronald há alguns meses. 

Rose precisou de um tempo para assimilar a ideia e foi inevitável que se perguntasse acerca de um pequeno item: por que seu marido não poderia ser um bruxo? Não era como se ela não tivesse convivido a vida toda com alguns dos mais poderosos da história, como seu próprio tio Harry, como diziam que sua mãe era, como ele mesmo, Ronald, era conhecido. 

As semanas se passaram e a única alternativa que tinha disponível era aceitar com um sorriso no rosto. Ou seria, caso Albus não tivesse retornado de uma suposta viagem ao norte de St. Godric especialmente inspirado. 

— Eu encontrei um amigo esses tempos num baile que teve no Beco Diagonal — enquanto acontecia o aniversário de Lily Luna no interior do palácio, Albus convidou a prima para darem uma volta pelos jardins e “apreciarem novos horizontes” — e talvez, sentindo suas vibrações fúnebres durante o jantar, eu tenha tido uma ideia. 

— Qual ideia?

— Esse amigo está com alguns problemas com os nossos pais e precisa de uma, digamos assim, moeda de troca. Você, por sua vez, vai se casar daqui algumas semanas com aquele trasgo fedido. Então… — respirando fundo, o Potter tomou fôlego para falar tudo de uma vez. — Eu pensei que poderíamos simular um sequestro para ele ter como negociar de uma forma mais incisiva e você foge para dizer que não vai se render aos desejos do seu pai. O que acha?

— Que tipo de amigos você tem, Albus? 

O plano pôde ser detalhado alguns dias depois, quando o Potter enfeitiçou um lago nas extremidades do palácio e pediu para que a prima lhe encontrasse lá. Como Rose só podia sair na companhia de Violet e Camille, ambas foram com ela até às margens do lago, onde Albus estava abaixado olhando em direção às águas, dando algumas risadas. 

— Chegue mais perto — a aura despreocupada de Albus não transmitia nem um pouco da segurança que precisavam para aquele momento delicado. Mesmo assim, Rose foi ao seu lado, enquanto as duas amigas ficaram um pouco distantes. 

Na água cristalina estava nada mais e nada a menos do que a imagem de um (lindo) rapaz, cujos olhos pareciam se confundir com o brilho do sol refletido no lago. O cabelo loiro parecia comprido até as orelhas, penteado para trás sem muita rigidez; as sobrancelhas não eram muito grossas, a boca avermelhada como se tivesse acabado de tomar algo bem gelado. 

Tentando manter o foco, Rose olhou para o primo, desejando alguma apresentação adequada. 

 — Rose, esse é o meu amigo, Scorpius. Scorpius, essa é a minha prima, Rose. 

Scorpius? — ela repetiu, um pouco confusa, e não precisou de muito tempo para sentir um baque de espanto despertar o sensor de seu cérebro responsável por alertar perigos. Aqui chegamos no tópico mencionado no começo da história; esse cidadão bonito, de nome estranho e charme inegável era relevante o suficiente para levar o nobre título de “maior preocupação da protagonista”. O motivo? Rose deu a resposta através de uma pergunta em tons mais agudos: — Seu amigo é o rei de Wiltshire? 

— Prazer em te conhecer, Rouse

Foi necessário uma tarde inteira “de piquenique com Albus” para que Rose pudesse ser convencida de que valia muito mais a pena se arriscar do que permanecer em St. Godric e se casar com Edgar Watson (embora não fosse tão difícil admitir que ir parecia muito mais tentador do que ficar).

De qualquer forma, os três jovens conseguiram tecer um plano até o sol se pôr contando com as diretrizes básicas para que tudo saísse segundo os conformes. 

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DIRETRIZES PARA A BOA EXECUÇÃO DO SEQUESTRO DE R.W.

