Academia de Poderes Inúteis escrita por Creeper
Notas iniciais do capítulo
Olá! O título do capítulo promete, claro, pois não poderíamos esperar menos do penúltimo capítulo da nossa querida história!
Boa leitura ♥
Miguel realmente ia nos dar aulas todos os dias. Era completamente atrapalhado, se enrolava no conteúdo e nos pedia desculpas pela situação. Apesar de que aquilo não importava, nosso foco estava completamente em Milena.
Foi engraçado e constrangedor conviver com a União. Ienaga era péssima na cozinha. Yara deixava seus fios de cabelo no banheiro inteiro. Érica era uma bagunceira. Amanda espalhava cascas de lápis por toda a parte. Eduardo às vezes andava só de samba-canção. E Victor roncava. Mas aprendemos a viver juntos, um lidando com a ansiedade do outro e juntando nossas forças para vencer aquele desafio.
Já na academia, havia um único problema. Todos haviam perdido seus poderes, exceto Milena, óbvio, e Felipe. Martin e Yuki relataram que o baixinho se negava a todo custo a fazer parte daquilo e que se insistissem mais uma vez, ele iria denunciar o plano ao R.C.E.
— Faz uns dias que Ana Carolina tentou convencê-lo. Disse que vão estranhar se ele for o único com um poder sobrando. – Ienaga cruzou os braços.
— E Bianca argumentou que o poder dele é uma porcaria e que ele devia aproveitar a chance para se livrar logo dos pombos. – Eduardo completou.
Apoiei a nuca no encosto do sofá e encarei o ventilador de teto da sala. A torneira da cozinha gotejava na louça a ser lavada e os mosquitos zuniam em meus ouvidos.
— O que vai acontecer? – sussurrei.
— Quanto ao quê? – Yara penteava seus cabelos.
— Se Felipe aceitar. O que vai acontecer se Milena for a única com um poder? – mordi o lábio inferior. – Não sabemos se ela pode apagar o próprio poder.
— Vamos dar um jeito como sempre demos. – Ienaga deu tapinhas em meu ombro. – Todos ficaremos seguros e sãos e salvos. – forçou um sorriso.
Coloquei a mão sobre o estômago embrulhado e engoli em seco. Milena havia me contado que estava assustada, todavia, que sabia que eu a salvaria. Fechei os olhos lentamente e remoí tudo o que estava acontecendo.
Eu sequer podia conversar com Stefanie ou mamãe sobre aquilo. Seria uma enxurrada de informações.
— E como fazemos o Felipe aceitar? – Amanda rabiscava alguma coisa em seu caderno de desenho.
A gêmea havia melhorado à medida em que os alunos iam perdendo seus poderes, já que, aparentemente, ela não precisava mais ir para a Espanha.
— Pensamos nisso de manhã. – Eduardo bocejou. – Temos que dormir, o Miguel vai chegar cedo amanhã.
Nos espreguiçamos e nos levantamos para ir aos nossos quartos, contudo, batidas foram ouvidas na porta. Devo dizer que ficamos apavorados, porém, Eduardo foi corajoso o suficiente para abri-la e receber nossos convidados surpresa.
Tratava-se do diretor e de mais quatro alunos que bem conhecíamos, os quais foram chamados para se sentar no sofá enquanto nós nos mantivemos de pé como bons anfitriões, oscilando entre encará-los ou encarar Heitor.
— Eu quero saber qual desses quatro está colaborando com vocês. – o homem cruzou os braços.
Travamos no lugar e criamos um silêncio que praticamente nos deduraria se não tivesse sido cortado por Bianca. A garota cruzou as pernas e jogou os cabelos para trás, exclamando:
— Claro que não sou eu! Eu nunca iria colaborar com essa rebelde desleixada!
Ienaga ergueu as sobrancelhas, parecendo impressionar-se, então franziu-as rapidamente, cerrou os dentes e devolveu:
— E eu não confiaria em uma metida como você!
