Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper


Capítulo 8
Oficialmente rebeldes


Notas iniciais do capítulo

Olá, outro sábado e aqui estamos! Vocês devem estar achando estranho o horário da postagem, já que os capítulos costumam sair às 13:10. Aparentemente, não consegui agendá-lo para ser postado hoje mais tarde, então fiquem com o capítulo nessa madrugada XD.

Aliás, feliz dia dos namorados. Aos que não namoram, ótimo dia para ler. Aos que namoram, também é um ótimo dia para ler.

Queria agradecer os comentários e a quem favoritou/acompanhou a história até aqui, vocês me motivam muito a continuar!

Nos vemos nas notas finais, até lá ♥



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Uma pequena chama alaranjada iluminou o corredor por breves segundos e logo dissipou-se no ar. Yara bateu a mão na testa e balançou a cabeça negativamente. Não sei porque ela fez isso, podia ter sido pior. Pelo menos ninguém nos ouviu ou viu.

Sem tempo a perder, corremos para a escada do próximo andar, agarramos nossos sapatos no processo e continuamos sem olhar para trás. Chegamos ao nosso andar ofegantes e provavelmente com cara de foragidos, mas, até então, sem nenhum sinal de algum inspetor noturno, apesar de termos passado 5 minutos do toque de recolher.

Algo em meu bolso vibrou, assustando-me. Enfiei a mão ali e resgatei meu celular, enxergando uma mensagem na tela brilhante.

Eduardo: Esquecemos de avisar…

O colega de quarto do Felipe, o Carlos, é sonâmbulo. Cuidado! :P [22:20]

Mas é claro que existia outro motivo para a janela ficar fechada além das pombas! 

— Vamos dormir.  – bufei e guardei o aparelho para evitar de jogá-lo na parede. Estranhamente, algo pareceu faltar dentro do meu bolso.

>>>

Eu só fui me tocar de que estava acordado quando alguém entrou no refeitório parecendo que estava com a maldição do líder. Pisquei lentamente, focando metade de meu lanche e minha caneca de leite intocada. Ainda associando as coisas, olhei para o garoto de 1,55cm que bufava e pisava fundo. Seus cabelos e roupa estavam repletos de penas cinzentas que caíam aos montes pelo chão.

Atrás de si vinha a garota de cabelos ruivos, mais conhecida como Ana Carolina, pedindo desculpas para as pessoas que Felipe atropelava.

— Mantenha a calma!  – Ana tentava sussurrar, porém, sua voz se elevava constrangida.  – Você precisa ser um exemplo…  – olhou para os lados ruborizando.

Felipe parou repentinamente, respirou fundo e moveu os lábios como se estivesse fazendo algum tipo de contagem. Por fim, virou-se para Ana Carolina, esboçando um sorriso tremendamente forçado.

— Tá tudo bem!  – ele disse em um tom alegre.  – Eu não vou me estressar porque alguém invadiu meu quarto durante a noite e eu acordei debaixo de um ninho de pombas!  – ergueu as mãos.

Felipe conseguia ser mais assustador quando estava passando uma imagem feliz do que quando tratava os outros feito lixo.

— Desculpe, pessoal. Eu apenas me deixei levar. – pigarreou. – Prometo que não vai acontecer de novo.  – acenou adoravelmente. 

Em seguida girou nos calcanhares e seguiu seu caminho de cenho franzido e punhos cerrados. Até então, não havia visto Felipe entre pessoas que não fossem os líderes, o que significava que ele assumia outra forma com os alunos comuns.

Estava prestes a dar de ombros e continuar a tomar o café da manhã que nem me lembro de ter pego, todavia, assim que Felipe passou por mim, pude ver um pequeno objeto verde em suas mãos. Arregalei os olhos e revivi os momentos da noite anterior.

Em alguma hora, eu havia deixado a lanterninha de Yara cair. Era isso que faltava no meu bolso.

Puxei os cabelos e rangi os dentes, sabendo que estaria ferrado se ele descobrisse de quem era aquilo. Essa aflição me perseguiu pelo resto das aulas e continuou mesmo após Ienaga e Eduardo nos sequestrarem e nos levarem ao esconderijo.

