A vez de Lacey escrita por Camélia Bardon


Capítulo 4
Girassol


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Desculpem pelo atraso na postagem, hoje foi um dia bem corrido. Como vão vocês? O capítulo de hoje é com as irmãs esportivas. Ansiosos?



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— Ai!

Parecia mesmo patético que essa fosse uma das primeiras coisas que Lacey havia tirado de proveito da tarde animada com a irmã. É claro, em primeiro lugar vinha a torta ameixa com nozes para o café da manhã, e o vichyssoise para o almoço obviamente veio em segundo lugar. Convenhamos, era bem difícil ignorar as batatas com gostinho de alho-poró.

Bem, em terceiro lugar... Talvez Lacey pudesse admitir para si mesma que receber um aceno de Luke enquanto caminhava triunfante pelo jardim carregando o malho apoiado nos ombros. Era bem provável que ela inconscientemente estivesse imitando os trejeitos de Delia, mas quem ligava? Autoconfiança era a chave de tudo, não era?

Quer dizer. Autoestima e atenção era a chave de tudo. Se Lacey tivesse se atentado a isso enquanto caminhava pelo jardim com seu malho, talvez não tivesse tropeçado num dos aros fincados no chão justamente pronto para recepcioná-las. Com o tropeção, Lacey esqueceu-se de tudo – da torta, da vichyssoise, de Luke e principalmente da autoestima. Ao escutar o protesto da irmã, Delia voltou-se para trás gargalhando.

— Cuidado aí, tampinha! Senão os aros comem o seu pé!

— Ha, ha. Muito engraçado, Delia. Eles são tão fininhos que eu mal enxergo eles.

— Sinal de miopia! Ou de paixonite aguda...

Lacey ignorou-a enquanto marchavam pelo campo bem-cortado. Ali era a área favorita de Delia e Edeline, e Lacey não estava em posição de julgá-las – um campo era bem melhor do que bolas de croquet voando na sala do trono, afinal.

— Quer um resumo das regras? Quer dizer... Das regras com que eu e Edeline jogamos, é claro. Nós gostamos de seguir as nossas próprias, o jogo oficial é meio entediante.

— Oh! Claro, claro! Estou ouvindo.

Daí, Delia – para seu registro pessoal, a número 4, Lady Matadora, ou apenas a Sua Alteza que todos gostavam de evitar devido aos comentários espirituosos – espreguiçou-se, jogando os cabelos cor-de-mel para trás com paciência. Lacey havia decorado o movimento: primeiro colocar atrás dos ombros, então retirar a fita amarrada no pulso para passar a amarrá-la no cabelo num coque alto. Era o auge de sua concentração, portanto Lacey não a interrompeu por um minuto sequer.

— O objetivo é passar a bola por todos os aros e bater naquela estaca quando acabar — Delia apontou, o que fez com que Lacey estreitasse os olhos para poder focar sua visão. — Ganha quem completar mais pontos. Você ganha um ponto passando por um aro só, dois se passar por toda a fileira de arcos de uma só vez. Não pontua se precisar dar duas ou mais batidas na bola para passar um arco.

— Até agora, está bem claro. Mais algo?

— Sim. Você tem que bater o malho assim — Delia demonstrou o movimento graciosamente. — Há a penalidade do ponto se você chutar o malho para empurrar a bola, bater com o cabo, empurrar ou puxar a bola de qualquer outro jeito que não seja batendo.

Lacey franziu a testa.

— Mas quem é que bateria na bola com o cabo, ora essa?

— Crianças...?

— Eu vou te acertar com o cabo.

Delia gargalhou, como a insolente que era desde que se entendia por gente. Lacey optou por rir a chorar dos próprios tombos, uma vez mais, enquanto se colocava ao lado da irmã. Logo quando estava pronta para fazer uma ameaça com o malho, uma terceira figura assoviou de modo nada refinado. Edeline vinha de encontro a elas, com um caderno em mãos.

— Competição justa — Delia explicou antes mesmo que Lacey tivesse oportunidade de perguntar a respeito. — Se eu pontuar, talvez o resultado seja parcial.

— Nossa, é bem sério.

— Sempre é, Lacey.

— Isso explica porque Lorde Ashleigh disse que dormiria pensando em tacos e bolas se o desposasse — Edeline aproximou-se, não perdendo a oportunidade de tirar sarro com a situação da irmã gêmea. — Boa tarde, Lace!

Lacey sorriu amigavelmente, ao passo que Delia abanou uma mão em frente do rosto.

