Before We Fall Apart escrita por Little Alice


Capítulo 1
U: all we need is just a little patience


Notas iniciais do capítulo

Oi, tudo mundo! Como você estão? Espero que bem, na medida do possível :)

SENTA QUE LÁ VEM TEXTÃO
Antes de qualquer coisa, eu quero agradecer às administradoras desse projeto lindo e necessário, que traz tanta representatividade, amor, risos e lágrimas a esse universo tão conhecido por nós: noora, prongs, red hood e violet hood, nada disso seria possível sem vocês e sem toda a dedicação e o carinho que vocês colocam no Pride Months ♥ Fico muito feliz pelo sucesso do projeto e por poder fazer parte dele de alguma forma.

Agora, sobre a fic. A ideia de escrever uma Blackinnon (com Sirius e Marlene bi) para o Pride surgiu meio que em um momento de birra. Para ser sincera, nunca shippei muito o casal, mas resolvi escrever algo sobre eles depois que percebi que uma parte do fandom enchia muito o saco de quem gostava. Foi pura birra sim, mas, no fim, eu acabei gostando de verdade da ideia dos dois juntos (tanto quanto eu gosto de Wolfstar e Dorlene). Por um momento, eu achei que não conseguiria inscrever esta fic e que não participaria da edição deste ano; depois que me inscrevi num ímpeto maluco, chorei de desespero e arrependimento porque achei que não conseguiria terminar de escrever, mas felizmente tive momentos de inspiração bastante inesperados e tudo deu certo. Escrever sobre a marauders era foi um desafio para mim (quem me conhece já deve ter percebido que eu basicamente escrevo sobre newgen e Drastoria), então, por favor, me perdoem por qualquer coisa, porque são erros de principiante. No mais, espero que gostem.

Boa leitura!



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No momento em que a viu, descendo as escadarias do Salão Principal, com seu vestido azul-marinho, seus cachos loiros pendendo no alto da cabeça e o seu sorriso entre o tímido e o confiante, Sirius sentiu seu coração falhar uma batida. Uma batida que lhe escapava, uma respiração que se prendia nos pulmões e um sentimento novo e estranho pairando sobre o que achava que era certo. Aquela era a primeira vez que a via daquela maneira, tão deslumbrante, tão encantadora, tão Marlene. Por um instante muito efêmero, achou um pouco triste que a enxergasse assim somente no fim, no último dia da vida deles naquele lugar em que orbitaram por longos setes anos.

Mas, então, ela parou à sua frente, aceitando a mão que ele lhe estendia, e tudo se dissolveu. Porque ambos estavam ali, vivos, prontos para serem felizes ― ainda que apenas momentaneamente ― e a noite se estendia infinita dentro da sua própria finitude. Sete anos, que se perdiam nas escolhas que fizeram, podiam ser facilmente resgatados no pequeno espaço que compartilhavam, nas poucas horas que se desenrolavam entre o início e o fim do baile.

Sirius nunca fora de se reter ao passado; em sua vida, ele tomara decisões, deixara coisas e pessoas no seu eterno ontem e nunca sequer olhou para trás, pois sabia que aquele simples movimento poderia ser mais doloroso do que gostaria de admitir. Em outra realidade, aquilo não teria sido necessário. Em outra realidade, sua família não seria sua família, não seria tão sombria quanto o sobrenome que eles carregavam e perpetuavam de maneira tão orgulhosa e tão sórdida. Em outra realidade, ele seria aceito e seria, principalmente, amado.

No entanto, sua realidade era apenas uma, aquela em que vivia, e não lhe restava nada além de aceitar as perdas que a sua liberdade lhe trazia. Sirius, portanto, não olhava para atrás e não começaria a fazê-lo agora. Eles tinham o presente e isso deveria bastar. Eles tinham aquela noite e a viveriam como mereciam. O rapaz garantiria isso, ainda que aquela situação, os dois juntos, não fosse o que planejaram desde o início, o que sonharam para si mesmos.

Porque, novamente, em uma realidade alternativa, eles teriam ido ao baile com outras pessoas. As pessoas que realmente desejavam. Sirius, com Adam Edgecombe. Marlene, com Emmeline Vance. No entanto, por uma grande e perversa ironia do destino, ambos tiveram os seus corações partidos uma semana antes e aquilo que consideravam garantido passou a pertencer a uma outra linha temporal, uma linha onde existisse mais coragem e menos egoísmo ― e, por isso mesmo, muito diferente daquela na qual estavam.

Para ser franco, não era como se Sirius não esperasse por aquela decepção. Foi apenas uma confirmação. O fim do que eram sempre fora óbvio. James lhe dissera, Remus lhe dissera, Peter lhe dissera. Todos lhe disseram, até mesmo o seu coração cansado havia lhe dito aquilo duas ou três vezes, em situações distintas. Foi ele, contudo, que quis acreditar na possibilidade. Foi ele que quis manter a esperança. Esperança de que Adam assumisse quem era e, por consequência, assumisse a Sirius.

Não era culpa de Adam, entretanto, se não podia fazê-lo. Sirius entendia isso, entendia em que mundo e em que época viviam. Entendia bem demais, muito mais do que gostaria de entender. Já que, no fim, o caminho que ele próprio precisou trilhar para chegar até aquele ponto não fora exatamente fácil. Sirius precisou de tempo para aceitar que gostava de meninas, mas também gostava de meninos. Que rapazes também atraíam o seu olhar. Que rapazes também faziam o seu coração disparar e o seu corpo desejar. E precisou de um tempo ainda maior para admitir isso aos outros. Seus amigos, que eram muito mais como seus irmãos de sangue, souberam e entenderam desde o início, desde que Sirius pôde transpor o que sentia e o que era em palavras. Mas havia um mundo que não era seu amigo e que tampouco o entenderia. Foi para esse mundo que precisou admitir. Como dissera uma vez Lily, recitando um filósofo trouxa, “o inferno são os outros”. São sempre os outros.

Porém, quando chegou a hora, quando compreendeu que não podia mais carregar a dor de se esconder, já que isso não era nem mesmo algo próprio da sua natureza espontânea, impulsiva e livre, Sirius foi corajoso e não olhou para trás, para o tempo em que não recebia olhares atravessados e ofensas gratuitas. Para o tempo em que não precisava viver em constante alerta. A liberdade de ser quem realmente era cobrava um preço injusto e ele estava pagando.