— Ei, se acalmem. – Ana Carolina gesticulou. – Apesar de que também não sou eu, já que não sou amiga da Ienaga. – deu de ombros.
O olhar do diretor caiu pesadamente sobre Kaíque. O garoto riu com desdém e defendeu-se:
— O quê? Você já me viu fazer outra coisa que não seja comer e dormir?
— E não era você que estava por trás daquela droga de joguinho? – Heitor revirou os olhos.
— Uau, você ficou sabendo? – Kaíque inclinou a cabeça adoravelmente. – Bem, talvez eu tenha ficado cansado depois do jogo, claro que não ia me envolver com os planos dela. – agitou a mão.
Heitor bufou impaciente e virou-se para nós esperando por respostas. Não demos, na verdade, apenas focamos nossa atenção em objetos aleatórios da sala ou na cor do teto.
— Não vão dizer? – o diretor assentiu pesadamente, lançando um olhar gélido e ameaçador para cada um de nós. – Muito bem.
— O que vai fazer? – Victor colocou a mão na cintura e franziu as sobrancelhas. – Já nos colocou nessa casa. Pretende nos colocar onde agora? Na lixeira?
— Vão ver o que eu vou fazer. – Heitor disse de maneira séria.
— Tudo bem, sou eu.
Foi impossível evitar a surpresa quando vimos a menor das figuras erguer-se do sofá. Tinha pelo menos três pombas em seus ombros e cabeça, além de milhares de penas que caíram pelo chão. Ele cerrou os punhos e abaixou a cabeça.
— Você? – o homem estranhou.
Franzi as sobrancelhas, perguntando-me que droga ele estava fazendo.
— Eu sou o único dessa sala que ainda tem um poder. – Felipe resmungou. – Isso porque ajudei os outros a tirarem os seus.
Victor balbuciou alguma coisa em um tom de incredulidade e tentou dar um passo à frente, entretanto, Eduardo e Ienaga o impediram. Nem mesmo Ana Carolina conseguia acreditar na situação, tendo em vista seus olhos arregalados e a boca escancarada. Felipe estava assumindo nossa culpa?
— Vou pensar na sua punição. Como você fez isso? – Heitor indagou.
— Eu… – o baixinho mordeu o lábio inferior e varreu os pés com os olhos antes de nos fitar. – Eu não vou contar. Não pode me obrigar.
O maxilar de Heitor estava tenso e seus dedos não paravam de coçar a barba malfeita. Ele afundou a outra mão no bolso e soltou um suspiro irritado.
— Então talvez eu deva perguntar a Milena?
Travei no lugar e um arrepio percorreu todo o meu corpo. Precisava dizer alguma coisa. Precisava proteger a Milena.
— Por quê? – Felipe rangeu os dentes. – Nem sabemos o poder dela, o que ela ia ter a ver com isso?
Heitor afirmou nada convencido e meneou para que os que estavam sentados no sofá se levantassem.
— O que vai acontecer agora? – Ana Carolina encolheu os ombros.
— Vamos fazer um teste para saber quem ainda tem poderes e quem não. – o diretor caminhou até a porta.
Cerramos os dentes com certa aflição, mas não havia nada que pudéssemos fazer. Os três passaram por nós com olhares apreensivos que nos desejavam “boa sorte” e saíram apressadamente. Felipe foi o último a deixar o lugar, porém, parou quando Victor o chamou.
— Não sei quem você pensa que é. Mas isso não muda nada. – o gêmeo bradou. – Porque eu te daria aquele soco um milhão de vezes.
— Eu sei. – Felipe respondeu acanhado. – Não fiz isso porque quero que me desculpem. Eu fiz porque é o que o resto da academia quer.
Victor soltou um muxoxo e virou o rosto, instigando-o a ir embora. Heitor estava olhando para dentro da casa quando Felipe saiu cabisbaixo e bateu a porta atrás de si.
— U-Uau. – Érica comentou nervosa.
— O que vamos fazer? – Amanda engoliu em seco.
