O Despertar Infernal- Interativa escrita por Lady L


Capítulo 7
VII- Destinos Inusitados


Notas iniciais do capítulo

Olá! Essa semana, teremos um POV da emblemática Celina. Espero que gostem do capítulo, boa leitura!

Ps: obrigada à annabanamin pela recomendação, fiquei muito feliz com o apoio :)



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07 de Dezembro de 2022; Espaço Aéreo, estado de São Paulo

 

                                                          Celina->

 

A kombi voava suavemente, mas sua motorista a dirigia com fúria.

—Tudo bem, Cassandra, assim você vai me obrigar a te perguntar porque você odeia o seu pai- eu disse, após alguns minutos de silêncio.

Cassandra desviou seu olhar para mim. Havia uma dureza excepcional em seus olhos escuros.

—Pode perguntar- ela respondeu, um pouco fria- Mas não garanto que eu vou responder.

Em todos os meses que passei com Cassandra, ela nunca havia agido daquela maneira antes.

—Olhe, se lembra daquela vez em que você me perguntou por que eu ficava acordada de noite? Eu fui sincera, não fui? E você conseguiu me ajudar. Estou tentando fazer o mesmo por você aqui, então me ajude a te ajudar.

Minha mente divagou até aquela noite em específico, marcada por um trombo inesperado na floresta escura. Duas garotas conversando sobre magia na mata fechada, e o início do que eu estava começando a considerar uma amizade.

—Meu pai tentou me matar- ela disse, de repente, sem tirar os olhos da paisagem à nossa frente- Por isso que eu não queria falar sobre isso. Não é exatamente um assunto agradável, é?

Eu escondi bem a supresa no meu rosto, mas não importou muito, afinal, pois Cassandra não olhou na minha direção.

—Isso é horrível- foi tudo que eu consegui dizer, depois de alguns segundos de choque- Por que ele faria isso?

Dessa vez ela abaixou o olhar para o volante, e então finalmente me encarou.

—Eu e você, nós somos especiais, Celina- ela disse, com uma voz vagamente melancólica- Temos magia correndo em nossas veias. E isso é muito poderoso. Poderoso o suficiente para tornar alguém imortal, com o ritual certo.

Eu deixei aquela informação no ar por alguns segundos.

—E ele queria ser imortal- eu concluí, e Cassandra assentiu- Bem, isso é uma droga.

Ela deu um sorriso triste.

—O destino costuma ser cruel com pessoas que possuem magia. Todo grande poder pode também se tornar uma grande maldição.

Eu pensei no meu próprio passado, em meu pai, em minha tia, no acidente.

—Aparentemente nós duas sabemos muito bem disso- eu murmurei.

Nós ficamos em silêncio por alguns segundos, até que uma cidade começou a surgir debaixo de nós, por entre as nuvens.

—Já estamos chegando- eu comentei.

—Posso te pedir uma coisa, Celina?- Cassandra disse, novamente do meio do nada, me encarando no fundo dos olhos, e eu assenti- Quando formos atrás da feiticeira, você pode ir comigo? Eu não sei porque, mas tenho a sensação de que isso é algo que temos que fazer juntas.

Talvez ela só quisesse apoio, talvez ela realmente estivesse com uma sensação estranha. De certo modo, eu também estava. E eu não ia negar isso a ela.

—Claro, Cassandra- eu respondi, e dei um sorrisinho- Vou avisar aos outros que pousaremos em breve, está bom?

—Ok- ela concordou, e também sorriu. Eu estava prestes a sair da cabine quando ela me chamou:- E... Celina? Obrigada por essa conversa.

—Estou aqui sempre que precisar- eu respondi, e fechei a porta da cabine.

Luciano havia deixado Cassandra dirigir pois estava ocupado demais comemorando a vitória que havíamos conseguido, e contando a história da nossa pequena aventura. Ainda que de um jeito levemente distorcido, eu admito, mas a narrativa excessivamente épica dele tinha algum charme.

—Eu duvido que isso tenha acontecido mesmo- Pietro murmurou, conforme Luciano narrava a fuga do pai de Cassandra pela janela. Eu ri alto, porque era uma das partes que realmente havia acontecido.

—Sinto em lhe decepcionar, Pietro, mas eu posso confirmar que foi exatamente isso o que se passou- eu palpitei serenamente, com um sorriso plácido.

