Um momento humano escrita por Lou5858


Capítulo 1
um momento humano




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Senti as folhas batendo na minha pele e sendo arrancadas dos galhos que as prendiam, deixando atrás de mim um caminho de plantas flutuantes. Notei que a minha velocidade produziu um vácuo por trás do meu corpo, deixando um rastro de folhas por onde passei. Quando alcancei o topo da colina estiquei meus membros, deixando os músculos rijos pelo exercício se esticarem depois da longa corrida até o cume do monte mais alto de Michigan, o estado onde estávamos morando há três anos.

Michigan, especificamente o Condado de Baraga, pareceu a escolha certa para que minha filha passasse pelo processo acelerado de seu desenvolvimento. Renesmee, como esperado, cresceu em uma velocidade sobre-humana. Entre a adaptação de Bella com sua vida pós-morte e o amadurecimento de nossa filha híbrida, posso dizer que os últimos 10 anos passaram em um piscar de olhos.

Sentei-me em um bloco de pedra e observei a vastidão verdejante que se desdobrava abaixo dessa gigante montanha que compunha o Monte Arvon. Permiti que meus ouvidos buscassem os sons da natureza e sorri quando ouvi o barulho do riacho que passava por trás de nossa casa há vários milhares de metros abaixo de mim.

Os últimos anos que sucederam à puberdade de Renesmee foram, minimamente, agitados. Nossa filha podia ser encantadora, e certamente, ao lado de sua mãe, era a figura mais preciosa de minha existência. Era até curioso pensar que passei dezenas de décadas me martirizando e culpando pelas atrocidades que cometi quando fui transformado em um monstro, ressentindo cada dia que permanecia vivo e sem entender ao certo o porquê de sequer estar.

Olhar para o passado e perceber como tudo estava diferente era instigante. O processo, claro, não modificou tudo de um dia para o outro, mas ver o quão genuinamente satisfeita Bella estava em viver a vida não-humana comigo atenuou um pouco da culpa que carreguei por tantas décadas.

Ainda assim, tudo era diferente quando se tratava de nossa filha. Eu sabia que ela viraria minha vida de pernas para o ar desde a primeira vez que o seu cheiro me assolou. No dia do seu nascimento, o odor do seu sangue me desceu rasgando, queimando e me marcando por inteiro até tomar morada no meu coração. Se um dia desconfiei que um coração morto e congelado pudesse voltar a bater quando finalmente aceitei o amor que Bella e eu dividimos, tive certeza depois que minha filha nasceu.

Ouvi meu celular tocar no bolso da minha calça e apressei-me para atender a ligação.

— Alô?

— Oi Edward. — Bella suspirou na linha e eu sorri.

— Oi meu amor, já chegou?

— Faz horas que estou tentando te ligar! Onde você está?

— Desculpa. Estou caçando aqui nas montanhas. Devia estar sem sinal quando você tentou. Já chegou? — repeti, pondo-me de pé, já agitado.

— Ah sim, cheguei. Como estão as coisas aí?

— Não era eu quem devia estar perguntando isso? — Ri.

— Ah... Por aqui... está tudo bem — disse com uma voz forçada. — Meu pai está dizendo "oi".

— Diga oi ao Charlie de volta. Nessie está bem? — ela murmurou uma concordância e soltou um longo suspiro. — O que houve, Bella?

— Eu fico genuinamente frustrada, sabe? Você não era um recém-nascido, nem ignorante. Eu não consigo entender como que você não sabia que tinha que usar camisinha — disse séria, mas logo exalou uma risada.

— Está tão ruim assim? — Gargalhei quando ouvi uma porta bater. — O que ela está fazendo?

— Oito clãs nos confirmaram que ela seria uma adulta quando atingisse seus 7 anos de idade, Edward. Oito. A sua filha vai completar dez anos na semana que vem e continua impossível como uma adolescente!

— A minha filha? O que a minha filha fez dessa vez?

— Sim, Edward. A sua.

— Se eu me lembro bem, eu não fiz Renesmee sozinho. E olha que eu me lembro bem.

— Não me provoca não, amor. Faz nem 12 horas que estou sem você e já sinto saudade — disse com uma voz provocativa e eu choraminguei um gemido na linha.

— Não é promessa — garanti.

— Não começa algo que você não vai conseguir cumprir.

— E quem disse que não? A audiência do Jonathan foi essa manhã. Já estou livre pra te encontrar em Forks.

— Você já está vindo para Forks? — gritou na linha e eu estranhei a atitude. — Ouviu Renesmee Carlie? Seu pai está chegando. — Sorri quando ouvi nossa filha gritar alguma malcriação de volta.

— O que está acontecendo aí, amor?

— Eu acho melhor você descobrir por você mesmo. — Ela suspirou de maneira exagerada na linha e eu, incapaz de fazer diferente, ri. — Mas me conta de você. Como foi a audiência?

Passamos os minutos seguintes conversando sobre o caso de Jonathan. Fazia pouco mais de 5 anos desde que tinha decidido advogar. Minha linha de ação era com presidiários que estavam aguardando sentença no corredor da morte. A capacidade de ler pensamentos foi vital para garantir que eu conseguisse libertar pessoas que estavam em processo de condenação de maneira injusta. Eu tentava me manter afastado dos casos grandes para não chamar atenção, mas ocasionalmente eles apareciam na mídia. O de Jonathan era um desses, e nestas ocasiões eu ficava no plano de fundo da equipe de advogados, apenas ajudando na construção dos argumentos de defesa.

Charlie tinha se mostrado um excelente parceiro de trabalho. Enquanto eu advogava, ele trabalhava com investigação particular. Depois que minha família deixou Forks, não tardou até ele pedir demissão da delegacia e vir para perto de nós, sendo participativo na nossa vida em família, mas também nos ajudando profissionalmente na condução de investigações para substanciar os processos que defendemos no escritório.

Ele e Sue se mudaram para Michigan quando Renesmee fez 4 anos, mas como seus amigos e família ainda estavam em Washington, frequentemente voltavam para lá, onde permaneciam durante as férias de verão.

Esse ano, sob a desculpa de nos deixar celebrar nossos dez anos de casamento, passaram seis meses nos convencendo a deixar que Renesmee fosse com eles. Demorou para cedermos porque desde que nossa filha nasceu, nós nunca ficamos mais do que duas semanas distantes dela. Não por falta de oferta. Toda a nossa família insistia em cuidar de nossa menina para podermos compartilhar momentos em casal, mas a verdade é que muito embora eu tivesse certeza de que nosso amor era imensurável, as coisas pareciam perder um pouco do propósito quando estávamos longe de nossa filha. Não esse ano.

Quando junho se aproximou e trouxe consigo a expectativa das férias de verão, Renesmee tornou-se incisiva e expressiva nas suas vontades. Aparentemente não havia um só argumento que ela não fosse capaz de rebater com um pleito ainda mais convincente. Era cansativo lidar com uma adolescente tão cheia de opiniões e argumentos, característica idêntica à da sua mãe. Por isso eu era solidário ao cansaço que Bella sentia agora.