— Por que essa cara de defunto? Vocês completaram a missão!  – Ienaga sorriu vitoriosa.

— Podiam ter nos dito antes que o Carlos tinha sonambulismo.  – Yara cruzou os braços.  – Passamos por um perrengue, sabiam?

— Desculpa, o nosso informante só nos avisou depois.  – Eduardo passava um pano úmido nas cadeiras da sala.

— De qualquer forma, vocês provaram o seu valor!  – a líder bateu palmas.  – Sejam bem-vindos à União Rebelde!

Eduardo balançou o pano que usava em uma rápida comemoração. Sei que deveria ser algo marcante para mim, mas eu sinceramente estava muito quebrado por causa da noite anterior.

— E então, os outros membros não vêm?  – vaguei pelo local constituído por cores azuis, um quadro branco cheio de rabiscos e cadeiras espalhadas aleatoriamente.

Ienaga coçou a nuca e sentou-se curvada, deixando todo o peso cair no assento. Ela molhou os lábios e produziu uma única palma.

— Vocês são os primeiros.  – confessou dando um sorriso amarelo. 

Eu deveria saber. 

— Mas com vocês aqui, será mais fácil conseguirmos novos membros!  – Ienaga juntou as mãos e as colocou acima da cabeça.

— O pessoal vai perceber que não somos loucos.  – Eduardo jogou o pano em seu ombro. 

Na verdade, eles eram sim.

— Não estão bravos, estão?  – a expressão sempre presunçosa de Ienaga transformou-se em uma cara fofa de constrangimento.

Involuntariamente deixei uma risada escapar e tive de esconder metade de meu rosto. Ao meu lado escutei Yara rir de modo abafado.

— Por que vocês…  – a líder resmungou.

— Não os culpe, é de se assustar que você tenha um lado sensível.  – Eduardo afagou os cabelos da garota.

— Não é um lado sensível.  – Ienaga abaixou o olhar, envergonhada.  – Apenas fiquei feliz por termos nossos primeiros membros e não queria que eles ficassem bravos com a gente.

Eu e Yara nos fitamos por um instante, decidindo se estavámos bravos ou não. Demos de ombros: íamos deixar passar daquela vez.

— E o que fazemos aqui?  – Yara perguntou.

Eduardo adquiriu um sorriso de canto e jogou um canetão preto para Ienaga que o pegou no ar. Ela colocou-se de pé, pigarreou e passou os dedos na franja, jogando-a para trás.

— Vejam bem…  – a líder girou o quadro branco em seu suporte, mostrando seu outro lado, o qual continha números e desenhos.  – De noventa e seis alunos, trinta e um fazem parte da Nova Era, dezesseis das Super Gatinhas e o resto no Deslocados e aqui.  – bateu o canetão na lousa.

— Ou seja, estamos claramente na desvantagem.  – Eduardo suspirou.

— Precisamos de mais vozes em nosso grupo.  – Ienaga fechou a mão em frente ao rosto. 

— Vocês não vão conseguir jogando papel nos outros.  – opinei.

— Eu disse.  – Eduardo cruzou os braços e olhou de soslaio para Ienaga.

A líder bufou e girou o quadro outra vez, passando a mão por alguns rabiscos, os apagando. Semicerrei os olhos, lendo as palavras que permaneceram intactas.

— O que tem aí?  – questionei.

Ienaga arregalou os olhos e buscou por Eduardo em um silêncio estranho. O garoto fez uma expressão pensativa, soltou o ar e respondeu depois de um tempinho:

— Hipóteses sobre a origem dos nossos poderes.

— Eduardo!  – Ienaga repreendeu e nos encarou, esperando por uma reação.

— Origem?  – eu e Yara indagamos ao mesmo tempo.

— Uma hora precisávamos contar a eles, tanto faz se é agora ou mais tarde.  – Eduardo defendeu-se.  – Não acham estranho que apenas adolescentes de quinze anos da nossa cidade tenham manifestado poderes?  – foi a vez dele de nos encarar.

Eu não tinha parado para pensar muito sobre os poderes. Quando me dei conta, estava passando no noticiário, correndo pela internet e aí nos colocaram em uma academia longe da civilização. 

