Eu nunca fui uma pessoa muito organizada.

Na realidade, isso nunca me interessou. Sempre deixei tudo à mão, da maneira mais prática possível, pois sempre estive muito ocupado treinando e saindo em missões. Por vezes acabei bebendo leite estragado, saindo com a roupa do avesso ou até sem cueca (é sério) por puro descuido ou pressa. Também acabava esquecendo de tomar banho todo dia ou de escovar os dentes, por mais que não me orgulhe muito dessa parte…

Eu não sabia, contudo, que no momento em que aquele anel de noivado entrasse no anelar de Sakura-chan, meus dias de desorganização estariam acabados.

Às vezes ela gostava de ficar no meu apartamento, mesmo que eu estivesse treinando ou em alguma missão. Sakura-chan dizia que era silencioso e que ela podia ler em paz ou praticar seu ninjutsu médico sem interrupções (até porque, no começo, nem todo mundo sabia que estávamos juntos e muito menos que teria alguém na minha casa). E aproveitava para arrumar uma coisa ou outra do jeitinho dela – quem sabe, quando estava de bom humor, deixava até comida pronta para quando eu chegasse. Parece ótimo, não é? Pois é.

No momento que o anel entrou, isso acabou.

Ela me coagiu a arrumar o apartamento todinho dizendo que era trabalho meu! E, não sei se vocês sabem, mas Sakura-chan pode ser meio agressiva quando está irritada. A melhor saída foi a de não contrariá-la, criar meia dúzia de clones e fazer uma coisa que eu nunca havia sequer cogitado: faxina. E com isso, nós aprendemos algumas lições.

Sakura-chan aprendeu que, se fizesse a carranca certa, conseguia me impulsionar a fazer coisas que eu não queria.

Eu aprendi que, se eu fizesse o que ela queria, a carranca saia e um sorriso lindo vinha logo em seguida. De modo que valia muito a pena…

O problema é que essa criatura iluminada com quem eu me noivei abusa dessa maldita carranca e eu estou prestes a mostrar para ela que tudo tem um limite, inclusive minha paciência – que, com ela, é a maior do mundo.

A pior parte é que tenho certeza que minha mãe ainda daria razão a ela. Não que eu seja muito entendido nesse assunto de relacionamento, mas aí vão algumas dicas para que você sobreviva quando morar com uma mulher esquentadinha, como a Sakura-chan:

1 _ A maioria das mulheres gosta de limpeza;

2 _ Se ela aprender a carranca certa para te dominar, sua vida estará acabada;

3 _ Nunca deixe a toalha molhada jogada por qualquer parte da casa que não seja o banheiro;

4 _ Sempre elogie a comida dela. Sempre;

5 _ A louça da comida não se lava sozinha;

6 _ Não jogue a louça fora sem consultá-la antes.

x

Sakura podia jurar que era a milésima vez que Naruto lhe pedia lámen no jantar. E, honestamente, não sabia dizer como aquele infeliz não enjoava de comer aquilo.

Sabia que seu repertório culinário não era exatamente extenso, mas estava farta de ficar fazendo lámen e suas variações. Sempre tentava colocar alguma novidade no prato já conhecido, então procurava acrescentar cenoura, carne de poco, alguns legumes temperados, quem sabe até pré-fritos, só para incrementar uma receita tão ridiculamente fácil. A cozinha nunca fora sua área mais forte e gostava de se esforçar para melhorar, mas ficava difícil de conseguir algum progresso se cozinhava todo dia a mesma coisa.

Por isso, aquele dia, decidiu contrariar as vontades de noivo e se desafiou a fazer uma bela e generosa porção de bolinhos de arroz. Decidiu fazer bastante, pois se Naruto gostasse, certamente comeria sem parar. Então estava realmente atarefada na cozinha, prestando máxima atenção ao caderno de receitas da mãe e lutando cotra sua própria força bruta para agir com delicadeza. Tinha até comprado louças novas para o jantar, tamanho era seu entusiasmo em preparar algo diferente.

