A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 5
O exorcismo da vampira


Notas iniciais do capítulo

Boa madrugada!
Demorei para postar porque tive um final de semana agitado, mas cá está. Pelo título do capítulo, esperamos emoção.
Boa leitura ♥!



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Não houve tempo para fazer o que a voz mandou. Um vulto branco passou por nossos olhos e em questão de segundos Úrsula estava debaixo de uma criatura que trajava roupas manchadas de sangue seco e possuía longos cabelos prateados.

A menina berrou apavorada sob os dentes afiados e a saliva que escorria pela boca da figura. Tratava-se de uma mulher alta e magra de olhos vermelhos e unhas compridas. Não era um demônio, eu já havia visto dois. Aquilo era um vampiro.

— Yona, não! – a voz masculina de antes retornou, agora trazendo consigo um homem loiro e pálido. – Você não é assim, não pode matar uma criança!

Yona não dizia nada, apenas soltava grunhidos de raiva conforme Úrsula debatia-se debaixo de seu corpo. Leona caiu sentada em um estado de choque e Sued apertou o galho que tanto segurava, fazendo menção de correr até a vampira.

— Não vá! – bradei e saquei de meu bolso as bombas de água benta que foram eficazes contra o demônio.

— Espere. – o homem pediu aos prantos. Ele também era um vampiro. – Minha esposa não é assim, ela está possuída. – passou seus braços por baixo das axilas da mulher em uma tentativa de afastá-la de Úrsula. – Por favor, não a machuquem. 

Paralisei no lugar ao hesitar por um instante. O ar que escapou de minha boca transformou-se em uma fumaça branca e os dedos em volta da bomba afrouxaram-se. 

De soslaio, reparei em como Sued ofegava desesperada e seus olhos não desviavam um segundo sequer da menina que gritava e esperneava sem parar. Franzi as sobrancelhas e soltei um suspiro trêmulo ao conter meus impulsos e me concentrar em formular um plano o mais rápido possível.

— Não vamos machucá-la! – agitei os dois braços para que o vampiro me notasse. – Apenas deixe essa garota usar a magia dela para resgatar a criança, tudo bem? Eu conheço um exorcista, se sua esposa está mesmo possuída… 

O vampiro uniu as sobrancelhas e torceu a boca, todavia, antes que qualquer negociação fosse confirmada, as carpas luminosas de Sued atravessaram pelo ar e rodearam Úrsula. 

Yona grunhiu e tentou golpear as carpas com suas unhas afiadas, falhando ao apenas atravessá-las e enfurecendo-se ao ver que elas levaram a menina para longe.

— Úrsula! – Leona choramingou e correu aos tropeços ao encontro da irmã. Sued resgatou seu graveto e empurrou as pequenas para trás de suas costas, assumindo uma posição de ataque.

— Vocês têm a criança de volta. Por favor, nos ajudem. Tragam o exorcista. – o vampiro caiu de joelhos na neve e segurou a esposa pelos ombros. 

— Escuta… – aproximei-me cautelosamente e coloquei uma das mãos atrás das costas, fazendo um sinal para Sued. – Ele pode demorar um pouco, está ocupado com outr…

— Demorar? – o homem mostrou suas presas e suas pupilas tornaram-se apenas riscos. – Sabe há quanto tempo ela está assim? 

Engoli em seco e meus passos tornaram-se lentos. Os movimentos agressivos de Yona começavam a me assustar.

— Não sei, deve ser uma situação difícil, mas você precisa ser paciente. – gentilmente guardei a bomba de água benta, demonstrando não ser uma ameaça.

— Paciente? Tem semanas que estamos nos escondendo nessa caverna para que ela não machuque ninguém. E não foram poucas as vezes que eu pensei em deixá-la atacar o vilarejo. Não tem ideia do quanto ela grita de fome. – lágrimas pesadas escorreram pela face do vampiro.

Cerrei os dentes, perguntando-me onde eu estava com a cabeça. Torci com todas as minhas forças para que Dante terminasse o exorcismo e desse por minha falta, o que eu duvidava que fosse acontecer. Mas Helga sentiria falta das filhas.

— Na verdade… – o homem resmungou cabisbaixo. – Eu deveria deixá-la ir saciar sua sede de sangue. Talvez isso faça o exorcista andar logo. – e soltou Yona.

Arregalei os olhos e senti o coração falhar uma batida quando vi a criatura vir ferozmente em minha direção. Não consegui me mover ou sequer dar um único passo para trás, havia congelado de pavor. A única coisa que pude fazer foi gritar para as garotas:

— Corram, eu cuido disso! Apenas chamem o...

“Deixa eu adivinhar, você é do tipo que quer proteger as outras pessoas mesmo sem saber se proteger?”. 

Minhas costas bateram no chão e tudo o que eu vi foi o céu escuro girar, seguido pela figura da vampira rosnando sobre mim e rasgando meu poncho. Sua saliva pingou em meu rosto, obrigando-me a fechar um dos olhos e afastar seu rosto com uma das mãos enquanto usava a outra para procurar algo dentro de meu sobretudo. Por sorte, as garotas haviam corrido.