Quando finalmente permitimos que Nessie viajasse com os avós para Forks, com o apoio da nossa família na sua supervisão, decidimos passar dois meses e meio das férias de verão celebrando nossa década de casados e conhecendo algumas áreas pouco populosas do planeta. Passamos pela Patagônia, Escandinávia, Sibéria, as montanhas rochosas do Canadá e algumas ilhas inabitadas da Oceania.

Decidimos voltar alguns dias antes do esperado, porque tomamos a decisão de surpreender nossa filha, em seu aniversário de 10 anos, com festa e presentes. A sua estadia em Forks veio a calhar porque, dessa forma, Alice conseguia se encarregar de organizar o evento e preparar o presente que Bella e eu optamos em dar.

Quando desci da montanha, ouvi meu celular apitar com uma mensagem de Alice, que pedia que eu a avisasse quando estivesse me aproximando do apartamento que Bella e eu compramos para nossa filha. O imóvel ficava no distrito estudantil da Universidade de Michigan, onde Renesmee escolheu cursar Design de Moda.

Esse seria o primeiro ano de nossa filha na universidade, e eu estava genuinamente ansioso e angustiado com a ideia dela começar a trilhar seu caminho independente do nosso. Jasper, que agora conseguia controlar melhor sua sede por sangue e até tinha seu próprio consultório de psicologia, costumava dizer que eu vinha sofrendo da "síndrome do ninho vazio" e, muito embora eu quisesse discordar, não conseguia.

Sim, nós criamos nossos filhos para permitir que eles vivam suas vidas, mas qualquer pai tinha, pelo menos, dezoito anos com a cria para conseguir lidar com o afastamento. No meu caso isso estava se desdobrando de uma maneira brusca demais. Nessie ainda nem tinha dez anos e eu já tinha que comprar e mobiliar um imóvel para que minha menina tivesse sua própria privacidade.

Sorri quando entrei no apartamento e notei a decoração minimalista e moderna, algo que Nessie definitivamente apreciaria. Havia algumas plantas espalhadas pela casa, e uma varanda pequena, mas aconchegante. Ouvi os pensamentos da minha irmã no cômodo ao lado, calculando onde pendurar alguns cartazes, e fui até lá.

— Ah não. Negativo. Não, não. Pode devolver. — Acusei para enorme cama no centro da suíte do apartamento. — Renesmee não precisa de uma cama de casal.

Alice sorriu de maneira expansiva e saltou nos meus braços, abraçando-me forte contra si.

Senti sua falta. Alice disse em sua mente e puxou-me pela manga da camisa, dando-me um beijo no rosto quando baixei a cabeça em sua direção.

— Estou falando sério, Alice. — Apontei para a cama sentindo ódio borbulhar dentro de mim — Isso vai ter que sair.

Edward a Nessie já é uma adulta, disse mentalmente e em seguida levou seus pensamentos a uma cena do futuro de minha filha.

Na sua mente, o apartamento estava abarrotado de decoração natalina. As luzes coloridas piscavam em volta do grande pinheiro de natal, e em um dos galhos centrais, havia uma foto pendurada. Nela, minha filha, que trajava um vestido branco, estava nos braços de Jacob. Ela tinha um sorriso enorme no rosto, e ele tinha a cabeça jogada para trás em uma gargalhada tão característica que eu quase podia ouvir. Na foto era possível ver a joia de Esme, que Jacob usaria para pedir minha filha em casamento no futuro, já adornando o dedo anelar de Renesmee.

Na previsão, Bella observava a foto com uma admiração que vi poucas vezes em seu rosto. Não era segredo que minha esposa confiava em Jacob, e embora eu tenha demorado algum tempo para conseguir fazer o mesmo, hoje já estava em paz com o fato de que, tal qual Bella e eu, eles foram feitos para ficarem juntos. Ainda assim, era impossível negar a angústia de viver em um futuro onde a minha filha estivesse casada.

O único alívio que a cena me gerava era porque, considerando o longo cabelo de minha filha, diferente do atual que era curto, não ocorreria tão cedo. Bom, sendo franco, o sorriso estonteante que adornava seu rosto também me acalentava o coração.

— Alice, por favor — supliquei. — Me dá mais uma sobrevida. É tortura demais saber que Renesmee vai se casar.

Alice rolou os olhos, mas gargalhou. Passei a hora seguinte ajudando-a a arrumar as mobílias que faltavam e atualizando-a sobre os últimos meses. Quando decidimos viajar, Alice garantiu o bem-estar da nossa filha. Entendendo a minha aflição em deixá-la sozinha com os lobos, prometeu que nossa família faria uma rotação para assegurar que Renesmee sempre teria algum Cullen ao seu lado.

Em algum momento o celular tocou, mas ela imediatamente desconectou a chamada e começou a digitar. Fiquei intrigado do porquê ela não quis que eu ouvisse o que estava acontecendo, e foquei minha mente para impedir que seus pensamentos me tocassem.

Enquanto contabilizava a quantidade de fibra era visível naquele tapete específico que ficava na sala da casa de minha filha, escutei na mente da minha irmã: eu já disse que não é, ipê, cerejeira, carvalho, uma boa ideia que ele vá agora, mogno, laranjeira, maciça, ele tem um ataque, cetim, fios egípcios, algodão, quem tem que controlar é a Bella, Emmett, costela de adão, zamioculca, begônias.

A olhei assustado, com a certeza de que ela estava se esforçando para me manter longe de seus pensamentos, desta vez agora contabilizando a quantidade de apartamentos neste prédio, por números e letras.

— Alice tem algo que você queira me dizer?

— Não, mas você poderia me fazer a gentileza de correr no viveiro de plantas aqui no sul da cidade e se certificar de comprar essa lista que insiste em participar de qualquer futuro de sua filha?

Estreitei os olhos, escrutinando minha irmã que de imediato levou sua mente para pensar numa cena do futuro de Esme e Carlisle onde ele arrancava o vestido claro que ela usava e a jogava com violência na ca-

— Para! Alice, para! — implorei e respirei aliviado quando ela voltou a mentalizar plantas.

— Edward, vai.

— Por que vocês estão escondendo coisas de mim? Por que a Bella tem que me controlar? — perguntei genuinamente intrigado. — Eu sei que não é nenhuma surpresa porque meu aniversário passou, minhas bodas de casamento também. E aparentemente a Renesmee cometeu algum crime ou ação correlata e ninguém tem a decência de me contar o que está acontecendo! Eu juro por tudo o que é sagrado, Alice, que se tiver algo errado com a Nessie e vocês estão escondendo isso de mim...

Ela apenas pendeu a cabeça, encarando-me em uma expressão divertida.

— Nessie tá bem, tá ótima. Eu só me arrependo em não estar lá pra conseguir ver a sua reação. — riu.