— Águas passadas. Eu sou uma mulher livre. Além disso, seria muito estranho casar-se com um homem que tem um nome parecido com sua irmã.

— Ela tem um ponto — Lacey concordou com uma careta cômica. Com isso, Edeline teve de dar o braço a torcer. — Imagine ser casada com um Hadley? Ou um Lancelot?

— Está certo, está certo. Na verdade, não seria justo também um marido que não se desse bem com seu passatempo favorito... Mas nunca perdemos as esperanças por aqui, não é?

Delia exprimiu um resmungo irônico.

— Quem precisa de homens quando se tem esportes?

Edeline e Lacey trocaram um olhar cúmplice. Delia era mesmo incorrigível, mas essa também era sua maior qualidade. Por sorte, Edeline havia nascido um pouco menos atrevida que a gêmea, então não foi uma surpresa que tenha sido ela a colocar ordem nas coisas:

— Então, vamos começar o jogo agora ou nunca?

Salve-se quem puder...

❀⊱┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄⊰❀

Em tese, parecia ser um jogo fácil. Pelo que Lacey entendeu, era uma questão de cálculo e precisão – infelizmente, duas coisas que Lacey não podia dizer que tinha de sobra. Edeline ia atrás dela, solícita com seu lápis e bloquinho de notas. Por sorte, Delia ao menos tinha uma dose de compaixão quando Lacey batia na bola ou fraco demais ou forte demais.

— Está tentando se vingar do arco que te fez tropeçar, Lace?

— Exatamente! Aquele arco merecia um massacre, porém não estou me sentindo violenta hoje.

Delia gargalhou, ao passo que Lacey tentou sua... Quinta tacada? Fosse como fosse, sua bola foi de encontro à da irmã, emitindo um ruído seco. Franzindo a testa, Lacey recorreu às mais velhas:

— Isso foi bom ou ruim?

— É um roquet — Edeline comentou naturalmente, anotando o progresso. — Você ganha três pontos, Lace.

Realizando uma dancinha da vitória, Lacey saboreou seu acerto momentâneo.

— Isso me deixa com quantos pontos até agora?

— Quatro.

— Oh...

E lá se vai minha dancinha da vitória...

— Não desanime, temos ainda oito aros até chegarmos à estaca — Delia sorriu com gentileza. — Está se saindo bem, querida.

Lacey assentiu com a cabeça, concentrando-se em fazer algum ponto válido no jogo. Reconhecia que era necessária muita prática até chegar ao nível de Edeline e Delia, mas por incrível que parecesse estava mesmo se divertindo. Entretanto, as palavras de Courtney ainda faziam um eco perturbador em seu subconsciente – ainda não era o que Lacey ansiava a fazer assim que acordasse. Quem sabe tivesse mais sorte com outro esporte, não?

De qualquer maneira, a partida de croquet terminou com Delia como ganhadora, obviamente. Ao contrário de engasgar ou assustar-se, Lacey finalizou a tarefa com apenas um pouquinho de suor incomodando-a. Como estava habituada a ajudar Luke com o jardim, nem mesmo a terra que sujava a barra das saias lhe era incomum. Ao pensar nisso, Lacey sorriu sozinha.

— Topa mais uma, Lace? — Delia sorriu, oferecendo o malho novamente para a mais nova.

— Ah, não, obrigada... Eu vou buscar um copinho de água e descansar no banco do jardim. Tenho certeza de que Edeline vai adorar se juntar a você nessa empreitada.

Como confirmação, Edeline piscou divertidamente para Lacey. Seus olhos castanho-esverdeados brilharam com o tipo de brilho maldoso que Lacey conhecia como “espírito esportivo” em seus termos.

— Claro! Mas depois volte aqui que vamos disputar um treino de badminton amador.

— Badminton? — Lacey franziu o nariz, tentando recorrer ao vocabulário primitivo. Certamente não tinha nada a ver com menta... — Que é...?

— Peteca profissional.

Foi impossível não gargalhar com a comparação. Por sua vez, Delia e Edeline já recolhiam as bolas para reiniciar o circuito. Até o jogo acabar, Lacey tinha tempo de dar uma espiadinha em outro lugar.

❀⊱┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄┄⊰❀

Rodopiando por entre os girassóis, Lacey parou em frente ao único que não se curvava em direção ao sol. Destacando o talo para recolher a flor para si, ela permaneceu observando as pétalas em tons de amarelo e laranja com cuidado. Talvez ela tivesse ficado muito tempo parada numa mesma posição, porquanto que se sobressaltou quando foi surpreendida por seu colega de jardim:

— Talvez queira colocá-la num vaso com água, Alteza?

