Contos de Si-Wong escrita por Kureiji


Capítulo 1
O Conto de Kalil- Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Esse conto na verdade foi escrito com intuito de ser lido em um só capítulo, mas como ficou muito grande, achei mais sensato separar em dois.
Aproveitem a leitura.



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15 anos após os acontecimentos de a Lenda de Korra.

Oásis das Palmeiras Enevoadas- Reino da Terra, três pessoas andavam pela cidade contemplando-a, ela estava tão bela quanto antes da guerra dos cem anos.

De fato, já era uma beleza diferente da encontrada naquela época, além de besouros-rinocerontes gigantes e carroças já haviam alguns automóveis, com o crescimento da cidade muitas pessoas enriqueceram, por isso se via alguns casarões com grandes cúpulas e portas feitas de arcos ornamentados que tinham sua beleza ressaltada ao pôr do sol.

Um dos três viajantes abria um grande sorriso enquanto apresentava a cidade para os outros dois, ele era muito parecido com os moradores locais, sua pele era mais escura, vestia roupas de tecidos finos e longos, seu cabelo era formado por tranças até os ombros e tinha uma barba feita. Ao contrário dos dois ao seu lado sua aparência não o destacava da multidão, mas sim sua postura, ele andava com um sorriso no rosto e com orgulho do que mostrava, emanava autoridade mesmo sendo mais novo que seus acompanhantes.

Esses por sua vez eram bem diferentes, uma mulher que pelas roupas era da tribo da água do sul e um homem da nação do fogo, duas pessoas de lugares distantes.

— Então, como puderam ver a cidade mudou bastante, por isso eu chamei vocês aqui, queremos que participem disso. – Kalil disse com convicção.

— De fato- A moça disse pensativa- Estou surpreendida, o lado espiritual também se desenvolveu muito.

—Sim, como vocês viram o próprio iceberg no centro da cidade, que antes estava derretendo, voltou a crescer com toda essa energia espiritual. Isso até ajudou a reforçar o caráter de refúgio da cidade para as tribos nômades do deserto de Si Wong.

—Mais do que um refúgio eu diria- Reforçou o homem da nação do fogo- Já está se tornando uma das cidades modelos para o resto do mundo, a sua fama antecedeu o convite que você me fez. Nunca vi uma cidade com tanto desenvolvimento espiritual e tecnológico além de Cidade República.

—Se vocês continuarem crescendo assim podem se tornar um exemplo para o resto do reino da terra e para outras nações também. – Afirmou a estrangeira.

—Muito obrigado- Kalil se curvou- Fizemos isso tudo inspirado nos ensinamentos de Aang e Korra, queremos crescer em conjunto com o que tem de melhor de cada nação, mas também deixando a marca da nossa própria cultura. Uma união das nações, do reino espiritual e do reino físico, é por isso que...

Uma explosão os interrompeu.

—Desculpe, eu tenho que cuidar disso- Kalil falou correndo, de fato ele não estava bem correndo, estava usando a areia para arrastá-lo.

De dentro de uma grande loja saíram alguns homens, eles eram irreconhecíveis pois usavam panos para cobrirem seus rostos, provavelmente dobradores de areia. Com a alta velocidade que Kalil atingiu com sua dominação ele conseguiu chegar a tempo antes de todos fugirem.

Com movimentos rápidos Kalil conseguiu atirar areia na direção deles, forçando-os a parar sua fuga.

O alarme soou, a milícia local logo chegaria.

—Desistam antes que fique pior- Disse Kalil enquanto sacava sua cimitarra.

—A sua fama o precede Kalil, não vamos jogar na sorte.

Outros apareceram dos telhados, agora eram 10 contra 1. Eles formaram um círculo ao redor de Kalil e começaram a atirar areia de todas as direções nele.

Kalil desviava de cada ataque com uma espécie de "dança" que ele usava para redirecionar alguns ataques, as vezes os outros dominadores tentavam puxá-lo pelo pé com a dominação de areia, mas ele estava sempre em movimento, constantemente pulando e usando suas pernas para redirecionar ataques.

Os criminosos estavam certos em ter 10 contra 1, afinal Kalil era famoso por ser um excelente dominador de areia e isso se revelava na forma como ele lutava mesmo em desvantagem, entretanto, os inimigos eram bem coordenados e ele não conseguia realmente ferir ninguém, apenas se esquivar e atrapalha-los.