— Mhm, então você não previu a minha reação? — Ela me olhou como se tivesse crescido uma segunda cabeça em mim. — O que a Renesmee fez com os lobos.

— Edward. Viveiro de plantas. Agora. — exasperou a última palavra e me empurrou para longe do cômodo.

Com a caçamba da caminhonete lotada de plantas, olhei meu celular para ver se alguém tinha retornado minhas ligações. Na última hora, liguei para Bella, para Emmett, para Charlie (que, como de costume, foi direto para a caixa postal), até mesmo para Jacob. Ninguém atendeu meu telefonema, e foi apenas quando ameacei pular no primeiro avião que Isabella me retornou.

— Eu não posso te falar o que é, mas eu preciso que você confie em mim.

— Isso não é justo. Você está pedindo para eu confiar sem me dar nada em retorno. — Sentei no banco do motorista e liguei o carro.

— Alguma vez eu te dei algum motivo para desconfiar de mim?

— Não, ma-

— Alguma vez eu te coloquei em alguma situação problemática de propósito?

— Não, ma-

— Alguma vez eu pedi para você me dar um voto de confiança sem que ele fizesse sentido?

— Não, Bel-

— Então, por favor, confie em mim.

— É da Renesmee que estamos falando, Bella. Não faça isso, por favor.

— Também era sobre ela quando a mandei para Washington com o Jacob sem te avisar.

— Mas aí era diferente. Você sabia que eu o estrangularia se descobrisse que ela perdeu a virtude pelos pensamentos dele.

— Exatamente. Você precisa confiar em mim.

— Me deixa, pelo menos, falar com ela? — Ela suspirou e demorou a me responder.

— Peço pra ela te ligar quando voltar do mercado.

— Por vídeo, amor? — ela concordou. — Certo, obrigado.

— Eu te amo.

— Pela eternidade — murmurei e desconectei a chamada.

Quando voltei para o apartamento, Alice já não estava mais, porém havia um desenho de como as plantas deveriam ficar dispostas em cada cômodo. Além disso havia sacos de terra, pedras de argila e vasos, bem como instruções de como replantar. Decidindo focar minha mente em qualquer coisa diferente de Forks, ocupei-me de fazer aquilo pelas próximas horas.

Além disso, também me certifiquei de verificar cada centímetro do apartamento, garantindo que nenhuma superfície pudesse colocá-la em risco. Em seguida, ao visualizar o imóvel completamente vazio, senti-me impelido a me esforçar para garantir a segurança da minha filha.

Comprei um sistema de proteção por alarme, instalei câmeras de segurança que eram ativadas por barulho e outras por infravermelho. Todas ativáveis também por smartphone e cuidadosamente escondidas em mobiliários e plantas. Apenas por uma questão de instalação, coloquei o aplicativo no meu celular, e depois que Nessie estivesse morando aqui, passaria a ela o acesso.

Já estava em casa quando recebi a chamada de vídeo da minha filha. O alívio que me acometeu quando vi seu sorriso teria me feito voltar a respirar se meus pulmões funcionassem.

— Oi papai! — disse com a voz divertida. — Como está aí? Mamãe falou que você tem audiência e por isso não veio, não é? — Frisei os olhos porque a audiência aconteceu pela manhã.

— Ela disse isso, foi?

— Sim. Disse que talvez você nem consiga voltar. Peraí. — Se afastou da tela do celular e então pude ver que estava na cozinha da casa de Charlie.

O cabelo ruivo curto e ondulado da minha filha sacudiu com o movimento do corpo esguio. Nessie vestia uma camiseta e moletom e notei que estava descalça quando ficou na ponta dos dedos para alcançar uma xícara no armário de cima. Tio Em, ajuda aqui!, pediu quando não conseguiu alcançar. Rapidamente vi meu irmão alcançar o objeto e entregar para ela. Vai fazer outro chá?, perguntou em meio a um monte de gargalhadas. Observei o rosto da minha filha corar por inteiro e então ela socou seu braço, imediatamente soltando um xingamento.

— Ei, o que está acontecendo aí?

— Ah oi, Edward! Não sabia que ainda estava na linha. Tudo pronto aí? — perguntou e eu arregalei os olhos, tentando comunicar que ele precisava silenciar para não deixar escapar a surpresa.

— Quase. Só preciso saber quando eu posso ir para aí — reclamei. — Você por acaso tem ideia do que tá me impedindo?

— Nem ideia — disse e as covinhas deixando evidente que era mentira.

— Emmett me conta o que você sabe.

— Sei de nada, cara. Nessie tá no chá e você que alucina?

— Quê?

— Confusão mental?

— Do que você tá falando?

— Ih, tá esquecido? Ouvi dizer que a maconha faz isso também. Se bem que doce ou bala, nunca sei qual dos dois, pode gerar efeito de confusão mental também.

— Como assim, Emmett? Você tá bem?

— Ah eu tô ótimo, a brisa tá dez.

— Brisa? Emmett se afasta do Josh porque de maneirismos joviais já basta minha filha — impliquei, fazendo referência a um dos melhores amigos de Nessie.

Josh Lahote, primo de Paul, virou um metamorfo poucos anos depois do nascimento de Nessie. Ele tinha apenas 8 anos e foi o mais novo na história deles. Como os dois passavam por um processo de crescimento acelerado, e que exigia deles um amadurecimento sobrenatural, acabaram se aproximando bastante.

Os dois causaram muitos problemas nos últimos anos, isso porque ambos se recusavam a seguir regras, agindo frequentemente de maneira impulsiva e irresponsável. Ainda assim, Josh era um parceiro espetacular para Renesmee. Os dois tinham uma sintonia enorme, e um grau de camaradagem invejável. Se Jacob não tivesse tido o imprinting com minha filha, certamente olharia a relação de Nessie com Josh de outra maneira.

— Ô se basta, eu sei que basta. — Riu e foi empurrado da frente do aparelho. Nessie retomou a frente da câmera e me sorriu.

— Quando o tio Em vai embora? Tô com ele há uns quatro dias e já estou exausta — gritou a última parte, provavelmente para que ele a escutasse.

— Pô, que isso, Nessie?! Eu não te faço nada além de te dar mecanismos para te deixar relaxadona. — Riu. Renesmee tentou manter um semblante sério, mas logo gargalhou com o tio.

— As pessoas enlouqueceram, Ness? Tem algum tipo de tóxico no ar de Forks?

Antes que ela pudesse responder, a risada de Emmett tomou toda a ligação. Nessie tinha um olhar que era o misto perfeito da apreensão e diversão.

— Onde está sua mãe?

— Foi pra La Push... Alguma coisa do bando.

— O que houve?

— Ah, coisa da mamãe, sabe como é.

— Na verdade não sei. Ninguém está me contando o que está acontecendo.

— Aconteceu uma coisa esses dias lá na praia e ela está irritada.

— O que houve?

— Eu não posso te contar. — Rolou os olhos e bebericou o chá.