Contudo, não olhava para trás. Nunca olharia. Aquele era um lema que levaria para o resto de sua vida… para o que quer que fosse. Ao menos, era o que julgava que faria. Aos dezoito anos, algumas certezas ainda eram sólidas demais. Ainda não haviam sido quebradas pela vida e pelas suas exigências inóspitas. Talvez, aos trinta anos, quando já não restasse mais nada, Sirius precisasse viver submerso ao que passou e ao que não voltaria; mas, agora, aos dezoito anos, importava viver o presente e importava mudar o futuro, para torná-lo um lugar mais aprazível, para não permitir que se transformasse naquilo que ameaçava se transformar.

Em Hogwarts, no entanto, não havia muitos alunos assumidos. A adolescência já era naturalmente complicada sem aquilo; e assumir-se, embora fosse libertador, acrescentava uma dose extra de dificuldade. Do seu ano, a primeira a se posicionar diante de todos como lésbica fora Emmeline, quando começou a sair com uma aluna veterana da Corvinal. Pouco tempo depois, Sirius se declarou como bi. Ambos ouviram muitos murmurinhos por aquilo. Emmeline viu algumas de suas amizades se afastarem e viu os seus próprios pais lhe virando as costas. Sirius viu a incompreensão das pessoas quando afirmava que se interessava tanto por garotas quanto por garotos, viu inverdades serem ditas ao seu respeito e só não viu a reação exacerbada da sua odiosa família porque já havia sido deserdado e apagado da árvore genealógica por outras razões. Por não compactuar com ideias supremacistas. Por ser o exato oposto de tudo o que os Black eram.

Marlene também levara o seu tempo. Um tempo ainda maior do que o de Emmeline ou o de Sirius. Àquela altura, o rapaz entendia que cada vivência era única ― por mais que quisesse espelhá-las ou exigir que fossem iguais, não poderia, não seria nem mesmo justo. Marlene costumava sair com garotos e chegara a namorar alguns deles, mas, nos últimos meses, algo dentro dela se remexia. Ela sentia como se vivesse uma versão incompleta de si mesma. Certa noite, Marlene procurou Sirius, porque não sabia a quem recorrer, porque não entendia o que estava sentido e muito menos quem deveria ser.

Que ela gostava de meninos, sempre foi certo. Mas que pudesse gostar de meninas, nunca foi algo que se permitiu cogitar até acontecer de fato. Ela era hétero. Achava que era hétero. Nunca se viu como nada além de hétero. Isso até começar a enxergar Emmeline com outros olhos, durante as férias de verão, quando a amiga passou a morar com a família McKinnon, e sua presença se tornou uma constante muito bem-vinda e uma ameaça provocante, com um clima estranho nascendo entre elas. Isso até Emmeline a beijar, depois de uma festa no início do ano, e o beijo parecer tão correto, tão bom, tão glorioso. Não era diferente de beijar um rapaz. Não para ela.

No entanto, aquilo precisou parar tão logo começou. Porque Marlene não era lésbica. Não era como Emmeline. Porém, em seu íntimo, já não tinha certeza se era hétero. Ser um ou ser outro não parecia contemplá-la em sua totalidade. Ser um ou ser outro só lhe transmitia uma ideia de incompletude. Contudo, também não poderia ser os dois. Ou poderia? Estava confusa e não conseguiria dar qualquer passo adiante com Emmeline antes de se entender, por mais que o seu coração estivesse esmorecendo mais e mais pela garota.

Talvez gostar de Emmeline fosse apenas uma fase, uma fase que passaria se Marlene permitisse que passasse. E, quando passasse, talvez voltasse a ser o que sempre achou que era: hétero. Porém, não estava passando, apesar de toda a distância autoimposta. Naquela época, Sirius e Marlene já conviviam minimamente. Nunca foram íntimos, mas o namoro entre James e Lily aproximaram os dois grupos, bem como a vontade de lutar pelo que acreditavam, por um mundo justo e sem medo.

Assim, Marlene procurou Sirius. Eles conversaram por horas e horas durante aquela noite, até a lareira parar de crepitar e ambos serem engolidos não pela escuridão, mas pela pequena claridade de um céu cinza-pálido que amanhecia. Sirius não achava que Marlene precisasse escolher ser um ou ser outro, porque não se travava nem mesmo de uma escolha. Ela tinha apenas que seguir o seu coração e as suas vontades mais sinceras.

Estar apaixonada por Emmeline naquele momento não invalidava ter estado apaixonada por meninos em outros momentos. As duas experiências coexistiam. Eram reais. Para Sirius, gostar de pessoas para além de seus gêneros sempre foi uma realidade, desde o despertar da sua sexualidade, ainda que, a princípio, fosse uma realidade que não quisesse admitir para si mesmo, muito menos para os outros. Mas, para Marlene, aquilo era novo. Era a primeira vez que gostava de uma menina, que enxergava uma menina como uma possível parceira. E que Marlene fosse apenas feliz e vivesse o que queria viver, porque os tempos eram sombrios e a vida frágil demais para se privar do amor.

Marlene sentiu que amanhecia junto com o dia. Ela ainda não entendia muita coisa sobre si mesma, e suspeitava que a incompreensão sobre quem era a perseguiria para o resto de sua existência, porque era assim com todos os seres humanos, tão mutáveis e tão pequenos que eram diante do universo, mas entendia que estava apaixonada por Emmeline e que Emmeline retribuía o interesse. Ela ansiava por viver aquilo. Como a boa grifinória que era, Marlene ouviu o seu coração, apesar de qualquer receio, e foi corajosa.

Declarou-se para Emmeline e assumiu aquele relacionamento recém-iniciado para a escola e para os pais. Da mesma maneira como haviam acolhido Emmeline quando esta mais precisou, o Sr. e a Sra. McKinnon acolheram a filha, pois o amor sempre fora a bússola moral dos dois. Somente o amor. Aquela situação aproximou ainda mais Sirius e Marlene. Era inevitável. Sirius sentia-se feliz por tê-la ajudado, ainda que com um gesto tão mínimo, apenas uma conversa, mas que, para ela, significou o mundo. Era a conversa que precisava, afinal, a conversa que ninguém nunca tivera com Marlene porque não podiam entendê-la. Ela, por sua vez, fora um ombro amigo ― e a própria voz da razão que escapava ao garoto ― quando o relacionamento entre Sirius e Adam começou a se tornar insustentável.