Quando um deles poderia atingir um ao outro por estarem em um círculo, apenas redirecionavam os ataques também, como na dominação de água, de fato a dominação de areia se assemelhava muito mais a dominação de água que a de terra nesse sentido.

Depois de passado 2 minutos, que pareceram uma eternidade, conseguiram acertar um ataque em Kalil que o derrubou no chão.

—Vamos aproveitar pra acabar com isso agora. – Um deles falou.

—Não, a polícia já está chegando, depois cuidamos disso.

Eles então fugiram e quase ao mesmo tempo chegaram os dois estrangeiros, ela com um bumerangue na mão e o homem tentando acertar os fugitivos com fogo, mas já estavam longe. Aria, da tribo da água, ajudou Kalil a se levantar e disse:

—Onde é a enfermaria mais próxima?

—Não precisa, foi só um baque- Ele respondeu- Já vai dar a hora do conselho, vão indo na frente, eu preciso falar com a polícia.

—Nós o encontraremos lá então. Não sou uma curandeira, mas vou informar sua situação e providenciar um chá para você.

—Eu ficaria muito agradecido.

A polícia chegou quase de imediato, se Kalil tivesse aguentado um pouco mais teria sido o suficiente. Alguns deles usavam cimitarras semelhantes às de Kalil, outros apenas usavam brasões que identificavam sua dobra, a maioria era o símbolo do lagarto Gilacorn, que significavam que eram dobradores de areia, mas havia um ou dois com um símbolo de dragão para fogo e de uma lua para água, e todos, inclusive os não dobradores, vestiam um brasão de um iceberg.

—Ah você já está aqui chefe, o que aconteceu? - Se pronunciou o capitão.

—Eu não sei, uma explosão, mas eles não levaram nada...Era tudo bem coordenado não eram só bandidos comuns, foi tudo muito rápido nem consegui conferir nada.

— Pode deixar que cuidamos de tudo por aqui, há uma reunião do conselho agora, não é?

—Isso mesmo, tragam informação mais rápido possível, quero elas antes da reunião terminar.

—Pode deixar senhor.

—Vi que trouxe alguns bons detetives, conto com vocês- Disse pegando no ombro do capitão.

—Obrigado pela confiança senhor. Temos um carro que pode leva-lo para chegar mais rápido.

 

                                                                                                  ...

 

Kalil chegou na reunião o mais rápido possível, sua dominação de areia o permitiu se limpar um pouco, mas ainda era o mais bagunçado da sala.

Ao redor da mesa oval havia 10 pessoas, contando com Kalil e os dois estrangeiros. Em uma ponta estava Kalil, que além de parte do conselho dos 8 também era chefe da segurança, na outra estava Saadi, ele usava um capacete de cabeça de besouro da sua tribo, uma maquiagem preta nos olhos e muitas joias.

—Vamos começar pelo Rato Elefante que está na sala, o ataque de ainda há pouco. - Disse Saadi.

—Eu sugiro que passemos para o tópico principal da reunião- Kalil falou- O capitão está vindo com mais informações do ataque daqui a pouco, então teremos mais material para debater.

—Se assim preferir, tudo bem, todos concordam?

Todos levantaram a mão, com exceção dos estrangeiros que não participavam dela.

—Essa reunião foi convocada para falar sobre a expansão da nossa cidade. Viver no deserto de Si Wong nunca foi fácil, todos sabemos bem disso, minha tribo foi a primeira a se estabelecer nele e muitos morreram até descobrirem como se defenderem dos antigos lagartos Gilacorn: usando capacetes de besouros rinocerontes para que seus caçadores achassem que eles tinham o gosto nojento de um besouro, o único animal que não era presa dos grandes lagartos.

Todos na sala estavam em silêncio absoluto, apesar daquela história já ser bem conhecida Saadi tinha uma fala que prendia a atenção. No conselho não havia um líder, ainda estavam pensando se um dia iriam ter, no entanto na prática a maioria já via Saadi como um.

— Com o tempo várias tribos surgiram e a arte de dominar areia foi desenvolvendo-se. Mas ainda assim o deserto era implacável e nem sempre nossas tribos agiam em comunhão, sendo frequentemente mais um obstáculo uma paras outras.

