Contraste escrita por Paulinha Almeida


Capítulo 21
Capítulo 21




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Acordei no dia seguinte com o alarme programado para me acordar todo domingo a tempo de chegar na casa dos meus pais. Dessa vez, no entanto, ao invés de me apressar, continuei deitada na minha cama por longos minutos encarando o teto e ponderando o que eu preferia menos: ir ou não ir, e depois enfrentar todas as reclamações porque não fui.

No fim eu decidi que se ouvisse mais alguma reclamação sobre qualquer coisa, eu iria querer matar alguém, então me arrumei e saí de casa. Assim que passei pela porta, a primeira frase que ouvi quase me fez voltar imediatamente pelo mesmo caminho:

—Bom dia querida, cadê o Harry? - Meu pai perguntou.

—Na casa dele.

Eles podiam ter suas peculiaridades, mas como todo bom pai e mãe que se prezem, conseguiam ler nosso tom a quilômetros de distância. Dei um abraço em cada um deles e ignorei o olhar questionador que eles trocaram entre si.

—Ele não quis vir, meu bem? - Minha mãe perguntou especulativa, tentando esconder a preocupação na voz.

—Eu não convidei e não quero falar sobre isso. - Cortei o assunto antes que ele se estendesse, e me sentei do lado do Ron no sofá da sala.

Meus pais não insistiram mais no assunto, mas eu podia sentir como eles estavam preocupados com um possível fim do meu relacionamento. Ao mesmo tempo que isso me agradava, porque significava que eles gostavam do Harry, isso me irritava, porque eu sabia exatamente os motivos pelos quais eles gostavam do Harry.

—Está tudo bem? - Ron perguntou apenas para que eu escutasse.

Mesmo que meu relacionamento tivesse terminado, eu sabia que meu irmão não me olharia como se eu estivesse jogando fora minha única chance de ter uma vida normal.

—Está, eu acho. Eu só estou um pouco chateada.

—Com ele?

—Com a mãe dele. Bom, os pais dele, porque tenho certeza que ela não está sozinha nessa. Mas podemos deixar isso pra lá? Eu já estraguei meu sábado, então vou pelo menos tentar salvar meu domingo.

Ron não falou mais nisso e passou boa parte da tarde conversando comigo, sem dar aos nossos pais tempo de sequer tentar extrair alguma informação.

Naquela noite, quando me sentei na minha cama com o controle da TV nas mãos e os cabelos molhados depois de um banho quente, meus olhos insistiram em se desviar o tempo todo para a tela apagada do meu celular, onde nenhuma notificação me aguardava.

Eu disse ao Harry que queria um tempo para mim e ele respeitou, o que era ótimo, exceto por como uma pequena parte de mim queria que ele não respeitasse tanto assim.

O longo tempo que passei encarando o teto escuro do meu quarto antes de finalmente cair no sono não fez muito pelo meu humor de segunda feira, mas pelo menos me ajudou a esclarecer o que fazer e quem eu queria ver. Quando me acomodei no metrô a caminho do estúdio, puxei o celular do bolso e disquei o único número que me confortaria nessa situação.

Luna me atendeu animada e desperta, mas não demorou nem duas frases minhas para perguntar o motivo da minha voz chateada. Depois de confirmar que estaria em casa no final da tarde e claro que eu podia ir até lá depois do trabalho, encerrei a ligação e aproveitei o resto do meu caminho em silêncio.

O modelo ainda não estava pronto quando cheguei, então me sentei na lateral da mesa do Olivio e jogamos conversa fora enquanto ele terminava os últimos ajustes da iluminação em seu computador. Eu era melhor em disfarçar meus sentimentos na frente dos meus amigos do trabalho, então não precisei responder a nenhuma pergunta sobre o meu humor. Poucos minutos depois, Colin e o rapaz saíram por uma porta lateral e eu saltei de onde estava para começarmos.