(escrito por Albus Potter)

I. Violet e Rose tomam uma poção polissuco — providenciada pelo cérebro da operação, Albus — para trocarem de aparências. Estando no corpo de sua querida amiga, Rose atravessa os jardins mal assombrados para encontrar uma carruagem no limite máximo dos terrenos do palácio. Enquanto isso, Violet fica às vistas da família Weasley para que nenhuma suspeita seja levantada e vai dormir alguns minutos mais cedo devido a uma indisposição — completamente explicável mediante a aura de insatisfação por causa do casamento forçado

II. Scorpius estará esperando dentro da carruagem para irem em direção à fronteira dos reinos. Quando estiverem em terras sonserinas, aparatarem imediatamente para o castelo de Wiltshire. Estando lá, Rose será uma amiga distante de Louise, membro da corte, e estará visitando o castelo. 

III. Entrar em contato com o Reino de St. Godric no dia do casamento, sábado, e propor a volta de Rose mediante à devolução do tesouro da caverna de cristal, dos portos do Sul, uma nova aliança mercantil e uma aliança política contra o reino de Haus Wasser, de Durmstrang. 

IV. Assim que tio Ron aceitar, Rose volta para St. Godric, o casamento já vai ter sido cancelado e todos serão felizes para sempre.

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E foi numa quarta-feira, dia 16 de Fevereiro, que tudo começou a ser executado. 

Assim como no dia em que encontrou Albus no lago, Rose não estava sentindo muita confiança — ou melhor, não estava se sentindo muito confiante. Andar pela neve grossa, ter o nariz praticamente congelado, tentar manter o casaco de pele grudado ao seu corpo para se proteger do vento frio parecia apenas o primeiro lado ruim de todos que ainda estavam por vir. Despediu-se de Violet e Camille com um abraço apertado e uma certa melancolia lhe atingiu em cheio, principalmente conforme o tempo passava, metros pareciam ter sido andados e não conseguia enxergar nenhuma carruagem. 

Estava quase dando meia volta quando viu, ainda um pouco longe, uma luz prateada bem pequena brilhar por alguns segundos. Andou um pouco mais depressa em direção a luz e, antes mesmo que percebesse, trombou com o baixo muro de tijolos que demarcavam o fim do terreno do palácio. 

— Tem alguém aqui? — sua pergunta pareceu ecoar e demorou alguns instantes para que os postes da estrada de terra que passava do lado de fora iluminassem o local. Quando isso aconteceu, uma simplória carruagem de madeira aos poucos foi revelada por uma cortina de brilhos dourados efervescentes. Um homem com vestimentas de camponês estava em frente à porta; a pele era excepcionalmente pálida e ao erguer o rosto, não parecia do tipo mais simpático.

— Qual é a palavra-chave, senhorita? — Rose engoliu em seco ao não encontrar nele o rosto conhecido do rei. 

— Briba azul violeta — sussurrou com a voz trêmula — um, três, dois. 

Dando dois passos para a direita, o homem abriu a porta da carruagem e ficou prostrado ao lado, provavelmente esperando que Rose passasse para o outro lado do muro e entrasse para que pudessem ir logo embora. No entanto, não era um obstáculo baixo o suficiente para que conseguisse pular e, bem, usar magia estava fora do alcance. Com o olhar ranzinza fitando o além e sem conseguir achar as palavras exatas para explicar a situação, Rose soltou um longo suspiro, ficando num completo silêncio congelante por alguns minutos. 

— Onde está ela? — a já conhecida voz do rei soou de dentro da carruagem. 

— Bem em nossa frente, Majestade. 

Rose quase balbuciou algumas coisas, mas se interrompeu ao ver o rei Scorpius aparecer no vão da porta. Ele não estava com roupas de frio, apenas uma camisa preta dobrada aos cotovelos e não parecia se incomodar com o vento cortante que, aos poucos, fazia suas bochechas se avermelharem. Observando-o sair da carruagem, Rose não sabia exatamente o que deveria fazer; ele não era o seu Rei, mas talvez fosse desrespeitoso não fazer uma mínima cortesia. Portanto, quando Scorpius deu alguns passos para se aproximar do outro lado do muro, com os braços para trás, postura ereta e lábios semi-abertos como se fosse dizer algo, Rose dobrou os joelhos delicadamente e olhou para o chão. Ao erguer a cabeça, sentiu o rosto esquentar com o meio sorriso que suavizava o rosto dele.

Lady Rouse, qual é o problema? — perguntou gentil. 