Lacey piscou algumas vezes, para voltar à órbita. Luke a observava quase como ela fazia com o girassol, algo entre o muito atento e ao mesmo tempo absorto. Quando estava prestes ao ponto de perguntar o porquê daquela postura, Luke riu baixo e corrigiu-se de imediato.

— Estou sempre a assustando, não estou? Queira me perdoar, Alteza.

— Ah, não, sou eu quem vive no mundo da lua — Lacey sorriu, sentindo as bochechas corarem. — Parece que sempre estou sendo pega com as saias curtas!

Luke sorriu, cortando outro girassol que começava a murchar em meio aos outros.

— Dizem que esse é um sinal de inteligência e criatividade. Digo... Viver no mundo da lua.

— Oh, é mesmo? — Lacey piscou um tanto confusa. — Como pode ser?

— Bem, não é ruim enxergar além do que você vê... Alteza — ele apressou-se em pigarrear. — Desde que saiba quando é hora de colocar os pés de volta ao chão.

— Ah, isso eu sei fazer! Acho que, inclusive, todos merecem alguma espécie de distração da rotina. Até mesmo Ashlyn não deixa de tocar seus instrumentos favoritos só porque comanda um reino e três filhas...

O jardineiro aquiesceu, ouvindo o que mais Lacey tinha a dizer. Ele não se considerava uma pessoa tímida, no entanto também eram poucas as pessoas com quem podia ter uma conversa produtiva e amigável.

— Contudo... Eu... Não sou inteligente. Então talvez não tenha entendido como isso pode estar relacionado à minha pessoa, Luke.

— Quem disse que não é?

Lacey sobressaltou-se mais uma vez com a escolha de palavras. Apesar de não terem sido ditas num tom grosseiro – afinal, Luke jamais poderia ser qualquer outro além –, elas tocaram em seu coração de um jeito diferente.

— Pelo que eu ouvi, Alteza, a senhorita foi a principal responsável pelo salvamento do rei Randolph. Pensou rápido... E isso foi crucial para que agisse rápido, igualmente.

— Bem, o plano todo foi de Genevieve — Lacey comentou, com modéstia genuína. — E eu havia sido pega de surpresa por aquele mordomo... Parecia que ele tinha dois metros de altura, ele me levantou pelo cangote feito um gatinho...

Luke riu um tanto para dentro, disfarçando antes que fosse ser algo ofensivo ou desencorajador.

— Não existe apenas um tipo de inteligência, Alteza. Não foi Genevieve quem deu a ideia do tônico, foi?

Tônico. Que cômico seria dizer que desintoxicamos o papai com água mágica, Lacey sorriu sozinha.

— Não... Não foi. Existe mais de um tipo...?

— Sim, existe — Luke sorriu, partindo para um terceiro caule do qual saíam duas flores. — É inteligente alguém que tem habilidade musical. Também é inteligente quem tem conhecimento de si mesmo. E também é inteligente quem tem talento com cálculos ou letras. Vale também para quem coordena bem o corpo para praticar esportes, e para quem se afeiçoa a natureza. Ou às artes. Por exemplo, consegue desempenhar todos esses papéis, Alteza?

Lacey negou com a cabeça, profundamente interessada ao assunto.

— N-não...

— Então pode ter a certeza de que há alguém que também não consegue realizar o que apenas a senhorita é capaz de fazer. E não significa que esse alguém é mais ou menos inteligente por isso.

— Puxa vida... Isso é mesmo algo a se pensar...

Luke fez que sim, sentindo em seu íntimo a sensação de dever cumprido. Por sua vez, seu olhar voltou-se para o girassol que Lacey trazia em mãos. Alguém andava fazendo seu trabalho escondido, aparentemente.

— Não vai colocá-lo num vaso, Alteza?

— Não vou — Lacey sorriu, brincando de passar o caule por entre os dedos. — Vou fazer uma prensa com ele...

— Uma prensa? Que curioso...

— É um projeto pessoal... Dizem que os girassóis são símbolo de felicidade e altivez, então acho que concordo com a linguagem das flores. Estou me sentindo particularmente feliz hoje.

Daí, Lacey ergueu o girassol até a altura da orelha, usando-o como o enfeite para os cabelos. Assim como o girassol, o tom loiro era iluminado pelo sol no auge de seu brilho da tarde. Foi a vez de Luke ser transportado para o mundo da lua enquanto deveria estar trabalhando. Mas, como o jardineiro mesmo disse... De vez em quando, não havia mal algum em sonhar acordado.


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Notas finais do capítulo

Até semana que vem! ♥



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