Normalmente os ensaios contavam com um pausa para a equipe e os modelos comerem alguma coisa ou apenas relaxarem um pouco. Quando o rapaz pediu um intervalo, puxei o celular do bolso apenas por hábito, mas as borboletas no meu estômago se agitaram um pouco ao ver a mensagem não lida que me aguardava.

“Hey Gin, é tão estranho não falar com você o tempo todo.”

Antes de responder eu fui até o banheiro, onde teria um pouco de privacidade.

“Oi Harry. Sim, principalmente quando todo mundo pergunta de você. Meus pais mandaram um beijo. Ensaio da capa masculina hoje, dia corrido por aqui.”

Minha mensagem foi lida quase imediatamente.

“Outro para eles. Quer jantar comigo hoje?”

Eu queria dizer sim para aquele convite com a mesma intensidade que eu queria dizer não. Era ruim ficar naquele clima chato e tão longe do que era normal entre nós, mas pelo menos ainda havia um nós. Eu não era especialista em relacionamentos, mas algo me dizia que apenas poucos sobrevivem a uma briga com os pais do outro.

“Posso ir daqui direto para a sua casa, pego alguma coisa no caminho”. Harry sugeriu quando eu demorei um pouco para responder a mensagem.

Felizmente nesse caso, a decisão já estava tomada e me tirava a responsabilidade de precisar decidir. 

“Não posso, vou jantar com a Luna hoje.”

Dessa vez foi ele que demorou um pouco para responder.

“Ok, divirta-se com ela.”

“Como você está?” Ele mandou antes que eu tivesse a chance de dizer algo.

“Eu estou bem.”

“E nós, estamos bem também?”

A pergunta me amoleceu um pouco e por um segundo eu pensei em reconsiderar meus planos para aquela noite.

“Eu acho que sim, Harry.”

“Estou com saudade de você, garota.”

O barulho da porta se abrindo interrompeu o sorriso que estava nascendo no meu rosto. Parvati surgiu com uma prancheta na mão e se deteve quando me viu encostada na pia.

—Ele acabou de voltar, vamos?

—Só um segundo, já te sigo.

“Eu também estou :) Preciso ir, o modelo voltou.” Respondi rapidamente e guardei novamente o celular antes de sair do banheiro, minha amiga estava esperando do lado de fora.

—Tudo certo?

—Sim, só um drama familiar para quebrar a rotina. - Era uma verdade muito amenizada, mas eu não tinha intenção de dar mais detalhes.

Luna e Izzie estavam esperando por mim quando desci na estação do metrô, prontas para caminharem comigo as três quadras de distância até a casa delas. Nev não estava em casa, então o café da tarde que me aguardava era composto principalmente de produtos vendidos numa padaria próxima, embora eu tenha dito que não precisava se preocupar com isso.

Izzie monopolizou minha atenção por um tempo, mas logo se concentrou novamente em todos os brinquedos espalhados no chão da sala quando Luna e eu nos acomodamos no sofá.

—Mas então me conta, qual motivo do desânimo? - Minha amiga foi direto ao ponto.

—Adivinha com quem eu meio que briguei no sábado?

—Com o Harry?

—Não, mas chegou perto. Com a mãe dele.

—Mentira? - Falou com os olhos arregalados.

Luna sabia todos os detalhes dos nossos encontros anteriores, então a incredulidade e empolgação estavam misturadas na expressão de surpresa com que ela me olhava.

—Queria que fosse.

—Me conta direito, como foi isso?

Narrei para ela toda a nossa conversa, começando com como James perguntou sobre a faculdade até o momento em que saí da casa deles de uma maneira que faria meus pais se envergonharem com minha falta de bons modos.

—Você precisava ouvir o tom dela me provocando, como se estivesse testando a minha paciência.

—Duvido que ela contava com você respondendo tão a altura e ainda dizendo que ela não conhece o próprio filho. Eu queria tanto ter assistido.