— Pe-perdão?

— Está há alguns minutos ainda do outro lado. Longe de mim querer te apressar, mas não é como se estivéssemos com muito tempo. A neve está consideravelmente espessa, os testrálios demoram mais e temos que chegar na fronteira, e além dela, com o efeito em suas perfeitas condições — com o olhar sustentado nas orbes brilhantes dele, Rose assentiu, constrangendo-se.

Estava prestes a pedir para que lhe ajudasse a ultrapassar o muro quando, de repente, os tijolos começaram a entrar na neve e liberar uma passagem para que ela passasse. Soltou a respiração quando andou até o outro lado e esperou que o muro voltasse ao normal para olhar para a frente e entrar na carruagem com a terna ajuda do rei, que lhe estendeu a mão para subir o degrau. 

Rose gostaria de não demonstrar tanta surpresa quando se deparava com coisas mágicas porque, afinal, eram tão normais quanto o vento presente nas quatro estações. No entanto, um sorriso escapou de seus lábios ao notar que o espaço de dentro era tão grande quanto uma sala de estar e tinha dois sofás verde-esmeralda, uma lareira acesa e uma mesa de centro com um bule de chá e duas xícaras de porcelana. 

— É sempre frio assim em St. Godric? — o rei perguntou, gesticulando para que se sentassem nos sofás. 

— O inverno está mais rigoroso neste ano. 

— Ah, sim — ele maneou a cabeça, ocupando o lugar em sua frente. — O verão em Wiltshire não foi tão intenso, mas ajudou a aumentar a temperatura. Felizmente a primavera já está batendo à porta. Aceita uma xícara de chá, lady Rouse?

— Por favor. Pode me chamar de apenas Rose, se quiser. 

— Apenas Rose — repetiu, esforçando-se para conter seu sotaque. Novamente, um sorriso no canto dos lábios dele apareceu, fazendo com que o rosto dela esquentasse. — Pode me chamar de apenas Scorpius, se quiser — disse ao estender-lhe a xícara em cima do pires. Rose assentiu. — Já visitou Wiltshire antes?

A resposta de Rose foi apenas um balançar de cabeça, indicando uma infeliz negação. Apesar de passar horas na biblioteca lendo histórias sobre os reinos, vendo fotos, mapas e tudo o que tinha acesso, isso não poderia ser considerado uma viagem verdadeira. 

Ela sabia que o reino de Wiltshire era conhecido por uma arquitetura mais romântica, clima gélido e por ter galeões o suficiente para que, mesmo com as guerras, continuassem esbanjando ouro. Sua população nunca foi a mais numerosa, até mesmo porque era constituída especialmente por famílias nobres, de sangue-puro, que há séculos lá habitavam para manterem-se distantes dos sangues-ruins dos demais reinos. No entanto, isso não alterava em nada o fato de que Rose nunca havia visitado Wiltshire antes, o que lhe deixava, inevitavelmente, com um aperto na boca do estômago e com muito, muito medo. 

FRONTEIRA MÁGICA — NORTE

16 de Fevereiro, quarta-feira, 04:19 a.m 

Passar pela fronteira não era a tarefa mais difícil do plano, afinal, era o rei quem estava ali dentro. Porém, como a intenção era não criar alardes sobre seu paradeiro, foi especialmente delicado para o cocheiro passar pelos fiscais sem ter sua humilde carruagem de madeira revistada. Porém, um saquinho farto de galeões lhe ajudou a seguir em frente de uma forma tranquila e sem danos — o que colaborou para mais alguns minutos de sono.

— Rose, precisamos aparatar — mesmo ouvindo a voz de Scorpius bem perto de seu ouvido, Rose parecia estar muito distante. Devia ser por volta das quatro horas da manhã e aquele sofá, enfim, havia se provado um lugar aconchegante para tirar um cochilo. — Rose. 

Com um toque em seu braço, ela despertou. Scorpius estava inclinado, apoiando uma mão no braço do móvel e fitando-lhe com uma expressão ligeiramente preocupada, provavelmente com o horário. Ela respirou fundo antes de fazer menção para levantar — o que lhe permitiu sentir um pouco do agradável perfume que dele emanava — e apoiou-se com as mãos na espuma do assento para ficar em pé, seguindo-o até o lado de fora. 

