Where We Belong escrita por Mad


Capítulo 10
A Excruciante Arte de Começar


Notas iniciais do capítulo

Escrevi como nunca e demorei como sempre. Mas tá aqui o capítulo 10! A justificativa é a faculdade de novo xP mas sigo escrevendo sempre que posso! Enfim, onde a gente tava? Aloy tem o que parece ser o início de alguma coisa nova, e a Elisabet acha que em breve vai ter tudo pra conseguir separar as coisas. Mas como tudo nessa fic, os planos são só metade da melodia. Espero que gostem! ❤️



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Aloy estava distraída.

 

Ou ao menos queria estar, colocando seu corpo em movimento. 

 

Mais uma noite de sono conturbada colocou em cheque o seu despertar, a fazendo suar abaixo das orelhas e se levantar ofegante, irritada com a insistência de sua cabeça com os pesadelos. Agora, o ritmo das flexões eram contados mentalmente, ecoando em seus pensamentos como bolas de boliche. Tentando afastar aqueles pensamentos incômodos, aumentando o ritmo dos movimentos, contando cada porção de ar que enchia e deixava seus pulmões. Estaria insatisfeita, até o suor do exercício se juntar ao suor do sonho ruim, diluindo-o.

 

O que lhe trouxe paz, porém, não veio de seus esforços, e sim das escadas. Aloy não sentiu a princípio, mas a acolheu como um abraço. Primeiramente, percebeu o cheiro intrigante acomodando os passos a cada degrau. A mera percepção dos sentidos a fez levantar, alcançando uma toalha no móvel ao seu lado, e secando rapidamente o suor em seu rosto. Enfim, viu Elisabet Sobeck subir o último degrau. Vestindo apenas a camisa com o símbolo do Zero Dawn e uma calça larga da mesma cor cinza, visivelmente mais adequadas ao clima quente se comparado ao macacão característico de antes. Aloy porém rapidamente reverteu suas atenções para duas coisas: as olheiras escuras, e os dois pequenos copos que segurava, uma em cada mão.

 

"Bom dia." Aloy disse, dividindo sua atenção.

 

"Bom trabalho. Digo… dá pra ver que estava se esforçando." A Doutora por sua vez dava mentalmente uma bronca em si mesma ao se envergonhar de seu comentário. Foi salva porém quando ambas ouviram a voz robótica de CYAN através de seus Focos.

 

"Bom dia, Aloy."

 

"Bom dia CYAN. " Aloy voltou sua atenção para as olheiras percebidas anteriormente. "...eu sei que você não precisa dormir, mas a Elisabet é de carne e osso."

 

"A Doutora Sobeck deliberadamente ignorou os avisos sobre os riscos de uma noite prolongada de-"

 

"Ok, ok, não precisa encher a cabeça da garota com os meus maus hábitos." Enfim, Elisabet estendeu uma das mãos, oferecendo o copo com a bebida visivelmente quente. "Por hora, tome."

 

Aloy hesitou por um breve instante antes de aceitar o copo, preenchido por um café de qualidade perceptível, pelo cheiro e pela aparência. Conseguia ver seu próprio reflexo no breu da superfície, e em meio ao seu silêncio, Elisabet explicou:

 

"Eu resolvi sair um pouquinho já que não conseguia dormir… já estava de manhã então pensei comprar o que eu precisava pra…fazer isso. Pra gente. Pra começar o dia." Mais uma pausa, iniciando sua sentença com um leve gaguejo. "Além do mais, eu queria ver se eu ainda sabia fazer isso. Sabe, mil anos num cubo de gelo e tudo mais…" 

 

"Espero que ela goste, espero que ela goste, espero que ela goste…" a Doutora dizia mentalmente enquanto bebia de seu copo, encorajando Aloy a fazer o mesmo. Ao fazê-lo, o calor da bebida imediatamente relaxou seus músculos antes estressados, segurando o copo de cerâmica e sentindo o aroma mais de perto. Por outro lado, o gosto forte e levemente ácido revigorou suas energias gradativamente, finalmente a despertando de fato. Não estava em sua lista meticulosa e planejada de eventos do dia – nascida da mais pura ansiedade, não de uma organização latente – porém a fez sorrir em gratidão. Frente a tal sorriso, Elisabet não precisava ouvir nada. Então se pôs a dizer, tentando passar a sensação de que o copo quente de café era apenas algo natural.