—Eu acho que Lily nunca teve ninguém contrariando o que ela diz, sabia? Você vê na postura dela, que ela está acostumada a sempre ter a última palavra.

—Até com o marido?

—Acho que eles são parecidos demais para alguém precisar ter a última palavra ali. São daqueles casais que um praticamente termina a frase do outro, de tanto que eles são iguais.

—Pela descrição, me parece bastante com os seus pais.

Suspirei conformada, porque era verdade.

—É algum tipo de karma isso? Será que Freud explica também eu ter me apaixonado logo por alguém que tem pais exatamente como os meus?

—Acho que ele só conseguiria explicar se Harry é que fosse como seus pais.

—Nesse caso ele nem teria o que explicar, porque ele estaria bem longe da minha vida.

Ela riu com a minha ênfase e eu acabei acompanhando.

—Qual foi a sensação de responder no mesmo nível ao invés de só ouvir?

Eu ainda não tinha pensado sobre aquilo, mas o sorriso involuntário que surgiu no meu rosto já respondia por mim.

—Foi surpreendentemente bom, o tipo de momento libertador que eu conseguiria muito bem viver sem, mas mesmo assim. É boa a sensação de se defender.

—Sim, é boa. E é viciante também, não acho que é algo que a gente desaprenda a fazer.

—Mas essa briga me deixou triste de verdade, como já há um tempo eu não me sentia.

—Eu lembro bem da época da faculdade, pouco antes de você sair de casa. Imagino todos os gatilhos que ela te trouxe.

—Não só isso. Eu não sei como Harry está, o que foi que os pais dele disseram para ele e como ela vai reagir.

—Você acha que além dos pais que não conhecem o próprio filho, estamos lidando também com um filho que não sabe os pais que tem?

—Não, acho que ele tem uma ideia mais clara sobre os pais. Mas mesmo assim, não muda o fato de que ele vai ser obrigado a lidar com uma namorada e pais que não conseguem dividir o mesmo ambiente civilizadamente. Não é justo ele ter que se dividir assim.

—Justo não é, mas também não é uma escolha sua.

—Eu sei.

Ficamos um momento em silêncio, eu absorvendo tudo o que conversamos enquanto Luna arrumava o minúsculo rabo de cavalo da filha.

—Ele queria ir jantar comigo hoje. - Falei por fim e ela começou a rir, contrariando todas as minhas expectativas de uma reação mais empática.

—Quem diria que logo você, a rainha da atitude, ficaria toda covarde num relacionamento.

—Por isso que eu venho aqui, o apoio emocional é sem igual. 

—E foi essa a desculpa que você usou, né? Que estava vindo pra cá.

—Não é desculpa se é verdade e já estava marcado.

—E imagino que você não vai embora a tempo de ter essa conversa.

—Não saio daqui antes da meia noite, e nem tente me expulsar.

Eu não estava falando sério sobre o horário de ir para casa, mas Nev chegou logo depois e eu resolvi ficar para jantar, depois emendamos uma partida de Scrabble e quando dei por mim já passava das onze. Troquei o metrô por um táxi e depois de um momento de hesitação, dei o endereço da minha própria casa e assumi para mim mesma o título que Luna tinha tão gentilmente me dado.

No dia seguinte decidi que não tinha sentido continuar adiando, afinal Harry teve tempo mais que suficiente de me dizer caso essa situação fosse um problema. Ao contrário, o único contato que tivemos foi na verdade bem promissor. Sem mais pensar nisso, selecionei seu contato no meu telefone e comecei a conversa:

“Hey, aquele convite para jantar ainda está de pé?”

Qualquer dia eu precisava perguntar ao Harry se ele trabalhava mesmo ou passava o dia todo no celular, porque suas respostas eram sempre muito imediatas.

“Oi Gin, hoje eu tenho um jantar com os diretores do banco.”

