Porto Maribel escrita por Sensei Oji Mestre Nyah Fanfic


Capítulo 1
Com a corda no pescoço




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Chega uma hora na sua vida que, inevitavelmente, meninos se converterão em varões, e responsabilidades serão adquiridas tais como os sistemas de DLCs dos games atuais. Aquele pequeno tornar-se-á mais um cidadão da selva capitalista, mais uma cabeça do rebanho, trabalhando enquanto seus pastores os guiam por um precipício aconchegante. Não é o meu caso. Não. No auge dos 29 anos, eu decidi não trabalhar mais como um servo fiel do sistema burocrata. Troquei a água com gosto de fel por um bom vinho rosé. Hoje, trabalhando de home office, consigo interagir com um mundo cada vez mais globalizado, sem sair do conforto da minha casa.

— Você tá demitido.

— QUÊ?

A live via Zoom foi a pior coisa que me ocorreu durante a pandemia. Trabalho há dois anos numa firma bancária. Contudo, o lockdown fechou muitos comércios e deixou milhares inadimplentes. Sem os pagamentos dos devedores, os bancos decidiram demitir muitos trabalhadores presenciais ou que ficam em casa. Sim, eu que quis escapar do terror que é trabalhar 8 horas por dia, caio-me na mesma armadilha do sistema da selvageria do capital. Maldita hora que resolvi deixar a faculdade de história para me engajar nessa vida migratória trabalhista.

— Sinto muito — disse o gerente do departamento de relações públicas do banco.

Sorri falsamente para ele. Aquele careca de óculos que mais parece o ex-governador do Rio... ou um vilão do Pica-Pau. Desliguei a live querendo dar um socão no dono do banco. Queria pelo menos dar uma cagada em cima dele. Enfim, estou perdido.

 

2 meses depois...

— Minhas contas não param. Não sei o que vai ser. Tô parecendo o chernobyl do Bluezão, devendo a deus e ao mundo. O que posso fazer?

— Filho, que tal se você viesse morar conosco. Faz tempo que você se mudou pro Rio, mas talvez seja melhor que volte.

Pensei no caso. Era absurdo. Voltar para uma vila de pescadores no Maranhão. Um verdadeiro cu do mundo de tão longe das coisas. Roí as unhas, faltava roer os dedos também.

— Vou pensar no seu caso. Não tenho certeza de que voltarei. Por isso, mamãe, não fale nada pro papai.

— Tudo. Boa noite.

— Boa noite.

Deitei-me na cama. Tentei fechar os olhos, mas os números da cobrança e o sussurro do serasa no meu ouvido me deixaram ansioso.

Saí. No Rio de Janeiro as coisas funcionam na base do jeitinho. Em plena pandemia, e eu aqui saindo para dar uma curtida.

— Vai sair, senhor Júlio? — perguntou o vigia do prédio. Bolsonarista até os ossos.

— Sim, seu Pimenta. O expediente do senhor continua à noite.

— Claro. Não mudou desde o começo desse negócio de corona.

Saí antes que uma lambeção de botas iniciasse. Tava de jaqueta preta. Bateu um ventinho bom enquanto caminhava pelas ruas. Era estranho que a prefeitura declarou fechamento, mas nas pistas os carros passavam a torto e a direito. Pena que não tenho carro. Queria pelo menos 10% do dinheiro do Eike. Entrei num bar gay da região onde vivo. Sim, sou gay. Não me assumi para os meus pais, mas isso pouco importa, né? Vou levando a minha vida. Ah... não sou nada afeminado. Numa sociedade de intolerância, tenho ao menos que me disfarçar mesmo tendo saído do armário.

— Uma Heinekken — falei ao barista.

— Vejo que está mais deprimido do que nunca. — O dito cujo era um amigo meu. Deu-me a cerveja.

— A corda está no meu pescoço. Não sei o que fazer. Em breve serei expulso por não pagamento do aluguel. O pior é que a minha mãe me chamou de volta.

— Maranhão?

— Uhum. Viver naquele local paupérrimo é o cúmulo. Eu sou um cara que nasceu para viver na modernidade, não numa vila pesqueira que mais parece o litoral da novela Marimar.

— Hahaha. Você é um humor em pessoa, amigo. É, acho que você terá que voltar.

Mas a ideia me causava ojeriza. Trocar a cidade maravilhosa pelo Maranhão?

O barista, ou melhor, Hélio saiu para atender a outro cliente quando um homem sentou ao meu lado. Era um rapaz muito bonito, tinha até um corpo legal. Chamando-me para fazer companhia.

