Where We Belong escrita por Mad


Capítulo 12
Obrigado, olhos abertos.


Notas iniciais do capítulo

Voltei! Eu tenho explicações, mas são tantas que nem vale o tempo de vocês xP o que importa é que a fic está de volta! E onde paramos? Uma maquina com os olhos prateados interrompeu uma aula promissora. É hora de Mathias ver sua instrutora em ação. Mas será que é a única surpresa do dia? Vamos ao capitulo!



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Aloy sabia o que fazer.

 

Existe uma janela de ataque, onde a máquina observa e espera.

 

Era a voz de Rost, constante em sua mente em qualquer situação de combate, e não era diferente agora que corria em direção ao Pernalonga, o mais rápido que podia, com sua lança em mãos. 

 

Priorize suas vantagens, sempre.

 

A máquina não teve a oportunidade de reagir; a caçadora agarrava seu pescoço e montava em cima de sua estrutura. Em um movimento rápido, as antenas foram cortadas. Não haveriam reforços. Virando a lança para o lado contrário, Aloy queria dar um fim rápido à luta.

 

Tão rápido quanto sua vontade, se viu jogada ao chão. Empurrada por uma onda de choque a partir do ponto de contato da lança. Com os sentidos confusos por breves segundos, era possível ver os guardas da cidade com as lanças apontadas para frente.

 

"Eu cuido disso, tirem todo mundo daqui!"

 

O ataque subsequente não deu espaço para respostas contrárias. A rajada de fogo, partindo das asas metálicas, percorreu todo o caminho até onde Aloy estaria, caso não tivesse rolado para o lado direito. Instintivamente correndo para longe das pessoas indefesas, uma nova variável tomava espaço em sua equação mental: dano colateral.

 

Faça de tudo para lutar em seus próprios termos.

 

As lembranças da cidade de Meridiana em chamas permaneciam vividas, e provavelmente assim se manteriam por muito tempo. Tendo a certeza da segurança de Mathias e dos comerciantes, além do fruto de seu trabalho árduo, teria a liberdade de lutar como quisesse.

 

Ao tomar cobertura nos troncos das árvores próximas, a caçadora olhou para trás, sendo traída por circunstâncias fora de seu controle. A máquina não havia seguido seus passos, ainda ameaçando aqueles que queria proteger. 

 

"Ei, aqui!" Seguido por um disparo simples, com a flecha se quebrando ao atingir a blindagem. Era como se a máquina lutasse para dividir sua atenção, porém ainda próxima demais para uma luta segura. Por um momento, se arrependeu de não ter trago seu equipamento inteiro. Mas por que o traria?

 

Procure opções externas quando não achar respostas em si.

 

O Foco era seu amigo. Desde quando era apenas uma criança exilada. Desde quando salvara Teb dos Vigias. Usando sua visão alternativa, estava disposta a qualquer ideia mirabolante que a acertasse em cheio. Conseguia ver através das caixas os mais diversos materiais, além de Mathias se escondendo. Em intervalos cada vez mais perigosos, as rajadas de fogo interrompiam sua análise. Fazendo uma espécie de manifesto em sua mente, as opções não se mostravam práticas ou úteis, até enfim avistar, dentro de uma das caixas, os materiais para construir a flecha que resolveria seus problemas. Além disso, no centro de sua visão, o pulsar do único Foco alheio chamava a atenção.

 

Desconforto era a última coisa em sua mente agora.

 

"Mathias, consegue me ouvir?"

 

Alguns segundos de silêncio, frutos da confusão.

 

"Aloy? Como–"

 

"Me escuta, ok? Preciso da sua ajuda." Mais uma rajada de fogo, se partindo ao meio ao dar de encontro a árvore novamente e queimando o solo ao redor. Em seu íntimo sentia que o interesse da máquina iria se esgotar, e então voltaria sua fúria contra os indefesos. "Sabe fazer flechas elétricas?"

 

"Sim. Sim eu sei, mas você não trouxe nada?!” Não havia exatamente um tom condescendente mas sim um que demonstrava certa expectativa.