Luciano estufou mais ainda o peito, e Pietro fez uma careta.

—É verdade mesmo- Cat confirmou, com uma risada- Foi tão ridículo quanto soa.

—Ele quase tropeçou- Atlanta acrescentou, e a maior parte de nós caiu na risada.

—Bem, eu vim aqui anunciar que estamos quase chegando- eu disse, quando as risadas minguaram.

—Precisamos colocar os cintos?- Tony questionou, com uma pequena pontada de deboche- Quando Luciano estava dirigindo, o pouso não foi o dos mais suaves.

Luciano fechou a cara, e Tony deu uma risadinha. Eu não simpatizava muito com Tony, mas não iria desperdiçar uma oportunidade tão boa para me divertir um pouquinho.

—Bem, eu não arriscaria- eu respondi, dando de ombros- Mas Luciano realmente se beneficiaria de algumas aulas extras de direção.

Luciano fez uma expressão de certa forma traída, o que me fez rir ainda mais.

—Falou a garota que nem tem carteira- ele replicou, e eu arqueei uma sobrancelha, esboçando um sorriso supremamente calmo.

—Verdade. E, ainda assim, eu pousaria a kombi melhor do que você- eu respondi, e ele tentou manter a expressão brava, mas eu vi um sorrisinho se formando no canto dos lábios dele- De qualquer jeito, Carreiro, vamos ver como vai ser na sua hora de dirigir. Não aceitaremos nada menos que um pouso perfeito, uma vez que tudo o que você fez por enquanto é reclamar.

E, com essa provocação final, me retirei novamente para dentro da cabine, ouvindo os doces sons da risada de Luciano e da discussão entre Antônio e ele renascendo atrás de mim.

—Celina?- Cassandra chamou assim que eu entrei novamente na cabine- Pode me ajudar com o pouso? Não quero dar a Luciano a satisfação de não conseguir pousar sem um solavanco.

Eu dei um sorrisinho, me assentando ao lado dela no banco do carona.

—Você sabe que ele vai arranjar algo de que reclamar de qualquer maneira, certo?- eu provoquei, e ela riu.

—Estou ciente- ela respondeu. Então, se inclinando ligeiramente para mais perto, ela disse, com um sorrisinho: -Mas vamos poder gastar com a cara dele, mesmo que só um tiquinho.

Eu ri.

—Tudo bem, vamos lá. Preparada?

Cassandra assentiu, passando a marcha do veículo, e ele começou a descer cada vez mais depressa.

—Se concentre- eu pedi, fechando meus olhos e começando a conjurar meu poder- Só temos uma chance de acertar isso.

—E nós vamos- Cassandra respondeu, uma mão no volante, a outra erguida, conforme ela fechava os olhos para se concentrar- Vamos mostrar àquele filho de Ares quem é que manda nessa kombi.

E, com isso, eu explodi em escuridão.

A princípio, foi uma orbe pequena e irregular, que surgiu logo à minha frente, mas, a medida que eu me esforçava, as sombras começavam a engolfar toda a cabine, até que envolveram a feiticeira ao meu lado.

—Está funcionando!- Cassandra comemorou, com um sorriso meio enlouquecido, conforme a escuridão se tornava cada vez mais espessa, e nossos poderes, cada vez mais violentos- Você sabe o encantamento, certo?

Eu assenti, também sorrindo de orelha a orelha. A cabine estava completamente escura, como se um breu sobrenatural e inquebrável nos engolisse, e eu sentia cada veia do meu corpo pulsando com poder. Eu sabia que Cassandra também sentia aquele êxtase. Éramos filhas das sombras, afinal, então estávamos em casa. Nossos poderes alcançavam seu auge pela noite, e, naquele momento, eu era a Noite.

—No três?

—Um...

—Dois...

—Três!

Incantare: Adsurgere!

E, em um passe de mágica, nós levitávamos a van.

—Segure, estamos quase no chão!- Cassandra disse, os cabelos flutuando ao seu redor em uma nuvem, as mãos brilhando com uma energia esverdeada.

—Droga, é mais pesado do que eu pensei- eu disse, também erguendo minhas mãos para controlar o peso do veículo no ar.

—Só mais um pouco...- Cassandra murmurou, e eu podia ver o chão cada vez mais perto.