Aquela resposta me deixou um pouco decepcionada, mas o sentimento não teve tempo de crescer dentro de mim, pois a mensagem seguinte chegou alguns segundos depois.

“Acabei de olhar aqui e nossa reserva está marcada para as 7. Eu devo estar livre as 9, é muito tarde?”

Agora sim, se parecia mais com o tipo de coisa que eu esperava escutar.

“Não, me avisa quando estiver chegando e eu te encontro na sua casa. Até a noite.”

Quando ele me mandou uma mensagem informando que estava no táxi a caminho de casa, terminei meu suco em goles longos, me despedi dos meus amigos e sai da pizzaria onde havíamos decidido nos juntar para um jantar de última hora.

Quando o elevador chegou ao nono andar, Harry estava me aguardando com a porta de casa aberta, usando um terno completo ao invés da roupa social mais casual do dia a dia. Era uma visão e tanto, e um contraste gritante com a minha saia de couro e suéter de costas nuas por baixo da jaqueta jeans.

Ao invés das gracinhas de sempre que a gente se encontrava, dessa vez Harry apenas me encarou, como se estudando a minha expressão e tentando entender o que estava acontecendo. Quando cheguei perto o suficiente ele enlaçou minha cintura com um braço, meu corpo firmemente grudado ao dele, a boca na minha em um selinho firme e demorado enquanto ele fechava a porta atrás de nós antes de me prender em um abraço apertado. Eu não estava esperando, mas de forma alguma reclamaria.

—Senti saudades, garota.

—Eu também, Potter.

Ele se afastou apenas o suficiente para conseguir me olhar, os braços ainda presos ao meu redor.

—Precisamos conversar, não é?

—Acho que sim.

Me sentei no meu canto preferido do sofá e ele se acomodou perto o suficiente para pousar a mão na minha perna cruzada sobre o assento. Ao invés de dizer qualquer coisa, ele me deu espaço para começar o assunto.

—Eu quero saber qual sua posição nisso tudo. - Fui direto ao centro da questão para mim.

—Mas eu nem sei o que aconteceu.

A pequena dúvida que eu tinha sobre ele estar tentando ganhar tempo foi logo descartada pela expressão claramente confusa com que ele me olhava.

—Sua mãe não te contou o que houve? - Ainda assim, soei desconfiada.

—Não. Eu liguei para ela assim que você saiu daqui, mas tudo que ouvi foi uma Lily muito indignada repetindo loucamente como você é petulante, e exigindo saber o que foi que eu me dei de presente de aniversário no ano passado. Confesso que não fez muito sentido.

Eu ri com a última parte, Harry me olhou ainda mais confuso.

—E o que você falou sobre o presente?

—Que isso não tinha nada a ver com o assunto, eu queria saber o que aconteceu e aí ela só repetiu que você é muito petulante e algo sobre quem você pensa que é. No fim eu desisti.

Achei surpreendente ela não ter falado nada, talvez nos meus cenários pessimistas eu tivesse me convencido de que Lily tinha contado uma versão distorcida da história em que eu aparecia como uma pessoa horrível que gratuitamente destrata mães indefesas que estão apenas preocupadas com o filho.

—Para falar a verdade, eu fui mesmo um pouco petulante. Mas antes de te contar tudo o que houve, quero dizer que eu juro que tentei ser paciente como te prometi, mas a sua mãe é… difícil.

—Tudo bem. - Ele falou simplesmente e aguardou que eu começasse a narrativa.

Do mesmo jeito que fiz com a Luna, contei ao Harry exatamente como tudo aconteceu, toda a conversa desde que ele e o pai saíram da cozinha, palavra por palavra do que a mãe tinha dito e, da mesma forma, exatamente o que eu falei para deixá-la também tão brava.

—E é por isso que ela quer saber o que você se deu de presente de aniversário, porque eu basicamente falei que ela não te conhece e quase usei a moto como exemplo, mas no fim eu não contei o que era.