 

“Não! Eu não pensei que… garoto, a gente tá sem tempo, dá pra ajudar? Na caixa logo à sua frente tem os materiais. Em quanto tempo consegue fazer?"

 

"Ok, ok! De quantas precisa?"

 

Aloy se atreveu a olhar, inclinando levemente o rosto para fora da cobertura. A máquina parecia pronta para desistir de atacá-la. Seria perfeito ter acesso a quantas flechas quisesse. Mas no momento? A confiança tinha que ser um caminho de ida e volta.

 

"Uma só."

 

Com certo atraso, o garoto gaguejou: “Não sei, meio minuto talvez?

 

"Então começa! Eu vou correr até aí, e você joga ela pra mim. Entendeu?"

 

"Pode deixar!" No mesmo segundo, o rapaz desengonçadamente fez pouco caso da tampa de madeira da caixa, reunindo os materiais e correndo contra o próprio relógio mental. As marcas em suas mãos, principalmente as que corriam todo o percurso vertical nas palmas, se encaixavam perfeitamente nas tiras trabalhadas e esbranquiçadas de galho-do-rio.

O mesmo relógio mental registrava os segundos na mente de Aloy. A caçadora trocou a lança pelo arco em suas mãos, pronta para correr. Poucos segundos antes da estimativa dada por seu tordo, ela enfim se libertou de sua posição, impulsionando seus pés com toda a força possível. Mathias estava em seus passos finais quando avistou a cena. Os cabelos esvoaçantes, os passos pesados. Poderia facilmente confundir a moça com uma máquina, isso até dar de encontro com seus olhos. Os olhos verdes olhavam diretamente para ele, esperando. Ele sabia o que fazer, preparando seu arremesso. Porém ainda havia uma máquina entre eles.

 

Com o alvo já identificado, não houve atraso dessa vez. A rajada de fogo vinha diretamente em direção a Aloy, que por sua vez reduziu seu perfil em uma rasteira, aproveitando a grama ainda não queimada e deslizando até sentir a mão de apoio ser pega no último momento, sem a qual era impossível continuar. A garota rolou no chão, ainda em direção ao seu objetivo, porém agora encurralada. A dor vinda da queimadura enfrentava uma fila para chegar em seus nervos à flor da pele. Aloy olhou para trás, com esperança e dúvida competindo em sua mente.

 

O garoto sentiu o pânico e o hesitar, mas também sentiu ambos serem impedidos pelo olhar de aguardo. Nada, nem as dúvidas sobre si mesmo, o impediriam de arremessar, atravessando o ar como suas próprias inseguranças.

 

A flecha percorreu o ar até às mãos de Aloy, que imediatamente realizou o disparo. Fincada na máquina, a flecha emitiu traços azuis que a envolveram, derrubando-a ao chão imobilizada. Sem perder tempo, Aloy tomou em mãos a lança novamente, e com a força de ambos os braços, atravessou a cabeça metálica do oponente. Apenas suas respirações ofegantes podiam ser ouvidas, até uma salva de aplausos e comemorações tomarem conta do ambiente. 

 

"Aloy!" O garoto correu em sua direção com um sorriso empolgado. "Isso foi muito do nada! Eu fiquei com medo de errar na hora de montar tudo e não ter efeito mas eu já fiz isso milhões de vezes e eu te vi correndo então-"

 

"Calma, calma. Devagar garoto." Aloy disse, sorrindo de volta para seu parceiro de caça improvável. A velocidade com a qual as palavras haviam saído de sua boca encheu o ambiente com declarações jogadas ao vento. Pela primeira vez ele de fato parecia ter a idade que tinha. "Tá tudo bem? Se machucou?"

 

"Não, nem eu nem ninguém, eu acho.

 

"Ótimo…" O suspiro de alívio deixou seus pulmões ao mesmo tempo que olhava ao redor, ainda alerta. Algumas seções da entrada da cidade, assim como algumas caravanas dos mercadores haviam sido avariadas de forma bem considerável, e alguns dos guardas e comerciantes já se reuniam para avaliar como se dariam reparos. Era intrigante como o trabalho vinha antes de qualquer coisa no âmbito Oseram e Carja, porém em sua mente vieram imediatamente as imagens não só da cidade em ruínas após o ataque de Helis, mas também as casas destruídas dos Nora que havia visto dias antes.