— Estão todos bem?

— Por ora e até onde eu sei, sim, mas você sabe como ela é... — Deu de ombros e me sorriu, tranquilizando. Me perdi na fisionomia da minha filha por alguns instantes, admirando o rosto angelical que me encarava na tela.

— Onde está Jacob? — perguntei, porque se alguém precisava cuidar de problemas com os Quielutte, esse alguém definitivamente não era a minha esposa vampira. Nessie bufou no telefone e rolou os olhos em irritação.

— Ai cansei, pai. Jake só dá chilique. Às vezes acho que ele esquece que eu tenho dezesseis anos a menos do que ele!

— O que o Jacob fez contigo? — perguntei em um fio de voz, fechando minha mão em punho.

— Não, papai! Por favor, não! O Jake não fez nada assim, ele nunca faria! Relaxa por favor! — Pediu e o olhar estava tão aflito que só fiz obedecer. — É porque às vezes eu quero fazer coisas normais, coisas humanas e eu sinto que ele nunca fica confortável com isso.

— Que tipo de coisas, filha?

— Ah, papai... coisas... — O rosto enrubesceu. Voltei a frisar o cenho, tentando entender o que se passava com minha filha.

— Renesmee Carlie. Que. Coisas? — Perguntei com o maxilar trincado, apavorado em imaginar o que ela queria fazer.

Nessie fechou os olhos e baixou o rosto, escondendo-se atrás de seus cabelos ondulados.

— Ai pai, eu mandei malzão e agora a mamãe tá bem puta comigo e com o Josh.

— Olha a boca — corrigi, detestando ouvir palavras tão baixas saírem de seus lábios. — Mas o Josh? O que vocês fizeram?

— Desculpa — murmurou. — Mamãe ficou chateada com umas coisas que a gente fez, e depois de esgotar todo o meu vocabulário explicando nossos motivos, foi pra reserva pra falar com o Sam.

— O Sam? — exclamei, agora genuinamente intrigado do porquê Bella precisaria conversar com o líder da tribo sobre um comportamento da minha filha.

— Pois é, sabe como ela é exagerada, não sabe?

— Renesmee, não questione as razões da sua mãe. Não se esqueça que você acabou de pisar no mundo e se tem alguém que sabe o que é melhor pra você, certamente é ela.

— Mas daí a falar com o Sam, pai? Acho que isso já é demais.

— Você não tem que achar nada. Inclusive, você vai escutar e obedecer ao que quer que sua mãe tenha falado.

— Não é como se ela tivesse me dado qualquer alternativa para fazer diferente. — Rolou os olhos, mas imediatamente os arregalou, provavelmente lembrando-se que estava falando comigo.

— Olha, Nessie, sinceramente ainda me surpreende que você se comporte como adolescente.

— Será que sou eu que me comporto assim ou são vocês que são incapazes de ver diferente?

— O que você quis dizer?

— Isso mesmo que você ouviu. Vocês são tão maníacos por controlar a minha vida que não me deixam viver por mim mesma.

— Você está tentando virar a história para sair como vítima, mas está esquecendo que eu tenho mais de cem anos a mais do que você. Além disso eu não canso de argumentar, inclusive ganho o seu sustento fazendo isso, então a gente pode ficar nesse cabo de guerra pelo resto da eternidade se quiser.

— Só se for a sua né? A gente nem sabe quando eu vou morrer — constatou com a voz ácida.

— Essa tática também não vai funcionar, Renesmee. Estou acostumado a ver as pessoas partirem — disse com a voz serena, mas sentindo meu coração inteiro enrijecer com a ideia de perder minha filha.

— Eu odeio você! Eu odeio vocês! Eu odeio o que eu estou virando com vocês! Eu não vejo a hora de ir embora da sua casa! — acusou com o rosto vermelho.

Ouvi a voz de Emmett na linha tentando apaziguar o humor da sobrinha. Em seguida, o vi puxando-a para longe da mesa enquanto murmurava algumas coisas no cabelo. Escutei os passos pesados no assoalho da casa em um som abafado e cada vez mais baixo. Antes que eu desligasse a chamada, meu irmão apareceu na linha com um sorriso forçado.

— Entendeu por que você precisa esperar para vir?

— Na verdade, não — afirmei com as sobrancelhas levantadas, como se sua pergunta tivesse sido um completo absurdo.

— Você não é a melhor pessoa para controlar seus humores, e Bella e Renesmee estão em guerra nesse momento.

— E é exatamente por isso que eu preciso estar aí.

— Melhor você falar com a Bella antes, cara. Eu não vou apagar mais o incêndio não.

— Vou fazer. Mas me diz uma coisa: onde está o Jacob?

— Com a Bella na reserva.

— Eles estão bem?

— Eles quem?

— Bella e Jacob.

— Ah sim. Estão sim. Só não posso falar o mesmo sobre ele e Nessie.

— Foi tão ruim assim?

— Não, cara. Os ânimos estão aflorados demais. A situação nem foi tão absurda, Edward. Pessoalmente acho que é muito mais uma briga por autoridade do que qualquer outra coisa.

— Certo. Eu posso fazer algo daqui?

— Acho que não, mas fala com a Bella.

Desligamos a chamada, e imediatamente liguei para minha esposa que, como vinha fazendo há algumas horas, ignorou minha tentativa de contato. Mandei uma mensagem de texto, perguntando o que eu deveria fazer, e ela disse que eu esperasse porque estava lidando com a situação. Pediu desculpas, afirmando que estava com os humores aflorados e por isso evitava que eu fosse para lá. Assegurou que estava tudo bem, na medida do possível, e que logo nos veríamos.

Me ocupei por mais um dia em Michigan, mas sabia que seria impossível me manter tão distante da minha família, especialmente quando era evidente que as duas mulheres mais importantes da minha vida estavam enfrentando algum tipo de problema. Mandei uma mensagem de texto para Jacob, perguntando se ele achava que eu criaria a terceira guerra mundial se fosse até lá, e ele disse que lidaria com as consequências se escalasse para esse nível.

Decidi viajar de avião, para dar à minha esposa um falso controle do meu trajeto. Notifiquei a hora de saída e pouso, bem como o tempo que demoraria do aeroporto até La Push. Ela foi reticente em aceitar minha decisão, mas quando percebeu que eu estava resoluto, acatou.

O tempo passou lento demais e por cada segundo me arrependi de não ter ido correndo. Era uma tortura ficar preso em um avião, incapaz de fazer o tempo acelerar. Em algum momento engajei em uma conversa com uma colega de profissão que tinha entre 50 e 55 anos e que jurava que eu era novo demais para ser um advogado. Passamos o voo discutindo algumas jurisprudências e contestando decisões judiciais de nosso estado. Seus pensamentos raramente me tinham em um espaço de luxúria, e das raras vezes que pensou em mim com desejo, imediatamente se forçou a lembrar de seu filho, que era quase da minha idade.