Há incontáveis anos o mundo espiritual nos presenteou com nosso iceberg, um refúgio no impiedoso deserto, um oásis que trazia descanso para todas as tribos, ele deu origem ao nosso antigo assentamento e ao seu nome "Oásis das Palmeiras Enevoadas". Mas somos um povo do deserto e a luta está sempre entre nós, a guerra dos 100 anos também nos atingiu e nosso iceberg passou a ser um bloco de gelo modesto em derretimento, e o assentamento que antes era um grande ponto turístico passou a ser uma vila abandonada.

Jin, o estrangeiro da nação do fogo, se encolheu e desviou o olhar.

—Mas graças aos avatares a nossa cidade está melhor que nunca. O fim da guerra trouxe prosperidade e a convergência harmônica trouxe o apoio do mundo espiritual novamente. No início nossa cidade era um símbolo de comunhão das tribos da areia, um lugar onde não havia rivalidade, onde podíamos prosperar juntos e construir um descanso para todos que moram no deserto. Mas com Aang e a Cidade República vimos que podíamos ser ainda mais, com a ajuda do que cada nação tem a oferecer poderíamos criar um ponto de refúgio e prosperidade que não se limitava ao deserto de Si Wong, poderíamos criar um ponto de apoio para o reino da terra, ou melhor, para todas as nações. E foi para isso que os chamamos aqui, para nos ajudar com isso. Já recebemos ajuda do reino da terra.

—A própria Kuvira deixou muita tecnologia e compartilhou a dominação de metal conosco. - Um dos conselheiros disse.

—É verdade, embora tenha feito muito estrago em outras regiões do reino. – Uma conselheira complementou.

—Sim- Saadi continuou- Também recebemos ajuda da tribo da água do norte e da Cidade República, por isso temos alguns dobradores de regiões diferentes e estamos nos desenvolvendo tão rápido. Queremos que se unam a nós na construção desse futuro.

Queremos ajudar a construir esse modelo de cidade que o Avatar Aang começou quando ele incentivou a união das nações fundando a Cidade República e quando a Avatar Korra estabeleceu a união entre humanos e espíritos. - Disse uma das conselheiras- Não é um pedido de ajuda, mas sim uma proposta de uma aliança, para dar prosseguimento a um ideal de um mundo melhor. Como Saadi contou, o Oásis das Palmeiras Enevoadas é um símbolo de união e refúgio para as tribos do deserto, mas queremos que seja muito além disso.

— Quem sabe não damos a sorte do próximo avatar nascer aqui? - Um conselheiro disse com um sorriso descontraído.

—Eu sou apenas um representante, mas tenho certeza que a senhora do fogo Izumi vai concordar com a ideia. Nossa nação já causou muito mal e hoje ficamos felizes em ajudar outros povos a se reconstruírem. Inclusive foi o antigo Lorde do Fogo Zuko que ajudou a construir a Cidade República com o Avatar e ele mesmo viu como a união de dois povos podiam ajudar a desenvolver uma cidade e uma nação. – Jin falou.

— A tribo da água do Sul teve um desenvolvimento tecnológico quase do dia pra noite graças a ajuda da tribo da água do Norte, além disso nossa cultura sempre foi disposta a ajudar os outros povos, isso ficou evidente na guerra dos cem anos quando abrimos mão do nosso lar para enviarmos soldados para o campo de batalha. Desculpa citar isso novamente Jin. - Aria disse constrangida.

Ele acenou com a cabeça.

—Tudo bem, sabemos o que fizemos.

—Que notícia boa! Quando os conheci hoje cedo já vi que conseguiriam entender nosso propósito. – Disse Kalil

—Temos muito trabalho a fazer então, vamos começar por...

Alguém entrou na sala os interrompendo, era Samir, o capitão.

—Conseguimos ter algumas pistas da investigação senhor, acho que gostaria de saber.

—Pode falar capitão.

—Felizmente não houve ninguém com feridas graves, a maioria não estava tão perto das explosões.

A conselheira Bastet suspirou, era o principal ponto comercial de sua família, ela estava calada a reunião inteira pois não conseguia parar de pensar nisso.

— Não houve roubos, mas encontramos uma pista no local. - O delegado ergueu um pedaço de pano com um símbolo de uma Vespa Urubu.