 

“Vem, vamos ajudar.”

 

“Hm?” Por alguns meros momentos o rapaz não entendeu, até enfim olhar ao redor. Não era exatamente uma visão incomum para o jovem. “Ah, sim. Claro.”

 

O sol percorreu certa distância no céu enquanto ambos Aloy e Mathias ajudavam nos consertos de uma certa caravana. A placa que detinha o nome do comércio havia caído, e disso Aloy se encarregou, usando o martelo com facilidade. Mathias por sua vez colocava de volta uma das pequenas portas que havia caído durante a confusão, confeccionando com cuidado uma nova dobradiça. 

 

"Não faz sentido nenhum esse Pernalonga ter atacado aqui… será que-" Aloy pensou em voz alta, levada pelo ritmo monótono do martelo. Isto até a adrenalina em seu corpo se diluir e a dor vinda de sua mão direita ter caminho livre para interromper seu raciocínio. Ao grunhir e revelar uma expressão de dor, olhou para as costas de sua mão. A marca vermelha cobria quase metade, além de dois dos últimos dedos. Mathias olhou espantado.

 

"Isso foi desleixo… eu deveria ter deslizado com mais força." Instintivamente, a garota buscou em sua bolsa as ervas medicinais que haviam aliviado esse tipo de dor tantas vezes. A posição inconveniente do ferimento porém exigia criatividade com a aplicação. Ou claro, ajuda.

 

"Deixa eu te ajudar." Mathias estendeu a mão em direção às tiras de tecido, pronto para amarrá-las com as folhas vermelhas embaixo fazendo contato com a queimadura. Aloy apenas negou com a cabeça ao dizer:

 

"Não se preocupe, é só eu apoiar em algum lugar." E assim o fez, usando a cerca de madeira para apoiar a mão ferida e apertando a bandagem com a mão esquerda livre. Mathias não pôde deixar de notar uma certa folga nas faixas da bandagem, se perguntando o porquê da recusa, mas sem expressar. Ambos voltaram ao seu respectivo trabalho, em um silêncio quase que imposto pela urgência da situação anterior. Eventualmente, porém, o disparo bem sucedido durante a breve lição voltou a preencher a mente dos dois envolvidos. Mathias parou o trabalho meticuloso assim que ouviu as batidas do martelo pararem também, percebendo que Aloy olhava para o alvo feito de feno, a flecha ainda fincada.

 

“Foi melhor? Digo, disparando mais de perto.” Aloy perguntou.

 

“Eu não precisei compensar tanto e a mão não tremeu. Foi o que você tinha visto de errado né?”

 

“É, isso aí.” O martelar voltou a preencher o ambiente. Mathias por sua vez permanecia em estase.

 

“Então… eu aprendi?”

 

Aloy parou novamente, olhando para ele e então para o alvo mais uma vez. Tempo suficiente para refletir sobre o fato de ter sido uma falha sua, e não do seu aluno. Quase como se houvesse uma dívida, que deveria ser paga durante seu novo passatempo como professora.

 

“Você fez certo de primeira depois de consertar a besteira que eu fiz. Não acho que dá pra ter dúvidas de que aprendeu.”

 

A voz da Águia fazia um contraste perfeito com a sua irritação do dia anterior. Irritação porém que ainda não havia libertado totalmente o coração do rapaz.

 

“A Talanah vai ficar feliz então.”

 

Era oficial agora, não só factualmente mas no íntimo de Aloy também: ela havia cometido um erro.

 

A culpa não era avassaladora, muito provavelmente pela escala menor da situação. Porém era o suficiente para a calar, vergonhosamente. E assim se manteve pela melhor parte da próxima hora, até finalmente posicionar de forma correta a placa no lugar. Mathias, que terminara pouco antes, observava o processo, até perceber a bandagem na mão de sua Águia se desenrolar lentamente e ir de encontro ao chão. Aloy suspirou em descontentamento, assim como o rapaz, que tomou a iniciativa de pegar o tecido do chão, sem estendê-lo de volta à moça.