— Vão descobrir que é a Milena, isso se já não descobriram. E se a afastarem de todos? – Yara franziu o cenho. – Felipe precisa perder o poder dele ainda e não podemos deixar que tirem a Milena de nós.
Sentei-me pesadamente no sofá, pousei os cotovelos nos joelhos e sustentei o peso da cabeça ali. Precisava haver uma solução. E o mais rápido possível. Expirei, agarrei meu celular e fiz uma ligação.
— Alô?— a voz de Milena soou baixinho
— Você está bem? – questionei afobado.
— Sim.— ela respondeu incerta. — Olha, não se preocupe, eu vou tirar o poder do Felipe. Conversei com ele ontem.
— Sobre o quê? – arregalei os olhos.
— Eu disse que ele podia odiar a União Rebelde e que eu era uma rebelde, mas não toda a União. E perguntei se ele podia ao menos ouvir o pedido de uma criança.
— Criança? – balbuciei.
— É, eu usei essa palavra.— Milena pigarreou.
— E o que mais? – dei uma risada abafada.
— “Você queria ser o futuro da nação, mas se você não apertar minha mão, não vai ter futuro nenhum, então faça algo pelos outros ao menos uma vez na vida!”— interpretou. — E aí eu disse que ele cheirava a cocô de pombo.
Bom argumento.
— Ele ficou super irritado, quase me xingou!— ela riu cúmplice.
Recostei-me no sofá e suspirei aliviado. Aquela garotinha era mesmo incrível.
— Escuta, o Felipe está voltando para o prédio com o diretor. Acha que consegue tirar o poder dele agora? – olhei para a janela.
— Posso tentar.— Milena respondeu.
— Perfeito. – sussurrei.
— Ei, Norte...
— Sim? – bocejei.
— Hã... Nada não. Boa noite.— e desligou.
Queria dizer que eu consegui dormir, mas foi impossível, a ansiedade estava me consumindo como cupins na madeira. Milena não me falou mais nada depois daquilo, entretanto, eu decidi confiar na capacidade de minha irmã e acreditar que ela estava bem.
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Na manhã seguinte, Miguel estranhamente não foi nos dar aula. Um inspetor passou por lá para nos avisar que o estagiário tinha outro compromisso e que deveríamos apenas fazer os exercícios da apostila. Não fizemos.
Até que pouco antes do almoço, recebi uma mensagem de Milena.
Milena: Aconteceu algo hoje de manhã. Todos os alunos foram chamados para testar seus poderes. [11:45]
Milena: Fábio disse para eu não me preocupar, que ele cuidaria de mim. [11:46]
Milena: Agora o R.C.E. foi fazer alguma coisa e me pediram para esperar no meu quarto, mas eu desci aqui para o hall de entrada. [11:46]
Milena: Aliás, ontem eu tirei o poder do Felipe! Acho que é por isso que o R.C.E. está tão estranho, porque só sobrou eu. [11:47]
Larguei o celular em cima do meu prato e fiquei estático. Pisquei os olhos lentamente, desacreditado. Havíamos conseguido? Havíamos mesmo conseguido? Minha irmã mais nova apagou todos os poderes?
Soltei uma risada de alívio e encarei as mensagens de maneira abobada. Minha irmã mais nova havia feito aquilo! Ela convenceu mesmo o Felipe!
Quando a ficha caiu e anunciei ao pessoal, todos nos levantamos e nos abraçamos, comemorando e gritando em êxtase.
— E agora? – Érica arfou.
Nossos olhares caíram sobre Ienaga e esperamos suas ordens. Ela sorriu de orelha a orelha e respondeu como se fosse óbvio:
— Agora a gente vai salvar a Milena!
E deixou a cozinha na rapidez de um raio, escancarando a porta da sala e correndo jardim a fora. Nos entreolhamos por um instante e sem nos preocuparmos, abandonamos nossos pratos ali e fomos atrás da líder.
