Sentimentos Ocultos escrita por Samantha Tiger


Capítulo 1
Capítulo 1




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SENTIMENTOS OCULTOS

 

Estava ali há algum tempo já. Depois de passar alguns minutos ou horas ajoelhado naquela poça de sangue, do sangue “dele”, tivera forças para ir até a ala hospitalar. Estava ali. Silencioso, imóvel em um canto, ouvindo a conversa entre Madame Pomfrey e seu professor de poções, Severus Snape, sobre a preocupação deles, de como as feridas eram profundas, abundantes e perigosas, do quanto ele esteve perto de morrer... E era tudo sua culpa.

Finalmente, depois de duas horas, tinham conseguido estabilizá-lo; podiam então descansar. O professor levantou-se, e por um momento, sentiu como se algo estivesse errado ao redor. Olhou em torno, estranhando o ambiente, mas não vendo nada fora de lugar, mesmo desconfiado, despediu-se da enfermeira com um aceno, saindo abruptamente da ala hospitalar.

O silêncio imperava na enfermaria, Madame Pomfrey havia se recolhido aos seus aposentos, depois de diminuir a luz do ambiente. Havia apenas um paciente naquele local, uma única cama ocupada, por Draco Malfoy. Um mínimo ruído se fez ouvir perto da cama. Um tecido finíssimo se revelou ao cair e mostrar um rosto, um corpo, antes de ser embolado e descansar no colo do rapaz sentado na cadeira ao lado da cama. De pele clara, cabelos negros revoltos e olhos intensamente verdes, Harry Potter observava o rapaz deitado e inconsciente.

— Eu não te entendo... – Ele disse baixo, quase sussurrado, olhando o loiro intensamente. — Nunca entendi. O que eu vejo em você não combina com o que você faz... Com o que diz.

Suspirou, olhando em volta, se lembrando de cada vez que esteve ali, algumas vezes por causa do quadribol, algumas vezes por quebrar as regras, outras por causa daquele loiro metido e mimado, pensou voltando os olhos para ele. E agora ele estava ali por sua causa.

— Você me intriga... E me irrita! E me afronta! – A voz que começou a falar insegura, foi ficando raivosa. — Por quê? Por que quer com tanto afinco que sejamos inimigos? – Sentia-se exasperado, não entendia pessoas assim, que agrediam pelo prazer de agredir.

Olhou pensativo para a mão leitosa descansando ao longo do corpo sobre o lençol. Sem pensar muito estendeu a mão e tocou-a, deslizando os dedos de leve pela pele macia e fria. Pousou a mão suavemente sobre ela, cobrindo-a. A sua não era macia e suave como aquela, era áspera e calejada, cheia de pequenas marcas, adquiridas nos trabalhos domésticos que fora obrigado a fazer desde pequeno.

— Eu também pensava que éramos inimigos. No livro dizia: Sectumsempra! Para os inimigos... Por isso usei...

 

Há tempos não chorava... Não daquela forma, com o corpo todo, descontroladamente, desoladamente. Sentindo-se sozinho, abandonado à própria sorte. Há tempos não falava, não daquele jeito e não com um fantasma. Às vezes com os quadros das várias e diferentes gerações da sua família, mas nunca com um desconhecido e muito menos com um fantasma, de uma menina então, nem pensar... Era humilhante!

 Soluçava, as lágrimas correndo de seus olhos sem parar, quando de repente ouviu um barulho. Era o que faltava para completar sua humilhação: ser flagrado por um dos alunos, naquela situação deplorável. Ergueu o rosto, e sua imagem apareceu no espelho, borrada e deformada pelas suas lágrimas.

 Então, a última pessoa que poderia vê-lo naquele estado surgiu, sua imagem à porta do banheiro, ao seu lado no espelho, igualmente borrada e deformada, mas os olhos, a cor dos olhos, eram inconfundíveis: verdes, profundos e intensos. Olhos verdes, que mesmo embaçados pelas suas lágrimas, mantinham a força e profundidade.