— O que vai ser? Meu sugar daddy?

— Você deve ser a pessoa que eu tanto escolhi. — Tirou um saco miúdo de plástico do bolso da calça e mostrou apenas um comprimido rosa. — Eis aqui a revolução.

— Ih, rapaz. Droga não é comigo. Não sou chegado nem a maconha nem a qualquer merda sintética. Prefiro ficar com o meu vício em cerveja de marca.

Ele riu. Aproximou-se de mim, sussurrando na minha orelha.

— Você é baixo. Quanto mede? 1,70? Com esse rostinho lindo que tem, seria uma ótima aquisição no catálogo de GPs.

— Cara, eu não tô afim de nada disso. O que eu quero é curtir, saca? E não precisa tentar me conquistar como se eu fosse um ômega débil. Sou alfa. Dominante. Sou baixo sim, mas tamanho não é documento.

Não quis me envolver com um maldito traficante. Saí para espairecer um pouco. Voltei a pé para casa. Tudo normal... até o síndico, que é o proprietário do apartamento, vir cobrar o aluguel atrasado há 36 horas. Garanti que pagaria, dando um sorriso forçado. Subi.

Minha vida se tornou um inferno por culpa dessa pandemia. Se não fosse por isso, eu teria talvez até um aumento.

 

Segundo dia de uma vida miserável. Devo o aluguel há 48 horas. Era uma vergonha sem precedentes. O síndico deu-me uma semana para pagar ou ser despejado. Fiquei deprimido. A ideia de voltar para aquele lugar que nasci e cresci era assustadora. Liguei para os meus amigos da cidade, porém nenhum estendeu a mão para me ajudar. O que posso fazer? Restava-me ter que recorrer a escolhas difíceis.

Um alfa dominante como eu não era para estar se fodendo na vida. Não. É demasiado humilhante. Eu estudei, sei que a nossa casta é superior aos betas e, sobretudo, aos ômegas. Apenas o meu físico não me dava a imponência necessária pois sou de estatura média-baixa.

— O que cê tá fazendo, Júlio? — perguntou meu amigo barista chamado Hélio. Ele é beta.

— Comprando comida. — Respondi na lata. Estávamos no supermercado e só pegava carne.

— Vai comer só carne? E que dinheiro é esse que você tem?

— A primeira resposta é: sim, só carne. Tenho 1,70 e preciso aumentar pelo menos 5 centímetros. Vou me entupir de proteína. E daí? Segunda resposta: não te interessa.

— Eita que grosseria, amigo. Não tá mais aqui quem perguntou.

Na verdade eu jamais poderia dizer ao meu amigo que estava vendendo o meu corpo para um velho "hétero" em Copacabana no meio da pandemia. Ali era um ninho de armários trancados que só abrem depois da meia-noite.

— Você pensou no que a sua mãe lhe propôs? Não é hora de visitar os seus pais?

— Não fale bobagens. Enquanto eu me virar por aí, continuarei por aqui. Se eu for despejado, encontro um outro lugar.

...

Meu prazo expirou. A semana passou tão rápida que sequer tive tempo para achar um outro lugar. O aluguel não era barato para um desempregado.

Contratei um carro para fazer a minha mudança. Saí da zona sul e fui para o oeste. Foi uma troca bastante significativa.

A pocilga que estou a viver era mais barata, mas tinha até infiltração. Era o meu fundo do poço.

— Quanto é o caução?

— 300 reais. A mensalidade é 450.

Dei o dinheiro, chorando pitanga. Era uma vista horrorosa da Barra da Tijuca. Não consigo entender como fui parar nessa situação.

 

— Aceito.

— O que disse? — indagou o sujeito que me mostrou a droga. Reencontrei-o no bar.

— Você quer que eu revenda a sua droga? Farei isso. Mas quero 50% do lucro da venda.

— Mas é claro que sim, meu bem. — Ele tirou a cápsula rosa do bolso. — Você não sabe o que é isso, sabe?

— Droga sintética?

— Isso é uma droga fabricada na Inglaterra. Chama-se Afrodite, a deusa do amor. O efeito dessa droga é o cio induzido dos ômegas e a manipulação de suas ações. Uma única dose poderá obrigar a pessoa ômega a ser uma escrava tanto sexual quanto para outros assuntos. Foi banido na Europa por conta dos direitos humanos. Mas não há nenhuma legislação específica no Brasil.

— Uma droga como essa é um risco imensurável. Onde conseguiu isso?