— Estive pensando nisso desde que manifestei meu poder no final de março, logo depois de meu aniversário.  – Yara confirmou reflexiva.

— Espera, apenas eu não me dei conta?  – arregalei os olhos, me sentindo sem graça.

— Dessa sala, sim. Basicamente.  – Ienaga agitou a mão.  – O primeiro caso foi em dois de janeiro. Mas só foi relatado em treze de março quando vários adolescentes já haviam descoberto seus poderes.

— Desde esse momento, o governo deu o caso ao R.C.E. sabe-se lá porquê e a organização logo pediu para não divulgar o nome e rosto dos adolescentes. Por isso não fomos tão perseguidos em redes sociais ou enquanto ainda tínhamos nossa vida “normal” lá fora.  – Eduardo segurou seu queixo com o polegar e o indicador. 

—  Por fim, construíram essa academia. Não para nos treinar ou dar apoio aos nossos poderes. Perceberam que temos aulas consideravelmente comuns?  – a líder bateu seu canetão na lousa outra vez.

Assenti pensativo, percebendo o quão pouco havia prestado atenção nos noticiários. Encolhi os ombros ao me dar conta que eu deveria ter me informado mais.

— Estamos aqui para sermos observados.  – Eduardo girou as chaves na fechadura da porta, causando um tilintar tenso.

Sua fala me acertou feito um soco, afetando as batidas de meu coração e obrigando-me a apertar o tecido de minha calça por causa do nervosismo. Não pude evitar o arrepio que subiu por minha espinha.

— O R.C.E. tem medo do que possamos nos tornar com nossos poderes.  – Eduardo continuou após o silêncio esmagador que ele mesmo provocou.  – Por isso, precisam nos estudar primeiro para decidirem se irão nos treinar ou não.

— Nos deram a liberdade para criar os quatro grupos para que possamos confiar neles. Para que achemos que temos algum controle da situação.  – Ienaga desdenhou e usou o canetão para coçar a cabeça. 

Eram informações demais para serem digeridas. Um nó formou-se em meu estômago, deixando-me atordoado.

— Agora, eu pergunto para vocês…  – a líder andou em nossa direção.  – Mesmo depois de saberem disso, ainda continuarão conosco?  – adquiriu uma feição séria.

Sequer pude raciocinar direito, Yara ergueu o queixo e avançou um passo. 

— Sim.  – respondeu solene.  – Querendo ou não, o que vocês pensaram faz sentido. 

E isso era o pior de tudo. Eu gostaria de continuar a considerá-los loucos, entretanto, a veracidade de suas palavras e a seriedade com que falavam deixava tudo mais real. Absurdamente e assustadoramente real. 

Eu quis vomitar.

— Norte?  – Ienaga inclinou a cabeça para me olhar e eu dei um sobressalto.  – Não precisa ter medo. Você pode sair se quiser. Contanto que finja que não sabe de nada.

Eu poderia conviver sabendo daquilo e fingindo que não? Na realidade, eu não queria sair por aquela porta e seguir a vida na academia fazendo parte dos Deslocados e agindo feito aluno normal enquanto outros três tinham um maior conhecimento da situação. Eu queria saber mais. 

— Não vou sair.  – afirmei com um resquício de determinação. Torci para estar tomando a decisão correta.

Ao fundo, Eduardo deu um sorriso de satisfação e balançou a cabeça em sinal de aprovação.

— Então vocês são oficialmente parte da União Rebelde!  – Ienaga estendeu uma mão para cada um. 

Foi aí que liguei os pontos.

— Espera, isso era uma espécie de segundo teste?  – fiz uma careta e apertei sua mão.

— Improvisado, mas sim.  – a líder sorriu discreta e apertou a mão de Yara.

Eduardo aproximou-se, afastou Ienaga delicadamente e puxou a mim e Yara para um abraço apertado, sussurrando em nossos ouvidos:

— Se nos traírem, eu transformo vocês em pedacinhos e os faço desaparecerem.

E afastou-se com um sorriso adorável, exclamando:

— Bem-vindos ao nosso grupo! Estão livres por mais alguns minutos? Precisamos mostrar outra coisa. 