Ao fim da minha narrativa, Harry estava me olhando um pouco incrédulo, a expressão quase vazia, como se ele estivesse processando o que ouviu. Depois de alguns segundos em silêncio, comecei a sentir que talvez eu precisasse me explicar.

—Eu sei que eu não deveria ter dito tudo isso, mas…

Ele levantou uma mão e me interrompeu:

—Só eu entendi que ela disse que somos uma total perda de tempo, e para completar ainda insinuou que você passa seus finais de semana fazendo coisas irresponsáveis?

Agora ele parecia bravo e meu primeiro impulso foi tentar minimizar a situação, mas no fim por que eu faria isso, se foi exatamente o que ela disse?

—Não com essas palavras…

—Eu não acredito nisso. - Harry afundou o rosto nas mãos por um momento, quando voltou a me olhar ele parecia bem chateado. - Desculpa Gin, eu juro que nunca imaginei isso.

Antes que eu conseguisse responder, ele continuou.

—Quero dizer, eles já tentaram ditar regras pra minha vida e proibir algumas coisas mesmo quando eu já tinha passado e muito da idade de pedir permissão, mas nunca nada que me fizesse pensar que chegariam a esse ponto.

Pensei em dizer que era porque ele nunca tinha dado motivos pra chegar a esse ponto, mas achei melhor guardar esse comentário para mim.

—Bem vindo ao clube das pessoas com problemas com os pais.

Ele riu da minha piada ruim, mas não foi o riso natural e espontâneo que eu conhecia, faltava o humor de sempre.

—Pelo menos os seus pais me tratam muito bem, nesse ponto já posso dizer que duvido que eles fariam qualquer coisa para me fazer sentir mal ou que não sou bem vindo.

Dessa vez o riso sem humor foi meu.

—Acredite quando eu digo, o único motivo deles te tratarem desse jeito é que você e eu somos muito diferentes, porque se nem todo mundo estivesse vestido no seu local de trabalho ou você também não suportasse a ideia de usar roupa social o dia todo, eu duvido que você seria tão bem recebido.

—Isso é tão injusto! - Ele falou indignado. - Você é inteligente, super interessante, independente, você é incrível, e eu sou bem tratado porque sento o dia todo na frente de um computador remediando atitudes de gente escrota que ocupa cargos altos?

Dei de ombros e não disse nada, porque eu não saberia o que responder para isso, além de concordar que era injusto.

—Mas nós estamos bem, não estamos? - Harry perguntou, puxando minha mão e entrelaçando nossos dedos.

—Eu não sei Harry, depende mais de você do que de mim. - Ele me olhou sem entender e eu continuei. - Eu não vou voltar na casa dos seus pais, sem chance nenhuma disso acontecer, e também não vou te acompanhar como nas vezes em que eles vieram para cá.

Ele não parecia surpreso com essa informação.

—Eu odeio ser a pessoa que te obriga a se dividir desse jeito, mas não da pra mim. Eu lidei a vida inteira com essas críticas dentro de casa, já gastei toda a minha cota de engolir tudo isso sem dizer nada e tentar agradar as pessoas. Se você estiver bem com tudo isso, ótimo, mas se você for tentar me convencer a te acompanhar toda vez que visitá-los, não vejo como pode dar certo.

—Não estou aqui para te convencer a fazer nada que você não queira, garota. Muito menos para te expor a situações desagradáveis

Eu não imaginava que essa fosse a intenção dele, mas foi bom ouvir isso mesmo assim.

—Então eu acho que estamos bem, sim.

Dessa vez ele me lançou um sorriso aliviado, que finalmente alcançou seus olhos, e se debruçou sobre mim o suficiente para conseguir me beijar. Nenhum de nós dois se apressou em quebrar o contrato, aproveitei o calor da boca dele na minha e o carinho gostoso na minha bochecha durante todos os minutos que ficamos ali.