Berramos ao passar pela grama verdinha e sentir a brisa fresca do dia. Erguemos nossos braços e deixamos os cabelos serem levados para trás. Liberdade, finalmente! Adentramos o hall de entrada totalmente ofegantes, mas indiscutivelmente animados.
Para nossa sorte, não havia alunos, inspetores ou o R.C.E. ali. Somente Milena sentada na escada mexendo em seu celular. Todos se aproximaram dela, exceto eu, pois precisava conferir uma notificação que recebi assim que adentrei o prédio. Ergui as sobrancelhas ao ver que se tratava de uma mensagem de Stefanie.
[Stefanie enviou uma mensagem de voz]
— Ah, merda, EU ACHEI. Achei a Hanna! Eu tô seguindo ela com o carro da tia. Não posso falar agora, estamos na…
O áudio terminou com um chiado, deixando-me terrivelmente preocupado. Por um instante, me perguntei do que ela estava falando. Até que tudo fez sentido ao sentir um estalo na cabeça e congelar no lugar. Engoli em seco e repeti o áudio várias vezes. Meus olhos não conseguiam se fechar e o suor frio começava a acumular-se em minha testa.
Rangi os dentes. Não podia ligar para ela se estava dirigindo. E muito menos enviar mensagens.
— Norte, tá tudo bem? – Milena me chamou do pé da escada.
Ergui a cabeça, percebendo que todos me olhavam curiosos. Engoli em seco mais uma vez e aproximei-me hesitante. A União manteve silêncio e eu respirei fundo antes de contar:
— Minha irmã achou a Hanna.
Um coro da palavra “o quê?!” ecoou pelo hall de entrada. Ienaga e Eduardo dispararam para cima de mim, Amanda e Victor entreolharam-se incrédulos e Yara e Érica apertaram suas mãos firmemente.
— H-Hanna Sato? – Milena arregalou os olhos.
Assenti duramente, entreguei o celular para a líder e aproximei-me da pequena. Esbocei um sorriso forçado e disse que tudo daria certo. Milena balançou a cabeça, desviou o olhar para o grupo e depois me fitou apreensiva.
— Ei, o que foi? – indaguei nervoso.
— Eu preciso te contar uma coisa. – balbuciou.
— Pode contar. – abaixei-me até ficar da sua altura.
— É que… – ela apertou a barra de sua saia. – É que eu não te contei tudo sobre o corredor.
— Hã? – senti meu coração falhar uma batida.
— Eu escondi uma coisa. – os olhos de Milena ficaram marejados. – Em uma das suas idas ao corredor, você encontrou uma caixa. Uma caixa da minha mãe. E quando voltamos, eu não falei nada sobre ela.
— E o que tinha nessa caixa? – olhei de soslaio para o grupo que focava-se em meu celular.
Milena mordeu o lábio inferior e pequenas lágrimas escorreram por seu rosto. Assustei-me e tentei enxugar suas bochechas, todavia, ela afastou minha mão.
— Eu acho que…
— Norte, eu estou na frente da API, cara, que merda! — a voz de Stefanie saiu de meu aparelho.
Ao ouvir esse áudio, todos viraram as cabeças em direção a porta, prendendo as respirações e aguardando o que quer que fosse passar por ali. Meu coração havia se agitado e o estômago se transformado em um nó. Algo ruim ia acontecer e minha respiração começava a se tornar descompassada.
A porta abriu-se em um click e uma figura magra de vestido longo e óculos escuros passou por ela. Seus curtos cabelos de cor acaju emolduravam seu rosto pálido e ao subir os óculos para a cabeça, revelou seus falsos olhos azuis. Como se não fosse o suficiente, ao ajeitar sua bolsa, demonstrou uma pequena queimadura em seu cotovelo.
Queríamos ter dito ou gritado alguma coisa, mas apenas produzimos sons incompreensíveis. Estávamos paralisados, inteiramente estáticos e com as respirações cortadas.
— Mamãe? – Milena levantou-se.