 

“Me dá a sua mão, deixa eu fazer direito.”

 

Aloy estava prestes a recusar mais uma vez, até perceber que seria idiota, tendo em vista que usar a mão não dominante ja havia dado errado segundos antes. Assim, estendeu a mão sem dizer nada.

 

Mathias segurou sua mão com cuidado, evitando encostar na queimadura – que já mostrava sinais de melhora, apesar da vermelhidão ainda visível – e enfim apertando carinhosamente as faixas dando a volta ao redor de toda a mão, definitivamente mais firme que da outra vez. Os movimentos precisos e delicados tomaram conta do ferimento de uma forma que uma caçadora cansada e com apenas uma mão disponível não conseguiria fazer. Mas além disso, e acima de qualquer coisa: Pela primeira vez, era possível aproveitar a companhia do garoto, verdadeiramente.

 

"Pronto, Águia. Duvido cair agora.”

 

"Obrigada, por isso e pela flecha."

 

"Ah, ainda bem que deu tudo certo. Mas vê se não me pressiona assim de novo. Eu tenho certeza que quase errei a confecção.”

 

“É bem normal pra mim ter que fazer flechas assim sob pressão, você fez bem.”

 

O rapaz olhou para o chão, um pouco envergonhado pela serenidade abrupta. A oportunidade perfeita para a pôr contra as cordas.

 

“Ok, você tem alguma coisa pra dizer mas não tá dizendo, né? Por acaso é sobre ontem? Olha eu não queria ter dito aquilo e-”

 

“Me desculpa. Por ontem.”

 

Sua voz e até mesmo seus pensamentos foram roubados por alguns segundos, o suficiente para Aloy continuar: “A gente começou com o pé direito, e por culpa minha. Eu não perguntei nem me preocupei em conversar sobre o que você queria. Só tratei isso tudo como um passatempo.” Aloy tentava manter contato visual o máximo que podia, mesmo tendo certeza que era uma situação minúscula. Mathias por sua vez queria se esconder atrás de seus óculos. Apesar da caçadora estar certa em se desculpar, ela não sabia de tudo. Não sabia de seus erros. Era necessário ao menos empatar.

 

“Eu devia ter dito o que eu sentia também, as coisas teriam dado mais certo.”

 

“Eu vou entender se quiser encerrar por aqui, podemos conversar com a Talanah e…”

 

O garoto não pode evitar o riso, mesmo que breve. Se era uma ideia idiota ou não, teria que descobrir ao longo do caminho.

 

“Eu não vou deixar você desonrar a toda poderosa Ordem dos Caçadores com uma mentira, principalmente por minha causa.” Era uma surpresa encantadora para Aloy, uma bela segunda chance de, ao menos, tratar as lições com mais seriedade. Assim, também sorriu.

 

“Ok então. Me encontre aqui amanhã no mesmo horário, vamos ter uma aula melhor, garanto.” Aloy estendeu a mão esquerda, encontrando o aperto de Mathias de volta. 

 

“Sem máquinas malucas dessa vez né?”

 

Pela primeira vez, uma verdadeira risada. Era um longo caminho percorrido por uma simples e honesta conversa. 

 

“Quem sabe? Foi emocionante no mínimo, não foi?”

 

O rapaz tomou o caminho de casa entre risos, e sem olhar para trás, disse em definitivo: "Até amanhã, Águia.”