Porque Sirius queria uma coisa que Adam não podia lhe dar, não naquele momento. Queria do namorado a mesma coragem que Sirius vinha tendo durante toda a sua vida. A coragem que Emmeline teve. A coragem que Marlene teve. Naturalmente, ele achava que tudo se resumia em coragem. Coragem para encarar o mundo. Coragem para dar a cara a tapa. Aquilo era o que Sirius passou a desejar daquele relacionamento, mais do que beijos em armários de vassoura, carícias por debaixo das mesas e encontros noturnos e furtivos na Torre de Astronomia. Ele queria levá-lo ao baile de formatura, apresentá-lo como o seu namorado e dançar com o rapaz até os pés doerem e o corpo não aguentar de tanta  euforia e leveza. Mas aquilo, logo descobriu, era a única coisa que Adam não poderia lhe oferecer. Ele poderia oferecer o seu coração, a sua amizade e os seus toques. Mas não aquilo.

No início, esconder-se não o incomodava. No início, Sirius entendia ― mesmo depois do início, ele continuava entendendo, entretanto, existia um abismo entre o entender e o aceitar. Aquela dinâmica, no entanto, começou a desgastá-lo com o tempo. Ele não aguentava mais, não aguentava manter-se em constante segredo, em ser cauteloso sempre que estavam em público, em fingir que não se gostavam de modo algum, nem mesmo como amigos. Porém, manteve-se naquele relacionamento, pois estava apaixonado e sempre acreditou que estar apaixonado bastava. Que o amor bastava.

Em sua vida, não estava tão habituado ao amor, pois crescera muito longe dele. Mas, ainda assim, sabia que era um sentimento pelo qual valia a pena lutar. E ele estava lutando. Continuaria lutando enquanto houvesse amor. Ele lutaria por James, por Remus, por Peter. Lutaria por Lily ou por Marlene. Lutaria pelas pessoas que aprendera a amar, de infinitas formas. Talvez até pudesse lutar por Regulus, se algum dia o irmão se refizesse. E lutaria por Adam e pelo que ambos tinham.

Foi nesse ponto que os seus amigos começaram a alertá-lo. Lily chegara a lhe dizer que o amor era, sim, uma luta em muitos sentidos, mas que, apesar disso, não deveria nunca ser um campo de batalha contra si mesmo ou contra o outro. Aquele tipo de amor transformava flores em ervas daninhas, tornando o solo inadequado para o cultivo de coisas verdadeiramente boas e matando o que ainda restava de belo. Mas Sirius não lhe deu ouvidos. Não deu ouvidos a ninguém. Ele queria ficar com Adam e manteve as esperanças intactas. As coisas ainda podiam mudar. Sempre poderiam. Com isso, vieram cobranças, discussões e separações que nunca duravam, pois, no dia seguinte, já estavam com as bocas coladas em algum canto escuro do castelo.

― Vocês estão em uma espécie de impasse ― disse Marlene em uma noite muito parecida com aquela em que compartilharam pedaços de suas almas para que a garota pudesse se entender e buscar o que desejava. Sirius estava jogado em uma poltrona da Sala Comunal, exausto do confronto que tivera com Adam horas antes. ― O que você quer é justamente o que Adam não pode te dar.

― Ele poderia, se quisesse. ― Naquele momento, estava profundamente cansado de entender.

― Será que pode mesmo? Talvez ele queira, mas não possa.

― Você e Emmeline quiseram. Foram corajosas.

― Ou estúpidas ― riu Marlene. ― Sirius, me ouça. Não foi fácil para a Em, ela foi expulsa de casa no momento em que decidiu ser, como você mesmo disse, corajosa. Ela tinha dezesseis anos e, de repente, estava sozinha. Se não fosse os meus pais… eu não sei o que poderia ter sido dela. Mesmo hoje, ainda é um ponto sensível para a Em. Ela ama os pais e queria estar com eles. Nem sempre coragem é o mais importante. Às vezes, trata-se também de se manter em segurança. Pelo que soube, e acredito que você também saiba disso, os pais do Adam não são exatamente fáceis. Ele vem de uma família bem tradicional.

― Ele não está sozinho, Lene. Ele tem a mim.

― E o que você tem? Sem ofensas, Sirius, mas você mora na casa de James.

― Euphemia e Fleamont o aceitariam, eu sei que sim. Eles são quase…

― … Quase como pais para você. É, você já me disse isso e acredito mesmo que seja verdade, mas, para Adam, talvez esse não seja um conceito de segurança muito sólido.

― De todo modo, não vai ser sempre assim. Nós estamos nos formando, vamos ter nossas próprias carreiras. O que nos prende? O que o prende a família dele?

Marlene suspirou e balançou a cabeça.

― Como você é cabeça-dura, Sirius. ― Ela deu um peteleco na testa dele, que o fez sorrir mesmo sem querer. ― Mas, respondendo à sua pergunta: amor. É amor que o prende à família dele. Porque, apesar de tudo, é a família dele. Vocês dois são diferentes nisso. Adam ama a família e é amado de volta. Talvez ele não queria perder isso. Não agora. Ele não está errado, se for o caso. Quem poderia culpá-lo? Eu vejo isso em Em às vezes. Sei que ela não se arrepende de ter se assumido, mas sei também que existe uma partezinha dela que apenas deseja ser abraçada pelos pais. Uma partezinha que deseja voltar à infância, quando tudo era fácil e bom, quando era aceita. Nem todos têm a minha sorte. E nem todos conseguem não olhar para trás, como você faz.

Sirius a encarou, boquiaberto. Ninguém nunca o lera tão bem. Ele não falava sobre aquilo, sobre nunca se voltar para o próprio passado para não ter que enxergar tudo o que havia deixado para trás. Ele apenas agia assim. Era algo interior, algo que o seu coração fazia para se proteger, para que não sangrasse mais do que já sangrava. Mas ali estava Marlene, desvendando-o de maneira tão natural, com uma sensibilidade e honestidade que o assustavam.