Bastet levantou da cadeira com seu kopesh na mão (uma espada que na metade toma a forma de uma lua crescente) e apontou no rosto de outro conselheiro.

—Se você fez isso Hanani, vai ser morto antes de ter a chance de ver seu clã ser expulso da cidade.

Um dos conselhos atirou uma pedra que derrubou o kopesh de Bastet no chão.

—Todo esse discurso de união e na primeira desconfiança voltamos a agir como tribos separadas? -Um havia atirado disse, ouvindo isso Hanani não terminou de sacar sua espada. - Vamos terminar de ouvir o que o capitão tem a dizer.

Bastet ainda ofegava, ela olhou para Hanani que estava com olhar de fúria e mãos na espada, em seguida olhou para Kalil que apenas com suas expressões conseguiu comunicar "se acalmar é melhor, por favor", então ela se sentou.

—Enquanto estavam na reunião aconteceu outra explosão, dessa vez na maior pousada da cidade.

—A pousada do meu clã- Hanani disse- Então você fez toda aquela ameaça Bastet, mas sua família já havia feito a retaliação antes de podermos provar nossa inocência.

—Cuidado com suas palavras Hanani. Eu estava aqui na reunião o tempo todo. Se eu soubesse que você tinha nos atacado eu teria feito muito mais que alguns explosivos na sua pousada!

—Já chega! - Kalil gritou- Me respondam, eu posso estar com amnésia, talvez seja o golpe que tomei ou esse chá delicioso, mas da última vez que eu me lembro, eu era o chefe de segurança, não é?

— Sim Kalil, é você- Hanani disse- Mas acho que temos que repensar isso, já faz uns dias que essa cidade anda violenta, e agora explosões?

Aquilo tocou na ferida de Kalil, ele já estava muito preocupado com a criminalidade crescente na cidade e não queria que os estrangeiros ouvissem isso.

—É verdade, mas quando os próprios líderes agem como animais em uma reunião do conselho tudo fica mais difícil. - Ele já estava em pé e nem tinha percebido, respirou fundo e continuou- Eu vou cuidar disso, vamos continuar com a investigação, eu prometo que o culpado será responsabilizado.

—Kalil está certo- Saadi disse-Todo esse discurso foi em vão? A nossa cidade está em crescimento, claramente terá problemas, até mesmo a Cidade República com a supervisão de Aang teve muitas adversidades. Nós somos superiores a isso, lembrem do que queremos construir aqui, uma cidade modelo, um ideal, um refúgio, vamos lutar pelo nosso sonho. Declaro essa reunião encerrada. Perdão Jin e Aria, podemos continuar a falar sobre nossos planos amanhã?

—Sem problemas, nós viemos aqui com planos de passar alguns dias. - Disse Jin.

—É claro- Ela falou com um sorriso pra descontrair- Ninguém vem ao Oásis da Palmeiras Enevoadas e não aproveita o turismo.

 

                                                                                                 ....

 

"Eu mesmo já passei por muita coisa, quando me tornei um dobrador profissional eu era apenas mediano então tive que melhorar. Mas eu realmente me tornei um mestre em dobra de terra quando entendi porque eu fazia aquilo, para proteger as pessoas que eu amo, foi assim que descobri a dobra de lava" - Bolin falava em uma entrevista para o rádio.

—É isso que eu tento...- Kalil pensou- Mas mal consigo lidar com 10 dobradores, tenho que me esforçar mais.

Enquanto ia pensando e caminhando sentiu um dedo tocar seu ombro e seu corpo todo reagiu com um susto.

"Imerso em pensamentos?" - Uma moça disse a ele com sinais de mãos e um sorriso.

"Sim, você já deve saber o que aconteceu, vamos sentar pra conversar em algum lugar mais calmo" – Respondeu ele também com sinais.

Os dois estavam sentados em uma mesa fora de um estabelecimento, era de noite e a temperatura caíra muitos graus desde a tarde, como só acontecia no deserto de Si Wong. A moça sentada com ele era Maylin, sua amiga de longa data, os seus traços deixavam evidentes que sua família vinha da nação do fogo, o seu cabelo era curto e havia uma tiara o colocando para trás, ela usava uma roupa com tecidos laranjas e castanhos, e um colar com uma pérola negra de pingente, ou seja, era uma sacerdotisa.

