O Senhor das Florestas escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 29
O Nome Esquecido




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800121/chapter/29

— Ren? – chamou, olhando em volta. Ainda era madrugada, o céu escuro com a chuva forte. O lugar estava vazio, com a fogueira morta pela água, mas ainda havia outra coisa estranha que ele não conseguiu determinar de imediato. Gritou novamente pelo irmão, mas o som da chuva se sobrepôs a qualquer possível resposta. – Ren? Eiren?!

A chuva diminuía drasticamente seu campo de visão em qualquer direção, e não havia marca alguma na lama além das que ele mesmo causara enquanto corria pelo lugar procurando algum vestígio dele. Talvez ele tivesse desaparecido antes da chuva começar e a água havia apagado os sinais. Mas como podiam ter levado Eiren sem que ele tivesse ouvido nada? Ou Eiren tinha se levantado sozinho, por algum motivo qualquer? Se a fogueira de seu acampamento improvisado não estivesse ali também, teria pensado que foi ele, não Eiren, quem saiu do lugar em alguma espécie estranha de sonambulismo, porque quanto mais olhava ao redor, mais certeza tinha do que estava errado. Mais certeza tinha de que o acampamento tinha mudado de lugar.

O rio ainda estava perto, mas era uma área diferente, onde o leito era mais estreito, alimentado por uma queda de água que vertia de uma elevação no terreno pouco mais alta que Ascian. No topo estava a maior árvore que Ascian já tinha visto. Apesar de não se aproximar, sabia que ela era quente ao toque e irradiava força como um coração pulsante, porque não era a primeira vez que a via. Sabia também que ela tinha nome, uma palavra pairava um pouco além dos limites de sua consciência, porque não estava acordado quando a aprendeu.

Não olhou por muito tempo. Olhar para ela lhe causava a sensação de estar perdido em um nível diferente. Aquele lugar não parecia fazer parte do mundo conhecido, era mais antigo, mais palpável. Era a coisa mais real que Ascian já tinha visto, e por isso desviou o rosto. Sentia que se olhasse por tempo o bastante, veria coisas que fariam o resto do mundo parecer um sonho distante. Por um momento, até hesitou. Medo e curiosidade às vezes andavam de mãos dadas. De seus irmãos, Ascian era o que recuava a cada ruído distante ou vulto na noite, mas ao mesmo tempo, não parava de procurar olhos nas árvores e perseguir suas dríades. Temia a Floresta enquanto também precisava saber o que ela via quando olhava para as almas perdidas que entravam em seu domínio. Uma parte sua, irracional e assustada, torcia para que não fosse apenas crueldade contra presas indefesas, mas sabia que era ingenuidade tentar manter essa esperança. Afastou-se, rompendo aquela influência magnética. Eiren estava sozinho, e não acreditava que aquele lugar pudesse oferecer ao seu irmão algo além de crueldade.

Só então percebeu que não era o único ali. Na frente da árvore, com o rosto erguido e olhos fechados, apreciando os pingos de chuva, estava Meldrie. Sua aparência estava voltando ao que Ascian acreditava ser o normal, com os cabelos recuperando a cor escura aos poucos, pequenas flores de giesta amarela salpicavam os cachos soltos.

— Foi você? – questionou, acusando-a antes mesmo de se aproximar. Os braços cruzados pouco faziam para protegê-lo do frio intenso, mas a tensão o impedia de se importar.

Meldrie franziu as sobrancelhas com a interrupção da paz.

— Às vezes me pergunto qual pobre criatura receberia suas acusações se eu não estivesse aqui, já que precisa tanto apontar o dedo a alguém.

— Onde está meu irmão?

— Qual deles? Que eu me lembre, você tem dois.

Ascian rangeu os dentes, sem acreditar que ela realmente faria um jogo com isso.

— Sempre que lhe encontro, algo terrível acontece...

— Coisas terríveis não aconteciam antes?

— Onde ele está, Meldrie?!