Levitar era o feitiço mais recente em meu pequeno repertório, e, portanto, um que eu ainda precisava aperfeiçoar. E, para dificultar um pouco mais, eu ainda estava mantendo a escuridão que potencializava ambas as nossas magias, então não estava nada fácil. Eu quase podia sentir o peso todo do veículo nos meus ombros, por mais que me concentrasse.

—Cassandra...

—Pode soltar!

Nós chegamos ao chão com extrema suavidade, como uma ave pousando delicadamente, e sem nenhuma insinuação de solavanco.

—Pelos deuses, você viu isso?- eu comemorei, me levantando do banco, em êxtase. Usar magia era sempre uma experiência nova e extática, e eu podia sentir o poder pulsando dentro de mim- Foi incrível!

Cassandra riu, agora dirigindo o veículo em terra.

—Você se acostuma, depois de um tempo. Com o barato de usar magia, digo eu. Mas sim, foi incrível. Estou orgulhosa de você- ela respondeu, me encarando rapidamente e sorrindo.

Eu me assentei novamente, fazendo uma careta.

—Bem, obrigada- eu respondi, decidindo ignorar a parte sobre o barato, porque eu sabia que ela tinha razão- Você também se saiu bem.

—Eu jamais conseguiria levitar algo tão grande sem a sua escuridão. O mérito foi todo seu- ela respondeu, e eu me peguei sorrindo.

—Bem, eu sou mesmo incrível- eu resolvi provocar, e ela riu.

—Está parecendo o Luciano agora.

—Me respeite, mulher.

Conforme dirigíamos para dentro da cidade, eu pensei em todas as noites desde aquele trombo no meio da floresta, meses atrás, em que Cassandra vinha me ensinando magia e me auxiliando a lidar com meus outros dons. As Caçadoras eram minha família desde os meus quinze anos, mas elas nunca abraçaram aquele lado de mim antes, e aquela foi a primeira vez que alguém viu o meu poder e não o temeu. Eu podia ter me aproximado de Cassandra há pouco tempo, mas uma parte de mim já havia se afeiçoado a ela tão rapidamente justamente por isso.

Quando saímos da cabine, após estacionarmos a kombi, eu imediatamente resolvi tirar sarro de Luciano.

—Eu não disse que, mesmo sem carteira, eu pousaria a kombi melhor do que você?- provoquei, e ele fez uma careta.

—Você e Cassandra usaram bruxaria. Então não conta- ele resmungou.

—Não seja um mal perdedor. Não lhe cai bem- eu zombei, arqueando uma sobrancelha.

—E muito menos ser uma trapaceira lhe cai bem- ele replicou, com o cenho franzido.

Eu ri.

—Eu conheço muito bem as regras, meu caro, e não havia nada nelas que me impedisse de usar-me dos meus talentos. Eu meramente explorei uma brecha.

—De má fé.

—Certamente. Vai me denunciar?

—Para quem eu lhe denunciaria?

—Exatamente.

Nós estacionamos nos arredores de uma praça, e resolvemos nos assentar no gramado para combinarmos o plano antes de começar a busca definitiva à feiticeira.

—Não vou encostar nessa grama imunda. Essa praça está cheia de gatos de rua, não quero pegar xistose ou algo do tipo- Laiza reclamou, conforme nós nos assentávamos no gramado.

—Você quis dizer toxoplasmose, certo?- Tony corrigiu- Xistose tem como hospedeiros os caramujos. Não os gatos.

Laiza revirou os olhos.

—Tanto faz, nerd. Só vamos mais para perto daquele banco, não vou encostar nesse chão- ela replicou.

Uma confusão deveras preocupante para a curandeira da equipe, eu pensei. Mas acabamos indo para mais perto do banco, pois Pietro aderiu ao escândalo de Laiza, e só queríamos acabar logo com aquilo.

—Eu acho que deveríamos fazer que nem da última vez: metade do grupo vai, e a outra metade fica. Grupos menores chamam menos a atenção- Tony começou a traçar o plano, e a maioria pareceu concordar- Como se trata de uma feiticeira, acho sábio pessoas com sensibilidade mórbida ou à magia irem, e o resto ficar. Portanto, estava pensando que a equipe ideal seria: Cassandra, Celina, Pietro e Cora.