— Só se eu fosse trouxa para dizer sobre meus contatos. Quero que seja o meu revendedor. Você faz programa, não é? A maioria daqueles velhos são betas que contratam ômegas. Eles são loucos por essa droga, e dão uma fortunas para obtê-las.

— Estamos falando de quanto?

— Cada comprimido... cinco mil reais.

Eu quase cuspi a cerveja. Aquilo era insano. Cinco pau para um simples comprimido? Não sei se era uma boa ideia trabalhar para o tráfico de remédios, mas a minha situação financeira está péssima.

— Vamos fechar — disse Hélio.

— Calma aí, amigo. Preciso resolver o meu destino financeiro com esse cara aqui.

— Vinícius.

— Que eu saiba você vive agora numa apê de quinta lá na Barra. O que faz aqui até tarde na zona sul?

— Calma aí, Hélio. Já disse que estou resolvendo uma coisa aqui.

— Pois é melhor resolverem lá fora pois o meu chefe vai fechar. A partir de amanhã o bar ficará fechado por causa do decreto.

Puxei o tal Vinícius para fora do bar. Dois policiais militares já ordenavam o fechamento do local.

— O que fazem sem máscara?

Pus imediatamente a minha máscara. Vinícius me puxou para perto dele e disse que éramos namorados. Saímos dali antes que fôssemos pegos com a boca na botija. Meu coração acelerou.

— Pensei que seríamos pegos.

— E então? Qual vai ser a tua resposta?

— Eu aceito. Sim, preciso do dinheiro. Não vou aqui me dar ao luxo de ser honesto enquanto o governo sempre consegue passar a perna no cidadão.

— É isso que eu queria ouvir. Aqui está o meu cartão. Pode ligar para mim a qualquer dia. Se for para marcarmos um encontro, precisamos estar seguros do dia e da hora para não sermos pegos pela polícia. Mal sabem que há outros tipos de serviços essenciais.

Agradeci e cumprimentei sem dar a mão. Peguei um uber para voltar ao meu novo local, longe da minha antiga vida na Tijuca.

— Realmente interessante?

— O que disse, senhor?

— Nada.

Observei que no meu ceular havia uma chamada perdida da minha mãe. Como o meu aparelho estava desligado, não atendi. Cansado, não retornei a ligação.

...

A pior coisa que existe nesse Brasil era a internet. O sinal era consideravelmente mais lento do que em outros países, sobretudo o 4G.

— Que saco!

Fiquei olhando algumas ofertas de empregos de home office, ou aqueles tipos de trabalhos como filiados pela internet. Odiei isso, porque não tinha a menor noção de prosseguir trabalhando como revendedor. Pediam para eu sair pelas redes sociais vendendo os negócios, porém sou tímido para essas coisas. Muito humilhante. Se pelo menos eu tivesse feito algum tipo de faculdade melhor do que aquela porcaria de história. Tiraria licenciatura e viraria um professor de escola pública periférica. Um nojo.

— Não tem nada aqui. As minhas economias logo vão acabar e não ganhei auxílio. Merda.

Fiquei deitado na cama, olhando para o notebook. Tentei de tudo, mas parece que no Brasil até para adquirir experiência, precisa-se de experiência.

Depois de um banho com água fria, vi o meu celular tocar insistentemente. Não parecia ser mamãe, no entanto a pessoa do outro lado da linha estava tão insistente que resolvi atender.

— Finalmente resolveu atender. Parece que havia se esquecido que tem família.

A pessoa mais chata do mundo: minha irmã mais velha. Com ar debochado continuou o diálogo.

— Papai teve covid. Mamãe tava doida para te falar, mas sequer a atendeu.

— Como assim? Ele está bem?

— Ele teve a ajuda de um amigo por aqui. Já que o filho não pode ajudar, outros ajudam.

— E como tá o velho?

— Teve febre, dor pelo corpo, mas tá se recuperando. e pensar que já faz uma semana isso.

— Olha, Sabrina, eu sei que tá com raiva de mim, mas não me enche. Eu sempre estou em contato, e de vez em quando mando dinheiro. Você não tem o direito de dizer que sou o errado dessa história.

Discutimos mais uma vez. Desliguei imediatamente. Senti vontade de ligar para a mamãe, porém estava realmente cansado de fazê-lo.

...

Semanas se passaram. Alguns bicos aqui e ali. Dinheiro pouco, minhas despesas aumentando. Sem ajuda de ninguém. Entrei em contato com Vinícius pela primeira vez desde o nosso último encontro no bar. Demorou para ele atender, frustrei-me. Esperei algumas horas para fazer outra ligação.