― Pode não parecer, mas Adam também está lutando pelo amor. Pelo amor da família dele. Talvez esteja fazendo isso da pior maneira possível, se escondendo, se abstendo de quem realmente é e do que o faz feliz, mas está lutando. Talvez seja uma luta infrutífera, como Lily costuma dizer, mas é a luta que ele escolheu lutar no momento. O mundo é mesmo uma coisa complexa e cheia de ângulos estranhos, percebi isso pouco tempo atrás, quando entendi que nem as certezas que eu tinha sobre mim mesma eram inquebrantáveis. Você não consegue enxergar o que Adam está fazendo, porque, ao contrário dele, você escolheu lutar pelo que possuem juntos e, portanto, espera que ele faça o mesmo.

― E eu estou errado?

― Não, nenhum pouquinho. Você merece ter de volta todo o empenho que coloca na relação. É o que todos nós merecemos. Mas essa situação já está te machucando. Está machucando a ambos. Eu entendo isso porque sinto que estou vivendo o mesmo com a Em agora.

― Vocês não estão bem? ― Sirius pareceu surpreso.

― Não, não estamos, e dói admitir, sabe? Eu sinto que, neste momento, estou lutando sozinha por nós duas. Em é o meu primeiro grande amor. De certa forma, ela sempre vai ser isso: o meu primeiro grande amor. Esse é um posto que ninguém mais pode ocupar. Ela foi a primeira pessoa com quem vislumbrei um futuro brilhante e com quem ainda vislumbro. Foi a primeira pessoa com quem senti que o que tínhamos não era apenas paixão passageira, mas amor de verdade. O problema é que eu não sei se eu sou essa pessoa para ela.

― Por que não?

Marlene abriu um sorriso triste.

― Em recebeu uma carta da ex-namorada umas semanas atrás. Aquela veterana da Corvinal, lembra?

― Ah… ― sussurrou, sabendo o que aquilo provavelmente significava. Marlene não podia ocupar, na vida de Emmeline, o mesmo posto que Emmeline ocupava na de Marlene. O primeiro grande amor de Emmeline jamais seria ela. Talvez não pudesse sequer ocupar o posto do amor que mais se deseja.

― Novamente, você está em um impasse. E, aparentemente, eu também estou ― suspirou, amarrando os cabelos em um rabo-de-cavalo. Ela olhou para a janela, onde um novo dia já começava a levantar, o cinza-pálido invadindo o azul-anil da madrugada. ― Como resolver esse impasse, hein? É possível resolvê-lo e continuar juntos?

Sirius só descobriu a resposta para aquela pergunta uma semana antes do baile. Entre um beijo e outro, ele convidou Adam novamente para o baile. Algo dentro dele sabia que aquela seria a última vez que o convidaria. A última vez que imploraria. Sirius teve esperança de uma réplica diferente da que sempre recebia. Até mesmo ousou sonhar com o “sim”. Mas o “sim” que tanto almejava não viera. Foi então que compreendeu que, estando em páginas separadas, eles jamais poderiam caminhar juntos. Sirius já passara por aquela fase em sua vida. Adam, não. O tempo que Sirius precisou levar para se assumir fora relativamente rápido. O tempo que Adam precisava para fazer o mesmo poderia levar anos. Sirius não podia esperar por anos, contudo, também não podia exigir de Adam uma coragem que ainda não possuía. Não era justo consigo. Não era justo com Adam.

Foi então que compreendeu que desistir de lutar exigia certa dose de coragem. Às vezes, desistir era o único ato corajoso possível. Sirius desistiu de Adam. Desistiu daquele amor que mais machucava que fortalecia. Ele desejava para si um amor da mesma matéria que o amor de James e Lily era feito. Um amor que trazia à tona a sua melhor versão. Ele não poderia ter aquilo com Adam, percebeu. Não naquela realidade. Não naquela linha temporal. E, outra vez, Sirius não olhou para trás. Porque era o fazia e era o que continuaria fazendo até não ser mais possível. Ele tomara a sua decisão e enfrentaria as suas consequências.

Marlene também descobriu a resposta para aquela pergunta uma semana antes do baile. Quando, enfim, teve coragem de confrontar Emmeline e de ouvir o que tanto temia. Porque parecia-lhe, e isso se confirmou, que Emmeline só estava com ela por pena, por comodismo e pela amizade que sempre tiveram, antes de se tornarem um casal. Com lágrimas nos olhos, Emmeline confessou que gostava de Marlene, mas que amava a sua ex-namorada. Ali estava a diferença. A terrível diferença. A verdade era que Emmeline nunca deixara de amar a sua ex. Ela tentou esquecê-la com Marlene e, por um momento, pareceu que estava funcionando. Até receber aquela carta, onde sua ex pedia uma nova chance, onde confessava todos os seus erros e implorava por um perdão que sabia que não merecia. Marlene sentiu raiva de Emmeline naquele momento. Considerou-a egoísta. Fraca. Mesquinha. Sentiu-se usada.

Ela fora uma substituta. Apenas isso ― ou quase isso. Emmeline a usara para esquecer da própria dor, para preencher a solidão que se alastrou dentro de si quando foi deixada. Apesar disso tudo, Marlene não sentia como falso o que viveram juntas. Os toques, as risadas e os planos que começavam a fazer foram todos reais. Emmeline gostou dela, até mesmo a desejou, só não conseguiu lhe devotar o mesmo tipo de amor, embora tivesse tentado. Marlene amaldiçoou aquele mundo cheio de nuances. Porque nada era preto ou branco. Era sempre tons de cinza. Sempre havia mais complexidade do que se podia imaginar. Um erro que se misturava a um acerto. Um sentimento ruim, como o egoísmo, que se mesclava a um sentimento bom, como a vontade de fazer o outro sorrir. Paradoxos que desenhavam uma tela agridoce.