—Parece bom- Cora concordou- Só tem um problema: minha sensibilidade mórbida não é das melhores.

—Acho que não vai ter muito problema, Cora- Cassandra disse, dando de ombros- Já será de grande ajuda.

Cora sorriu.

—Bem, é uma oportunidade para eu tentar melhorar, também. Só não contem demais comigo- Cora riu.

Por um segundo, eu pensei em minha própria sensibilidade mórbida, tão forte que às vezes era sufocante. Memórias dos anos de infância passados no hospital em que minha tia trabalhava começaram a inundar minha cabeça, e eu invejei Cora e sua “sensibilidade eletiva” por alguns segundos.

—Não se preocupem, meus poderes são incomparáveis, eu nem vou precisar de vocês- Pietro se gabou, e Laiza concordou enfaticamente.

—Ele sabe o que está dizendo. Lembram de como ele acertou sobre o sonho?- ela disse, e eu me peguei revirando os olhos.

—Exceto que ele estava errado sobre uma coisinha: Tártaro pode sim nos fazer mal, e não há nada que o papai dele possa fazer para protegê-lo- eu repliquei, com um sorrisinho plácido- Ou eu estou enganada?

—Bem...- Laiza tentou começar a retrucar, mas eu a cortei:

—Pense bem antes de falar, querida. Se não a conhecesse melhor, até diria que você é meio lerdinha.

A expressão no rosto dela foi um misto perfeito de ofensa e confusão. Luciano deixou escapar uma risada, e eu vi Cassandra cobrindo a boca para disfarçar uma, também. Até mesmo Atlanta pareceu conter um sorrisinho.

—Bem, de qualquer maneira- Tony decidiu continuar antes que Laiza resolvesse retrucar, e o caos se instaurasse novamente. Um chato, na minha opinião- O resto de nós fica aqui protegendo a kombi, mas podem nos chamar, se precisarem de reforços.

—Acho pouco provável- Pietro decidiu manter a mesma postura convencida de antes, ainda que parecesse ligeiramente irritado- Mas parece um plano razoável.

—Tudo bem, então- Cora concordou- Devemos levar as armas?

—Acho que sim- Tony opinou- Mas escondidas, de preferência.

—Certo.

Nós novamente resolvemos ir à pé, uma vez que a kombi não havia sido estacionada longe do destino.

—Um mausoléu, certo?- eu perguntei, conforme nos aproximávamos do centro histórico, composto por diversas construções coloniais- Alguma ideia do porque um destino tão específico?

—Tenho uma teoria- Cassandra respondeu, conforme nos aproximávamos do lugar, uma casa antiga e branca- Andrade é um uma corrupção do sobrenome Andrada. Acho que essa tal Virgília está se escondendo no mausoléu da própria família.

—Mórbido- Cora comentou.

—Eu achei maneiro- Pietro contrariou- Andrada não são aqueles caras da Independência?

—São- Cassandra respondeu- Não me surpreenderia se ela fosse um deles. Muitas figuras históricas são feiticeiras, semideuses e coisas do tipo.

—Espere- eu murmurei, conforme os pontinhos se juntavam em minha cabeça de repente- Se ela era mesmo uma mortal, e está viva até hoje, isso quer dizer que...

—Ela fez um ritual para se tornar imortal- Cassandra concluiu- E por isso tempos que tomar muito cuidado com ela.

—Como assim?- Cora perguntou, parecendo um pouco confusa.

—Bem, a maioria dos rituais para se tornar imortal exige sacrifícios. Muitas vezes, sacrifícios humanos. Então talvez ela não seja uma pessoa particularmente boa ou confiável- eu expliquei, e eu vi Cora parecendo realmente chocada pela primeira vez.

—Que agradável- Pietro ironizou.

—Mantenham suas armas escondidas, mas de fácil acesso- Cassandra aconselhou- E não a desrespeitem sob hipótese alguma. Não queremos entrar em uma briga que não podemos ganhar.

—Bem- eu murmurei, encarando a entrada do mausoléu- Parece que já entramos, não é mesmo?

E, empurrando as portas, eu adentrei a casa dos mortos.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :) Como sempre, podem me avisar sobre qualquer erro na retratação dos personagens. Vejo vocês nos comentários, até!