Surpresa por ele ter falado seu nome, Meldrie abriu os olhos e sorriu, como se só então a conversa tivesse se tornado interessante. Há algum tempo os humanos tinham parado de usar a Língua Natural, e pareciam achar que isso era respeitoso, mas era a língua que a Vida e a Morte já nasceram falando, e nomes eram para ser usados. Respondendo sua pergunta, ela se levantou e apontou para duas direções diferentes.

— Se seguir em frente, encontrará seu irmão. Mas se voltar pelo caminho de onde veio, também encontrará seu irmão. Um é o que procura; o outro, o que perdeu.

— Por favor… – implorou, cansado. O nó em sua garganta quase não permitiu que as palavras saíssem. – Se sabe onde ele está, não pode só me dizer? Por favor! Quer que eu peça desculpas por como eu falei antes? Eu peço! Se quer alguma coisa… Por que você fica aparecendo… Eu não posso perder ele…

Ela não se comoveu. Ascian imaginou algo desdenhoso de seu silêncio. “Estou lhe ajudando” ou “Você já perdeu ele”. Mas quando finalmente falou, parecia ser um aviso sincero.

— Escolha um bom caminho. Não terá tempo de voltar.

O garoto decidiu rápido que insistir com ela não daria resultados, então se virou e correu por uma das direções que ela tinha orientado. Implorar não era mesmo a natureza dele, e se tinha implorado ali, era porque estava desesperado.

Meldrie quase lamentava que fosse a última vez que apareceria para aquele garoto humano. Tinha algo nele que gostava, e talvez fosse o que a Floresta gostara também.

— Conheço suas intenções, Meldrie, mas isso ainda parece um pouco cruel – disse uma voz agradável perto dela, e apesar do tom baixo, a chuva não atrapalhou a compreensão. A chuva jamais agiria contra sua mestra. Nos galhos de uma árvore próxima, Luvia lançou-lhe um olhar carregado de incerteza. – Por que mandá-lo na direção errada?

— Quero que ele veja o pior que a Floresta tem a oferecer – explicou. O garoto nunca entenderia como o estava ajudando. – Escolhas tomadas por ingenuidade não têm nenhum significado. Ele precisa conhecer tudo. Ele mesmo quer conhecer tudo.

— Não os acompanhei tão de perto quanto você, irmã, mas acho que está errada. Ele não parecia querer conhecer Oros Natgyen. — Luvia saltou dos galhos, os pés descalços pairando alguns centímetros acima das gramíneas, mas suas roupas em tons de branco, azul e prata arrastaram pela terra quando se aproximou. No início da existência, quando as duas ainda eram crianças, Luvia tinha corrido pelo mundo inteiro, e onde seus pés tocavam, rios e lagos rompiam do chão, até que ambas ficassem satisfeitas com a forma da terra e da água. Desde então, leve como as nuvens, ela não fazia mais questão de tocar o chão. – Além do mais, o vento o ouviu dizer que preferiria morrer do que se tornar parte da Floresta.

Nenhum pensamento estava seguro perto de qualquer um dos filhos de Luvia, mas eles ainda eram jovens e cometiam seus enganos. Meldrie estendeu a mão para a irmã e caminharam pela Floresta, que, a seus olhos, sempre ficava um pouco mais bela sob a influência de Luvia. Era por isso, realmente, que deuses nasciam em pares. Apesar de ser um desafio para a imaginação, ela tentou se ver na posição daquele garoto, sem qualquer poder para proteger a si mesmo e ao irmão. Depois de experimentar a perda de um dos seus, coisa que ela nunca pensou que aconteceria, pela primeira vez a Morte deixou um sabor amargo em seus devaneios, como grama seca em terra estéril.

— O mal dos ventos é que são muito afoitos para espalhar os segredos que ouvem, e, na pressa, acabam não ouvindo com tanta atenção. Há uma coisa que ele odiaria mais do que morrer e do que se tornar parte da Floresta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pois é, um capítulo sem Eiren ;-;
Mas em compensação, toda oportunidade de falar aleatoriedades sobre os deuses deve ser aproveitada, amém. E eu achei que Luvia devia aparecer um pouquinho, por ter "ajudado" os garotos a distância.
Espero que tenham gostado ♥