— Fala.

— Er... Olá? Você se lembra de mim?

Um silêncio contrangedor de poucos segundos...

— O pequenino lá do bar. Eu quase havia me esquecido de você. Enfim, aposto que é para falarmos do nosso futuro acordo?

— Claro.

Depois daquela ligação, Vinícius prometeu ligar para mim a fim de marcar um encontro. Não demorou. Uns dois dias depois recebi uma mensagem para me encontrar com ele no Leblon. Fiquei até surpreso com o endereço.

O ambiente era bastante chique. As pessoas jogavam pôquer num cassino clandestino dentro de um hotel luxuoso. O lugar era deveras deslumbrante. As pessoas eram de classe média alta ou mais. Entrei, caminhei até a área da piscina, observei Vinícius de longe, paquerando com as mulheres. Ele de fato era bem bonito e forte, lembrando um pouco o tipo físico do Cauã Reymond.

— Eu te achei. — Disse envergonhado. — Vocês podem me dar licença? — Ele usava camisa branca e bermuda. Bem à vontade.

— Aonde vamos?

Ele me puxou pelo braço até o elevador. Subimos até o 12° andar e entramos na suíte. Ele fechou as cortinas da janela, pegou uma caixa de papelão mediana e abriu. Vislumbrei papelotes com os comprimidos. Cada papelote possuía cinco. Dava fácil mais de cem papelotes. Era uma fortuna na minha frente.

— Temos esse tanto de Afrodite. Eu não consigo vender sozinho. Que tal?

— Maravilhoso.

Era incrível. Eu sentia de longe o cheiro de dinheiro. Se um comprimido valia cinco mil no mercado negro, imagine 500 ou mais unidades.

— Eu sou um dos maiores traficantes de drogas desinibidoras do país. Tenho passe livre para revender aos clientes brasileiros e ganhar a maior parte.

— E por que quer me contratar?

— Eu já tenho muito dinheiro. Acontece que sou socialista. Meu desejo é que não existam ricos com mais de cem milhões no planeta.

— Cara, você ter 99 milhões pra baixo ainda te considera rico. Mas eu entendo. Só não consigo compreender o porquê eu.

Ele colocou a caixa sobre o sofá, puxou-me para perto dele e me beijou. Dois alfas dominantes se pegando assim era inimaginável. Pelo menos a minha justificativa é que sou gay, mas e ele?

— Espera? Podemos fazer isso? Já te disse que não sou nenhum ômega bobo. Não se confunda.

— Eu sei o que é você. O que nós somos. Pela primeira vez que eu te vi, senti-me atraído. Você é um alfa pequeno para os padrões, loirinho, com a pele bronzeada e olhos verdes. E o mais louco é que é dos confins do norte...

— Nordeste.

— Enfim, isso me deixa louco.

As palavras medíocres daquele homem soaram interessantes justamente por causa desse homem. Não me retraí. Nessa noite tivemos sexo.

...

Recebi total orientação de Vinícius acerca da venda dos remédios ilegais. Consegui uma boa quantia para voltar a me mudar para a zona sul. Contei o dinheiro em notas de cem reais.

Hélio observou-me com cara de quem comeu e não gostou.

— Pode parar de fazer essa cara? — Falei via Zoom.

— Só não sei o que te fez voltar para o seu antigo apartamento. Tá me escondendo alguma coisa?

— Eu não tô escondendo nada. Relaxa.

Ele me pediu para tomar cuidado, e respondi que sou bastante esperto para cair em golpes.

— Eu... — Interrompi quando o meu celular tocou. Era o Vinícius. — Fala.

— Escuta, Júlio. Some daí?

— Quê?

— Some daí. Eles vão te pegar.

Como moro no segundo andar, escutei barulho de pneus derrapando na pista. Fui até a janela e vi uma ranger parar na frente do prédio com alguns caras encapuzados saírem.

— E agora? Alô? Vinícius? Porra.

Desliguei a conexão com o Hélio, peguei meu celular, documentos e dinheiro. A minha intenção era utilizar a escada para não ser óbvio, mas lembrei que estava apenas no segundo andar. Eles poderiam se separar tanto no elevador quanto nas escadas. Resolvi subir ao andar superior. Ouvi passos de pessoas subirem. Eram homens grandes, portando armas como fuzis. Pelo conjunto da obra deduzi serem milicianos. Mas por quê? Por que eles estão atrás de mim?


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