Eu não fazia nada de sensacional depois que a aula acabava, além de ir para meu dormitório, mexer no celular ou ler mangás, então concordei em ficar assim como Yara.

— Venham.  – Ienaga tocou a maçaneta da outra porta, a mesma que Eduardo saiu no dia em que nos conhecemos. 

Ela a abriu e entrou primeiro, ordenando que o último a passar a fechasse. O ambiente do outro lado da porta seria totalmente escuro, não fosse pela luz de um notebook em cima de um pequeno e baixo gaveteiro de ferro. Uma lousa branca pendia atrás do aparelho, ainda mais cheia de anotações do que o quadro na sala das cadeiras.

— Aqui é nosso espaço de reuniões.  – Ienaga abriu os braços, orgulhosa.

Fechei a porta atrás de mim, apoiando as costas nela. Uma mesa retangular e vazia ocupava metade do local, apesar de não ter cadeiras para acompanhá-la.

Eduardo acendeu a luz e encostou-se na parede com os braços cruzados.

— O Edu usou seu charme e falou com algumas garotas…  – a líder abriu o gaveteiro e pegou um canetão vermelho.  – E descobriu que elas manifestaram seus poderes depois de seus aniversários. Assim como eu e ele. Yara acabou dando mais confirmação a isso na outra sala. Em palavras mais claras, a idade de ativação dos poderes é de exatamente quinze anos e alguns poucos dias.

Tive um flashback da data em que meu poder surgiu. Mamãe havia feito um bolo com velinhas para comemorar meu aniversário e três dias depois, tive a fatídica descoberta no banheiro. 

— Se existe uma idade para ativação, existiria uma para a invalidade?  – Yara ponderou.

— Não nos aprofundamos tanto nisso por falta de provas. Mas não é algo a ser descartado.  – Eduardo olhou para cima, realmente pensativo.

— A outra coincidência é que todos somos do estado de São Paulo até agora.  – Ienaga continuou, circulando a sigla “SP” na lousa.  – Ou seja, algo aconteceu aqui, provavelmente quinze anos atrás, em dois mil e três. Apenas não consigo saber o que é. – franziu as sobrancelhas.

Minha mente chacoalhava-se e as têmporas doíam por mais que eu me esforçasse para acompanhar o ritmo do diálogo.

— Quer dizer que os poderes não são algo… Sobrenatural?  – quis tentar entrar na conversa.

— Discutimos isso. Porém, por que justamente essas características de lugar e data influenciam em quem está aqui?  – Eduardo respondeu.  – Se fosse algo sobrenatural, as características da situação seriam outras.

Torci a boca, um pouco constrangido por não pegar o raciocínio muito bem.

— Se conseguirmos novos membros, poderemos juntar mais características em comum e nos aproximarmos da verdadeira origem desses poderes.  – Ienaga fez um círculo em volta do desenho de várias pessoinhas de palito.  – Deixe-me confirmar algo… Vocês realmente nasceram aqui?

As memórias bagunçaram-se em minha cabeça por histórias que ouvi mamãe contar sobre a gravidez, entretanto, eu tinha certeza de que havia nascido no Hospital Carvalho.

Afirmei, seguido de Yara. Ao ouvir nossa resposta, Ienaga fez dois riscos no canto da lousa, próximos a alguns outros.

— Acho que está bom por hoje.  – a líder falou baixinho.

— Vocês já registraram muita informação.  – Eduardo deu um tapinha em meu ombro, percebendo minha expressão. – Agora vão dormir e tentem não esquecer. 

— Antes…  – Ienaga fechou o canetão e pressionou a tampa nos lábios.  – Estão a fim de outra missão? 

— Não envolvendo invasões de quarto.  – dei de ombros.

— Ou sonâmbulos.  – Yara completou.

— É simples, na verdade.  – ela sorriu.  – Quero que façam amigos.  – piscou um olho.

— Parece fácil. Tem caroço nesse angu.  – Yara semicerrou os olhos, desconfiada.

— E descubram seus poderes e onde nasceram.  – Ienaga acrescentou inocentemente. 

— Viu só? – a garota de coques revirou os olhos.

— Achei que todo mundo já soubesse o poder de todo mundo.  – comentei.