 

Aloy fez o mesmo, sorrindo em paradoxo. Um erro, uma situação aleatória, e um bom resultado. Era algo para se pensar no caminho de casa. E como pensou. Pensou em como dar aulas melhores para seu Tordo, chegando a conclusão óbvia de que não fazia ideia de como ensinar alguém. Pensou sobre a Ordem dos Caçadores e suas novas responsabilidades, finalmente com algo ao menos parecido com vontade em seu coração. Pensou sobre Elisabet, e sobre como ainda era surreal poder conversar e estar na presença dela, atingindo um muro em sua cognição ao tentar decifrar os sentimentos que tal presença causava. Enfim, quase numa tentativa de fugir do pensamento anterior, pensou sobre a fera mecânica de olhos prateados. Era o terceiro encontro com uma máquina assim, agindo de forma estranha e solitária. Era quase como uma perseguição, pessoal e iminente. Três vezes era o limite, era hora de se preocupar, ao menos um pouquinho. Ao finalmente acordar de seu transe pessoal, se deu conta de que havia chegado em casa, e não demorou em descer as escadas para checar o estado da Doutora com a qual compartilhava a moradia. Já na metade da descida, a luz azul familiar preenchia as paredes, até enfim tomar conta do ambiente na sala fechada. Ao entrar, se deparou com uma Elisabet se espreguiçando vagarosamente, suas costas arqueadas sobre o encosto da cadeira, os braços esticados e conectados pelas mãos. Conseguia ouvir claramente os estalos, e enfim os seus olhos, acompanhados por um sorriso.

 

“Ah, oi garota.”

 

“Cansativo?”

 

Elisabet riu um pouco antes de responder, rolando a tela com os dedos para mostrar dezenas e dezenas de linhas de código. “Nem um pouco, CYAN recomendou um dia inteiro de códigos sem parar, para termos uma estimativa de quanto tempo levaríamos para terminar.”

 

Aloy olhou para a tela orgulhosa, mesmo sem entender absolutamente nada em meio às centenas de caracteres azulados. 

 

“É melhor eu não atrapalhar então.”

 

A doutora olhou para a tela, percebendo que de fato havia mantido o foco por toda a manhã. 

 

“Hm, uma pausinha não faz mal a ninguém. Me diz, como-” Elizabeth interrompeu a si mesma percebendo a bandagem na mão direita de Aloy, com certa preocupação quase que involuntária. “Por acaso a discussão foi… mais que verbal hoje?”

 

Aloy por sua vez olhou para a doutora sem entender, até seguir o rastro de seu olhar. “Ah, não. Não mesmo, isso não foi ele. Foi mais uma máquina maluca fora de lugar… com os olhos prateados, de novo.”

 

A preocupação foi e voltou do olhar de Elisabet frente às informações.  “Eu nem sei por onde começar a investigar isso… Mas com certeza não é aleatório. Chegou a gravar algo?”

 

“Eu tenho os dados aqui, das três ocasiões.” Aloy projetou as três imagens com seu foco, atraindo a atenção intrigada de Elisabet.

 

“Vamos deixar a CYAN analisar isso.”

 

A voz robótica se fez presente:

 

“Irei correlacionar com os dados recentes coletados, devo dar prioridade?” 

 

“Por hora não, preciso da sua ajuda com os códigos hoje. Mas… mantenha em mente.”

 

“Afirmativo.”

 

Elisabet suspirou, virando sua cadeira em direção a Aloy.

 

“Então, essa máquina atacou e estragou tudo?”

 

“Na verdade não. Por incrível que pareça, até ajudou.” Aloy disse andando vagarosamente em volta do quarto, como se processasse suas próprias emoções usando as pernas como força motriz. “Acontece que eu estava cometendo um erro no treinamento dele, e quando a gente corrigiu, ele acertou o alvo. Fácil fácil."

 

“Ok, até que eu to acostumada com males que vem pro bem, mas esse me surpreendeu. Vai continuar com as aulas então?”

 

“Bem… eu quero. Eu vou. Mas eu preciso aprender a fazer isso melhor…” Ao terminar de falar, a garota voltou seu olhar para Elisabet de forma desconfortável, principalmente por conta do silêncio. 

 

“...o que foi?”

 

“Por acaso você sabe alguma coisa sobre isso? Sabe, ensinar.”