Se não tivesse confrontado Emmeline naquele dia, era provável que não tivessem nem mesmo terminado. Elas teriam ido ao baile juntas, como o planejado. Emmeline sentia-se em dívida com Marlene e estava disposta a continuar em nome daquele sentimento muito pouco nobre. Entretanto, Marlene chegou às mesmas conclusões que Sirius. Às vezes, desistir era o caminho mais corajoso. Portanto, desistiu de Emmeline. Deixou o caminho livre. Para a garota e para si própria. Emmeline sempre seria o seu primeiro grande amor, mas não seria o único. O que Marlene precisava era de um amor como o de James e o de Lily. Um amor inteiro. Um amor por igual, com corações que dançavam no mesmo compasso. Ela não poderia ter aquilo com Emmeline, deu-se conta. Não naquela realidade. Não naquela linha temporal. Em outro universo, tudo o que um dia sonharam poderia ser possível. Naquele, nada seria e estava tudo bem, porque sonhos morrem e renascem o tempo todo.

Assim, aquela sequência de eventos infortúnios, mas libertadores em certa medida, levaram Sirius e Marlene até aquele momento: juntos, no baile, com as mãos entrelaçadas e os pés caminhando em direção à pista de dança. Ambos estavam solteiros, ambos tiveram os seus corações partidos e ambos, apesar de tudo, queriam se divertir em seu último dia em Hogwarts. Eles mereceriam isso, assim como todos os outros. Nenhum dos dois era contra a ideia de irem sozinhos ao baile; porém, eram amigos ― agora mais do que nunca ― e acreditavam que poderiam apreciar aquele instante com uma força ainda maior na companhia um do outro.

A música ressoava no ambiente, animada e convidativa. Sirius abriu um sorriso pequeno, sentindo o calor e a suavidade da pele de Marlene entre as suas mãos, e continuou guiando a garota até o centro do Salão Principal, onde os seus amigos também estavam, em uma rodinha mais barulhenta e mais feliz do que a própria canção que os cercavam. Lily mantinha os braços ao redor de James, mesmo que a melodia exigisse uma dança separados. Desde que se encontraram um no outro, aqueles dois eram inseparáveis.

Ninguém mais parecia se incomodar com as incansáveis demonstrações de amor de James e Lily. Habituaram-se. De certa maneira, aquilo até trazia algum conforto e esperança. Esperança em um sentimento puro e forte demais, capaz de salvar um mundo inteiro. Naquele instante, sorrisos estavam estampados nos rostos de todos. Corações estavam abertos para aquela noite que indicava um fim, mas também um começo ― embora nem um, nem outro parecesse importar realmente; apenas a noite importava, era o que estava no meio, o que exigia uma comemoração. Emmeline estava naquele pequeno círculo de amigos, porque, afinal, ela fazia parte daquele lugar. Era seu por direito. Por merecimento. Por sempre ter sido uma boa amiga.

Mas, ao avistá-la, Sirius teve o cuidado de fazer com que Marlene ficasse de costas para a garota. Ele também ficara bravo quando soube o que acontecera. O rapaz gostava de Emmeline, tinha até certa empatia por ela e pelos sentimentos que demonstrava possuir, no entanto, havia algo em Marlene que o fazia querer protegê-la. Protegê-la da dor. Marlene não era como ele. Não estava acostumada a não olhar para trás. Ela o faria, Sirius sabia que o faria. Por isso, estava determinado a mantê-la no presente, com ele. Apenas com ele.

Seria bom se as duas, algum dia, pudessem restabelecer a amizade que tinham, pois, antes de tudo, elas foram amigas. Marlene, entretanto, ainda se sentia muito machucada e aquela ferida cravada em seu peito não cicatrizaria do dia para a noite. Sirius nunca havia se apaixonado por um amigo e, pelo que podia observar, parecia-lhe certo afirmar que aquele era um dos caminhos para o precipício de tudo. Porém, ao ter Marlene diante de si, disparando o seu coração de uma forma outrora inimaginada, pensou pela primeira vez que poderia acabar se apaixonando por um amigo se, ao menos, possuíssem um pouco mais de tempo juntos.

Ele poderia se apaixonar por aquela amiga.

A constatação daquele fato o pegou levemente de surpresa. Era, além de tudo, a constatação de que sempre haveria um depois. De que a tempestade sempre chegava ao fim, em algum ponto. Ele poderia amar outra vez, mesmo que aquele sentimento romântico parecesse um pouco morto no momento. Sirius não sabia, de fato, o que o depois significaria, mas, com certeza, ele estava ali, na linha do seu horizonte. Talvez, quem sabe, estivesse em forma de Marlene McKinnon. Talvez, quem sabe, não estivesse. Só o tempo poderia responder àquelas questões. Essa era a única coisa que, de fato, sabia.

Com o passar do baile e sem que sequer percebessem, ambos se afastaram dos amigos. Não estavam mais naquele pequeno semicírculo. Se porque quiseram ou se porque simplesmente era natural que ocorresse daquela maneira, não faziam ideia. Mas, agora, eram apenas Sirius e Marlene contra o próprio tempo. Os dois, iguais em tantos sentidos, diferentes em tantos outros, como em qualquer relação. Apesar de tudo e de toda dor já experimentada, sorriam um para o outro, balançavam-se, sentindo o sangue agitar em seus corpos, pulavam, exigindo demais dos próprios pés, gargalhavam quando tropeçavam e rodopiavam até a cabeça girar.

Ambos seguiam o ritmo da música com a própria vida que pulsava forte dentro deles, pois nada mais deveria importar além do que tinham. A noite estava ali. Eles estavam ali. Vivos. Jovens. Isso, de fato, bastava. Sirius, em determinado momento, viu-se desejando uma música mais lenta, mais romântica. Ele precisava descansar e, mais do que isso, queria estar com Marlene daquele modo. Porém, a música não veio de imediato. Antes, reencontraram-se com os amigos, dançaram novamente em grupo, com braços entrelaçados e risadas compartilhadas, aproveitaram os petiscos, beberam hidromel, cerveja amanteigada e porque alguém, que surpreendentemente não era Sirius, contrabandeara para dentro do castelo, uísque de fogo.

Eles estavam com Peter, sentados em uma das mesas, com as pernas estendidas, comendo uvas frescas, quando a canção que Sirius tanto quis começou. As luzes do Salão Principal abaixaram e o clima se transformou. Marlene deixou o seu prato de lado e olhou na direção de Sirius. A sua expressão revelava uma expectativa quase palpável. Ela também queria aquilo. Também estivera esperando por aquele momento. Sem dizer nada, Sirius ergueu-se e estendeu a mão, que a garota aceitou de prontidão.