— Alguns alunos foram cuidadosos em não revelar. Já que podem sofrer chantagens de outros.  – Eduardo explicou torcendo a boca.

— Que tipo de chantagens?  – fiquei preocupado já que a academia inteira conhecia meu poder.

— Vamos torcer para você não descobrir.  – Ienaga deu de ombros. – É isso, reunião encerrada!

>>>

Fazer amigos. Não podia ser tão difícil assim. Quero dizer, eu tinha colegas na minha antiga escola, então era “experiente” no assunto.

Ao anoitecer, a maioria dos alunos costumava ficar no pátio ou na área de grama apelidada de jardim, entretanto, não se parecia em nada com um jardim. Ótimos lugares para se fazer novas amizades eu diria.

Depois do banho, coloquei roupas leves e caminhei pelo pátio olhando ao redor. Parte dos alunos se deitavam nos bancos e gritavam com seus celulares que emitiam sons de tiros e explosões enquanto outros preferiam ler algum livro. Tinha até uma pequena parcela que ficava flertando, o que eu preferi não encarar por muito tempo.

Na minha turma da antiga escola sempre havia um casal de mãos dadas ou pares de alunos que sumiam na hora do intervalo para você-sabe-o-quê. Nunca estive no meio das conversas sobre relacionamentos, já que de acordo com meus colegas, eu era muito ingênuo nesse campo. Tudo bem que eu não entendia nem sobre o que eu gostava. Garotas, garotos… Isso é complicado. 

Um calor se espalhou por minhas bochechas e minhas mãos procuraram se afundar nos bolsos. Quis esquecer as coisas que pensei.

Eu deveria simplesmente chegar em algum grupinho e me apresentar?

Simulei isso em minha cabeça, imaginando como seria chegar em uma das garotas que segurava um livro no colo. Ela provavelmente não queria ser incomodada. Simulei também como seria chegar no grupo dos que jogavam em seus celulares, caso eu os fizesse perder a partida, me odiariam.

Chutei uma pedrinha ou duas no chão, frustrado por minha falta de carisma e espontaneidade. Sentei-me em um banco vazio de maneira desleixada, afundando o pescoço na gola da camiseta e observando as luzes do pátio se acenderem conforme o céu laranja tornava-se roxo. Ainda faltava um tempo para o jantar.

Me sentia… Sozinho naquele cenário.

Sem querer, um suspiro melancólico escapou. Me perguntei o que Yara estaria fazendo. Ou se Ienaga saía de noite quando sua pele parava de queimar e se Eduardo estava usando seu charme em alguém.

De uma coisa eu sabia: cada um seguia sua vida. 

Senti uma vibração na palma da mão, reparando que segurava meu celular dentro do bolso. Toquei na notificação da mensagem que surgiu na tela.

 Stef: Para você, chorão. [18:17]

 [Stef enviou um vídeo][18:18]

Esperei o vídeo carregar e cliquei sem muito ânimo, vendo a transição da tela das mensagens para o rosto de minha irmã durante o dia na sala de casa.

Olha só o que eu achei nas coisas do Norte… Uma câmera! — Stefanie fingiu uma descarada surpresa.

Fiz uma careta, lembrando-me que ganhei aquela câmera no meu aniversário de 12 anos quando disse que queria fazer vídeos amadores para o YouTube. Isso não durou nem um mês, eu excluí o canal por falta de visualizações e guardei a câmera em um lugar que nem eu mesmo sabia onde.

Perfeito para o programa que vou fazer.— a garota caminhou de costas pela casa. – Se chama “O que os bichos pensam de seus donos”. – passou a mão no ar, dando ênfase. – O nosso primeiro convidado será Bergamota, o tartarugo.

Stefanie sabia como eu odiava que chamassem o Bergamota de “tartarugo”, por isso ela fazia de propósito.

Bom, Bergamota, qual sua opinião sobre o Norte? — apontou a câmera para o jabuti em seu terrário. – “Eu acho que ele tem um péssimo gosto para nomes.”— fez uma voz lenta e rouca para representar o bicho. – Eu preciso concordar com você, Bergamotazinho.— voltou para seu timbre normal.