 

"Tem certeza que posso usar os cacos? Não quero te dar nenhum prejuízo."

 

"Hm? Ah, eu duvido que a Petra vá te cobrar tanto por… seja lá do que precisa. É sucata." Ambas beberam goles generosos de seus copos. "E eu não acho que vou precisar por enquanto."

 

Ambas então se sentaram na beirada da cama, bebendo goles sutis. 

 

"Obrigada… Vai ser bem importante. Juro."

 

"Não precisa se preocupar. Eu preciso que você faça o que precisa pra finalmente voltar ao trabalho. Como você prometeu." Ao dizer isso, Aloy tomou todo o resto do café de uma vez só. Pronta para se levantar e prosseguir com o dia, sem muita excitação.

 

"Espera ai, quando eu voltei, um soldado entregou isso." A mais velha entregou um pedaço de pergaminho, com a caligrafia característica de Avad preenchendo boas linhas. "Eu tomei a liberdade de ler, desculpa."

 

Aloy tomou em mãos, e leu mentalmente a mensagem escrita. 

 

"...um jantar, hoje à noite?"

 

"Pra me conhecer, e te receber de volta, aparentemente."

 

Era mais uma atividade com a qual a caçadora não estava contando, e com a qual não tinha exatamente um apreço muito grande.

 

"Pelo menos vamos poder fazer o que precisamos antes de ir até o palácio. E por falar nisso… Eu vou ter que ouvir "nossa, vocês são muito parecidas!" Mais uma vez, né?"

 

Aloy foi trazida de volta ao momento com a indagação cômica, respondendo no mesmo tom:

 

"Petra Forjadeira adora falar, Elisabet. Você vai ouvir mais que isso pode apostar. Ela não tem medo de te… colocar nas cordas, também."

 

Elisabet sorriu de forma travessa, antes de neutralizar sua expressão e dizer; "Por outro lado, o garoto…" Aloy não pôde evitar de suspirar ao ouvir, e então ouviu o encorajamento nas palavras seguintes. "Você só precisa deixar a Talanah satisfeita com o menino. Ensine o básico, não pode ser tão ruim assim, tenta quebrar o gelo."

 

"É… você tem razão. Vou tentar. Quem sabe eu dou um pouco de café a ele. Nenhum gelo ficaria inteiro." 

 

"Ora, fique sabendo que a temperatura é uma das coisas mais importantes em um copo de café, garota primitiva."

 

As risadas se misturaram ao ecoar pelas paredes, ao passo que as duas preparavam tudo que iriam precisar para o que dia viria pela frente, nitidamente o mais cheio desde quando haviam chegado. Aloy pegou apenas seu arco mais simples, deixando os outros equipamentos em repouso, enquanto vestia sua roupa comum com adereços dos Nora. Elisabet carinhosamente segurou a pequena bolsa contendo cacos, e juntamente com Aloy, andou até a porta da frente. O caminho foi feito de forma mais rápida que da última vez, e pouco a pouco se aproximavam da Ordem dos Caçadores, onde Elisabet iria se encontrar com Talanah.

 

"Eu preciso arrumar algum tipo de roupa formal? Não tava contando em jantar com um Rei."

 

"Acho que não vai precisar… ele deve querer te conhecer apenas. À noite, a gente se encontra no caminho para o palácio, ok?"

 

"Ok, pode deixar."

 

E assim, ambas chegaram no destino. Aloy porém já fazia a menção de continuar seu caminho, não antes de dizer:

 

"Olha, eu não lembro de ter tomado café assim pela manhã antes. Obrigada."