Ainda que a conversa tivesse sido uma boa distração, passei o voo angustiado com tudo o que estava acontecendo, antecipando pelo pior. Quando dei por mim já estava cruzando o terminal do aeroporto em Seattle em busca da McLaren 570S, o único ponto alto dessa viagem.

— Ei, quer algo da rua? — Perguntei na linha assim que minha esposa atendeu a ligação.

— Onde você está?

— Acabei de entrar em Forks. Por que está com a voz agitada?

— Hm... Nada. Só quero que você venha logo.

— Mudou de ideia, é? — impliquei. — Renesmee deve mesmo estar sendo impossível?

— Você não faz ideia.

— O que está acontecendo? É o Jacob de novo? É sobre a universidade? Ele está pressionando para ela ficar por perto?

— Não é isso. Não é nada disso. — Bufou na linha. — Eu nunca achei que fosse dizer isso, mas o Jake está sendo a parte mais fácil do meu dia.

— Já chego aí pra te dar um suporte. — Sorri quando ela murmurou um xingamento apreciativo. — Emmett ainda está aí?

— Sim. E eu não sei se isso é bom ou ruim. — Reclamou na linha e eu ouvi a gargalhada expansiva do meu irmão. — Emmett eu juro por Deus, some com isso da minha frente — ela disse em um tom tão ácido que, no automático, meu pé pisou ainda mais fundo no acelerador. O motor do carro esportivo soltando um xingamento em resposta.

— Bella?

— Amor, por favor, eu preciso que você confie em mim. Eu estou lidando com a situação. Não faz um espetáculo quando chegar.

— Um espetáculo? Como assim?

— A gente sabe como você é quando se trata da Nessie.

— Isabella Cullen o que fizeram com a nossa filha? — Rosnei. Bella soltou uma risada seca na linha.

— A Nessie está ótima, Edward. Perfeita — disse com acidez na voz. — Só vem logo, mas dirige com cuidado. — Pediu e desligou a ligação antes que eu pudesse me manifestar. Sorri do cuidado expressado como um hábito humano, especialmente porque ela sabia que uma batida de carro dificilmente me machucaria.

Considerei ligar para meu irmão para entender o que estava acontecendo com a minha mulher e filha, mas optei por dirigir e resolver a situação quando chegasse em La Push, precisamente na casa de Charlie e Sue, onde Renesmee ficou hospedada pelos últimos meses.

Quando desliguei o carro em frente à casa dos meus sogros, percebi estar silencioso demais. Uma casa que continha, pelo menos cinco pessoas, das quais duas eram humanas — e uma era quase — não deveria nem de perto estar tão silenciosa como naquele momento. Quando parei em frente à porta, forcei meus ouvidos para tentar captar algum batimento cardíaco, pensamento ou mesmo algum movimento, mas obtive o silêncio em retorno.

— Bella? — Bati na porta, ainda em dúvida se ela estaria em casa.

Ainda que minha mulher tivesse tido uma excelente adaptação enquanto vampira, ela seguia com dificuldades de se lembrar de se comportar como humana, fazendo barulhos, movimentando-se e mantendo alguns trejeitos, por isso, não era raro encontrá-la completamente paralisada como uma estátua quando ficava sozinha. Não deu outra. Tão logo falei, pude ouvir os sons de uma criatura ágil demais mover-se do lado de dentro da casa.

Ela abriu a porta e imediatamente jogou-se em meus braços escondendo o rosto no meu pescoço. A abracei de volta e beijei o topo da cabeça, sentindo o cheiro do seu xampu de morango que insistia em usar exclusivamente para próprio deleite.

— Onde estão todos?

— Na praia.

— Fogueira?

— Mhm — murmurou e logo encostou nossos lábios. Me permiti demonstrar naquele gesto que ficar pouco mais de um dia longe dela era difícil demais.

— Vamos? — perguntei depois de algum tempo quando percebi que estávamos perdendo o controle.

— Não é promessa — implicou, imitando o meu tom de voz, fazendo referência ao que tinha dito mais cedo. Sorri e dei um tapa na sua bunda coberta por um jeans escuro. — Escuta... — disse com a voz apreensiva. — Eu preciso que você me prometa que não vai surtar, Edward. Está tudo bem agora.

— Falando assim não me parece tudo bem.

— Mas está. Foca nisso, por favor. — Riu, nervosa.

— O que o Jacob fez, Bella?

— Nada, mas que mania de achar que tudo é culpa dele, Edward. Ele nem estava aqui quando aconteceu porque estava em Seattle com meu pai e o Bill pra comprar novos equipamentos de pescaria.

— Ele não estava aqui? — Exasperei jogando as mãos para cima. — Eu pedi uma única coisa e ele foi incapaz de cumprir? Como ele acha que eu vou permitir que ele case com a Renesmee agindo dessa maneira?

— Bom, em primeiro lugar não havia qualquer ameaça pra você ficar surtado dessa forma. Em segundo lugar, havia um bando inteiro de lobos com nossa filha. Em terceiro lugar, seu irmão estava aqui, mesmo eu não sabendo até que ponto isso foi algo bom, havia um Cullen aqui — Bella contabilizou cada argumento levantando um dedo, mas quando falou de Emmett, foi incapaz de deixar o veneno fora de sua voz. — Ah claro, como esquecer, em quarto lugar, Renesmee não é sua posse pra você permitir ou impedir que ela se case com o homem por quem é apaixonada, Edward.

Optei por não contra-argumentar nenhum ponto colocado por minha mulher, especialmente porque eu a conhecia o suficiente para saber que ela não desistiria de ganhar uma argumentação caso realmente acreditasse no que estava dizendo. Mesmo que eu tivesse um milhão de considerações sobre a falta de confiança nos lobos ou sobre permitir, ou impedir que minha filha se case com Jacob Black, nesse momento eu tinha mais amor à minha vida.

Corremos até a praia e sorri quando vi o rosto da minha filha se transformar com uma gargalhada expansiva. O reflexo da fogueira tornando os cabelos acobreados ainda mais laranja. Seth e Embry corriam em volta dela, fazendo alguns gestos exagerados, arrancando ainda mais risadas de Nessie. Emmett sentava um pouco mais distante da fogueira, mas ainda assim participando do evento. Alguns outros membros do bando estavam ali, bem como Emily e Clair, que preparavam alguns espetos com s'mores. Ouvi um grupo de vozes gritando ao longe e notei a cabeça de todos se virarem. Em seguida vi três corpos despencarem do penhasco, diretamente nas águas escuras de La Push.

— Ah droga, o Edward chegou. — Ouvi a voz de Seth distante e só então percebi que não conseguia ouvir seus pensamentos. Forcei a mente e me deparei com um silêncio mental que só me era familiar quando Bella queria que fosse.

— Bella?

— Achei até que você demorou a perceber. — Implicou segurando minha mão. — Relaxa, amor, é para o seu bem.

— Pai! — Nessie acenou à distância com um sorriso enorme.