Agarrei um pequeno cilindro de madeira em um dos bolsos internos e usei meu joelho para empurrar sua cintura com o máximo de força que pude, derrubando-a ao meu lado e levantando-me desajeitadamente. Não usaria nada que pudesse acabar com a vida de alguém que ainda tinha salvação. 

Aquilo não foi o suficiente para tirá-la de combate, não mesmo. Ela ergueu-se de um modo estranho, como se não tivesse controle do próprio corpo. E não tinha.

Minhas narinas queimaram ao aspirar o ar gelado. Bati no centro do cilindro e suas extremidades cresceram, transformando-se em um bastão. Girei-o nas mãos e coloquei-o na horizontal em frente ao meu corpo, pronto para me defender. Gaspar e seu pai haviam feito bem em me dar aquilo e algumas aulas.

Franzi as sobrancelhas duramente e analisei a situação: o vampiro encontrava-se de cabeça baixa e punhos cerrados, deixando que sua esposa viesse para cima de mim a qualquer momento. O que aconteceu, já que em meio segundo de distração, o bafo quente da vampira bateu em minha face.

— A ajuda já vai chegar. – ri nervosamente e bati o bastão no braço de Yona, desequilibrando-a. 

Meu maxilar estava ao ponto de travar de tanto que eu rangia os dentes. Se eu corresse para o vilarejo, os moradores ficariam em perigo. Eu precisava aguentar quanto tempo fosse preciso. Que o deus do inverno me ajudasse!

— Ei, qual o seu nome? – gritei para o homem e recuei alguns passos.

Ele levantou a cabeça subitamente, revelando seus olhos marejados.

— Adão. – respondeu com a voz rouca.

— Prazer, Adão. Eu sou o… 

Não pude completar a frase, pois Yona lançou-se em meu ombro com a intenção de mordê-lo. Rodopiei o bastão nos dedos de uma mão e passei para os da outra, acertando-a as costas da vampira e criando uma distância segura entre nós.

— Vampiros são algo interessante, não sabia que podiam ser possuídos. – sorri entre as arfadas.

Adão fez menção de mover-se, contudo, permaneceu estático no lugar. Torci a boca vendo que sua esposa se preparava para outro ataque.

— Yona foi contaminada em um consultório. – o sussurro do vampiro perdeu-se no vento.

Então, algo aconteceu.

Tive um estalo na cabeça, minhas sobrancelhas se ergueram e meu coração palpitou. Como se uma súbita segurança preenchesse meu corpo, dei um simples passo para o lado quando Yona tentou me derrubar e olhei para trás, perplexo.

A vampira caiu na neve e seu tronco foi envolto por uma corrente prateada, cujo a ponta era segurada por um homem alto e de semblante afiado.

— Quem é v… – Adão começou.

— Saia desse corpo que não lhe pertence sob a ordem daquele que o julga: Dante Vulpecula. – ele ergueu a mão livre que foi rodeada por uma névoa de cor roxa. – Deixe agora o que roubou e destruiu para que essa alma possa ter paz. 

Yona contorceu-se entre as correntes, rosnando e espumando pela boca. Suas írises vermelhas desapareceram, restando apenas a esclera branca e vazia. 

— Eu te expulso e sua sentença é que retorne ao lugar de onde veio e que nunca mais volte a habitar esse corpo. – Dante puxou a corrente, deixando-a ainda mais apertada e permitindo que a névoa se espalhasse por toda a sua extensão.

A vampira emitiu um último grunhido de fúria antes de parar de se mexer completamente. Um suspiro escapou de sua boca e as írises voltaram ao lugar, sendo escondidas pelas pálpebras cansadas logo em seguida. 

Não sei se foi apenas impressão minha, mas posso jurar que senti um arrepio em minha espinha e escutei uma voz rouca e furiosa murmurar alguma coisa quando o corpo de Yona deixou de mover-se. Abracei-me e esfreguei os próprios braços, impressionado.

— Está curada. – Dante expirou e recolheu a corrente, enrolando-a e prendendo-a em seu cinto. – E quanto a você… – me lançou um olhar de repreensão e aproximou-se a passos pesados.

— Eu senti. – levantei a cabeça para encará-lo. Sybelle estava em seu bolso e suas palavras douradas iluminavam parcialmente nossos rostos na escuridão.

— Sentiu o quê? – ele franziu as sobrancelhas.

— Sua presença naquela hora. Eu soube quando você chegou, mesmo em silêncio. – assenti admirado. – Será que eu sou algum tipo de médium?

— Você pode ser muitas coisas, mas a que temos certeza é de que é um idiota irresponsável cabeça de vento sem noção do perigo! – Dante berrou.

Entreabri os lábios e arregalei os olhos.

— As meninas não se machucaram. – balbuciei timidamente e desviei o olhar.