—Você sabe que não vai embora hoje, né? - Perguntou entre um selinho e outro.

—Esse meio que já era o meu plano, mas preciso de um banho. Quer vir comigo?

—Tentador, mas preciso fazer uma coisa antes.

—Tudo bem, então vou primeiro e te espero no quarto.

Senti seus olhos me acompanhando pelo corredor até eu desaparecer do seu campo de visão. Já tinha uma toalha de banho me esperando no banheiro e eu não demorei a estar embaixo da água quente e relaxante. Por mais que fosse tentador esperar por ele embaixo do chuveiro, eu estava cansada o suficiente para a cama me parecer mais atrativa, então meu banho foi rápido e poucos minutos depois eu já estava me enxugando.

Quando abri a porta do banheiro, o som da voz do Harry se tornou audível e ele parecia bravo. Embora eu não tivesse certeza de com quem ele estava falando, não era difícil deduzir. Nem tentei negar minha curiosidade, mas me consolei dizendo que não tinha como eu não ouvir o que ele estava dizendo.

“Você não tinha o direito de dizer essas coisas… Não importa, é da minha vida que estamos falando aqui, são as minhas escolhas… Se é isso que vocês querem, ótimo, porque eu estou feliz… O nome dessa menina é Ginny e vocês nem a conhecem, nunca nem tentaram.” - O tom que ele usou nessa última frase me fez arregalar os olhos, e o assunto nem era comigo. - “Isso não vem ao caso pai, o problema não é esse… Não, eu não quero ir aí conversar sobre isso… Eu não estou com raiva, só nunca esperei isso de vocês, pela primeira vez eu estou verdadeiramente decepcionado… Não, eu preciso ir agora, tchau.”

Assim que a ligação foi encerrada ouvi os passos dele em direção ao quarto, mas meu namorado passou direto por mim e foi tomar banho. Quando saiu do banheiro, usando nada além da cueca, Harry deitou do meu lado, o rosto sério encarando o teto acima de nós.

—Não precisa fingir que não escutou.

—Nem pensei em fazer isso, você sabe que eu sou uma péssima mentirosa. - Me virei de frente para ele e apoiei o cotovelo no colchão para conseguir olhá-lo de frete. - Você nunca antes tinha tido problemas com eles, não é?

—Desse jeito não. - Ele se deteve por um momento, ainda sem me olhar. - Claro que já nos desentendemos antes, mas eles nunca se meteram desse jeito nas coisas.

Eu poderia dizer que era porque pela primeira vez ele tinha insistido em algo que eles não concordavam, mas eu sabia que Harry sabia tão bem quanto eu que esse era o problema, e que por isso só agora.

—Eu estou tão decepcionado. - Ele falou depois de um momento de silêncio. - É assim que você se sente com seus pais?

Harry nunca tinha me perguntado diretamente sobre minha relação com os meus pais, e não vou negar que ser colocada no meio do assunto me deixou subitamente desconfortável. Ainda assim, eu não iria mentir sobre isso e nem tentar deixar a verdade mais agradável.

—Não, eu me sinto uma decepção.

Ele virou o rosto imediatamente para mim, uma expressão séria que dizia claramente que ele não esperava ouvir aquilo.

—Gin… por que?

—É difícil explicar o motivo pra quem não vive isso. Não tem uma atitude óbvia, tipo o que os seus pais fizeram, são pequenos sinais no dia a dia. O olhar atravessado para as minhas roupas, o fato deles quererem saber todos os detalhes da carreira do meu irmão, mas nunca perguntarem absolutamente nada sobre a minha, o jeito que eles sempre se referem aos meus amigos como “essas pessoas”, nunca reconhecendo que eles são importantes para mim. E o jeito que eles fazem tudo isso achando realmente que estão fazendo o melhor por mim, que se ignorarem o suficiente  meu estilo de vida, essa minha fase vai passar e eu vou ver que aparentemente só é possível ser feliz dentro da vida que eles idealizaram. Tudo o que conseguem é me fazer sentir inadequada. - Dei de ombros para diminuir um pouco o peso daquela declaração.

