"Onde Dói?" escrita por Nathalia Croft


Capítulo 1
Capítulo Único




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O dia de hoje foi bem cansativo. Aqueles pirralhos me deram muito trabalho no treino e tenho a sensação de que a cada 5 minutos preciso separar o Eren do Jean, pedir para o Connie prestar atenção no que está fazendo e principalmente, pedir para aquela garota Sasha não ficar comendo enquanto usa o equipamento de manobras 3D.

 

Se o Erwin não fosse o Comandante, ele iria ter que ouvir umas poucas e boas dessa ideia ridícula dele, de me fazer treinar aqueles moleques.

 

Já está tarde e estou atrasado. Tinha prometido a Hange que iria ajudá-la em algumas questões sobre seus estudos daqueles malditos Titãs.

 

Sinceramente, meu interesse nessas criaturas é zero. Mas, parece que quando é a Hange que me pede para ajudá-la em algo relacionado a isso, apesar de tentar relutar e até mesmo tentar me safar disso, há algo nela que me impede de dizer "não".

 

Não sei dizer… O jeito que ela me olha, com seus olhos brilhando por trás daqueles óculos, o jeito que ela junta as mãos, como se estivesse fazendo uma oração, me implorando para que eu a ajude a capturar um Titã ou para que simplesmente a ouça.

 

Também percebi que, ultimamente, ela também vem usando uma artimanha que me causa uma sensação muito diferente: Hange começou a fazer biquinho pra mim quando quer alguma coisa, aquela louca… 

 

Estou a caminho do seu laboratório, lembrando desse detalhe e me pego dando uma pequena risada.

 

Pelo horário, Moblit, o coitado do assistente da Hange, já deve ter desistido de tentar fazê-la comer alguma coisa e ir descansar.

 

Ao pensar nisso, algo vem à minha mente e de repente, me vejo dando meia volta e indo até a cozinha dos soldados da Tropa de Exploração. 

 

Preparo um chá e um pão com manteiga, que era o que tinha na mesa e levo tudo em uma bandeja.

 

Não é a primeira vez que levo algo para a Hange comer. Lembro-me de uma vez em que ela fez um pequeno comentário de como estava com vontade de comer algo doce e senti dentro de mim uma estranha vontade de fazer esse "agrado" para ela.

 

Novamente, estou sentindo essa mesma sensação, mas não consigo identificar o porquê disso… A única coisa que sei é que nesse momento, eu quero levar algo para a Hange.

 

Ao chegar em seu laboratório, seguro a bandeja com uma das mãos e bato algumas vezes na porta com a outra.

 

Silêncio total.

 

Não acho isso estranho, porque aquela quatro-olhos fica tão focada em suas pesquisas, que esquece o mundo ao seu redor.

 

Hange, sou eu - digo, abrindo a porta.

 

Quando abro a porta, me deparo com uma cena que, sinceramente, não esperava.

 

Hange estava agachada no chão, com as costas apoiada na estante que ficava atrás de sua mesa. Suas mãos seguravam sua barriga e sua expressão era de extrema dor.

 

Ela nem percebeu que eu estava ali.

 

Fiquei tão assustado com essa cena que quase derrubei a bandeja com a comida. Rapidamente, coloquei tudo em cima da mesa.

 

Hange! - exclamei, preocupado - O que aconteceu? Você está bem?

 

Hange finalmente percebeu que eu estava ali ao seu lado.

 

Levi! - ela disse, com os olhos cheios de lágrimas, seus óculos apoiados na testa - Eu nem vi você chegar… Achei que não viria hoje, porque imaginei que você, AI!!! 

 

Hange se encurvou mais ainda sobre sua barriga, a cabeça encostando nos joelhos dobrados. Eu não estava entendendo nada.

 

Que coisa, quatro-olhos! - disse, nervoso - Comeu alguma coisa estragada? Já falei pra você prestar atenção na qualidade dos alimentos que você come.