"O que aconteceu é realmente preocupante, mas não é só isso que o atinge, não é?" - Ela perguntou.

Ele não respondeu.

"Você deveria pelo menos esperar a comida chegar pra fingir que está muito ocupado com as mãos pra me responder" - Maylin disse ainda com um sorriso.

"Perdão, é só que é um assunto delicado"

"Se não vai falar comigo vai falar com quem?"

"Você tem razão. Eu me sinto fraco demais para proteger a cidade" - Ela revirou os olhos- "Já discutimos várias vezes de que eu posso melhorar em dominação, nem sei dominar metal, mas não é isso que está me preocupando hoje. A cidade realmente está com uma taxa alta de crimes e eu não tenho feito o suficiente, eu sei que não é culpa da polícia, são todos muito competentes, então de quem é? Na minha opinião, da liderança, minha culpa"

"Se dê um pouco de folga Kalil, a cidade tem boas alianças, boas escolas, uma boa polícia, boa tecnologia. Mas ela é nova, talvez com nosso desenvolvimento acelerado você esqueça isso as vezes, as pessoas ainda estão se acostumando com esse novo modelo de vida, a maioria aqui era nômade, e tribos que se viam pontualmente agora tem casas vizinhas, é claro que haverá conflitos"

"Então quando vai dar certo? Eu quero acreditar que vamos ser uma cidade modelo, mas será que é um sonho alcançável? Cidade República foi fundada por um avatar e outro mora lá agora, mas ainda assim é uma das cidades com maiores taxas de criminalidade, se eles não conseguiram como vamos conseguir?"

"Eu não sei Kalil, mas eu sei que o peso do mundo não está sobre você. Vamos aprender com os erros dos outros e juntos tentar construir um futuro melhor."

"Talvez, é que mesmo com tantas pessoas talentosas e geniais o mundo ainda está assim, e eu olho pra mim e não sou nem metade delas..."

Maylin olhou bem pra ele, já haviam tido conversas parecidas com essa, mas dessa vez ele parecia realmente abatido.

"Eu sei o que pode lhe fazer bem, vamos ao templo"

"Não estou a fim de prestar preces agora Maylin"

"Isso só significa que é a hora certa de prestar. Mas não é sobre isso que eu estou falando, o espírito Lince-Wong é conhecido por defender o povo do deserto, ela é a padroeira da cidade, se esses ataques novos são uma grande ameaça ela pode ajudar. Além disso, hoje é lua crescente, dizem que sua presença fica mais forte."

"Eu não iria conseguir dormir agora de qualquer jeito...Vamos."

Por sorte a comida chegou a tempo, eles pegaram pra viagem e foram comendo no caminho.

 

                                                                                                ...

 

O templo era subterrâneo, no corredor havia pinturas de linces devorando vespas-urubus, algumas de estrelas guiando pessoas para o Oásis e outras de como dominar areia, enquanto desciam viam várias dessas artes iluminadas por tochas (ainda que já tivesse eletricidade na cidade).

"Ainda não entendo como aqui pode ser frio, estamos debaixo da terra em um lugar cheio de tochas" - Kalil disse.

Quando terminaram de descer as escadas foram recebidos por duas grandes estátuas gêmeas de linces do deserto sobre duas patas, seus olhos eram pérolas negras e suas patas dianteiras se tocavam, formando uma espécie de arco.

"Não precisamos ir mais a fundo, aqui é a sala de meditação, o grande Lince-Wong sempre se comunica conosco, apenas esqueça tudo e se concentre, desde a convergência harmônica ficou ainda mais fácil falar com os espíritos, até você vai conseguir" - Maylin disse.

"Espero que sim"

Os dois se sentaram de costas um pro outro e tentaram meditar. Maylin depositava sua fé no grande espírito Lince-Wong, ele representava liberdade, proteção, união, ela confiava que ele cuidaria de tudo, bastava esvaziar sua mente e confiar como sempre fazia.

Embora as vezes Kalil meditasse no templo dessa vez não estava sendo fácil, não conseguia ser agradecido ao grande espírito e nem esvaziar sua mente, ele estava muito perturbado com o que ele faria, com a eficácia do que já fez, com quem ele é e quem deveria ser.