 

"Um dia bom ou ruim sempre começa com um bom café… o Patrick vivia dizendo isso. Não foi nada, garota."

 

"Boa sorte com o leilão de sucata." Aloy disse entre risadas, enquanto andava em direção a saída leste da cidade. 

 

"E boa sorte com o bico de professora!' A doutora respondeu no mesmo tom, secretamente satisfeita com o sucesso de sua missão matinal para com a garota. 

 

~.~

 

O bocejo de Mathias se perdeu em meio aos protestos e conversas dos comerciantes, ansiosos para entrar na Cidade do Sol. Andando olhando para o chão, era fácil perder de vista a figura do rapaz, que se dirigia a um amontoado de caixas, ao redor da entrada da cidade. Aquele processo, penoso para os comerciantes, era estranhamente interessante para os olhos por trás dos óculos redondos. Era definitivamente um lugar bem diferente de Monte Livre, e talvez isso o tornava melhor. 

 

Porém, não passava da ilusão momentânea de um turista. Havia um contraste gradativamente perturbador em seu íntimo, ao observar os trabalhadores, imersos em suas grandes e previsíveis obrigações, muito provavelmente matando alguns leões por dia para manterem o mínimo do padrão de vida digno. Olhando assim, era como se estivesse no meio de seu vilarejo novamente, cercado de pessoas que tinham tudo a oferecer para o mundo.

 

O que ele tinha a oferecer a si mesmo?

 

Do mesmo lugar de onde veio, a pessoa por qual esperava cortou a imagem do ambiente como uma pintura sendo rasgada. Percebeu os cabelos da cor do fogo esvoaçarem com o vento, um incêndio poderoso e, paradoxalmente, contido. A caçadora o viu e o percebeu antes que sua imaginação e espanto pudessem desamarrar seus pensamentos, causando o embaraçoso momento onde finalmente se encontravam a uma distância pequena.

 

"Eu…disse bom dia, mas parece que alguém não acordou ainda."

 

Seus olhos piscaram algumas vezes, apagando a tinta que o pintor insistente fabricava em sua cabeça, e com a visão pura de sua suposta professora, Mathias gaguejou, evitando o contato visual como a água evita o óleo

 

"Bom dia, erm…"

 

"Aloy é como todos me chamam. Posso te chamar de Mathias, né?"

 

"Sim, claro. Digo… é meu nome e… bem, é isso."

 

Aloy o olhou para o para o rapaz – ainda sem receber a retribuição do gesto – no limiar do riso mais sutil possível, tal qual não era fruto de julgamento mas uma simples percepção. Havia algo levemente familiar, porém ignorou tal sensação e simplesmente focou em iniciar o treinamento. Notou que o rapaz segurava em mãos uma aljava e um arco que em comum tinham a simplicidade, e a leveza. A caçadora tomou o caminho a esquerda, com Mathias a seguindo timidamente, 

 

"Você disse que não consegue andar?"

 

"Correr." O tom de voz na primeira palavra demonstrava a clara intenção de corrigir. "Não consigo correr. Tipo… não por agora, mas deve melhorar rápido, eu acho…"

 

Mais uma vez, era familiar. E mais uma vez Aloy ignorou, pois não podia deixar de perceber a forma de seus passos, ou melhor dizendo, cambalear. Seu pé direito sempre chegava ao chão pouco antes do esquerdo, supostamente aquele que estava machucado. Cada passo era uma tentativa de não forçar a lesão, supostamente imobilizada com alguma engenhoca Oseram, coberta pela calça marrom surrada. Não era possível treinar seus movimentos como a própria havia aprendido bons anos antes. Por hora, o movimento com o arco iria bastar. 

 

"Ok, é aqui." E o rapaz parou de andar como se encontrasse uma parede à sua frente. Podia ver que não estava nada longe da entrada da cidade, e ao olhar para frente via alvos feitos de feno, com as marcações circulares que qualquer um esperaria de tal objeto. "Eu preciso que você alongue os braços antes de qualquer coisa… seria bem ruim se você os machucasse também."