O céu começava a dar indícios do amanhecer e a temperatura já se encontrava consideravelmente mais alta. Pelo o que Rose conseguia enxergar, pareciam estar num bosque de bétulas laranjas.

— Podemos ir? — Scorpius perguntou olhando para a estrada de pedras, por onde a carruagem continuava o lento caminho. Foi quando percebeu que não tinha mais volta; ademais, dizer que havia aparatado mais de cinco vezes na vida era uma grande mentira. O estômago formigou com a possibilidade. 

— Eu não consigo aparatar sozinha — disse de uma vez, passando a mão pelo rosto na tentativa de deixá-lo menos tenebroso. Quase riu ao lembrar-se de que não estava em seu corpo e, sendo assim, as chances de estar mais bonita de manhã eram altíssimas. Os belos olhos castanhos de Violet disfarçariam qualquer cabelo desgrenhado.  

— Consegue segurar firme em mim? — notar a mão estendida em sua direção apenas piorou sua situação estomacal. Ela não o conhecia o suficiente para saber se o tom beirava a uma provocação de desprezo por ser incapaz de aparatar, ou se… Bom… Era Violet, no final das contas. Talvez o rei gostasse do que via. Ou era muito gentil. 

— Certamente — tentou soar o mais séria possível ao tocar a mão dele, mas não conseguiu sustentar a expressão quando ele deu uma risada pelas narinas.

— Com licença, lady Rose.

Sem entender o motivo da fala, franziu o cenho e, antes que pudesse ser vítima de mais reviravoltas digestivas, foi puxada em direção ao corpo dele e, de repente, tudo começou a girar em diversos ângulos muito, muito, muito rápido. Por que a magia tinha que ser tão desajeitada? 

Colocar os pés em terra firme depois de segundos de agonia rendeu um grande suspiro aliviado, embora a cabeça girasse o suficiente para não permitir que ela segurasse com menos força a camisa do rei. Ao abrir os olhos, estava num espaçoso cômodo, o qual, se não estivesse enganada, deveria ser um escritório. As paredes eram estantes de madeira gigantescas e formavam um estranho círculo, deixando espaço apenas para uma porta e uma janela opostas, igualmente grandes e retangulares. Podia ver os raios solares começando a dar sinal no horizonte, e o agradável cheiro de âmbar lhe passou uma sensação estranhamente aconchegante. 

— Você está bem? — ele perguntou com o rosto abaixado. Rose percebeu, então, que não o havia soltado ainda e, portanto, imediatamente tratou de se afastar. 

— Hã, sim — assentiu, entrelaçando os próprios dedos em frente ao corpo. Tentou sorrir amigável para ele, cujo rosto, na quase completa claridade, indicava olheiras por debaixo das orbes cinzentas. 

— Vou te acompanhar até… 

A voz de Scorpius, aos poucos, morreu, o que foi um pouco estranho, já que havia se convencido de que o rapaz era, no mínimo, um tagarela. Rose pensou que talvez, devido à viagem, ele houvesse esquecido o que estava dizendo ou qualquer outra possibilidade remota; não estava se sentindo nem um pouco desconfortável naquela situação, para todos os efeitos. Até, claro, ele engolir em seco e completar:

— Mãe.   

Rose arqueou uma sobrancelha e só foi entender a situação quando, seguindo o olhar dele, deparou-se com uma mulher alta, esguia, de cabelos loiros e vestes de dormir negras. Pelo o que conhecia da história do reino de Wiltshire, aquela deveria ser Astoria Malfoy, cujo semblante não parecia tão agradável quanto a língua do povo dizia. 

— Scorpius — ela grunhiu, de braços cruzados, fuzilando o filho na melhor das hipóteses. Rose, por sua vez, tentou disfarçar o ritmo desacelerado de seu coração aproximando-se dele. — Não me diga que foi, de novo, naquele Beco Diagonal.