Estreitei os olhos na direção dela porque muito embora eu não estivesse conseguindo ler seus pensamentos, sabia que tinha algo errado. Nos aproximamos do grupo e depois de tomar minha filha em um abraço e me certificar que ela estava em perfeita condição física, virei o rosto na direção do meu irmão. Silêncio. Olhei Seth, mas ele olhava para todos os lugares, menos para mim. Embry estava ocupado jogando areia nas proximidades da fogueira, e o resto do bando nadava no mar. Claire, que já era uma adolescente, e Emily seguiam entretidas com as comidas, dando pouca ou nenhuma atenção para o turbilhão de coisas que passava pela minha cabeça.

— Quem não está sob o efeito do seu escudo? — acusei, tentando escutar qualquer pensamento disponível.

— Você. — Sorriu debochada e eu rolei os olhos. — Alguém quer me explicar o que está acontecendo aqui? — Exasperei, olhando na direção de Seth. Se havia alguém que me contaria o que estava acontecendo de errado com a minha filha, esse alguém era ele.

Para minha surpresa, Seth rapidamente desviou os olhos.

— Vou pegar mais lenha — murmurou para ninguém em especial e correu para longe.

Emmett gargalhou e se sentou na esteira onde minha filha havia estado quando chegamos. Voltei os olhos para Bella e levantei as sobrancelhas.

— O quê?

— Onde está o Jacob? — Ignorei a petulância de Bella e voltei a atenção à minha filha que ainda estava aninhada nos meus braços. Nessie, achando que era com ela que eu falava, deu de ombros e rolou os olhos. Deixou meus braços e correu para Emily, que tinha acabado de retirar um petisco da fogueira.

Minha filha continuava não sendo a fã número um de comida, mas fazia um esforço para demonstrar apreço, principalmente quando estava perto dos Quileutes.

— Você sabe que uma hora isso vai te cansar, não sabe? — afirmei para Bella, sabendo que ela não poderia sustentar o escudo por um período interminável.

— Você é muito fofoqueiro.

— Mas a fofoca edifica, Isabella. Você sabe disso. Guarda o escudo — insisti.

— Estou fazendo isso é pra te enfiar um pouco de humildade. Vem. — Segurou minha mão e me puxou para perto da água.

Quando estávamos na margem, ouvi o pensamento de Josh sobre como a noite estava extremamente agradável. Sem fazer movimentos bruscos busquei o homem com os olhos e percebi que ele estava saindo do mar há alguns metros de distância. Bella não parecia prestar atenção, porque estava engajada, me atualizando sobre a história de uma de suas colegas de turma que estava namorando com seu professor em segredo.

Ao longo dos anos, Bella conseguiu aperfeiçoar seu escudo mental. Enquanto no início ela precisava se concentrar muito para manter o escudo em outras pessoas, ao longo do tempo a tendência elástica que o escudo tinha, forçando-a a se concentrar para mantê-lo ativo, foi perdendo a resiliência, ou a tendência de voltar para o ponto de origem, como ela gostava de explicar. Hoje, para ela, funcionava mais como um slime, de modo que ela conseguia jogar em um, ou mais alvos, e mantinha por lá sem muito esforço.

Com os anos de treino, descobriu que conseguia fazer mais coisas, enquanto mantinha o escudo ativo. Nada que exigisse demais de si, mas atividades mecânicas, como falar, cozinhar ou lavar louça eram possíveis de serem executadas enquanto mantinha a habilidade ativa.

Engajei na conversa, alimentando-a com a quantidade exata de participação que ela precisava, e deixei minha mente focar em Josh. Escutei com tédio ele recontar a adrenalina de nadar a noite no mar agitado, e aguardei pacientemente até que ele me visse. Quando o fez, seus pensamentos pularam imediatamente para a lembrança de Bella enforcando-o contra a parede. O olhar assassino de minha esposa respaldado pela postura ameaçadora de Jacob que estava posicionado atrás dela. Notei que ele virou o rosto e buscou minha filha, e então coisas como: ele vai tentar me matar. Não. A Bella não o traria para La Push se fosse me matar.

Frisei o cenho e foquei ainda mais, balançando a cabeça aqui e acolá para manter Isabella engajada na narrativa de sua história. Ele tem que saber que não se fala não para a Nessie, e poxa, foi o Emmett que surgiu com todo o plano. E de mais a mais, estávamos sendo monitorados pela Audrye que está quase se formando na faculdade de medicina e ela nos diria se algo estivesse errado, muito embora ela não entenda tanto assim da fisiologia de lobisomens, vampiros ou híbridos.

— Quem é Audrye? — perguntei para Bella, sem desgrudar os olhos de Josh. Minha esposa murmurou um xingamento.

— O quanto você ouviu?

— Quem é Audrye? — Olhei em volta, tentando identificar alguma pessoa desconhecida.

— Uma amiga da Emily. Veio passar as férias de verão aqui.

— O que é que ela monitorou, Bella?

— Como assim?

— Por que ela monitoraria sinais vitais de metamorfos, vampiros e híbridos?

Bella me olhou com os olhos esbugalhados. Franziu o cenho e fitou Josh.

— Ah não, pode parar — Entrei na frente da linha de visão dela. — Você não vai mais nublar os pensamentos de ninguém. Baixe os escudos.

— Não.

— Bella. Baixa. Os. Escudos.

— Com você irritado desse jeito? Nem morta — disse e, em seguida riu. — Principalmente nem morta.

— Seu humor sádico me encanta. Mas agora baixe o escudo, por favor. Eu não quero ter que te distrair.

Bella titubeou, e nessa fração de indecisão, consegui captar o pensamento de Seth e Emmett. Também descobrimos nos últimos anos que quanto mais sobrenatural e antiga é a criatura, mais difícil era manter o escudo na pessoa. Algo sobre a tendência natural de nossos corpos de nos proteger de interferências externas, sejam para o bem, seja para o mal.

Meu irmão, enquanto olhava para Nessie, pensava que ...nunca vi comer igual na larica. Diz que não gosta de comida humana, mas aquele pratão de macarronada foi imbatível. Daria tudo pra ter visto a alucinação, porra a Nessie podia me mostrar como nunca pensei nisso... já que não bateu tanto assim em mim, seria legal poder viver pela experiência que ela viveu.

Quando olhei para Seth, que retornava com lenha em mãos, ele me encarava e quando notou que o olhei, levantou as sobrancelhas e pude ouvir a apreensão na sua voz mental. Espero que você esteja me ouvindo neste momento, porque se estiver eu preciso que você acredite que eu não tive nada a ver com isso, quer dizer eu até tive um pouco porque fiquei botando pilha, mas a gente estava bêbado e pareceu uma boa ideia, mas eu prometo que não fumei maconha nem tomei nada porque queria me certificar que ia ficar tudo bem com ela e Josh. Por favor, Edward, você precisa confiar que a gente cuidou dela.