 Não podia suportar... Isso não. Não dele. Compaixão, piedade, misericórdia... Era impossível aceitar esse tipo de coisa, vindo dele era intolerável. Atacou-o! A humilhação incitando a sua raiva, a sua ação agressiva, e a resposta tão violenta quanto, vindo dele. Preferia isso a ver todos aqueles sentimentos nos olhos verdes borrados. Vociferando feitiços e correndo, se abaixando e se escondendo atrás das portas e obstáculos, até que...

 — Sectumsempra!

 O clarão do feitiço o atingindo, a dor excruciante, a falta de ar, eram lembranças marcantes, mas não tanto quanto a visão dos expressivos olhos verdes. Por entre a névoa vermelha de sangue, em meio ao ribombar alto do coração em seus ouvidos, via os olhos aflitos, angustiados, culpados, dirigidos a si, os lábios vermelhos dizendo palavras que não conseguia ouvir. E então tudo sumiu, na mais absoluta escuridão.

 

— Eu não sabia, não tinha ideia do que o feitiço fazia... Eu não queria! Mesmo que fosse para um inimigo... Não sou um assassino. – Ergueu os olhos angustiados para o rosto pálido, percebendo somente agora o que estar ali significava, o que sentia de fato. Fechou os olhos, trazendo a mão macia para o seu rosto, o toque frio acalmando-o. — Na verdade... Você não é meu inimigo. Voldemort é. Mesmo assim eu não quero matá-lo. E você... Não posso matar você, eu quero protege-lo, não quero que me deixe, mesmo com todas as injurias, provocações, humilhações... O que vi hoje nos seus olhos...

 

Na escuridão um ruído baixo e delicado se fazia ouvir, pareciam sussurros. Aos poucos foram ficando mais altos e coerentes, na voz que queria ouvir. Junto com ela dois focos de luz se fizeram nítidos, um par de olhos verdes que brilhavam naquele lugar vazio, aqueles que não conseguira encarar durante todo aquele ano, nem uma vez sequer. Ele queria, mas simplesmente não podia, mesmo sentindo que eles o seguiam por toda parte, vigiando cada um de seus passos. Porque eles o faziam olhar para dentro de si mesmo e ver as verdades, aquelas que ele não ousava reconhecer, mas que estavam entranhadas em cada pedaço de seu ser...

 

— Eu não posso mais negar, eu... Não te odeio! Eu... Eu... Te amo... – Harry confessou desolado, suspirando profundamente, pousando a mão pálida sobre o lençol novamente, soltando-a suavemente, olhando uma ultima vez para o loiro antes de se cobrir com a capa e sumir. Precisava cumprir seu destino, custasse o que custasse. Talvez assim pudesse ter uma chance. Ergueu-se da cadeira, e tão silenciosamente quanto viera, saiu, sem nem mesmo olhar para trás.

Sem notar o sorriso leve se formar nos lábios finos e rosados, ante as palavras hesitantes e sinceras. Sem ver o estremecimento dos cílios, o tremular das pálpebras ao se abrirem, revelando as íris prateadas, quase como mercúrio líquido, no momento que a porta se fechou. Sem ouvir as palavras baixas, quase inaudíveis.

— Eu também... Te amo... – Os olhos se fecharam tranquilos, naquele momento em paz, levando-o para um sono reparador.

oOo

Fazia três dias... Três dias que olhava para aquela mesa e sentia um vazio enorme, porque não estava vendo “ele”. Então baixava os olhos para o seu prato e brincava com a comida. Foi na hora o almoço, quando atravessou o salão principal, que um brilho platinado atraiu sua atenção. Quase parou no meio do caminho para a mesa, mas forçou-se a continuar andando e se sentar no seu lugar habitual, na ponta da mesa da Grifinória, coincidentemente o lugar oposto ao da mesa da Sonserina onde “ele” sentava.