— Na verdade, mamãe, eu fui ao… Largo Grimmauld — Astoria estreitou o olhar e deu alguns passos em direção aos dois, o que fez com que Scorpius se colocasse discretamente à frente da estrangeira. — Um amigo de Anthony fez uma comemoração e você sabe que eu, particularmente, gosto de, hã, comemorações. Podemos conversar depois? Estou com um pouco de sono. 

— Sono — repetiu assentindo. — Certamente conversaremos depois, querido. Quem é a sua amiga? 

— Ela se chama Violet.

— Hood. Violet Hood — Rose completou com um sorriso amarelo, fazendo uma reverência um tanto quanto desajeitada.

— Se a senhora nos der licença — ele pediu em tom terno, dobrando o braço atrás das costas para que Rose o acompanhasse. 

— Onde a moça ficará? — era uma boa pergunta, Rose admitiu para si mesma ao tentar respirar um pouco mais fundo. Scorpius, por outro lado, sorriu em direção à mãe antes de fazer o rosto de Violet ferver com a declaração:

— Nos meus aposentos. Se nos der licença. 

Sair do suposto escritório foi extremamente constrangedor, mas não mais do que passar o extenso trajeto em completo silêncio e entrar nos aposentos do rei com dois guardas na porta, cujas expressões, por mais desinteressadas que fossem, ajudavam a deixar as coisas piores. 

— Perdoe-me, lady Rouse — foi a primeira coisa que Scorpius disse após estalar os dedos e encostar-se na porta de madeira. — Minha mãe detesta não estar no controle das coisas, detesta quando não lhe aviso para onde vou. Coisas de mãe… E também deve estar achando que eu esqueci que ela viajará hoje junto com a minha tia Daphne — relaxando os braços, desencostou-se da porta e se aproximou dela. — Isso vai nos dar um alívio, suponho, para lidarmos com o plano. Se estiver com sono pode dormir, tenho algumas coisas para fazer fora daqui e, para todos os efeitos, perdoe-me de novo pela… Pela infeliz colocação, era apenas uma forma de encerrar aquele momento. 

— Tudo bem — sorriu um pouco sem jeito, sendo surpreendida por barulhos em sua barriga. Por sorte, indicava apenas fome. — Posso descansar mais tarde. Eu apenas gostaria de… Uma xícara de chá, talvez?

Rose nunca fez loucuras na sua simples e monótona existência. O motivo? Já deve estar claro a essa altura da história e, para ela, estava também. Por isso que, após tomar um excelente café da manhã — com cumpets e chá misturado com leite — junto com Scorpius em seu dormitório, ela percebeu que a vida poderia ter um lado essencialmente divertido. Mesmo temerosa sobre a reação de seu pai e os possíveis desenrolares trágicos, Rose estava se sentindo bem com as bochechas doendo de tanto dar risada da forma engraçada que Scorpius falava e das histórias descabidas que ele lhe contava para, provavelmente, ajudar a disfarçar a tensão por trás de tudo. As poucas horas em Wiltshire lhe garantiram a certeza de que era um castelo muito agradável de estar. 

Alguns minutos antes das seis da manhã, Rose pôde conhecer, também, duas personagens importantíssimas para que a trama pudesse dar certo: Louise, a “amiga” que estaria visitando, e Claire, que lhe faria companhia. Ao encontrar as duas, que entraram rindo por desacreditarem da indiferença dos guardas dos aposentos do rei frente às gracinhas que fizeram, Rose pensou que ficar ali alguns dias seria equivalente a viver num mundo paralelo junto com suas duas amigas e um rapaz (bonito, dessa vez). Enquanto Scorpius foi conversar com a mãe antes que ela deixasse o castelo, as três tiveram uma boa oportunidade de ficarem juntas pela primeira vez. Louise parecia ser tão alegre quanto Violet, tinha cabelos cacheados num tom de mel na altura dos ombros e os lábios pintados de vermelho pareciam ser uma marca. Claire tinha um ar mais sério, embora viesse delas as colocações mais irônicas e engraçadas, e, em total contraste com as vestes coloridas da outra, as suas tinham tons mais escuros. 

— Eu acho que o efeito da poção deve estar passando… A não ser que seja comum em St. Godric cabelos mudarem de cor sozinhos — a observação de Louise fez com que a realidade batesse à porta. 