Minha reação foi olhar para Bella, que tinha os olhos fechados em uma expressão resignada. Ela sabia que sua concentração estava esvaindo.

— Fumou? Renesmee fumou maconha? — perguntei exasperado por entre os dentes. — O que o Emmett tem a ver com isso, Isabella?

Ela não me respondeu. Ao invés, seguiu para o meio do grupo e disse: — Não vou ficar mais passando pano para o que aconteceu. Vocês que se entendam com ele. — Jogou a mão para o alto, gesticulando entre Nessie e eu. Caminhei até o meio do grupo e cruzei os braços, aguardando por uma explicação.

Silêncio. Virei o rosto para a minha esposa, aguardando que ela removesse o escudo, mas ela apenas balançou a cabeça.

— Vou dar à nossa filha um voto de confiança.

— Meu deus, como vocês são exagerados! — Nessie bufou e veio até a minha direção. — Será que vocês podem nos dar um pouco de privacidade? — Olhou para o grupo, que rapidamente recolheu seus pertences e saiu da praia.

Nunca vi Josh correr tão rápido quanto naquele momento. Semicerrei os olhos ao Emmett, comunicando silenciosamente que ele deveria ficar, mas ao contrário do que inferi, ele foi embora e, quando olhei para o lado, percebi que Bella tinha a mesma expressão ameaçadora que eu tentei apresentar, mas desafiando-o a ficar.

— Pai eu usei drogas — Nessie disse em um respiro.

— Você o quê?

— Eu usei drogas.

— Mas que diabos você estava pensando, Renesmee?

— Eu estava pensando que queria usar drogas.

— Renesmee não é a hora de você debochar de seu pai — Bella sugeriu. Nessie deu de ombros. — Eu estou falando sério. Se você acha que é adulta pra morar sozinha e pra usar drogas, seja adulta para ter uma conversa madura com o homem que faz absolutamente tudo por você.

— Eu não tenho mais nada pra falar, além do fato que usei drogas.

— Por que você fez isso? Sua mãe e eu não te educamos para isso.

— Eu queria experimentar, pai. Todo mundo da minha idade já fumou um baseado e eu quis saber como seria a sensação, já que álcool me deixa um pouco levinha.

— É o que? Você anda bebendo?

— Não é como se eu fosse uma alcoólatra nem nada, pai — ela rolou os olhos. — Mas sim, eu gosto de beber um pouco quando encontro o pessoal.

— Desde quando Renesmee?

— Que diferença faz, pai? Eu metabolizo álcool tão rápido que não tem nem risco de eu ficar mais do que levemente altinha.

— Eu não te perguntei isso.

— Desde que o tio Emm fez piada sobre um episódio de Vampire Diaries onde um dos protagonistas fica bêbado. Ele comprou uma garrafa de tequila e depois de tomar metade e não sentir nada, decidi ver se faria algo comigo.

— O Emmett te embriagou? Mas que inferno ele acha que está fazendo? — exclamei e olhei para Bella em dúvida. Ela teve a decência de parecer culpada. — Qual é a sua relação com essa história, Isabella?

— Eu achei que se ela estivesse em casa, estaria mais segura.

— Você encorajou essa palhaçada?

— Não exatamente, Edward — ela bramiu de volta. — Mas a Renesmee faria com ou sem a minha supervisão. Na dúvida, preferi estar por perto.

— E você não achou razoável me contar? A minha filha decide se embriagar e você acha que eu não gostaria de saber?

— Você gostou de saber?

— Claro que não, Bella! A Nessie é uma menina, uma híbrida. Ninguém sabe direito como as toxinas funcionam no corpo dela.

— Agora sabem. — Nessie riu ao meu lado. Fechei os olhos e as mãos em punho quando ouvi a ironia na voz.

— Não é a hora para isso, Renesmee — Bella afirmou de maneira austera. — E eu vou te falar isso pela última vez, porque estou cansada de me repetir sobre esse assunto, Edward e eu somos seus pais, e essa foi a última vez que você faltou com o respeito com qualquer um de nós dois. Nós nunca tratamos você dessa maneira e é inadmissível que você o faça.

— Desculpa, mãe... — murmurou. Notei que ela tinha a cabeça baixa e traçava padrões circulares com o pé na areia. — Desculpa, pai.

— Eu estou completamente decepcionado com você.

— Eu sei, e sem nenhum pingo de ironia ou desrespeito, pai, eu genuinamente sinto muito.

— Você sabia que nós nos sentiríamos assim, não sabia?

— Eu desconfiava.

— E por que fez?

— Porque eu precisava.

— Precisava? Como assim? — perguntei fitando nos olhos castanhos. Nessie sentou-se na esteira e estendeu a mão em minha direção. Sentei-me ao seu lado e puxei Bella comigo.

— Deixa eu falar uma coisa importante para vocês dois. Amo vocês com tudo o que há dentro de mim. Nada no mundo vai me fazer amar menos vocês, e acho que todos os dias isso só cresce, mas as vezes eu preciso viver. Aqui, com vocês, cercada por esses meus parentes mitológicos e sobrenaturais, às vezes, me sinto sufocada. E aquilo, a maconha e o chá de cogumelo foram algo que me fizeram sentir viva. Pela primeira vez em muito tempo eu me senti uma pessoa, e não uma aberração.

— A maconha e o chá? Quantas drogas você usou, Nessie? — A encarei, assustado. Ela rolou os olhos e apertou minha mão.

— De tudo o que eu falei foi isso que fixou? — Ela perguntou com a voz aguda e irritada.

— Eu sinto muito que a gente tenha te feito sentir presa dessa forma, Nessie, mas quando você achou que não tinha liberdade para vir conversar conosco? — Bella perguntou. Sua voz era empática e suave.

— Eu não ressinto vocês por terem me feito uma aberração e terem me dado essa vida, mas se continuarmos da forma que estamos, vou ressentir por não me permitirem viver. Eu amo vocês, amo a nossa família e sou muito grata pela educação que me deram, mas eu preciso de momentos inconsequentes. Eu preciso errar, preciso me machucar, preciso aprender com meus próprios passos.

— Mas drogas, Renesmee? — perguntei, apertando a mão de minha filha no meu rosto. Implorando por alguma coisa que nem sabia ao certo o que era.

— Drogas, sexo, briga na rua, pai... Tudo. Eu estou virando adulta e não vivi nenhuma experiência que as pessoas da minha idade, pelo menos a aparente, viveram... Eu vou tentar tudo o que eu puder e quiser contanto que não fira alguém no processo.

— Não é justo você nos deixar angustiados dessa forma. Não conhecemos seu corpo, seu crescimento. Como você vai tentar algo sem saber dos impactos que isso poderia gerar em você? — perguntei, sentindo o ombro cair com o peso da confissão de minha filha.

— Por isso a gente tentou aos pouquinhos, e por isso só fiz isso depois que o tio Emm chegou. Eu não sou inconsequente, pai, e não porque eu não queria, porque poxa vida, como queria... mas entre vocês e os Quileutes, é impossível ser.