Lentamente observei Milena. Não. Não podia ser. Não tinha como ser. Rangi os dentes e a segurei pelo braço, impedindo-a de ir até aquela mulher que tanto encarei ferozmente.
A pequena me olhou sem entender nada e sua mãe franziu as sobrancelhas com minha atitude.
— Mãe, o que está fazendo aqui? – ela choramingou e tentou se soltar de mim.
— O diretor disse que você estava dando trabalho e me pediu para vir aqui. – ela suspirou. – Venha cá. – gesticulou.
— Milena, não! – Ienaga fez menção de se mover, porém, Eduardo a impediu. Seus dentes estavam cerrados e ela exalava ódio.
A garotinha analisou o rosto de cada um e então estudou sua mãe de cima a baixo.
— Francamente, Milena, depois de tanto tempo sem me ver, não vai nem me dar um abraço? – a mulher abriu os braços.
Milena ofegou e olhou para minha mão que a segurava.
— Me solta. – ela pediu com a voz trêmula.
— Não! Você tem ideia de quem ela é? – desesperei-me.
— Tá tudo bem, é a minha mãe! – desvencilhou-se de maneira manhosa e correu até a mulher.
A figura abraçou-a e ergueu-a no colo, acariciando seus cabelos rosas e colocando-os para trás de suas orelhas. Milena deu um sorriso contido e abraçou a mãe de volta.
— Viu? – minha irmã fitou-me. – Não é quem vocês pensam que é.
Dei um passo à frente, mesmo que sem coragem para continuar. Apenas queria Milena de volta. Precisava da minha irmã de volta e não nos braços daquela…
— Quem eles pensam que eu sou? – a mulher estranhou.
— Denise Lopes. – uma voz masculina ecoou pelo corredor.
Vestindo um terno de cor grafite com a sigla R.C.E. bordada em prateado no peito e segurando um tablet, Miguel surgiu diante de nossos olhos com um semblante sério. Ao seu lado, Heitor ajeitava a gravata de seu próprio terno e Fábio tocava uma escuta em seu ouvido.
O que estava acontecendo naquele dia?
— Sou eu. – a mulher apertou a filha fortemente.
— E foi tu que injetou uma substância misteriosa em praticamente cem bebês no ano de 2003 como enfermeira no Hospital Carvalho e então no ano de 2006 em sua própria filha. – Miguel conferiu seu tablet.
— Não é, Hanna Sato? – Heitor franziu as sobrancelhas e sacou um revólver.
Eu juro que preferia que aquilo fosse um engano. Que Hanna estivesse morta e aquela fosse uma sósia. Que Heitor abaixasse aquela coisa.
Milena arregalou os olhos, mas sequer teve tempo de fazer outra coisa, pois Hanna enfiou a mão em sua bolsa e puxou de lá uma arma, a qual estendeu em nossa direção.
— O que você acha mais fácil? – Hanna cerrou os dentes. – Você me acertar com uma criança no colo ou eu acertar um desses adolescentes em linha reta? – meneou para Ienaga que estava no meio de nós todos.
— Abaixe a arma. – Heitor ordenou.
— Não, abaixe você a sua. – Hanna deu um passo para trás.
— M-Mamãe… – Milena tremeu os lábios e procurou por mim.
— Shhh, filha. Vai ficar tudo bem, a mamãe está aqui. Não acredite nesses homens. – a mulher demonstrou um olhar selvagem.
A porta do hall abriu-se novamente, dessa vez expondo um homem alto de cabelos castanhos escuros e uma barba que cobria quase todo o rosto. Ele guardou as chaves do carro no bolso e empalideceu ao ver a situação.
— Rodrigo, volta pro carro agora, vai, vai! – Hanna entregou Milena para o homem e o empurrou para fora.
Senti um aperto no peito como se meu espírito deixasse o corpo. Milena e eu sustentamos um olhar angustiante de puro choque e as bocas foram incapazes de se fechar. Não podia ser. Não devia ser.