—Isso é triste e cruel na mesma proporção.

—Eu estava muito relutante em te apresentar para os meus pais, porque eu sabia que eles iam  amar você. É ótimo que vocês se deem bem, não me entenda mal, é só que o motivo pelo qual vocês se dão muito bem é mais um lembrete de como eu não me encaixo muito bem na minha família. Antes de chegarmos na casa deles naquele dia, eles nunca tinham perguntado absolutamente nada a seu respeito, só sabiam o seu nome porque eu contei espontaneamente.

—Eles não estavam nem um pouco curiosos?

Neguei com a cabeça antes de continuar, porque depois de começar a falar era difícil parar. Não era um assunto agradável, mas conversar com ele era fácil e de repente eu queria desabafar.

—Por outro lado, quando Mione chegou em casa pela primeira vez, todo mundo já sabia com que ela trabalhava, quantos anos tinha e até o que ela gostava de comer. A única diferença entre você e ela, é que o Ron era a referência que meus pais tinham para imaginar a namorada dele, e eu era a sua. Eu sou a filha deles, então eles meio que não tem escolha, mas eu imagino como eles lidariam com alguém exatamente como eu sentado do meu lado no almoço de domingo. Foi mais ou menos o que aconteceu comigo sentada do seu lado na casa dos seus pais.

—Não justifica nada.

—Não estou tentando justificar, só estou dizendo que por mais que eu tenha ficado triste, um lado meu de certa forma já esperava por isso. Se já é assim com os meus próprios pais, por que não seria com os seus? Eu sei que o meu estilo de vida não é o mais tradicional do mundo, meu emprego então nem se fala, mas…

—Gin, para. - Harry me cortou com a voz certeira, e eu o encarei sem entender. - Parece que você está tentando se explicar, e você não precisa ter que se explicar.

Meu primeiro impulso foi negar que eu estava me explicando, mas talvez eu já fizesse isso sem nem perceber.

—Força do hábito, eu acho…

—Agora eu estou meio bravo com os seus pais também.

—Eu estou sempre meio brava com eles, você não imagina como era antes de eu sair de casa.

Ele abriu a boca para falar alguma coisa e fechou novamente, como se não fosse uma boa ideia.

—Se pensou em falar, vai ter que terminar, Potter.

—Como você consegue ir para a casa deles todo domingo e aguentar isso quieta?

Talvez eu devesse ter continuado com a minha curiosidade, porque essa pergunta me atingiu num ponto bem sensível. Era exatamente o que eu me perguntava incessantemente, sem nunca de fato encarar a resposta.

—Acho que de certa forma eu estou tentando compensar o fato de que aparentemente nunca vou conseguir agradá-los em todo o resto.

O silêncio se estendeu novamente entre nós.

—Eu sinto muito. - Harry falou por fim.

—Eu também, mas não é bem uma escolha minha e agora eu gostaria de falar de outra coisa.

Não precisei pedir novamente, Harry mudou completamente de assunto de um segundo para o outro e iniciou um monólogo detalhado sobre o jantar de trabalho que participou. Ele me conhecia o suficiente para saber que eu não prestaria atenção completamente, e eu o conhecia o suficiente para saber que ele escolheu esse assunto justamente para me dar tempo para engolir o nós que de repente se formou na minha garganta. Era exatamente o que eu precisava, melhorado pelo fato de que nem precisei pedir.


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Notas finais do capítulo

Claro que eles iam se acertar e agora estão ainda mais cúmplices. O que melhor pra isso do que problemas comuns para unir mais ainda as pessoas?
E quem mais ai ficou triste junto com ela?
Ansiosa para saber o que acharam, então não deixem de comentar.
Beijos e até daqui duas semanas.



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