Será se ele poderia se tornar algo que iria realmente fazer a diferença? Não seria todo esse esforço como tentar segurar o vento? Como contar as areias do deserto ou as estrelas do céu? Não seria tudo vaidade?

Seus pais não eram pessoas ricas ou influentes, sua mãe era uma ex-guerreira nômade, seu pai um vidraceiro, Kalil chegou onde está hoje por se importar com os outros, por se esforçar pelo ideal do que aquela cidade representa, logo as pessoas foram naturalmente o colocando em cargos importantes e ele sempre foi muito grato a elas.

Sua mãe contava como a vida de nômade era traiçoeira, tudo era seu inimigo- O dia, a noite, os animais, as plantas, até as outras tribos, as alianças eram feitas com pouco tempo de duração porque mais que isso certamente resultaria em desavenças e morte. Ela era muito grata por sua nova vida na cidade e dizia que as outras tribos também, ali era um território neutro que era possível se viver em paz.

 

                                                                                                    ...

 

Um barulho forte ressoou pelo corredor.

Kalil acordou dos seus pensamentos e cutucou Maylin.

"Você sentiu essas vibrações né?" - Embora ela não pudesse ouvir, ela conseguia sentir as vibrações assim como outras pessoas surdas.

"Não me interrompa agora, estou quase lá"

"Mas"

"Agora NÃO" - Ela soletrou a última palavra, ignorando Kalil ela se equilibrou com as pernas e mãos em uma pequena coluna de madeira e continuou a meditação.

"Que saco" - Kalil pensou

Assustado ele subiu as escadas correndo e no final encontrou uma parede de ferro atrás da porta, estava tudo muito confuso pra ele e ainda por cima ouvia barulhos do lado de fora.

Ele tentou empurrar a parede e não conseguiu, como já havia deduzido pelo aparente peso, pensou em gritar a Maylin, mas lembrou que não iria adiantar. Lá fora continuava os barulhos, agora ele conseguia ouvir melhor, era uma luta, havia muitos sons de golpes e gritos, não tinha como ser outra coisa.

Isso só o deixou mais confuso e afoito.

"Vamos, é como o povo de Zaofu diz, o metal também é terra"

Ele respirou fundo, se concentrou... E socou o metal, mas só feriu a si mesmo. Tentou se concentrar por mais 15 segundos, sentir os minerais no metal, lembrar que já foi terra também, então desferiu outro soco, nada...

"É minha última tentativa com essa estúpida dominação ou vou chamar a Maylin pra acharmos outra saída!"

Mais uma vez ele respirou fundo, mas dessa vez sem concentração alguma, só adrenalina, raiva e medo, e com um soco, a porta se abriu, o barulho lá de fora parou.

Na sua frente estava um homem com cabos de aço saindo de suas mangas, sua vestimenta envolvia pedaços de armadura, couro e pano, em sua cabeça havia um shemagh com agal (um pano de estampa quadriculada preso a cabeça por um cabo de lã preto) em vez de uma bandana, o que mostrava que ele era o capitão. Era ele quem havia dominado o metal da porta.

"Vocês estão bem?" - Samir disse com sinais.

Vocês? Kalil olhou para trás e Maylin estava lá.

"Sim" - Ela disse- "Eu sabia que ia dar tudo certo, isso tudo é providência de Lince-Wong"

"Providência?" - Perguntou Kalil incrédulo.

"Sim, olhe - Ela apontou para dois homens que estavam amarrados com cordas de metal, eles tinham o rosto todo coberto, típico de quando se viaja no deserto, e igual as pessoas que explodiram o comércio mais cedo- "Eles vão nos levar a quem está fazendo isso"

"Desculpe milady, eu sou muito lento com sinais, preciso falar rápido com chefe"- Samir disse.

Ela sinalizou que tudo bem com um sorriso simpático.

—O que aconteceu?

— Eu estava vindo lhe contar os relatos das nossas investigações de hoje, as explosões tiveram repercussões, parece que Hanani e Bastet não planejam esperar a investigação chegar em uma conclusão, já estão armando retaliação um com outro. Apesar de isso ainda não ser certeza achei que o senhor gostaria de saber.

—Sim, continue.