Ergueu o rosto, antes mesmo de servir o seu prato. E ele estava lá. Distraído com o almoço e os colegas a sua volta, o seu séquito, por assim dizer. Zabini ao seu lado direito, Pansy a sua frente e os trogloditas Crabbe e Goyle, seus guarda-costas oficiais. Olhava com tanta intensidade, que de repente o rosto fino e pálido se virou para o seu lado.

O tempo parou. Por alguns segundos, mas parou. Os olhares se encontraram, e então Harry baixou os olhos, envergonhado por ter sido pego. Colocou a comida no prato sem nem reparar no que estava servindo, nem percebendo que estava comendo frango assado, aliás, nem percebendo que estava comendo de verdade pela primeira vez em três dias. Sentiu o toque em seu braço e ergueu a cabeça, notando que Hermione lhe perguntava alguma coisa, de repente ouvindo a voz dela.

— Harry, você não vai comer a sobremesa?

Só então olhou para a mesa e notou que os pratos sujos e a comida que sobrara já tinham sumido e que tinham vários doces e flans e pudins e bolos à sua frente. Assentiu, sem nada falar, pegando algumas balas carameladas e olhando adiante, vendo Rony comendo um enorme pedaço de pudim, sem desviar os olhos do prato.

Subitamente, seu olhar desviou para a mesa do outro lado do salão, olhos prateados o fitavam; apesar de frios como sempre, fitavam-no intensamente, por alguns segundos e então desviaram para o próprio prato, onde tinha um pedaço pequeno de torta de chocolate. Ficou olhando, observando a delicadeza e elegância com que o loiro comia o doce, quase abrindo a boca em reflexo, quando via o rapaz levar a colher aos lábios.

— Hey, Harry! Cara, você tá legal? – Ouviu a pergunta do amigo à sua frente, percebendo então a expressão preocupada de Hermione ao seu lado. — Eu te chamei umas três vezes, e você só fica aí, com a bala desembrulhada a meio caminho da boca, com o olhar perdido e a boca aberta se mexendo que nem um peixe morto... Parece que tá em outro mundo!

— Eu to bem Ron... Não enche! – Respondeu irritado com o tom de repreensão que sentia vindo dele, relanceando o olhar para o loiro, vendo que ele ainda comia a sobremesa, logo voltando a olhar para o ruivo a sua frente. — Vocês só ficam me perguntando o tempo todo: “Tá tudo bem? Tá tudo bem?”, como se não tivessem mais nada pra falar!

— Harry, a gente só se preocupa, tá bom...? – Hermione interveio claramente chateada. — Só queríamos saber se você quer ir a Hogsmead com a gente, não precisa responder o Ron desse jeito.

— Não... Eu vou ficar. – Olhou de relance para o outro lado, vendo a ponta da mesa da Sonserina vazia, olhando para a porta e vendo o loiro e sua corte saindo por ela. Levantou-se, pegando a mochila. — Podem ir, vou ficar bem... – Disse, olhando para a porta principal por onde ‘ele’ tinha saído.

— Não adianta Hermione, ele está obcecado, não tira os olhos e a cabeça da doninha de jeito nenhum.

— Pra mim, isso tem outro nome... – Ela disse, olhando o amigo que saía para os jardins do castelo. — Vamos?

O moreno saiu pela porta principal, sem se preocupar com os amigos que saíram logo depois de si, indo para o lado oposto, para os portões no limite das terras do castelo, pegando o caminho da vila. Continuou andando pelo gramado e olhando para todos os lados, procurando vê-lo. Até que ao chegar perto de um carvalho, a alguns metros da margem do lago, um reflexo platinado chamou sua atenção.