Os dois voltaram para a pista de dança, colocando-se um de frente para o outro. Um pouco sem jeito, Sirius se aproximou, colocando as mãos na base da coluna de Marlene. Ela sorriu e envolveu os ombros do rapaz com os dois braços. Aquela proximidade era nova para ambos. Um tanto estranha também, poderiam dizer. Mas isso não impediu que os seus pés começassem a se movimentar de um lado para o outro, na mesma batida da canção. Sirius se inclinou um pouco e sussurrou:

― Eu já disse o quão bonita você está esta noite?

― Na verdade, não ― riu Marlene, a sua voz de repente um pouco mais rouca que o normal.

― Você está bonita ― constatou, percebendo que o seu timbre também era outro.

― Obrigada.

Depois de um breve silêncio, Sirius pigarreou:

― Você não vai dizer que estou bonito também?

― Hum, não. Não vou. Você já sabe a resposta, então acho melhor não inflar o seu ego dizendo o que é óbvio. ― Havia diversão e provocação em seu rosto.

― Ah, certo. Quer dizer, então, que você não pode inflar o meu ego, mas eu posso inflar o seu? ― Sirius beliscou de leve a cintura dela. Se Marlene queria brincar, Sirius também brincaria. Aquele era um jogo que dois poderiam jogar.

― Isso depende. Você acha que eu não mereço?

Ele abriu um sorriso irônico.

― Oh, você merece.

A garota deixou a cabeça pender para trás com uma risada. Sirius sentiu a boca ficar seca.

― Essa música ― comentou Marlene, após alguns segundos ―, eu gosto dela. Alguns podem achar Celestina Warbeck romântica demais. Brega demais. Mas eu gosto. Existe um quê de sensual nas melodias, você não acha?

Sirius nunca havia parado para pensar sobre aquilo. Para ser honesto, aquele não era bem o seu estilo. Ele era um cara do rock e ostentava bem o tipo: cabelos bagunçados, jaquetas de couro, algumas tatuagens e uma motocicleta que custou a reformar. Mas, agora que Marlene chamara a sua atenção para aquele fato, o rapaz começava a perceber que, sim, havia um quê de sensual na voz forte e arrastada da Celestina Warbeck e nas batidas lentas da canção. Ele podia imaginá-la em situações mais íntimas. Em situações nada recomendadas. Sirius deu um passo à frente, o seu corpo a centímetros de distância do dela. Uma de suas mãos subiu vagarosa pelas costas nuas da garota. A sua pele era macia, quente e convidativa.

Marlene não o repeliu. Pelo contrário, estava consciente demais do que acontecia. Ela suspirou e fechou os olhos, enquanto Sirius fazia pequenos movimentos circulares com o polegar. Deixando que os seus dedos mergulhassem entre os cabelos dele, grossos e suaves, Marlene abriu lentamente as pálpebras e o encarou, o seu olhar ardente, dizendo tudo o que palavras não conseguiriam abarcar. Sirius se deixou prender naquele olhar pelo resto da canção. Enquanto durou, não quis se libertar dele. Estava cativo ― por livre e espontânea vontade. O mundo poderia acabar e isso não importaria. Os seus corpos estavam em sintonia, as suas pulsações aceleradas e as suas respirações mescladas. Isso era o que importava.

Quando a música acabou e outra começou a tocar, Marlene sorriu de lado e, aproximando-se ainda mais, até que o seu peito estivesse contra o dele, apoiou a cabeça na curva do pescoço dele. Um cheiro doce e picante o invadiu. O perfume dela era, de algum modo, inebriante e calmante. Sirius deixou que o queixo repousasse sobre os cabelos dela e fechou os olhos, respirando profundamente. Ficaram assim por quatro músicas inteiras. Apenas dançando juntos, calmos e, enfim, praticamente inteiros. A paz em meio à tempestade que eram e que experimentavam dia após dia. O conforto após a destruição do que um dia quiseram.

Assim que reabriu os olhos, o rapaz viu James e Lily do outro lado do salão, sentados em uma das mesas vazias, ignoraram artifícios e músicas românticas. James massageava os pés dela e Lily ria, bagunçando ainda mais os cabelos do namorado. Sirius sorriu. Na pista, Remus e Dorcas rodopiavam, divertidos. Novamente, o garoto sorriu. Ele sabia que o mundo não era um lugar justo ou piedoso, mas, naquele exato momento, agradeceu a este mesmo mundo por uma lua nova e brilhante pender sobre os céus, permitindo que o amigo vivesse aquilo.

Um pouco mais distantes, estavam Peter e Emmeline, conversando e provando tortinhas de abóbora. Apesar de tudo o que aconteceu, Sirius conseguia desejar o bem de Emmeline. Ela era uma boa pessoa, merecia se refazer, com quem quer que fosse. Conseguia até mesmo desejar que Adam fosse feliz e que, um dia, pudesse lutar pelo que era, pelo próprio amor. Talvez fossem as canções, talvez fosse o ambiente de despedidas iminentes ou talvez fosse a companhia de Marlene, um tanto surpreendente, mas Sirius se sentia estranho.

Uma sensação diferente de tudo crescia em seu peito. De repente, quis que o universo congelasse naquele exato instante. Quis viver naquela fotografia do eterno. Porque parecia-lhe que nenhum deles jamais voltariam a ter um momento como aquele em suas vidas, com os ombros ainda livres das responsabilidades, com o coração jovem e puro e o corpo forte e são. E, como não voltariam a ter, Sirius só podia ter esperança de que o mundo não fosse tão cruel com eles a partir dali. Que houvesse alguma felicidade reservada a todos que eram bons ou tentavam ser.

― Quer dar o fora daqui? ― perguntou a Marlene, quando o desespero começou a se aprofundar. Ele não gostava daquilo, era próximo demais do medo. Não queria sentir medo. Não agora. Provavelmente, nunca.

Ela se afastou dele e o olhou, confusa.

― O quê?

― Dar o fora daqui ― repetiu. ― Só nós dois. Talvez dançar sob as estrelas, roubar algumas bebidas e comidas e assistir ao nascer do sol?

― À beira do Lago Negro? ― animou-se. ― Seria algo único, não acha?

― Onde quiser, querida. Onde quiser ― disse e segurou a mão de Marlene.