— E por que você quer ser inconsequente? — Bella perguntou. O corpo retesado, provavelmente pensando no período que ficamos separados há pouco mais de dez anos.

— Eu só queria me sentir normal um pouquinho, sabe? Mesmo que apenas por um instante, eu queria ser uma adolescente que dá problemas para os pais... Acho que até a bronca que mamãe me deu me fez bem, me fez sentir como uma adolescente rebelde.

— Mais? Honestamente não sei quanto mais disso consigo aguentar. — Bella tinha uma expressão debochada. Nossa filha riu, e eu me permiti relaxar.

— E de mais, a mais, não me fez mal. Não foi maravilhoso nem nada do tipo, mas não me fez mal. Nem ao tio Emmett. E eu acho que vocês deviam experimentar.

— Eu não usaria drogas, Renesmee, seria inconsequente demais experimentar algo que não sei o que faria comigo. E eu espero que você também não use mais — disse com a voz endurecida, esperando comunicar o quão decepcionado me sentia.

— Não vou — prometeu. — Mas se é algo que preocupa tanto vocês, eu genuinamente acho que vocês deveriam experimentar. Aquela máxima do mantenha os amigos próximos e os inimigos mais próximos ainda, sabe? — Riu.

Rolei os olhos, mas senti Bella apertar minha mão, e quando a vi em minha visão periférica, notei que tinha seu lábio inferior entre os dentes. A encarei completamente embasbacado, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Nessie se aproximou e nos tocou o rosto, dividindo conosco a experiência que vivenciou naquela praia nas últimas noites. As lembranças eram leves, mas extremamente coloridas. Em vários momentos o brilho da pele de Emmett no sol deixava o corpo dele e se encontrava com o brilho do mar, mesclando-se no céu e transformando-se em nuvens. A areia seguia os padrões do oceano e o fogo parecia respirar.

Em algum momento soltei uma gargalhada, completamente embebido nas sensações, como se eu estivesse vivendo-as. Bella tinha um olhar preocupado, e quando levantou o escudo, a escutei dizer: parece bom demais para ela querer usar apenas uma vez. Acho mesmo que a gente vai precisar ficar de olho porq-, mas antes que terminasse o raciocínio, fomos invadidos pela memória do dia seguinte. Renesmee passou o dia com seu trato digestivo irritado e muita dor de cabeça. Em algum momento a sensação foi de angústia pela briga que teve com Jacob, que aparentemente ficou igualmente preocupado e até agora não tinha voltado a procurá-la.

— Eu não pretendo voltar a usar. Eu realmente não sou doida e não quero me arriscar com algo que não sabemos o efeito, e eu nunca mais quero fazer vocês e Jake se sentirem dessa forma, mas não me arrependo de ter feito — murmurou com o rosto baixo. — Me desculpe desapontar vocês, mas eu realmente preciso viver esses momentos humanos.

Bella depositou um beijo na mão de nossa filha e a abraçou.

— Não há nada no mundo que a gente ame mais do que você, e é importante que você entenda que se nossa comunicação não estiver funcionando, nada mais vai.

— Eu sei...

— Então seja sincera conosco, filha — Bella insistiu.

— Não é como se eu pudesse virar pra vocês e falar, pô mãe, pô pai, bora fumar um... — Contra minha vontade, deixei escapar uma risada.

— Você falou quando queria tomar tequila — minha esposa contra-argumentou.

— É diferente né, mãe? Tequila não é proibido.

— É se você tem menos de 21 anos, e Nessie, minha filha, você não tem nem metade disso. — Ri e a puxei para um abraço. Ela rolou os olhos e se desfez do meu aperto.

Passamos mais algum tempo na praia conversando sobre a experiência que ela viveu nos últimos dias, bem como reajustando os termos da nossa relação, para garantir que não houvesse mais mentiras entre nós três. Eventualmente o assunto ficou mais leve, e contamos para ela sobre nossa viagem dos últimos meses. Já tinha passado algumas horas quando voltamos para a casa de Charlie, mas antes de entrarmos, fomos invadidos pelo cheiro de maconha.

— Eu não tenho nada a ver com isso. — Nessie levantou as mãos em rendição. Bella apressou os passos e abriu a porta

— Pai?! — exclamou. — Pelo amor de deus, passei uma hora falando com a minha filha sobre os perigos de usar drogas e eu chego em casa e o avô dela está se drogando?

— É medicinal — Charlie justificou em meio a gargalhadas. Antes mesmo de entrarmos, ouvi a risada de Emmett tomar todo o imóvel.

— O que você está pensando, pai? Meu Deus, eu podia apostar que você era a pessoa mais careta dessa família, e estou incluindo o Edward nesta conta.

— É sério, filha — ele comentou, depositando o bong na mesa à sua frente. — Foi prescrito para a minha artrose.

— É cedo demais para eu te oferecer um chá, Bella? — Ouvi que Emmett gritou da cozinha e gargalhei quando vi o borrão da minha esposa, um barulho de coisas sendo quebradas e uma sucessão de xingamentos vindos de meu irmão.

Senti Nessie sacudir em risadas abaixo do meu braço que estava repousado acima de seu ombro. Beijei o topo da cabeça e a abracei mais forte contra mim. O corpo quente da minha filha foi suficiente para tranquilizar toda angústia e ansiedade que me assolaram pelas últimas horas.

— Eu realmente não quero mais, mas você devia experimentar — Apontou com o queixo para o bong que Charlie tinha à sua frente.

— Não funcionou no Emmett — respondi com humor.

— O chá funcionou. Talvez funcione de maneiras diferentes em vampiros. — Deu de ombros e sentou-se ao lado do avô.

Retesei, preocupado que ela fosse usar a maconha, mas relaxei quando percebi que pegou o controle da TV, sequer olhando para o bong, e trocou o canal, tirando da transmissão do jogo de beisebol e colocando em um programa de culinária.

— Vocês deviam mesmo, inclusive se for tomar o chá, esteja sozinho com a Bella porque o negócio é bom, se é que me entende. — Ouvi Emmett sugerir em um tom suficientemente baixo para que nem Charlie, nem Nessie, ouvissem.

Ri, mas quando olhei na direção da cozinha, notei que Bella estava apoiada no batente da porta me encarando. O lábio preso entre os dentes e o olhar escurecido por uma fome que não era de comida. Antes que eu pudesse reagir, sorriu.


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Notas finais do capítulo

nota da autora: espero que vocês tenham gostado de ler o tanto que gostei de escrever. Eu consegui matar um pouquinho da saudade do nosso gadinho favorito, e vocês?

Vou ficar muito feliz se quiserem me mandar um biscoitinho (não to falando do space cookie, e sim de reviews, mas se quiser eu quero ((não disse o que)).

Em tempo, se forem usar drogas, façam com segurança.

Beijinhos científicos.