 

Ela olhou para mim de uma maneira intensa e dessa vez, uma lágrima realmente saiu de seus olhos. Aquilo me acertou em cheio e senti um pesar no peito. Eu sempre falei dessa maneira mais "grosseira" com ela, mas a essa altura do campeonato, ela já deveria saber que minha intenção não é ser uma pessoa grossa, de verdade.

 

Eu não comi nada estragado, Levi - ela respondeu, fechando os olhos e se contorcendo - Estou morrendo de cólica e minha cabeça está explodindo!

 

Finalmente, minha ficha caiu. Hange estava "naqueles dias".

 

Me lembro um pouco de quando a Isabel também ficava naqueles dias e, de verdade, eu procurava manter distância. Eu nunca sabia como estava seu humor, porque a qualquer coisa que eu ou o Farlan fazíamos, era motivo de gritaria, choro ou um pouco de violência. Cada uma dessas opções variava de acordo com o mês, ou às vezes, eram todas de uma vez.

 

Sobre essa "fase do mês" da Hange, foram poucas as vezes em que eu realmente a vi demonstrando alguma emoção mais intensa ou tirando o dia de folga por conta das tais cólicas. E é óbvio, não havia a necessidade de eu falar nada sobre esse assunto com ela. Imagina, eu chegando na Hange e perguntando:

 

Aceita um absorvente, Hange?

 

Me poupe, né.

 

Mas, essa era a primeira vez que a vi nesse "estado", se posso chamar assim.

 

Vendo ela desse jeito, de repente tive um sentimento que não esperava ter: vergonha.

 

Não pelo fato de eu ser um homem e ela estar falando comigo sobre menstruação, pelo amor de Deus. Sou adulto e sei muito bem as questões fisiológicas do sexo feminino. 

 

A vergonha que eu estava sentindo era a de que, apesar da Hange ser minha amiga por tantos anos, eu nunca ter me importado com essa "fase" dela.

 

Nos poucos segundos em que eu estava ali, abaixado ao seu lado, me veio a mente tantos momentos em que ela parecia estar precisando de algum tipo de ajuda ou de pelo menos, um apoio, e eu nem me liguei disso.

 

Após essa reflexão, não sei o que aconteceu dentro de mim, mas senti meu coração bater mais forte e um sentimento muito agradável surgiu dentro de mim, com uma enorme vontade de cuidar da Hange.

 

Você já tomou algum remédio para a cólica e a dor de cabeça, Hange? - perguntei, levantando ela pelos ombros, delicadamente.

Ai, Levi… - ela suspirou, levantando com dificuldade - Você sabe como é difícil eu sair daqui quando estou no meio de uma pesquisa.

Por que não pediu para o Moblit? - perguntei, levando ela para uma cadeira.

Ele teve outros afazeres hoje, então passei o dia sozinha - Hange respondeu, se curvando para os joelhos e apertando a barriga, novamente.

 

Pensa, Levi… Pensa!

 

Vem, Hange - eu disse, enquanto levantava ela da cadeira e a encaminhava em direção à porta - Já chega por hoje. Nem seu corpo aguenta mais.

Mas, Levi… - ela respondeu, com uma voz bem manhosa.

Nada disso, quatro-olhos - eu disse, pegando ela pela cintura com uma mão e pelo ombro com a outra, abraçando-a - Vou te levar para o seu quarto e tratar de te dar algum remédio.

 

Hange fez algum som inaudível e, apesar de ser mais alta que eu, por conta de estar encurvada por causa da dor, encostou a cabeça no meu peito. Aquilo me fez sentir um pequeno calafrio, que me lembro de ter sentido antes somente quando a Hange encostava em minhas mãos sem querer.

 

Agora não é hora de pensar nisso, afinal, nunca fui muito bom com sentimentos. Não vai ser agora que vou virar expert disso.