Antes de seguirem para fora do castelo, para a última grande aventura naquele lugar, Sirius reabasteceu os seus bolsos extensíveis com comidas e Marlene, entre risos, roubou duas garrafas de hidromel. Os dois, de mãos dadas, correram pelos corredores, pelos jardins banhados com a luz prateada da lua e das estrelas, e acharam um local abaixo de uma árvore frondosa, onde podiam se abrigar e, ao mesmo tempo, molhar os pés na água gelada do lago.

Durante muito tempo, os dois apenas conversaram, rememorando os velhos tempos que, há tão pouco tempo, ainda eram os tempos de agora. Rememoraram o que sentiram quando pisaram pela primeira vez ali. Rememoraram as primeiras amizades, os primeiros amores e as primeiras desilusões. Rememoraram as aventuras, as detenções e as brigas, que hoje pareciam tão sem importância perto do que um dia foram. Rememoraram todas as pequenas e grandes conquistas. Eles bebiam hidromel pelo gargalo e riam, enquanto todas aquelas memórias viam à tona.

Sirius percebeu, então, que fazia algo que, normalmente, recusava-se a fazer. Ele estava olhando para trás. Olhando para os dias bons e nem tão bons que vivera em Hogwarts. Para os dias que não voltariam, que morreriam quando aquela noite também morresse ― e já estava morrendo. Para os dias que só poderiam sobreviver nas amarras das lembranças. Pois Hogwarts era uma página que virava. Depois dali, ele não seria mais grifinório, veterano ou grande encrenqueiro. Depois dali, ele precisaria encontrar outros adjetivos para si mesmo.

Que adjetivos seriam? Essa era a grande questão. Uma questão que tanto trazia um friozinho bom na barriga, quanto um calafrio na espinha. Antes e fora de Hogwarts, não houvera felicidade. Mas, em Hogwarts, sempre houvera. Ele fora feliz ali. Apesar de tudo e de todos, os seus dias foram mais brilhantes do que nebulosos entre as grades daquela escola. Entre as grades daquela escola, ele experimentara a liberdade que nunca tivera. Por isso mesmo, compreendeu, era fácil e até divertido olhar para trás quando se tratava dos seus anos em Hogwarts, principalmente nas circunstâncias em que estavam, prestes a partir e sem escolha de permanência. A vida seguia e eles eram obrigados a seguir junto.

Naquele momento, de fato, era fácil e divertido lembrar-se de tudo. Fazia sentido realizá-lo. Mas não seria sempre assim. Sabia disso. Por alguma razão, o seu coração lhe sussurrava que, a partir daquela noite, já não seria mais capaz de ignorar o que deixava para trás. Hogwarts sempre voltaria. E, a cada vez que voltasse, mais doloroso seria, uma vez que não se pode alcançar o que já passou. Felizmente, Marlene o poupou de se aprofundar naqueles pensamentos pouco animadores. Ela decidiu cobrar a promessa que Sirius fizera, a parte sobre dançar sob as estrelas.

A música do castelo não chegava até eles, porém, ainda assim, ambos dançaram; do jeito mais esquisito e divertido possível, aproveitando que não tinham plateia. Assim, podiam apenas ser. Ninguém os olharia torto. O céu clareava aos poucos e uma linha fina e alaranjada já surgia no horizonte quando enfim pararam, ofegantes, exaustos, satisfeitos. Eles se sentaram e, por vários minutos, contentaram-se em ver aquele laranja tomar conta da paisagem, antes tão noturna.

Marlene pegou a segunda e última garrafa roubada de hidromel e voltou a apoiar a cabeça no ombro de Sirius. Ela deu um grande gole e a passou para Sirius.

― Acho que estou com medo, sabe? ― admitiu a garota, quando ele devolveu a garrafa. Sirius voltou-se para Marlene, mas ela não havia tirado os olhos do céu.

― Medo do quê?

― Do depois daqui. Não vai ser fácil, vai?

Sirius gostaria de poder mentir sobre aquilo. Mas não podia. Havia uma guerra no caminho e nada seria fácil. Nada pode ser fácil quando vidas se perdem.

― Mas eu quero lutar, apesar disso. ― Ela se virou, bebeu um pouco de hidromel e o entregou novamente para Sirius. ― Mesmo estando com medo, eu quero lutar. Não sei se eu conseguiria conviver comigo mesma se não lutasse.

― Em outra realidade, as coisas seriam bem diferentes ― devaneou.

― Em outra realidade, a vida das pessoas que amamos não estaria em risco.

― Nem a vida daqueles que ainda não nasceram. Não é uma realidade justa.

― Não, não é ― assentiu.

― Não vai ser fácil, Lene, mas é o certo a se fazer.

― Você tem medo?

― E-eu… ― Sirius suspirou. Aquele era o sentimento que mais receava. O único que não gostaria de ter. Mas nem mesmo ele podia escapar de senti-lo, deu-se conta. Por Merlin, ambos tinham apenas dezoito anos e precisavam lutar contra um grupo de bruxos supremacistas, um grupo que, a cada dia, ficava mais forte! Não era justo!

Ele seria corajoso o suficiente para enfrentar aquela realidade, para tentar transformá-la, contudo, não podia negar aquele sentimento. Sirius tinha medo, sim. Todas as sensações estranhas de perda daquela noite provavam isso. Temia ― não exatamente por si ―, mas pelas pessoas que amava. Por James, por Lily, por Remus, por Peter, por Marlene. Temia perdê-los. Temia ficar novamente sozinho. Ele se arriscaria por todos, mas não gostava da ideia de vê-los se arriscando. No entanto, entendia que era necessário, que arriscar-se era a escolha pessoal de cada um. Era a escolha que ele, também, estava fazendo. Sem isso, não haveria qualquer mudança. Fugir nunca foi uma opção. Para nenhum deles.

― E-eu acho que sim, mas não é maior do que a minha vontade de um mundo mais justo.

― Nós precisamos ter esperança nisso ― concordou Marlene. ― Esperança nesse mundo mais justo.

― É o que vai nos manter firmes na luta quando tudo parecer perdido ― sussurrou. ― Quando dor for tudo o que sobrar.

Marlene anuiu, o seu olhar cheio de uma tristeza muito tangível.

― Nós vamos ficar bem, você vai ver. ― Ela tentou sorrir. ― Precisamos ter esperança nisso também.