 

Mathias concordou em silêncio. O tom de voz de Aloy era tão sem detalhes quanto o arco em suas mãos, agora deixados ao chão temporariamente. Não conseguia perceber emoções ou intenções, apenas os significados individuais das palavras saindo de sua boca. A garota realizou seus alongamentos da mesma maneira que faria em um dia qualquer, antes de qualquer caçada, ou após qualquer noite de sono mal dormida a ermo. A presença de Mathias aparentemente não era parte de tal equação. O garoto, com algum atraso, entendeu por si só – com a falta de um comando verbal – que deveria imitar seus movimentos e assim o fez, observando apenas as costas de sua professora. Sentiu os ossos de seu braço se alinharem como nunca antes, se perdendo momentaneamente em uma pequenina admiração. Tão pequena que se desfez com o simples e súbito fim do alongamento. 

 

Aloy tomou em mãos o seu arco, e sem dizer nada, se alinhou frente ao alvo, dando uns bons 15 passos para trás antes de trazer da aljava uma seta solitária.  

 

"Eu vou fazer devagar, então preste atenção, tudo bem?"

 

Um dedo acima dois abaixo. A corda retesa. Os músculos das costas se contraem. A mão que segura o arco relaxa. 

 

Por trás dos óculos, os olhos do garoto conseguiam pintar com perfeição a trajetória da flecha desde o fim do arco até o absoluto centro do alvo.

 

Perfeição. 

 

Era só isso?

 

Foram apenas 30 ou 40 segundos entre a chegada no local e o fim de sua primeira instrução. A falta de cerimônias era capaz de esfriar o ambiente mesmo debaixo do sol ininterrupto. 

 

"Sua vez. Não se preocupa com o meio, tenta acertar pelo menos o feno."

 

Mais uma vez, um certo atraso. Aloy se moveu, abrindo o espaço para o aluno, um empurrãozinho metafórico que enfim fez Mathias se posicionar frente ao alvo. Ao olhar para o objetivo, tentou manter o foco com o máximo de esforço possível, invocando coragem para tomar o pequeno arco em mãos, trazendo a flecha para, com dificuldade, posicioná-la na corda com os dois dedos abaixo e um acima. Com a mesma dificuldade, puxou a corda até esbranquiçar a ponta dos dedos, e enfim deixou a seta voar, cortando o vento e subindo, subindo, subindo.  

 

Era o primeiro erro de muitos.

 

Aloy observou de braços cruzados todo o processo, até a flecha voar acima do alvo, passando longe. 

 

"Tudo bem, é só a primeira. Tenta mais uma vez, um pouco mais pra baixo."

 

Para qualquer ouvinte não inundado por tantas inseguranças, mesmo que profundamente escondidas, as palavras de Aloy sem dúvida alguma não refletiam nenhum tipo de desdém ou no mínimo indiferença. A treinadora – um uso generoso da colocação – porém, não sentiu nenhuma forma, nem mesmo a mais sutil, de decepção. Sua demanda, demarcada pela mesma voz desprovida de detalhes, pousou em ouvidos igualmente indiferentes. 

 

E assim o garoto fez.

 

Muito baixo.

 

Muito alto.

 

Três delas mal chegaram ao alvo, para as quais Aloy indicou novamente, na tentativa de relembrar sua própria presença. "Mais força." Retornando assim para uma sequência de erros puros de precisão. As setas acertariam qualquer coisa em um raio de metros, menos o feno. Mathias não parecia frustrado, e Aloy ainda não demonstrava decepção. De alguma forma isso era ainda pior que a alternativa.

 

Para todos os efeitos, Mathias e Aloy não estavam no mesmo lugar.