Levantando-se da beirada da cama para ir até um espelho perto da janela, Rose começou a sentir o corpo voltar ao normal de uma forma mais sutil do que no momento em que ingeriu a poção, e, aos poucos, pôde ver os dedos se alongarem, o cabelo ruivo crescer até um pouco acima da cintura, os olhos saírem das tonalidades castanhas para retornarem ao azul cintilante e as sardas re-aparecerem pelo seu rosto. Suspirou feliz ao encarar o próprio reflexo e tocou o pingente em formato de coração no seu busto, sentindo, pela primeira vez, que havia grandes chances de conseguir driblar as determinações de seu pai. 

— Temos que aproveitar que os guardas vão trocar de turno para a lad- — Scorpius interrompeu o momento ao fechar a porta com um pouco de entusiasmo demais, porém não teve recursos para continuar sua fala quando percebeu que o efeito da poção havia passado.

Através do espelho, Rose o viu congelar no lugar enquanto olhava em sua direção e seria muito imberbe dizer que não havia gostado da estranha sensação que fez seus lábios se curvarem num sorriso tímido.  

REINO MÁGICO DE ST. GODRIC

16 de Fevereiro, quarta-feira, 09:00 am

— Onde está Rose? — a voz de Ronald irrompeu o agradável silêncio que os três irmãos Potter e Hugo desfrutavam na mesa de café da manhã. O ruivo mais novo deu ombros, bebericando uma xícara de café. — Ela está atrasada. 

— Deve estar doente, então — Hugo respondeu despretensioso. — Eu também estaria, no lugar dela, mas… Se não estou enganado, Violet e Camille estavam na cozinha agora há pouco. 

— Vá você avisar elas que a mãe de Edgar está esperando Rose — disse ocupando um lugar na mesa. Hugo soltou um longo suspiro, segurando o pedaço de pão com os dentes para que afastasse a cadeira.

— Eu aviso elas — Albus, limpando os cantos da boca com o guardanapo, se prontificou. 

Por mais altruísta que fosse sua atitude aos olhos de Hugo, a verdadeira intenção não era sequer contribuir para o cenário do desaparecimento da prima, mas sim pedir, encarecidamente, para que uma das duas enviasse uma carta para os Longbottom no reino de Badger. 

— Por que não a pede em casamento? — sugeriu Violet, pegando o pedaço de papel que ele estendia à ela.  

— Concordo. Todos os dias você tem uma carta nova para senhorita Longbottom — Camille riu, negando com a cabeça. — Uma hora alguém vai descobrir e será deserdado por estar querendo gracinha com donzelas de outros reinos…

— Seria um grande favor ser deserdado, mas não vamos colocar a carroça na frente dos testrálios, sim? Grato. Darei o recado de vocês para o meu tio. 

Apesar de seu coração dar pequenas cambalhotas enquanto voltava para à mesa — pensando em como seria maravilhoso ser deserdado para poder deixar St. Godric e ter a liberdade de se casar com quem bem entendesse —, Albus tratou de mudar o semblante de possivelmente apaixonado para ligeiramente intrigado com o súbito desaparecimento de sua querida prima

— Elas não a viram — parando do lado oposto do tio, falou num tom alto o suficiente para que todos ouvissem. 

— Como elas não a viram? Essa não é a função delas? Ficar com Rose?

— Talvez ela esteja no banheiro — apontou Hugo, com toda a racionalidade que seu cérebro permitia às nove horas da manhã. 

 


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Notas finais do capítulo

Pois bem. Rose não é princesa, não é bruxa, não é nada além de uma garota medrosa kkkkkkkkkkkkkkkk falaremos sobre magia, medo e a relação dela e do pai nos próximos capítulos, assim como a motivação do Albus em ajudar o reino de Wiltshire...

Louise, Claire, Violet e Camille não estão aí à toa. Na outra fanfic que comecei a escrever, tinha colocado elas para te "familiarizar" com o ambiente. Quis deixar essa gracinha aqui para você também :)

Um grande beijo e até o próximo! ❤



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