"Ele nem estava mais em seu horário de trabalho...É o que falei a Maylin, a polícia local é excelente" - Kalil pensou

— Quando descobri que o senhor estava aqui vim de imediato, no caminho notei uma movimentação estranha e decidi andar mais sorrateiro, foi quando vi esses dois colocando essa placa do lado de fora, eles eram dominadores de metal medíocres, mas bons dominadores de areia. Quando consegui capturá-los abri a passagem para o senhor.

—Então eles estavam me seguindo esperando por uma oportunidade...

—É o que parece.

"O que você dizia sobre eles Maylin?" - Kalil perguntou

"Que eles são a providência de Lince-Wong. Nada que vocês já não saibam: vamos usá-los para chegar ao seu líder"

"Então não vamos perder tempo, vamos leva-los ao interrogatório"

"Não. O espírito Lince-Wong os providenciou para nos levar direto ao líder, eu sinto isso"

"Ela tem um ponto chefe" - O capitão disse- "Eles não são criminosos qualquer, em apenas um dia conseguiram explodir dois dos maiores estabelecimentos da cidade, quase prender o chefe de segurança em uma tumba e quase criar um conflito entre tribos"

"Hum...Vocês têm razão, podemos fazer uma missão furtiva então, usamos a informação que eles têm e vamos direto ao chefe"

"Confie em mim, eles nos levarão exatamente onde precisamos ir" - Maylin respondeu

 

                                                                                                 ...

 

"Você precisava mesmo ter ido tão longe?" - Kalil indagou a Maylin.

"A culpa não foi minha se eles estavam enrolando com as respostas" - Ela respondeu

Kalil e o capitão carregavam os dois homens enquanto eles o guiavam para a casa do seu líder, preferiram os levarem juntos, no caso de haver armadilhas ao redor do esconderijo ou caso precisassem os usar de reféns, o problema é que eles não planejaram ter que ir carregando os dois, isso aconteceu porque Maylin foi "esquentando seus pés" para que respondessem mais rápido.

O esconderijo ficava na saída da cidade, as casas eram mais espaçadas e já era possível ver o deserto, a essa hora da madrugada estava tudo bem silencioso, o único barulho audível era o assovio do frio. Ser furtivo ali não era tão simples, não tinha tantas casas para se esgueirarem e ter que carregar os dois não ajudava muito.

Já no final do assentamento havia uma tenda bem grande.

"O circo?" - Kalil perguntou

"Ele está lá, nem todos nós moramos na cidade então o dono nos permite ficar lá" - Um dos reféns respondeu.

Eles foram instruídos a falarem por sinais para que não fizessem barulho.

O grupo então seguiu andando com cautela até a entrada onde eles haviam apontado, hipoteticamente se eles se esgueirassem por ali daria atrás da escada e seria mais fácil de andar sorrateiramente até visualizar o quarto do líder.

"Vocês ficam aqui me avisando se alguém aparecer enquanto supervisionam esses dois, eu vou só". - Kalil disse.

"Deixe a Maylin ir com você, eu consigo fazer isso sozinho" - Samir disse

"Não, quanto mais pessoas mais difíceis é ir escondido, eu vou só"

Os três concordaram. Logo que Kalil se esgueirou para dentro da tenda o capitão pensou ter ouvido um barulho, ele fitou ao redor, nada. Então tirou duas pílulas do bolso.

"Engulam a não ser que nunca mais queiram andar na vida" - Ele disse e Maylin logo mostrou fogo com a palma de sua mão – "A pílula não vai os matar"

Confiantes na ameaça real do que Maylin poderia fazer com eles, engoliram as pílulas e quase instantaneamente caíram no sono.

"Me ajude a olhar ao redor, sinto alguém nos observando" - Ele disse

Os dois andaram furtivamente como podiam, aproveitando as sombras, as palhas, os muros, o que não era muito fácil porque alguns lugares eram só barracas espaçadas.

"Talvez fosse só coisa da minha cabeça"

Mas como se o carma quisesse provar que ele estava errado, 5 pessoas se mostraram ao redor deles, depois dez, então 15, e depois 20

Ele soltou os cabos de aço das suas mangas no chão e Maylin ficou de costas pra ele em posição defensiva.

Ela fechou os olhos, beijou seu colar e disse mentalmente "Lince-Wong seja nossa proteção"

 


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