 

~.~

 

Para qualquer pessoa de fora – incluindo a Águia Solar que a acompanhava em cima do Galope – o olhar de Elisabet para o mundo ao redor era como o de qualquer turista entusiasmado. A contemplação era sempre acompanhada por um sorriso sutil e, de certa forma, orgulhoso. Porém, para a doutora perdida no tempo, ia muito além. Estando envolvida com as intenções iniciais de tal mundo, sabia a origem de cada processo, por trás de cada árvore, pedra, montanha e rio. Ao seu alcance não estava apenas a visão exuberante das flores e arbustos, mas também cada poema recitado por Naoto em noites estressantes de trabalho. Observando as máquinas, enxergava a empolgação de Margo entre os cabos e circuitos. 

 

Apenas ao seu alcance.

 

E não era diferente durante a travessia até Monte Livre. As ondulações de seus pensamentos, ao contrário de seus significados, eram totalmente acessíveis para um bom entendedor. Nesse caso, entendedora. 

 

"Então, nunca esteve mesmo no Solar?"

 

A voz de Talanah a fez centralizar sua visão novamente, seguindo a estrada de terra com sua modesta experiência de montaria em máquinas.

 

"Não, pelo menos não tão de perto assim. Eu…estive no Oeste por muito tempo."

 

"O que te manteve tão longe assim?"

 

Perguntas assim viriam cedo ou tarde, e o preparo da Alpha Prime do Zero Dawn nunca deveria ser subestimado.

 

"Eu estava doente. Uma certa… coisa dos antigos pôde me ajudar, mas demorou, muito, e me fez apagar. Era isso ou morrer."

 

"Sabe, uma certa amiga da família Khane-Padish tinha uma doença rara. Foi algo parecido, eu imagino. Mas ela não teve tanta sorte…"

 

"A maioria de nós não tem…"

 

"Podemos concordar nisso."

 

A quietude era uma opção, porém uma risada paradoxal e breve deixou os pulmões da doutora ao invés.

 

"Desculpa, parece que falar comigo sempre leva pra esse tipo de assunto."

 

"Eu acho que não é ruim, se temos isso em comum. E eu fico feliz de ter sido capaz de se curar e ver a Aloy de novo."

 

"É… eu também fico. Obrigada Talanah. Não só por isso, mas por me trazer também."

 

"Você precisa de mim, eu preciso de você. Acho que temos permissão de jogar conversa fora."

 

"Só não me deixa errar o caminho."

 

"Claro, pode seguir a estrada por mais um tempo, te digo quando virar."

 

O sol atravessou mais algumas marcas na sua trajetória pelo céu antes de, finalmente, avistarem o assentamento Oseram. 

 

"Ali, Monte Livre. Tem um ferro velho bem grande, duvido não achar o que procura."

 

Mais uma vez a arquitetura Oseram chamou a atenção dos olhos atentos de Elisabet, especialmente a roda que girava com a força do rio. Ver que um padrão de construção se repetia mesmo após todas as mazelas da humanidade era um alívio conveniente.

 

"Podemos ver o que precisa antes, não quero atrasar sua inspeção."

 

"A Aloy diria a mesma coisa, sabia? Nada disso, o local fica bem depois, eu vou beber alguma coisa e te espero."

 

O sorriso desconfortável de Elisabet era felizmente algo que Talanah não poderia ver, ao passo que o galope diminuía sua velocidade gradativamente, até parar a uma certa distância do assentamento. Ambas percorreram o caminho até a entrada a pé.

 

"Como eu disse, tome seu tempo. Vou estar esperando aqui."

 

"Não pretendo demorar, obrigada Talanah."

 

Subitamente, Elisabet se via cercada de velhas ansiedades. As construções em formato circular, brilhando na cor do bronze, criavam um ambiente certamente interessante, caso não fosse difícil de observar através da poeira levantada pelo vento. Mesmo com os sentidos quase sobrecarregados, a Doutora encontrou coragem para pedir informações para um homem que carregava um barril em seus ombros. 

 

"Oi, com licença. Eu procuro… Petra Forjadeira?" Ela disse entre gaguejos, e recebeu a resposta na forma de uma voz rouca, como se uma grande porção da poeira que obstruiu a sua visão estivesse alojada na garganta do homem.