― Precisamos. Nós somos invencíveis, não é?

― Mais do que invencíveis. ― Dessa vez, conseguiu sorrir de verdade. Ela apoiou a cabeça no ombro de Sirius, o hidromel esquecido entre os dois. Ficaram em silêncio por uns minutos, vendo o dia nascer, como sempre nascia, como nunca pararia de nascer, mesmo depois de todos eles. O céu deixava aquele tom de cinza pálido e um azul novo, que anunciava todas as coisas novas do mundo, começava a despontar.

― Essa é a terceira vez que assistimos ao nascer do sol juntos ― comentou Marlene. ― E, em todas as três vezes, nós meio que nos ajudamos de alguma forma. É curioso, não? Acho que isso significa que somos bons nisso, ao menos, um com o outro. Acho que nós amanhecemos quando estamos próximos. ― Fez-se um breve silêncio e, então, bocejou: ― Acho que devemos ir agora. Eu ainda nem arrumei as minhas malas e um cochilo antes do café da manhã seria muito bem-vindo.

― Eu provavelmente vou dormir toda a viagem de volta ― riu.

Marlene achou graça e se levantou, procurando os sapatos que ficaram perdidos. Assim que os calçou e começou a arrumar o vestido amassado, Sirius sentiu uma espécie de pânico invadi-lo. De repente, percebeu que não poderia deixá-la ir sem antes fazer uma pergunta. De repente, percebeu que queria algo no seu novo dia, na sua nova vida que iniciava. Aquele sentimento surgira naquela noite, era verdade, mas seria um idiota se o ignorasse, se nem ao menos tentasse. Aquilo era algo que ainda poderia alcançar, pois estava no seu presente e, também, no seu futuro.

― Lene! ― chamou-a. A garota se virou e esperou. ― Se eu a chamasse para um encontro depois daqui, você aceitaria?

Ela abriu um pequeno sorriso e voltou a se sentar ao lado de Sirius.

― Se você me chamasse para um encontro depois daqui, eu acho que aceitaria sim ― respondeu, colocando uma mecha do cabelo dele para trás. ― Mas isso é algo para algum futuro, Sirius. Nós dois ainda estamos machucados e eu não quero que sejamos um tapa buraco um para o outro. Não seria justo. Eu já estive nesse lugar com Emmeline. Quando nós dois estivermos completamente refeitos, completamente inteiros, você vai poder me chamar para um encontro e eu vou poder aceitar. Você entende?

― Sim ― suspirou. Sirius era uma pessoa impulsiva e receava que sempre seria, mas compreendia o desejo de Marlene. A dor dos antigos relacionamentos ainda não cicatrizara por completo e os dois precisavam de um tempo para se restabelecer. Precisavam daquele tempo para terem certeza do que sentiam um pelo outro, se a amizade realmente já não bastava ou se apenas haviam se confundido em um momento de solidão e de perda. Não era o mesmo que desistir. Não era nem mesmo um não definitivo. Era apenas esperar pelo momento certo, se ele chegasse. Era um talvez. Um sim para uma futura possibilidade. ― Quando estivermos inteiros.

Eles sorriram um para o outro. Marlene se levantou, mas logo mudou de ideia. Ela voltou a se sentar e tomou o rosto de Sirius entre as mãos.

― Mas antes…

― Antes? ― provocou, arqueando uma sobrancelha.

― Antes eu quero provar uma coisa. Não faria mal provar.

Sem esperar por uma resposta, Marlene pousou os lábios sobre os dele. Fora um beijo suave, quente, com gosto de hidromel e de sonhos quebrados e renascidos. Não durou mais do que alguns segundos, mas fora o suficiente para Sirius sentir o seu coração inundando. Para que desejasse mais. Quando Marlene se afastou, o seu rosto estava corado. Ela ajeitou rapidamente o cabelo e sorriu. Era uma imagem adorável, uma imagem que valeria a pena guardar, pensou Sirius. Com um suspiro, Marlene ergueu-se e disse:

― Adeus, Sirius.

― Adeus, Lene ― respondeu, certo que de que aquilo era tudo, menos um adeus. Em momento algum, desgrudou os olhos dela, vendo-a se distanciar até desaparecer no espaço, deixando somente a lembrança do seu beijo e o gosto de uma promessa. Se esperança era tudo o que podiam ter, em um cenário caótico como aquele, então Sirius teria. Eles ficariam bem. Eles teriam um mundo mais justo. Eles venceriam e, ao fim de tudo, teriam um amanhã para aproveitar juntos. Livres de tudo.


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Notas finais do capítulo

É isso. Que loucura, hein? Eu perdi o controle desta fic e virou esse surto que vocês leram. Não sei se gostei do resultado, porém é o que temos. Não fosse o compromisso que tenho com o projeto, talvez nem postasse. Desculpa pelo (quase) blackinnon baiting, mas pelo menos teve um beijinho :) O final é aberto, mas a fic segue o canon, então tudo vai dar ruim para eles, Marlene morre, Sirius perde os amigos e vai para Azkaban injustamente. A minha beta Trice disse que eu fui a maior mentirosa de todas aqui HAHAHA. Apesar disso, vocês podem decidir se eles tiveram tempo para sair juntos ou se não tiveram. Na minha cabeça, não tiveram e esse é só mais um motivo para o Sirius amargar sua vida; porém, sintam-se livres para imaginar diferente. Aqui, eu coloquei a Marlene com a Emmeline e o Sirius com um OC porque não teria coragem de colocar Dorlene e Wolfstar (eu gosto muito dos dois ships, seria um sofrimento muito grande para mim fazerem eles não darem certo. Se fosse uma fic poliamor em que todos pudessem ser felizes juntos, tudo bem, mas não era o caso, por aqui era só tristeza e separação). Se leram, me digam a opinião de vocês nos comentários, isso é muito importante para mim, saber se gostaram ou não. Qualquer problema que tenham identificado na fic, me digam, estou super aberta para ouvir e corrigir.
E para quem gosta de Blackinnon e ficou meio triste com esta, eu pretendo escrever uma fic dos dois bem mais feliz, uma romcom bem bobinha em universo alternativo. Aguardem que vem aí (pois é, o ship ganhou meu coração).

Beijos e até a próxima :*



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