Stefanie gravou seus pés descalços de unhas pretas descascadas dando longos passos no chão e subiu a câmera rapidamente, focando o cercadinho das porquinhas-da-Índia.

— E vocês, o que acham do seu dono?— perguntou. – “Ele nos alimenta para ficarmos gordinhas, é por isso que o amamos, cui cui cui.”— forçou um tom fino em sua fala.

A câmera mudou de direção e Stefanie andou mais um pouco, borrando a imagem até captar Cleópatra e Floquinho deitados no tapete colorido e felpudo da sala. A fêmea levantou-se no mesmo instante e deu as costas para Stefanie.

Ei, Cleó, diga alguma coisa.— a garota apertou o zoom. – Cleó, psss, psss. Cleó, olha para a câmera.

A gata siamês balançou o rabo lentamente e desapareceu atrás do sofá no mais puro desprezo. Ela só gostava de nós quando queria comida.

Os de verdade eu sei quem são, Cleó. — minha irmã exclamou ofendida. – E você, Floquinho? Solta a voz, filhão! 

O gato branco olhou fixamente para a câmera e inclinou a cabeça em um gesto curioso.

“Aquele humano gosta de me agarrar toda hora, ele é doido.”— afinou a voz, mas menos do que as das porquinhas.

Aconteceu um corte repentino nas gravações, retomando em outro ponto da casa, mais especificamente nas cadeiras de área do nosso quintal. 

E por fim, temos uma convidada muito especial no programa de hoje. Ela não esteve muito bem esses dias por ter comido algo que não devia. Com vocês… Siri, a salsicha! 

Houve um minuto de suspense antes da câmera mirar na nossa idosa “salsicha” de língua para fora e coleira rosa no pescoço, exalando vigor. Meu coração saltou uma batida, como se eu não a visse há anos. Notei que ela estava em cima das pernas de alguém e sendo segurada por mãos delicadas.

— Vamos lá, Siri, pode falar. — o polegar levantado de Stefanie invadiu a cena.

— “Eu gostaria de dizer que o Norte é o melhor dono do mundo. Ele sempre me deu muito amor e cuidou de mim desde a primeira vez que me viu. Além de ter muita paciência comigo, porque sou idosinha!” — a voz por trás da Siri soou tão familiar que eu mal pude evitar de me emocionar. 

Aquele tom calmo e caloroso de anos dissipou toda a minha solidão em um piscar de olhos.

Manhê, você precisava mudar a voz!— Stefanie ergueu a câmera, revelando o rosto de mamãe.

Desculpe, não pude evitar.— a mulher riu ruborizada. Os cabelos médios estavam soltos e ela parecia um pouco maquiada. – É que eu e a Siri estamos com muita saudade.— abraçou a cadela carinhosamente.

Esse foi o programa de hoje, telespectadores. — Stefanie mostrou seu próprio rosto. Diferente de mamãe, seus cabelos desbotados de azul estavam mal-presos por diversas presilhas pretas e com a raiz castanha aparente. – Tchau!

— Tchauzinho. — mamãe moveu uma das patinhas de Siri que completou com um latido baixinho.

A tela ficou preta e o sinal de play reapareceu, marcando o fim do vídeo. 

 Stef: É bom ter gostado. Deu trabalho editar. [18:21]

Digitei dando uma risada abafada.

Eu: É, dá para o gasto.[18:22] 

Pousei a mão no peito, sentindo-o aquecer-se. Um sorriso involuntário dançou em meus lábios e meu nariz ardeu por dentro (e não, não era meu poder). Sussurrei o mais sincero dos agradecimentos que foi levado pelo vento e um alívio me preencheu por Siri estar bem. Todo um peso que eu nem sabia que existia em meus ombros desapareceu e eu pude respirar livremente.

 Eu: Obrigado. Vocês são demais.[18:25]






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Notas finais do capítulo

E aí, o coração ficou quentinho nesse final?
Missão cumprida sem serem pegos (ou quase, já que agora o Felipe tem uma pista), oficialmente rebeldes e a Siri está bem!

Conheceremos duas personagens novas no próximo capítulo (19/06): A onda de azar
Vocês tem alguma ideia de quem são e quais seus poderes?

Bom, até semana que vem. Beijos.
—Creeper.



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