Rodrigo agarrou a filha e correu para o jardim, Heitor moveu-se e esse foi seu pior erro. O barulho dos tiros foi ensurdecedor e apavorante, obrigando-nos a cobrir nossas cabeças e nos abaixarmos. Gritos espalharam-se pelos andares de cima e passos correram apressados pelas escadas.
Assim que tive coragem para abrir os olhos, tudo se fez um borrão. Meu peito subia e descia desesperadamente e o zumbido em meus ouvidos era infernal. Havia sangue no piso. Escuro e espesso, formando uma poça.
Hanna havia puxado o gatilho duas vezes e fugido. Miguel e Fábio estavam no chão.
Érica e Amanda berraram aos prantos e Ienaga e Yara entraram em pânico. Os garotos não estavam diferentes, haviam virado totais estátuas. O nó em meu estômago intensificou-se e um líquido quente subiu por minha garganta. Alguns professores surgiram no hall e gritaram espantados ao presenciarem a cena.
— Chamem uma ambulância! – Heitor bradou. – Miguel foi acertado no ombro e Fábio de raspão. Preciso da enfermeira!
Os adultos imediatamente afobaram-se e correram para prestar ajuda. Eu não conseguia olhar para aqueles dois, não queria, era doloroso demais ver aquele sangue.
— Milena. – escutei Ienaga balbuciar. – Eles levaram ela!
Senti outro estalo na cabeça e fitei a porta do hall de entrada. Instintivamente, agarrei a mão de Yara, obrigando-a a se levantar e me seguir quando eu a puxei. A União saiu correndo, ignorando completamente as ordens de Heitor de permanecermos onde estávamos.
Cruzamos o portão o mais rápido que pudemos e avistamos somente um carro preto de janelas escuras cantando pneu e seguindo velozmente pela rodovia. Olhei para todas as direções possíveis, zonzo, e encontrei um carro vermelho e uma garota para fora dele.
— Norte! – Stefanie deu um sobressalto. – O Rodrigo está com a Ha...
— Segue eles! – joguei-me no banco de trás. – AGORA!
Yara não pensou duas vezes em me acompanhar. Eduardo foi rápido também e sentou-se no último banco, batendo a porta com força. Ienaga tomou o assento do passageiro e gesticulou para que Stefanie não perdesse tempo e assumisse o volante.
— Vocês vão ficar bem? – Amanda abraçou Érica.
— Sim. Cuidem de tudo por aqui. – Ienaga afirmou. – Contem ao Breno. Acalmem os alunos. A academia é de vocês!
A última frase da líder quase não foi ouvida por aqueles que ficaram, pois Stefanie arrancou o carro em uma velocidade absurda, empurrando-nos contra os bancos. A motorista rangeu os dentes de tensão, afundou o pé no acelerador e trocou as marchas bruscamente.
— Que droga está acontecendo?! – olhou-me pelo retrovisor.
— Temos que salvar nossa irmã! – segurei seu banco.
— Irmã? Você ficou doido, Henrique? – sua voz saiu esganiçada. – Ah, Deus, tem alguém seguindo a gente!
Nós do banco de trás olhamos pelo vidro, avistando um carro prateado a toda velocidade. Semicerrei os olhos, enxergando Bárbara, a vice-chefe do R.C.E., e Letícia, a secretária. Elas ligaram e desligaram o farol como se tentassem nos passar um sinal.
— Está tudo bem. – Eduardo assentiu. – Aparentemente, o R.C.E. é mais sério do que pensávamos.
— Mas não podemos esperar, acelera! – Ienaga implorou.
— Eu. Tô. Tentando! – Stefanie berrou e pisou no acelerador com toda a sua força, disparando pela rodovia.
Yara caiu sobre mim e Eduardo sobre ela. Ienaga deu um sobressalto e agarrou-se no que pode. Com o coração competindo com o velocímetro, entramos em um consenso de que precisávamos estar vivos para resgatar Milena e colocamos nossos cintos de segurança.