Assim que ouviu o barulho do chuveiro cessar, imaginou que ele logo chegaria e se desapontaria um pouco por não sentir o cheiro do lámen na panela. Então já se muniu de paciência, tentando seriamente evitar algum desentendimento entre eles aquela noite. Já estava até bem satisfeita por não ter de lançar-lhe um olhar mortal para fazê-lo tomar banho, o que parecia demonstrar que seus esforços higiênicos estavam sucedendo na vida do ninja.

Naruto passou por ela assim que saiu do chuveiro. Estava só de bermuda, enxugando o cabelo na toalha, parecendo meio distraído. Sorriu ao vê-la, como sempre e se aproximou de forma carinhosa, virando os olhos na direção da pia e observando o que Sakura preparava.

— Nada de lámen hoje, certo?

Ao que ela assentiu, sem desviar a atenção dos bolinhos que moldava gentilmente na palma das mãos.

— Certo. Vamos comer alguma coisa diferente.

Mas não houve qualquer reclamação por parte de Naruto. Apenas beijou-lhe o topo da cabeça e deixou a toalha que usava pendurada nas costas de uma das cadeiras que rodeavam a pequena mesa de jantar. Ele pareceu não perceber o gesto, rumando até o guarda-roupas de forma despretensiosa em busca de uma camiseta limpa. Sakura, no entanto, estreitou os olhos para aquele resquício de bagunça que ainda se manifestava no aspirante a Hokage e abandonou os bolinhos por alguns segundos.

Apanhou a toalha nas mãos e o seguiu, virando-se para ele que não teve sequer tempo de pensar. Lá vinha a toalha molhada de encontro ao seu rosto.

— Sakura-chan!

Quando Naruto se desenrolou da toalha, não havia mais sequer sombra de Sakura no quarto. Então ele apenas bufou e foi até a cozinha, terminando de vestir a camiseta no meio do caminho. Por mais que soubesse que ela tinha razão em se zangar com a desorganização, não lhe dava o direito de jogar coisas em sua direção.

— Sakura-chan, eu só deixei a toalha alguns segundos aqui! Não precisava jogar em cima de mim, eu ia guardar!

— Ah, ia?

Ela se virou de uma forma meio ameaçadora, assim que colocou o óleo na panela para esquentar. Naruto jogou a toalha sobre o ombro, decidido a não se intimidar com a famigerada carranca e engoliu seco antes de prosseguir.

— Ia! Eu só fui colocar uma camiseta.

— Claro, assim como os calçados que você larga de qualquer jeito na entrada, ou os pratos que você não lava e também como as roupas que você põe para lavar do avesso.

Ele se apoiou no balcão da cozinha, tentando não demonstrar que estava com medo de que ela jogasse a panela de óleo quente bem em sua cara. Sakura, por outro lado, sabia que havia exagerado mas não estava com a mínima vontade de dar o braço a torcer para aquele bagunceiro devorador de lámen.

— Essas coisas não te incomodavam tanto quando nós namorávamos.

— Claro que não. Eu não morava aqui.

Não que eles tenham se sentado e decidido, após uma conversa, que iriam morar juntos. Na realidade, o anel de noivado chegou em um dia e Sakura ficou para dormir no outro e foi assim até que, aos poucos, as coisas dela estivessem todas ali. Naruto achava fantástico quando chegavam roupas, calçados e fotografias da kunoichi, possibilitando-o a conhecê-la ainda melhor.

No entanto, ela agora já parecia mais dona da casa do que ele próprio.

Notando que o temperamento de Sakura fervia como o óleo na panela, Naruto decidiu tentar vencê-la de outra forma. Bater de frente com ela não era exatamente uma boa ideia.