 

"Ah, muita gente tem vindo falar com ela. Mas ela deve estar no depósito, fica atrás dessa taverna aqui."

 

"Muito obrigada." Sem perder tempo – e, internamente, não desejando que o homem perdesse mais do dele – Elisabet fez seu caminho ao redor da taverna. Conseguia ouvir alguns barulhos vindos de dentro, principalmente conversas em um volume exagerado, onde apenas algumas palavras e frases podiam ser escutadas por completo, além do som peculiar de metal batendo em metal, ecoando por todo o local. Ao circundar o lugar por completo, viu uma plataforma rodeada por uma escada, e acima conseguia ver uma mulher brandindo um martelo contra algo em uma bigorna. Os passos tímidos da ruiva batiam contra a madeira firme, tornando-os impossíveis de se ignorar ao pisar no último degrau. Ao perceber que a moça iria se virar, disse;

 

"Petra Forjadeira? Desculpa eu não quis-"

 

"Se é sobre o…" a frase permaneceu incompleta, interrompida pelo olhar decifrativo daquela que agora largava seu martelo em cima da grande mesa ocupando o centro do local, enquanto a lâmina repousava acima da bigorna. Ela observou, com as pálpebras entreabertas, os cabelos definitivamente mais curtos, e as linhas na feição que indicavam uma idade mais avançada. "...é estranho se eu disser que eu te conheço?"

 

Agora, finalmente subindo o último degrau, Elisabet ajeitou sua própria postura numa tentativa de se portar frente a mulher imponente do outro lado da mesa.

 

"Você conhece a Aloy, então não, nada de estranho."

 

"Pela forja…!" Em meio a risos de empolgação, a Oseram contornou a mesa com a clara intenção de cumprimentar Elisabet, esta que sorriu timidamente ao estender sua mão e receber um aperto desproporcionalmente forte de volta. "Petra Forjadeira, mas isso você já sabe. É de você que eu sei pouco! Você é…?"

 

"Elisabet. Elisabet Sobeck.". O sorriso agora escondia os dentes, e Elisabet claramente podia perceber que a moça a analisava de cima a baixo. "Eu ouvi dizer que você tem um ferro velho." O impulso de ir direto ao ponto era uma clara defesa contra o desconforto. Uma que a empolgação de Petra a impediu de perceber.

 

"Ah, peças de máquina? A Aloy deu uma boa dica, pode apostar. Vem comigo." A agitação de Petra, além de sua súbita caminhada até às escadas, forçou uma interrupção momentânea, quando a Doutora disse:

 

"Na verdade, eu tô atrás de coisas dos Antigos. Não devem ser tão comuns mas…"

 

"Dos Antigos? Não é exatamente a norma aqui, mas eu tenho certeza que vai achar alguma coisa. Pode me seguir. A única coisa que queima aqui é aquele monte de carvão."

 

Cedendo a empolgação, agora fazendo uma forte frente ao desconforto natural, Elisabet seguiu lado a lado. Estava mentalmente se preparando para as tais questões, que vieram sem cerimônias enquanto andavam para a saída oposta do assentamento.

 

"Eu meio que esperava que ela viesse, a gente não se vê desde Meridiana. Como ela tá?"

 

"Ela tá bem, só estamos ambas ocupadas, tem… uma coisa que a gente precisa resolver."

 

"Aquela Aloy… some por quase um mês e a mãe dela me aparece aqui. Ela nunca tinha falado sobre você, na verdade era… bem pelo contrário."

 

"Eu… bem, eu tava no Oeste, há anos. Ela foi até lá me buscar." Saia quase que naturalmente agora. A meia mentira era surpreendente fácil de contar.

 

"No Oeste Proibido? Eu nem fico surpresa por ela, e sim por você."

 

"Surpresa?"

 

"Geralmente quem vai pra lá não volta com a mãe… na verdade, nem volta. E você tava lá esse tempo todo? Acho que ela não puxou só o rosto bonito de você."