E ali estava ele. O carro preto de Hanna Sato, cada vez mais próximo de nós, cada centímetro de asfalto contava. Stefanie apertou os dedos em volta do volante, respirou fundo e franziu as sobrancelhas.
— O que eu faço? – perguntou seriamente.
Eu não conseguia pensar. Minha mente estava em branco. Yara percebeu minha feição perdida e recorreu a Ienaga. A líder visualizou a rodovia, nosso carro e o de Hanna.
— Fique lado a lado com ele. – pediu.
Stefanie soltou um suspiro, relaxou um os ombros e começou a rezar. Se a gente não morresse, mamãe, a polícia e o R.C.E. fariam o trabalho de nos matar.
Segurei a mão de Yara e ela segurou a de Eduardo que segurou a de Ienaga, formando uma corrente de proteção e confiança. Toda a adrenalina fazia o sangue bombear em meus ouvidos, mas o mais chocante ainda estava por vir.
— Estamos quase. – minha irmã alertou.
— Norte, isso vai ser perigoso. – Ienaga virou a cabeça para me encarar. – Quero que você…
Foi como se minha mente clareasse. Levantei as sobrancelhas e balbuciei:
— Quer que eu abra a minha porta para ela pular no nosso carro.
Ienaga mordeu o lábio inferior e confirmou duramente. Os três restantes tentaram protestar, porém, eu pouco me importei, apenas ditei que o faria. Stefanie bufou e então os dois carros ficaram lado a lado.
Não tive tempo para fechar os olhos e me preparar. Ela tinha uma arma, precisávamos ser mais rápidos que ela. Em um momento súbito de coragem, abri minha porta, vendo o asfalto correr debaixo de meus olhos e me dar vertigem.
— Milena! – gritei, atraindo a atenção da garota espantada no banco de trás, assim como também atraí a de sua mãe no banco do passageiro. – Pula!
O vento bateu em meu rosto e eu quis vomitar e chorar de medo. Hanna arremessou seus óculos em seu colo e me fitou cheia de ódio.
— O quê?! – Milena soluçou.
— Confia em mim, não é?! – abri os braços. – Você tem que pular!
— E-Eu… – a garota negou com a cabeça.
— Apenas pula! – meus olhos encontraram os seus. – Eu sou seu irmão, nunca vou deixar você se machucar!
— Feche essa janela agora! – Hanna mandou histérica. – E acelere isso, estão tentando roubar nossa filha! Acelera, acelera!
— VOCÊ PODE TENTAR, RODRIGO! – Stefanie grunhiu. – MAS EU VOU PERSEGUIR VOCÊS ATÉ O INFERNO! – forçou ainda mais o acelerador, provocando um solavanco.
A janela de Milena fechou-se automaticamente, barrando a expressão de pavor que ela tinha. Senti minhas forças esvaírem-se e meus braços caíram. Ela não confiava em mim.
Mas sua porta se abriu, fingindo que os gritos de sua mãe não existiam.
As lágrimas da garotinha foram levadas pelo vento e ela retirou seu cinto de segurança temerosamente enquanto encarava o borrão que era o asfalto. Ela engoliu em seco e esticou uma das pernas, deixando seu pé no ar e arfando de desespero.
— Vai me segurar? – ergueu a cabeça para me fitar.
— Sempre! – abri os braços novamente e inclinei meu corpo para frente.
Hanna continuava a berrar. Rodrigo não podia acelerar para não derrubar a filha, então a mãe teve a ideia de soltar-se de seu cinto e tentar trocar para o banco de trás. Arregalei os olhos e gesticulei atormentado, chamando-a o mais depressa possível. Milena deu uma última olhada para seus pais, sussurrou alguma coisa e focou-se totalmente em mim.
— Eu confio em você.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Hanna Sato enfim apareceu em carne e osso. E as suspeitas de que ela tinha ligação com Milena foram confirmadas, não apenas isso, ela é mãe da nossa garotinha!
Nos vemos no último capítulo e depois no epílogo.
Até semana que vem, beijos.
—Creeper.