— Olhe, tudo bem, eu estou tentando melhorar para que você se sinta confortável aqui. Mas, Sakura-chan, você poderia tentar não jogar coisas na minha cara? Literalmente…

Então Sakura bufou e virou-se de costas para ele, voltando a olhar os bolinhos que fritavam no óleo quente. Por experiência própria, Naruto sabia que já havia conseguido chegar a algum lugar com aquela conversa. Por isso deu um meio sorriso e foi rumando para o banheiro. De lá, ouviu a noiva dizer:

— Tudo bem. Mas pare de ser tão bagunceiro, isso me dá nos nervos!

x

Até que não estava mal.

Claro que não era o melhor bolinho de arroz que comera em sua vida, mas até que, para alguém que havia feito pela primeira vez, Sakura não se saíra tão mal assim. Não estava com a textura correta e ainda faltava um pouco de tempero, mas certamente era bem comestível.

Ela o observava sobre a mesa, entre uma mordida e outra nos bolinhos, tentando esconder que estava ansiosa por sua opinião. Seus olhos verdes curiosos, analisando a expressão que Naruto fazia quando mastigava e tentando definir se parecia tão alegre como quando comia lámen.

Definitivamente não parecia.

Então ela suspirou e afundou a testa na mão, olhando de forma desinteressada para os bolinhos que fizera com tanto esforço e capricho. Naruto apenas observou, sem entender direito do que se tratava.

— Amanhã eu faço lámen, tá bem?

E ele se sentiu feliz de verdade em ouvir isso. Teria dado pulos de alegria, se não fosse aquele jeitinho decepcionado que Sakura havia adquirido. Fitou por alguns segundos os bolinhos levemente disformes e engoliu a porção que tinha na boca, sorrindo para ela da melhor maneira que conseguiu.

— Não, não, porque você não faz outra receita amanhã, Sakura-chan?

Um brilho esquisito e meio psicótico passou pelos olhos de Sakura. Ela sorriu de uma maneira assustadoramente feliz, fazendo Naruto querer retirar suas últimas palavras no instante em que viu.

— Quer dizer que você gostou?!

Ele coçou a cabeça, ainda sorrindo. Gostar era uma palavra muito forte, mas não achou que era uma boa ideia ficar debatendo definições do dicionário naquela altura do campeonato. Então apenas assentiu.

— Sim, ficou gostoso! Se você gosta de cozinhar, pode preparar o que quiser 'ttebayo!

E ela sorriu. Daquele jeito, toda animada, que Naruto adorava ver. Voltou a comer os bolinhos com mais empolgação, falando sem parar sobre a próxima receita que faria, mas ele não conseguiu prestar muita atenção. Ficou perdido naquela boca que tanto gostava e, quando viu, já estava a beijando.

Não durou muito, foi só um beijinho simples, daqueles que ele costumava roubar quando a achava muito bonita. Sakura já estava acostumada com isso. Por vezes, quando estava lendo alguma coisa ou até cortando as unhas (pasmem) Naruto vinha do nada e lhe puxava para um singelo colar de lábios que não devia durar mais que dez segundos por que, nas palavras dele, "simplesmente não dava para resistir".

Sakura não dizia nada quando o noivo fazia isso, mas seu sorriso entregava o quanto gostava da atitude.

Eles terminaram de comer e, assim que Sakura colocou as louças na pia, Naruto soube que era sua deixa para realizar a limpeza. Afinal, nada mais justo, especialmente após vê-la cozinhando por tanto tempo. Só que, ao mesmo tempo que sabia que devia ajudar, estava com tanta preguiça que acabou apenas enfiando toda a louça num saco de lixo. Compraria novas amanhã e estaria tudo bem, certo?

Não foi bem assim que ocorreu quando Sakura o viu passando com o saco de lixo e descobriu que eram as louças novinhas que havia comprado para o almoço. Ela até conseguiu não lançar nenhum objeto na direção do noivo, mas certamente seus gritos foram ouvidos por toda a vizinhança.