 

Passamos por um relógio e percebi que já era bem tarde da noite e os corredores estavam vazios. Provavelmente, todos já deviam estar no terceiro sonho.

 

Pode parecer estranho, mas eu estava me sentindo muito bem naquele momento. Sei lá… Acho que eu estava me sentindo útil para a Hange. Eu gostei da sensação de poder estar ali, dando apoio e cuidando dela.

 

Pela linguagem corporal da Hange, apesar das dores, ela também parecia estar se sentindo confortável ali comigo. Em um momento, no silêncio dos corredores, ela deu um grande suspiro, que não parecia de dor, mas sim de contentamento, e aninhou sua cabeça entre meu pescoço e ombro.

 

Essa atitude da Hange novamente fez meu coração dar um pequeno salto e senti uma pontada de… Alegria. Será que eu gostei dela ter se "aninhado" em mim, como se pedisse para que eu a cuidasse e protegesse? 

 

Nesse momento, pensei que seria capaz de derrotar 10 titãs, caso surgissem querendo fazer mal a Hange. Apesar de eu suspeitar que ela iria implorar para que ao invés de matá-los, eu os capturasse para suas experiências malucas. Com esse pensamento, dei um pequeno sorriso. 

 

Chegamos em seu quarto e abri a porta. Para minha surpresa, não estava tão bagunçado e nem sujo, como normalmente era. Mas hoje decidi não tocar nesse assunto com a Hange. 

 

Pronto - eu disse, enquanto a colocava sentada na beira da cama - Enquanto você coloca o pijama, eu vou lá na enfermaria pegar um remédio para sua cólica e dor de cabeça. 

 

Ela murmurou algo que não consegui entender e, quando tentei me afastar, percebi que a Hange estava segurando minha mão. 

 

Não demora, tá? - ela disse, me olhando com uma expressão cansada, porém muito doce.

 

Quando me dei conta de que Hange realmente estava segurando minha mão, senti aquele calafrio novamente. Foi então que percebi que eu não saí do lugar, continuei ali parado, olhando nossas mãos.

 

Levi? - Hange me chamou, me tirando do transe que estava - Pede por favor lá na enfermaria o remedinho vermelho para cólica, ele é bom.

C-claro - respondi, nervoso e soltando nossas mãos. 

 

Saí e fechei a porta do quarto. Fui até a enfermaria e peguei tudo o que tinha que pegar, inclusive uma bolsa de água quente que a própria enfermeira recomendou, para que a Hange colocasse na região onde estava com cólica.

 

Bati na porta do quarto de Hange e ela disse que eu poderia entrar. Ela já estava de pijama e debaixo das cobertas, com uma lamparina acesa ao lado de sua cama.

 

Não consigo ficar em ambientes muito claros quando tenho esse tipo de dor de cabeça - ela me disse, enquanto eu fechava a porta e ia em sua direção.

 

Dei a bolsa de água quente para ela e fui encher um copo d'água. Ela tomou os remédios e finalmente suspirou aliviada.

 

"E agora?", pensei. Era só isso? Ela iria dormir e amanhã acordaria melhor?

 

Percebi que eu estava em pé, plantado no meio do seu quarto, sem saber o que fazer. Era para eu fazer mais alguma coisa ou deveria ir embora?

 

Hange deve ter percebido meu estado de confusão e disse:

 

Você se importa de me fazer companhia até eu dormir? Pega uma cadeira e arrasta até aqui do meu lado, se quiser.

 

Não pensei duas vezes e coloquei uma cadeira ao lado de sua cama, de modo que eu ficava de frente para ela.

 

Coloquei minha mão esquerda em seu travesseiro e disse em um tom baixo:

 

Você quer que eu faça mais alguma coisa, quatro-olhos?

 

Ela deu uma risada baixinha e disse que não precisava de mais nada.

 

Hange fechou os olhos e colocou sua mão direita ao lado do seu rosto no travesseiro. 