 

Por alguns segundos, Elisabet contemplou as paredes numa tentativa de achar algo em sua mente que pudesse ajudar. “Eu não sou professora… Mas eu aprendi um pouco sobre como é ser uma só de observar as minhas na faculdade.”  Ela enfim levantou, e ambas involuntariamente faziam um caminho circular ao redor da sala, um passo de cada vez. “Não era o trabalho mais grato do mundo, mas faziam com uma baita paixão… Eu não acho que tem uma forma de você se tornar uma professora completa em alguns dias, mas você com certeza pode se aprimorar com exemplos.” Mais segundos de contemplação, até Elisabet fazer Aloy parar de andar ao perguntar: “Quem foi o seu professor, Aloy?”

 

De forma imediata, as imagens de seu guardião vieram à mente. A princípio, os primeiros dias de seu treinamento, lentamente adaptando seu pequeno corpo a estar sempre em movimento, desenvolvendo sua aptidão física e apurando todos os sentidos, exaustivamente. Isso não seria possível, não com os ferimentos do garoto ainda em recuperação. Ela expressou um pouco de seus pensamentos ao responder em meio ao processo: “Foi o Rost que ensinou tudo que eu sei.” 

 

“Hm, e como ele fazia isso? E como é diferente de como você faz agora?”

 

A pergunta provocativa finalmente deu direções às suas lembranças, e assim, achou ao menos o início de uma resposta:

 

“Nada era aleatório. Tudo que ele me mandava fazer significava alguma coisa, mesmo sem ser óbvio de primeira.”


“Como assim?” Elisabet se aproximou com alguns passos. 

 

“De início ele me colocava para disparar flechas, parada, com alvos parados e etcetera… mas isso deve ter durado uma semana no máximo. Depois disso, nunca era só disparar. Sempre tinha uma lição maior, sempre em movimento, sempre com objetivos diferentes.”

 

“Bem, você não tem anos com o garoto, e sim dias. Talvez a fase de acertar um alvo parado já tenha passado?"

 

Os olhos de Aloy se arregalaram, como se as palavras da doutora fossem um farol em meio ao oceano mais escuro possível.

 

“Você tem certeza que não foi professora?”

 

Elisabet riu, voltando ao seu assento.

 

“Acredite, eu não teria cabeça pra isso nem com dois sonos criogênicos de mil anos.”

 

Aloy retribuiu a risada, e se pôs em direção às escadas, mas não antes de olhar para Elisabet Sobeck mais uma vez, sorrindo em conforto. 

 

“Valeu, Elisabet. Ajudou muito.”

 

“Disponha, garota.”

 

“Vou pensar no que fazer amanhã. Me exercitar um pouco. Estou lá em cima se precisar.”

 

“Digo o mesmo.”

 

~.~

 

Os raios de sol já se tornavam escassos e alaranjados quando Aloy foi alertada por batidas suaves na porta da frente, interrompendo uma série honestamente repetitiva de exercícios. Fez o caminho até a porta, secando o suor com uma toalha. Elisabet teve sua atenção atraída, mesmo através dos hologramas azuis projetados pelo Foco. Ao abrir a porta, se deparou com Talanah, vestindo suas usuais roupas de caça e com leve sorriso no rosto, este que se abriu quando disse:

 

“Espero não estar atrapalhando a noite de ninguém.”

“Não, não mesmo.”

 

“Eu poderia ter uma palavrinha com a Elisabet?”

 

“Ah, claro! Pode entrar.” Aloy não apenas gaguejou, mas também hesitou em responder. O conceito de receber alguém em sua casa ainda era quase que alienígena a essa altura. Talanah entrou respeitosamente, se deparando enfim com a Doutora com quem desejava falar.

 

“Com licença.”

 

“Sinta-se em casa, Talanah.” a mais velha fez os hologramas sumirem com sua mão enquanto se levantava para ir de encontro à caçadora. “Aceita alguma coisa?”

 

“Não precisam se incomodar, é bem rápido. Na verdade eu queria te pegar emprestada amanhã mais uma vez, se for possível." Um sorriso levemente travesso se formou em seus lábios, assim como seus olhos faziam o caminho de Elisabet até Aloy uma ou duas vezes. “Eu pediria para a Aloy, mas não quero atrapalhar as aulas. E… bem, o Foco é muito útil, não dá pra mentir.”