Foi chegando perto devagar, procurando não fazer barulho, até parar atrás do tronco grosso, espiando por de trás dele, admirando os cabelos claros, a cabeça loira inclinada sobre um livro grande, as costas apoiadas na árvore enquanto lia concentrado. O moreno nem se mexia e mal respirava para não alertá-lo de sua presença.

— Você não acredita realmente que eu não percebi a sua chegada, não é, Cicatriz? – Draco nem mesmo se moveu da posição em que estava. — Até um trasgo seria mais silencioso que você.

— Eu não estava tentando ser silencioso. – Saiu de trás da árvore, caminhando para o lado e ficando a alguns passos dele, olhando para o loiro e vendo-o erguer a cabeça e encará-lo fixamente, sorrindo de canto.

— Humpf... Me seguindo o tempo todo... – Resmungou fechando o livro e se levantando, batendo a grama e as folhas da roupa. — Um filhote de troll adestrado por um velho gagá...

— Não fale assim do professor Dumbledore! – Deu dois passos em direção dele, os punhos fechados, o rosto ficando vermelho.

— Senão o que... Vai me bater? – Ironizou o loiro já empunhando a varinha. — Ui, tô morrendo de medo!

— Será que você não sabe ficar de boca fechada? – Respondeu, já pegando a varinha no cós da calça. — Não me provoca Malfoy!

— Por que...?  Vai terminar o serviço? – Arregalou os olhos dramaticamente, colocando a mão com o livro sobre o peito, debochando. — Vai me... Matar?

— Mas que merda, Malfoy! Eu não queria, nem nunca quis te matar! – Se aproximou mais dois passos, empunhando a varinha com força. — Só estava me defendendo, foi você quem começou!

— Não foi o que pareceu... – Deu dois passos para trás, saindo para o lado, ficando com a retaguarda livre. — Fui eu quem acabei numa poça de sangue!

— Eu não sabia o que o feitiço faria... – Abaixou a varinha. — Eu não pensei...

— Vocês grifinórios nunca pensam. – A varinha continuava em riste. — Mas nesse caso eu faria o mesmo com um inimigo.

— Por que você insiste tanto nisso? – Deu mais dois passos para frente, vendo-o dar dois para trás. — Você não é meu inimigo!

— Estamos em lados opostos. Então você É meu inimigo sim! – Afirmou com ênfase. — É indiscutível...

— Não precisa ser assim...

— Não seja ingênuo Testa-rachada. – Afastou-se um pouco mais, os olhos frios e brilhantes, a voz dura. — Sou Draco, filho de Lucius Malfoy, filho de um comensal da morte, braço direito do Lorde das Trevas. Não tem outro jeito, somos inimigos e ponto.

— Você bate na mesma tecla todas as vezes. – E Harry parecia desapontado. — Mas podia ser diferente, podíamos falar com o professor Dumbledore, podíamos achar uma saída, podíamos te proteger...

Draco riu, os olhos brilhando no rosto inflexível, dando mais alguns passos para trás, afastando-se mais, impondo uma distância segura entre eles, e abaixando a varinha.

— Não sei por que isso parece te incomodar tanto, Menino de Ouro, as coisas são como devem ser. Somos inimigos, ponto. Isso não me incomoda. – Ergueu o queixo com altivez. — O que me incomoda... – Abaixou a cabeça, e hesitou, antes de o olhar de novo, frio e arrogante. — ...Não é ter meu “inimigo” me seguindo o tempo todo, nem ter meu “inimigo” invadindo meus sonhos, nem mesmo ouvir certas palavras perturbadoras do meu “inimigo”. – Draco disse parado a alguns passos do moreno, olhando-o intensamente. — O que me perturba... Não é descobrir que ele “não é meu inimigo”, mas que eu gostaria de “poder” dizer essas mesmas palavras para ele.

E lhe deu as costas, indo para o castelo, sem nem mesmo olhar para trás, sem ver os olhos verdes intensos arregalados de surpresa, com um brilho de esperança luzindo neles.

Fim


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