 

Devagar, ela foi aproximando sua mão, até que delicadamente, colocou em cima da minha.

 

De maneira totalmente instintiva e sem pensar, fechei minha mão sobre a dela e a acaricie.

 

Fiquei um pouco tenso, porque pensei que Hange poderia não gostar, mas fiquei surpreso de que ela retribuiu o carinho na minha mão e fechou os olhos com um pequeno sorriso.

 

Ficamos assim por alguns minutos, nossas mãos se acariciando e em silêncio.

 

Então, Hange fez uma pequena expressão de dor. Ela olhou pra mim e disse:

 

Que dor de cabeça chata… Espero que o remédio faça efeito logo… 

Onde dói? - perguntei. 

Bem aqui - ela apontou para bem no meio da testa - Sempre é aqui que me dói mais na menstruação.

 

Olhando para Hange naquela situação, aquele forte sentimento de cuidado cresceu ainda mais dentro de mim e não pude me segurar. Me inclinei e dei um beijo longo e suave em sua testa.

 

Melhorou? - perguntei, com meu rosto bem perto do dela.

 

Percebi em sua expressão que Hange tinha gostado do que fiz. Ela fechou os olhos e me disse:

 

Melhorou sim, mas agora aqui também está doendo - Hange apontou para a ponta do seu nariz. 

 

Na hora percebi o que ela estava fazendo e dei uma pequena risada. Delicadamente, beijei a ponta de seu nariz, também.

 

Só que dessa vez, eu apontei para sua bochecha direita e perguntei:

 

E aqui? Está doendo?

Dói demais, não estou aguentando - ela respondeu, fingindo uma expressão de dor.

 

Então, beijei sua bochecha direita. Fui perguntando para cada parte de seu rosto se ali estava doendo e, conforme Hange confirmava, dava um beijo. 

 

Até que cheguei em seu queixo e finalmente, bem no cantinho da sua boca.

 

Com nossos rostos bem próximos, olhei em seus olhos e apontei para sua boca. 

 

E aqui, quatro-olhos? Está doendo? - perguntei baixinho. 

É o lugar onde mais sinto dor - ela me respondeu, colocando sua mão esquerda livre em meu rosto, pois a outra ainda estava acariciando a minha.

 

Também segurei seu rosto com carinho e fechamos nossos olhos.

 

O beijo que demos foi intenso, apaixonado e maravilhoso. Não durou muito tempo. Na verdade, foi o suficiente.

 

Antes de me afastar, finalizamos com um selinho e vi que Hange estava sorrindo.

 

Se em todas as minhas menstruações eu for tratada assim, estou feliz da vida! - ela exclamou.

 

Dei um pequeno sorriso, ainda um pouco tímido pelo que tinha acabado de acontecer.

 

Vou deixar você descansar - eu disse, dando um último beijo em sua testa e me levantando para sair.

 

Hange se aconchegou em sua cama e concordou com a cabeça.

 

Apaguei a lamparina que estava ao lado da cama de Hange e caminhei em direção à porta, com a luz da lua entrando um pouco pela janela. 

 

Levi - disse Hange, baixinho.

 

Eu me virei e só consegui ver um pouco do brilho de seus olhos.

 

Muito obrigada por ter cuidado de mim hoje - ela disse, sorrindo.

Não foi nada - respondi - Boa noite, Hange. Espero que amanhã esteja melhor.

 

Ouvi ela sorrindo e se cobrindo mais com as cobertas. Eu e a Hange éramos assim, não precisávamos de muitas palavras para um entender o outro.

 

Naquela noite, fui dormir muito feliz e em paz. Todos aqueles sentimentos e sensações que tive com a Hange não me preocuparam, porque eu sei que com ela, não preciso ter vergonha ou medo do que sinto. Com ela, eu consigo ser livre.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Não deixem de comentar o que achou ❤️



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