 

Elisabet riu em acordo, ainda se lembrava não só de como a Águia-Solar havia a ajudado, mas também como havia feito o mesmo por Aloy algumas vezes. Era impossível negar apoio. “Sabe que pode contar comigo. E eu também não iria querer atrapalhar a mais nova instrutora de caça de Meridiana.” Elisabet olhou de forma orgulhosa para Aloy, que perceptivelmente adoraria estar com cara em qualquer outro lugar que não de frente para as duas.

 

“Ora ora, descobrimos outra coisa em que ela é boa? É quase como se eu fosse boa em indicar as pessoas.” Talanah se uniu aos esforços de provocação.

 

“Não é bem assim… Estamos melhorando, juntos. Ele tem potencial.”

 

“E eu estou ansiosa pra ver o que ensinou. Bom trabalho, Aloy.” A Nora pôde apenas rir, deixando a conversa voltar ao seu foco inicial por conta própria. “Enfim, amanhã cedo eu passo aqui para te buscar Elisabet. Tudo bem?”

 

“Sem problemas, estarei pronta.”

 

“Se quiser dar um oi pro garoto, pode vir comigo antes de irem.” Aloy sugeriu.

 

“Não. É… melhor deixar os dois focados. Também não quero tomar tanto o seu tempo, Elisabet.” Apenas para encontrar a rápida recusa. Rápida demais. Quase como se estivesse planejada anteriormente. Aloy porém não pensou tanto sobre. “Bem, melhor eu ir. Boa noite, se cuidem vocês duas.”

 

“Até amanhã, se cuide também.” Elisabet se despediu, e então ambas acompanham a moça sair.

 

“Parece que alguém encontrou um trabalho secundário além de tentar salvar o mundo.” Aloy provocou, enquanto fechava e trancava a porta da frente.

 

“Com quem será que eu aprendi isso?”

 

“Não foi o contrário, espertinha?"

 

Ambas compartilharam boas risadas da situação antes de subirem as escadas, cada uma se acomodando em sua cama. Aloy porém adiou um pouco seu descanso, indo até a varanda banhada pela luz de uma lua quase cheia. Vestindo suas roupas mais velhas, observou as luzes da cidade se apagando uma a uma antes de ativar o seu Foco, conectando-se com um outro através do ar. 

 

“Mathias, é a Aloy. Acordado?”

 

Com certo atraso, a voz familiar soou no caminho de volta.

 

“Sim, oi Águia.”

 

“Está se recuperando bem?”

 

“Você diz a minha perna ou o susto de mais cedo?”

 

“Os dois, eu acho.”

 

“Eu to bem, não sei dizer o quanto, mas to.”

 

"Ótimo, amanhã vamos fazer algo um pouco diferente. Preciso que traga suprimentos e todo o equipamento que conseguir antes da lição.”

 

“Isso… quer dizer que eu vou ter que acordar mais cedo né?”

 

Aloy riu, se lembrando da idade de seu aluno.

 

“Relaxa, eu também vou precisar. Nos vemos na ponte amanhã bem cedo?”

 

“Conta comigo.”

 

Ela então sorriu, se lembrando de como as coisas haviam dado inesperadamente certo no começo do longo dia que chegava ao fim.

 

“Boa noite, Mathias.”

 

Era de fato um grande alívio não precisar pensar em conversar. Apenas faze-lo.

 

“Boa noite, Aloy.”

 

Do outro lado do céu iluminado, porém, o sorriso era oprimido pela culpa. Lentamente se tornando doloroso. Enfim, seu suspiro formava uma frase completa, que felizmente apenas ele podia ouvir por enquanto.


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Notas finais do capítulo

Eu tava bem ansioso pra escrever cenas em que esses dois tem um bom relacionamento. E posso adiantar que teremos mais! Enfim, o que acharam? Peço desculpas pela demora, mas foram motivos de força maior. Eu ainda quero muito contar essa história, mesmo com Horizon avançando como franquia (ta doendo MUITO não poder jogar a DLC :c). Enfim, agradeço pelo apoio sempre e espero que esteja agradando ao menos um pouquinho. Até a proxima!



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