— Eu sei disso. – ele respondeu ríspido.

— Então por que está tão bravo? 

Em um movimento brusco, Dante agarrou meu colarinho e deixou uma distância mínima entre nossos narizes, olhando-me no fundo dos olhos como se a próxima alma a ser exorcizada fosse a minha.

— Pessoas morrem o tempo todo. Às vezes nas minhas mãos, às vezes ao meu lado. E eu não quero enterrar mais ninguém. Entendeu?

Pisquei os olhos lentamente. Queria dizer que me concentrei 100% no que ele disse, contudo, na verdade foram só uns 70%, já que em 20% fiquei focado no mar petróleo que eram seus olhos e nos outros 10% perguntando-me como minhas bochechas ficaram tão quentes naquele frio.

— Entendeu? – repetiu impaciente.

Assenti tão rápido que meus globos oculares teriam dado a volta na cabeça se possível.

— Vamos embora. Já terminei o exorcismo na casa das meninas.

Fiquei boquiaberto e protestei dizendo que queria ver o resultado e me despedir delas, todavia, fui interrompido pela voz do vampiro que estava ajoelhado ao lado do corpo desacordado da esposa:

— Esperem! 

— Ela vai acordar em breve, não se preocupe. – Dante torceu a boca.

— Não é isso. – Adão abraçou a mulher e acariciou seus cabelos. – Tudo é culpa minha. Porque eu estava doente.

— Doente? – questionei.

Ignorando a pressa de Dante em ir embora, ousei aproximar-me um pouco do vampiro a passos lentos e cautelosos. Não me importava mais com o vento que raspava meus ouvidos, aquela situação era fascinante.

— Não podíamos pagar por um tratamento e mesmo assim um doutor se ofereceu para cuidar de mim. – o homem soluçou. – Quando eu já estava curado, Yona se ofereceu para limpar todo o consultório como forma de pagamento, inclusive a sala subterrânea.

Engoli em seco e analisei a mulher que se mantinha imóvel. Sua pele estava pálida, quase cinza e os lábios arroxeados por causa da temperatura. Adão não estava muito diferente, tendo em vista que cada um usava uma única blusa de manga longa e calça escura de aparência gasta.

— Era um lugar estranho, tinha um círculo no chão com alguns símbolos. – lágrimas pesadas surgiram em seus olhos e sua respiração ficou descompassada. – A sensação era horrível. Saímos de lá, mas já não éramos mais os mesmos, principalmente Yona.

Mordi o lábio inferior e cerrei os punhos ao ser preenchido por uma sensação ruim que fez meu estômago se revirar e as pernas ficarem bambas. Adão balançou a cabeça negativamente e enxugou seu rosto.

— Eu não quero voltar lá nunca mais. Nem aceitar favores de humanos. – exclamou com a voz embargada.

“Todos vivem sob as leis dos humanos.”, acho que foi minha mãe quem disse isso uma vez.

Vampiros existiam, mas não era como se você conseguisse ver um a cada passo. Eles tinham medo e prezavam por sua existência. Preferiam viver em pequenos grupos em lugares escondidos ou disfarçados de andarilhos. Podiam ser mais fortes, viverem mais ou até terem uma inteligência maior, porém, os humanos sempre davam um jeito de se sobressair e subjugar quem fosse.

Olhando para todo o brilho daquela neve, percebi como o mundo belo em que vivíamos era cruel e injusto.

— Se lembra onde é esse lugar? – Dante sondou.

— Saindo das Terras Brancas, há uma pequena cidade ao oeste chamada Pomar. O consultório fica no centro. – Adão passou seus braços pelas costas e pernas de Yona, erguendo-a no colo. 

— Nós vamos até lá. – eu e Dante afirmamos simultaneamente em um tom determinado. 

Ergui as sobrancelhas ao ver que o exorcista e eu concordamos em alguma coisa. O observei retirar um pedaço de papel amarelado de dentro do sobretudo e semicerrar os olhos para analisá-lo. Prontamente, puxei um de meus colares de cristal luminoso e aproximei-me do rapaz, iluminando o que se revelou um mapa.

— Dá para ir andando. – ele concluiu.

Analisei os desenhos no papel, identificando onde estávamos e para onde deveríamos ir.

— O quê?! – berrei incrédulo. – Vai levar uns quatro dias… Ou mais! Não consigo mais andar nessa neve, vamos pegar um trem.

— Você tem dinheiro para a passagem? – Dante fechou o mapa e me lançou um olhar que dizia claramente “eu sei que não, idiota”.

Envolvi o cristal em uma das mãos, desviei o olhar e resmunguei acanhado:

— Não.

 


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Notas finais do capítulo

E olha que o Gaspar avisou no primeiro capítulo que o Suichiro não tinha nem passagem de volta! E agora? Como será lá em Pomar?

Espero que estejam gostando, comentem para deixar uma autora feliz ♥ Muito obrigada!

Até semana que vem.
Beijos.
—Creeper.