 

"Quer tanto assim me vender algo?" O tom e o conteúdo da frase saíram como se fossem fisgados, e conseguia ver a linha de pesca saindo dos dedos de Petra, que gargalhou quase como se estivesse orgulhosa.

 

"Você quer tanto assim comprar de mim?" A doutora sentiu o limite de suas jogadas de igual pra igual chegando, se limitando a um simples: "É, é importante. Pra mim e pra Aloy."

 

"Sempre ligada no trabalho, igual ela. Bem, eu não quero te interrogar, só é muito bom conhecer a mãe dela, mesmo tão de repente."

 

Seu surto de coragem havia finalmente se esgotado, e Elisabet enfim se reservou ao silêncio, até chegarem ao enorme ferro velho. O caminho que seguia inclinado até a encosta de um morro surpreendia pela escala. Observando os olhos arregalados da ruiva, Petra disse:

 

"É tudo meio desorganizado ruiva… não vou mentir, principalmente depois de alguns roubos. Mas eu acho que os garotos costumam deixar as tralhas dos antigos lá no fundo. Me traz o que quiser e podemos negociar, lá onde me achou." Ela levou então as mãos às costas da Doutora, dando um leve tapa de encorajamento. "Pode ficar à vontade."

 

"Roubos? Quem rouba sucata?" Foi só mais um dos pensamentos que Elisabet se viu forçada a silenciar. Disse então, entre risos tímidos: "Agradeço muito, Petra. Não vou demorar." E assim, andou com certa pressa até o fundo do ferro velho. Em alguma parte de seu íntimo já muito silenciado, se perguntava como Aloy havia conhecido a Oseram agitada, e como era seu relacionamento. 

 

Em meio às montanhas de metal empilhado, não poupou suas ferramentas ao acionar seu Foco, tentando filtrar sua busca o máximo que conseguia. 

 

"CYAN, pode me ouvir. Tem uma teoria que eu queria testar…"

 

"Ao seu dispor, Doutora Sobeck."

 

"Os metais de máquina não usam as tintas que usávamos nas coisas… acha que pode calibrar o meu Foco pra distinguir os objetos?"

 

"Sem problemas. Descriminação em andamento."

 

E como num passe de mágica, os objetos de seu povo agora brilhavam em lilás. Em sua maioria, eram pedaços aleatórios e desconexos, sem utilidade, até por fim identificar um objeto outrora comum, e relativamente intacto. Ao retirar do caminho algumas placas e peças compactadas, tomou em mãos um teclado em um estado aceitável de preservação. Ao seu alcance também estavam outras peças que julgava ser capaz de transformar em um terminal altamente improvisado, mas suficiente. Com um sorriso esperançoso em seu rosto, juntou tais objetos em sua bolsa e tomou enfim o caminho de volta para Monte Livre. Tal sorriso confiante cumprimentou Petra antes de qualquer palavra. 

 

"E não demorou mesmo. Vamos dar uma olhada."

 

E assim, Elisabet expôs os objetos na mesa que separava as duas. Os mesmos olhos que analisaram suas linhas e formas momentos antes agora corriam através das ditas tralhas, e a Oseram sorriu gentilmente assim que terminou.

 

"Geralmente a tecnologia dos Antigos é bem útil, mas essas coisas aqui nem tanto… vou te cobrar só uns cacos simbólicos."

 

A cortesia pegou Elisabet de surpresa, e seu protesto surgiu tanto de seu envergonhamento quanto de seu novo apreço pela amigável moça. "Isso não seria muito justo… é o seu ferro velho além de tudo."

 

"Se te dá um motivo melhor… Acho que a mãe de uma das pessoas que eu mais gosto nesse mundinho de metal merece uma cortesia né? Ou vai beber um pouco comigo como pagamento?"

 

"Seria bom conhecer você tanto quanto a Aloy conhece, mas vai ter que ficar pra uma próxima." Puxando dez cacos da pequena bolsa, Elisabet sorriu ao entregá-los para Petra, que os guardou imediatamente em seu bolso.

 

"Se puder dizer pra cabelo de fogo apressadinha que eu sinto um pouco de saudades…"

 

"Ela vai ficar sabendo. Obrigada Petra."

 

A Oseram observou a Doutora durante todo seu caminho escada abaixo, com o travesso sorriso servindo como assinatura de um encontro surpreendente. 

 

Elisabet, mesmo sem saber, causará reações parecidas com todos que a conheciam, assim como sua contrapartida mais jovem. Essas questões não alcançariam seus pensamentos racionais, que agora visualizava seu reencontro com Talanah e a inspeção do local de abate do Titânico, indicado pelo jovem Mathias. 

 

~.~

 

E enfim, um acerto.

 

Mathias encarou com surpresa a visão da seta fincada na parte superior do alvo. Finalmente havia sido capaz de controlar a subida da flecha. O orgulho era escondido abaixo de várias camadas da expressão mais fria que conseguia manter, cortada apenas por um sorriso de canto de boca. Aloy por sua vez descruzou os braços, sorrindo da mesma maneira e escondendo com a mesma facilidade as fracas emoções.

 

"Bom trabalho. Você aplicou o que eu disse."

 

"Só… demorou bastante, né?" Era claro que a noite estava próxima de chegar, e as sombras alaranjadas zombavam de sua cara constantemente. Aloy caminhou até o alvo para retirar a flecha, percebendo que estava fincada mais do que esperava, indicando uma força excedente no puxão. Disse então, ainda sem olhar pra trás:

 

"Eu não acertei muita coisa quando estava aprendendo também."

 

"Bom eu garanto que não vou salvar Meridiana tão cedo."

 

O tom debochado foi o suficiente para que Aloy se virasse, vendo que o rapaz amarrava novamente um de seus sapatos, se preparando para sair de vista. Em um momento raro, ela expôs o que sentia sem hesitar.

 

"Depois de um dia inteiro calado, é agora que você tem algo a dizer?" O rapaz, agora de costas, apenas parou de andar, olhando para baixo e para cima algumas vezes, enquanto pensava no que dizer. Aloy continuou: "Eu sei que você não quer estar aqui, e eu não vou ser mentirosa e dizer que eu quero. Mas a gente não precisa desse atrito. Eu mal sei quem você é direito."

 

"Desculpa, tá?" Mesmo tendo terminado sua declaração, Aloy sentiu como se tivesse sido interrompida. Não de forma rude, mas com certeza repentina. O tom de voz de Mathias finalmente descrevia um sentimento, esse sendo o de poupar uma relação já desgastada. "Vamos terminar isso rápido, eu prometo. Vou estar aqui amanhã de manhã." E assim ele partiu, para longe da cidade e para longe de uma Aloy frustrada, mas não antes de dizer em definitivo: "Você ficou tão calada quanto eu, Águia."

 

Foi como óleo em um incêndio. Sentindo a frustração chegar ao ápice, subitamente arremessou a flecha do acerto o mais longe que podia. Ninguém podia vê-la. Era a chance perfeita de se frustrar pela primeira vez em muito tempo. 

 

Se esse era o seu novo propósito, mal podia esperar para ter que salvar o mundo mais uma vez. Era consideravelmente mais fácil.


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Notas finais do capítulo

Se não ficou claro no capítulo 7 que eu adoro um conflito, agora com certeza ficou. Mas tudo tem solução! Até os meus atrasos xP enfim! Gostaram? Não gostaram? Como sempre, podem me dizer tudinho! Gostei de começar alguns relacionamentos importantes nesse capítulo, e algumas coisas estão sempre mudando nos planos pros próximos! Como de costume, eu quero agradecer a minha irmã Vanilla Sky por todo o apoio, ela me deu uma dica que literalmente salvou metade desse capítulo todinho! Dêem uma olhadinha nas fics dela por favor, não vão se arrepender mesmo! E claro, obrigado Aninha pelo apoio também, é uma benção enorme e me dá muita confiança na minha escrita meio inconsistente xP. Até a próxima!



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